ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2020 - Volume 10 - Número 3

Impacto da pandemia de COVID-19 em um programa de residência médica em pediatria no município do Rio de Janeiro

Impact of the COVID-19 pandemic on a pediatric medical residency program in the city of Rio de Janeiro

RESUMO

INTRODUÇÃO: Em março de 2020, foi decretada a pandemia de COVID-19 - doença causada pelo SARS-CoV-2 (coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave). Desde então, houve necessidade de adaptações em um programa de residência médica (PRM) de pediatria de um hospital federal no município do Rio de Janeiro. MÉTODOS: Estudo observacional retrospectivo cujo objetivo foi descrever as mudanças no PRM em pediatria de um hospital federal decorrentes da pandemia de COVID-19.
RESULTADOS: O PRM em pediatria do hospital implementou adaptações como: adiamento de consultas ambulatoriais; redução do número de residentes alocados nas enfermarias; suspensão temporária dos rodízios externos, exceto pelo rodízio em maternidade; treinamento para adequada paramentação e desparamentação; afastamento dos residentes com doenças crônicas, gravidez e daqueles com suspeita de COVID-19; implementação da teleconsulta e de atividades didáticas em ambiente virtual. Foram analisados dados de março, abril, maio e junho de 2020. Nesse período, foram afastados 4 residentes da pediatria por doenças crônicas ou gravidez. Dos 37 residentes do PRM em pediatria restantes, 27 (73%) foram afastados por questões relacionadas à COVID-19 (suspeita de COVID-19 ou estresse psicológico). Desses, houve confirmação da infecção pelo coronavírus em 15 residentes (40,5%).
CONCLUSÃO: A pandemia provocou o afastamento de um número significativo de residentes por suspeita de COVID-19 e alteração das rotinas do serviço. Houve redução significativa das consultas ambulatoriais e suspensão das atividades teóricas presenciais. De todo modo, a adoção de plataformas digitais para o teleatendimento e atividades didáticas permitiu manter o cuidado dos pacientes e a educação médica continuada.

Palavras-chave: Internato e Residência, Infecções por Coronavírus, Telemedicina, Estratégias de e Saúde, Inclusão Digital.

ABSTRACT

INTRODUCTION: In March 2020, the COVID-19 pandemic - a disease caused by SARS-CoV-2 (severe acute respiratory syndrome coronavirus 2) was decreed. Since then, there has been a need for adaptations in the pediatric medical residency program (MRP) at a federal hospital in the city of Rio de Janeiro.
METHODS: Retrospective observational study whose objective was to describe the modifications in the pediatric MRP at a federal hospital resulting from the COVID-19 pandemic.
RESULTS: Our pediatric MRP implemented adaptations such as: postponement of outpatient consultations; reduction in the number of residents allocated to the wards; temporary suspension of external rotations except for maternity rotation; training for proper dressing and undressing procedures; removal of residents with chronic diseases, pregnancy and those with suspected COVID-19; implementation of remote consultation and educational activities in a virtual environment. Data from March, April, May, and June 2020 were analyzed. During this period, 4 residents from pediatrics were removed due to chronic diseases or pregnancy. Of the 37 remaining residents of the PRM, 27 (73%) were removed due to issues related to COVID-19 (suspected COVID-19 or psychological stress). Of these, coronavirus infection was confirmed in 15 residents (40.5%).
CONCLUSION: The pandemic caused the removal of many residents on suspicion of COVID-19 and alteration of the services routines. There was a significant reduction in outpatient consultations and suspension of face-to-face theoretical activities. In any case, the adoption of digital platforms for remote consultations and teaching activities allowed the maintenance of patient care and continued medical education.

Keywords: Internship and Residency, Coronavirus Infections, Telemedicine, e Health Strategies, Digital Inclusion.


INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019, foi documentado um surto de infecção por uma nova cepa de coronavírus em Wuhan, província de Hubei, China, em um grupo de adultos com síndrome respiratória aguda grave1. Esse coronavírus foi denominado SARS-CoV-2 (coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave), sendo um betacoronavírus pertencente à linhagem B ou subgênero sarbecovírus, que inclui o SARS-CoV-2. A semelhança de sequência de RNA mais próxima é de dois coronavírus de morcego, e parece provável que os morcegos sejam a fonte primária. Se o vírus é transmitido diretamente de morcegos ou através de algum outro mecanismo (por exemplo, através de um hospedeiro intermediário) é desconhecido2. A estrutura da região do gene de ligação ao receptor é muito semelhante ao do coronavírus da SARS, e foi demonstrado que o vírus usa o mesmo receptor, a enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), para entrada em células3. Em 11 de fevereiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) a nomeou como doença do coronavírus 2019 (COVID-19)4.

A principal forma de transmissão é homem a homem, de indivíduo infectado a outro não infectado, e ocorre por gotículas respiratórias ou contato direto. Em relação à transmissão pelo ar (através de partículas menores que gotículas, que permanecem no ar ao longo do tempo e à distância), foi realizado um estudo em que o SARS-CoV-2 (cultivado em cultura de tecidos) permaneceu viável em aerossóis gerados experimentalmente por pelo menos três horas5. O vírus presente em superfícies contaminadas pode ser outra fonte de infecção, se indivíduos suscetíveis tocarem essas superfícies e depois transferirem o vírus para as mucosas da boca, olhos ou nariz. A frequência e a importância relativa desse tipo de transmissão permanecem incertas.

A doença se espalhou por todo o mundo e o número de mortes continuou a crescer rapidamente. Com o aumento do número de casos novos e a alta letalidade, a COVID-19 se tornou uma grande preocupação para a saúde global6. A OMS reconheceu essa crise e declarou a pandemia em 11 de março de 2020, devido à transmissão sustentada e à disseminação por diversos continentes. Essa pandemia mudou drasticamente a vida e as perspectivas dos moradores em um período incrivelmente curto7. Atualmente, em todo o mundo, existem mais de oito milhões de casos confirmados de COVID-19. Contagens atualizadas de casos podem ser encontradas nos sites da OMS e do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças. No Brasil, em dados atualizados do Painel COVID-19, do dia 23 de junho de 2020, foram confirmados 1.106.470 milhões de pessoas infectadas pela COVID-19 e 51.271 mil óbitos8.

O programa de residência médica (PRM) do nosso hospital iniciou-se em 1948 de forma pioneira no Brasil, tornando-se referência na formação médica9. Até 1977, as normas da residência médica não existiam de modo uniforme e sistemático, e ficavam a critério de cada instituição9. A partir de então foi criada a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), através do Decreto nº 8281/1977 e consolidada pela lei nº 6932 de 7 de junho de 1981, que estabeleceu o regime de dedicação exclusiva, ficando vedado o uso da expressão residência médica para designar qualquer programa de treinamento médico que não fosse credenciado pela CNRM10. Os PRM do hospital foram visitados pela CNRM em 1982, sendo aprovados e ampliados9.

O objetivo do PRM em pediatria é proporcionar ao residente o treinamento sob supervisão, de modo a desenvolver a autonomia com aquisição de habilidades técnicas, cognitivas e relacionais para o exercício profissional com valores éticos, humanísticos e cidadãos. Em decorrência da pandemia, houve necessidade de reorganização dos atendimentos no hospital, procurando manter a segurança dos pacientes e dos profissionais, inclusive dos residentes que estão inseridos nas atividades de assistência, ensino e pesquisa. Assim, foram feitas várias adaptações no PRM em pediatria, de modo a permitir a continuidade do programa com mínimos prejuízos. O objetivo deste artigo foi descrever as alterações no PRM em pediatria decorrente da COVID-19.


MÉTODOS

Estudo observacional retrospectivo realizado nos meses de março, abril, maio e junho de 2020 no serviço de pediatria. Foram analisados dados como: mudanças nas rotinas do serviço de pediatria; número de residentes afastados e motivos do afastamento; percentual de residentes afastados por suspeita de COVID-19; percentual de residentes com confirmação de infecção pelo SARS-CoV-2; novas estratégias de atendimento dos pacientes e de manutenção das atividades teóricas de modo remoto.

O PRM em pediatria possui duração de três anos e atualmente está composto por: 14 residentes do 1º ano (R1), 13 residentes do 2º ano (R2) e 14 residentes do 3º ano (R3). Existem rodízios externos nos diversos anos de residência: 1º ano (Neonatologia na Maternidade Municipal Maria Amélia); 2º ano (Emergência Pediátrica no Hospital Pasteur; Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente do Hospital Universitário Pedro Ernesto -NESA/HUPE); 3º ano (Saúde Mental no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IPUB/UFRJ e 1 mês optativo). A análise dos dados foi realizada com os residentes pertencentes ao PRM em pediatria (41 no total).

Diante dos primeiros casos relatados da COVID-19 no Brasil em fevereiro de 2020 e a decretação de pandemia pela OMS em 11 de março de 2020, foram tomadas medidas de isolamento social no município do Rio de Janeiro a partir de 16 de março de 2020. Desde então, o PRM em pediatria implementou alterações como: adiamento de consultas ambulatoriais de pacientes controlados; redução do número de residentes alocados nas enfermarias; suspensão temporária dos rodízios externos exceto pelo rodízio em maternidade; treinamento dos residentes para adequada paramentação e desparamentação; afastamento dos residentes com doenças crônicas, gravidez e daqueles com suspeita da COVID-19; implementação da teleconsulta e de atividades didáticas em ambiente virtual.


RESULTADOS

Adiamento de consultas ambulatoriais e realocação dos residentes

Em decorrência das medidas de isolamento social tomadas pelo governo do Estado do Rio de Janeiro (RJ) e pelo município do RJ, as consultas marcadas nos diversos setores da pediatria tiveram que ser remarcadas. Assim, os residentes precisaram ser remanejados de atividades ambulatoriais para atividades nas enfermarias, Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, maternidade e Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Além disso, eles auxiliaram na triagem de pacientes pediátricos com suspeita de COVID-19 que chegaram ao hospital. Os rodízios externos (NESA/HUPE, Pasteur, IPUB e optativo) foram suspensos temporariamente, com exceção da Maternidade Maria Amélia. As discussões de saúde mental foram realizadas de modo remoto.

Houve reorganização do número de residentes alocados nos diversos cenários, objetivando reduzir a aglomeração de pessoas e otimizar o uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs) fornecidos. Os pacientes com suspeita de COVID-19 foram examinados por apenas um residente devidamente paramentado, auxiliado por um staff.

Curso de paramentação e desparamentação

Uma das principais medidas para o enfrentamento da pandemia nos hospitais é a utilização correta dos EPIs pelos médicos e outros profissionais de saúde em contato direto com os pacientes com suspeita de COVID-19. Assim, foi fornecido para todos os profissionais do hospital, inclusive os residentes, um curso prático sobre a paramentação e desparamentação. Esse curso de curta duração (cerca de uma hora) foi realizado em pequenos grupos e em diferentes dias e horários, de forma a contemplar o maior número possível de profissionais.

Afastamento dos residentes do serviço

Alguns residentes portadores de doenças crônicas (diabetes mellitus, hipertensão arterial, doença autoimune em uso de imunossupressor), além de uma gestante, foram afastados de atividades presenciais no hospital e realocados em outras atividades como: teleatendimento; desenvolvimento de protocolo de atendimento para crianças com suspeita de COVID-19 (Anexo 1); apresentação de aulas para os demais residentes do serviço através de plataformas digitais; e elaboração de resumos dos diversos temas de pediatria e disponibilização para os demais residentes do serviço. No total, quatro residentes da pediatria foram afastados por esses motivos.

Outros residentes foram afastados por apresentarem sintomas sugestivos de COVID-19 (febre, tosse, anosmia, dispneia, entre outros) ou estresse psicológico relacionado à pandemia. A Tabela 1 mostra o número de residentes afastados e os com confirmação da infecção pelo SARS-CoV-2. Do total de 37 residentes do PRM em pediatria restantes, 27 (73%) foram afastados por questões relacionadas à COVID-19 (suspeita de COVID-19 ou estresse psicológico). Houve confirmação da infecção pelo coronavírus em 15 residentes (40,5%).




Implementação do teleatendimento

O serviço de pediatria e o núcleo de telessaúde do hospital implementaram a consulta virtual para atender as novas demandas de isolamento social e manter o atendimento de doentes crônicos do serviço, além de oferecer acompanhamento pós-alta de pacientes internados pela COVID-19 ou outras doenças. Cabe destacar que a teleconsulta foi recentemente aprovada no país em caráter de excepcionalidade pelo Ministério da Saúde (MS), que reconheceu sua utilização durante o período de combate ao contágio da COVID-19, através da portaria no 467 que: “Dispõe, em caráter excepcional e temporário, sobre as ações de telemedicina, com o objetivo de regulamentar e operacionalizar as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional previstas no art. 3º da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, decorrente da epidemia de COVID-19”11. O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ) regulamentou a utilização da telemedicina através da resolução nº 305/2020 de 26 de março12.

Os residentes de pediatria ficaram responsáveis pelo atendimento, sempre supervisionados pelos staffs do serviço. As consultas foram realizadas por vídeo, utilizando o serviço de comunicação e colaboração da rede nacional de ensino e pesquisa (RNP) através da plataforma Mconf. A comunicação entre os componentes do serviço foi feita de forma segura, através de certificados digitais ICPEdu a salas de conferência web. Em casos de suspeita de COVID-19, foi utilizado o questionário de acompanhamento desenvolvido pelas próprias residentes (Anexo 1).

Atividades teóricas

As atividades teóricas ocupam aproximadamente 20% da carga horária do programa, constituindo-se habitualmente de rounds, sessões clínicas, clube de revista e apresentação de casos clínicos. Com a reorganização do serviço, as atividades teóricas presenciais foram suspensas com o objetivo de evitar a aglomeração. Desse modo, tornou-se necessário desenvolver novas estratégias para manter a educação médica continuada. Foram organizadas aulas, em sua grande maioria apresentadas pelos residentes, sobre os temas de pediatria geral, iniciando-se por temas relacionados à COVID-19. Essas aulas foram realizadas pelo aplicativo Zoom, cerca de três vezes por semana, desde o início da pandemia. O mesmo aplicativo foi utilizado para realização de rounds do serviço.

Além disso, foi organizado um curso “Antimicrobianos para a pediatria”, com aulas ministradas por staffs do setor de infectologia pediátrica e Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), utilizando a plataforma do Telessaúde. O curso terá duração de 2 meses com aulas semanais. Todas as aulas do curso e as realizadas pelo estão sendo gravadas e disponibilizadas para os residentes.

O aprendizado virtual aumentou a participação dos Hospitalar (CCIH), utilizando a plataforma do Telessaúde. O residentes e dos staffs do serviço nas atividades teóricas, curso terá duração de 2 meses com aulas semanais. Todas as promovendo grande interação entre as diferentes especialidades aulas do curso e as realizadas pelo Zoom estão sendo gravadas pediátricas. Além disso, permitiu uma forma de encontro informal e disponibilizadas para os residentes. entre os residentes, reduzindo o estresse emocional do grupo.


DISCUSSÃO

A pandemia da COVID-19 impactou significativamente toda a população e os PRM precisaram rapidamente se reinventar e se adaptar a essa nova realidade, mudando drasticamente a rotina, inclusive no serviço de pediatria. Algumas mudanças permitiram manter o atendimento e a segurança tanto dos pacientes quanto dos profissionais de saúde.

Como já era esperado, houve afastamento de muitos residentes com suspeita de COVID-19 (73%), com a confirmação da infecção em uma parcela significativa, cerca de 40% dos residentes. É difícil dizer se a infecção ocorreu dentro ou fora do hospital. O nosso hospital não foi designado como centro de referência para atendimento de pacientes com suspeita de COVID-19. Eventualmente, alguns pacientes com suspeita de COVID-19 chegaram e foram atendidos numa triagem posicionada na entrada do hospital. Os nossos residentes realizaram triagem somente de crianças, sempre acompanhados por staffs do serviço, todos devidamente paramentados e treinados. Especialmente na pediatria, considerando a evolução da infecção em crianças que em sua grande maioria é assintomática, o número de atendimentos e de internações de crianças com COVID-19 foi baixo. De toda forma, vale ressaltar que muitos residentes fazem plantões fora da residência, inclusive atendendo pacientes adultos, e podem ter se contaminado fora do hospital. É importante mencionar também que todos os residentes evoluíram bem e não necessitaram de internação. Aqueles residentes com condições crônicas consideradas como fatores de risco foram afastados logo no início da pandemia e não se expuseram em nenhum momento dentro do hospital.

No nosso serviço, fizemos uso das plataformas digitais para atividades teóricas, tendo um grande avanço nesse período, assim como ocorreu no serviço de residência médica de urologia da Cleveland Clinic Akron General13. A responsabilidade do encontro virtual, cerca de 3-4 vezes por semana, e o estímulo mental receberam críticas positivas dos residentes e participantes. Provavelmente, essas atividades teóricas por meio remoto serão incorporadas pelo serviço e continuarão mesmo após a decretação do fim da pandemia.

Assim como no nosso serviço, na residência médica de neurologia da New York University (NYU) Grossman School of Medicine’s, as consultas ambulatoriais foram adiadas durante a atual pandemia e as visitas foram realizadas por meio de serviços de telessaúde14. No nosso PRM, a telessaúde foi capaz de desempenhar um papel fundamental na construção de estratégias que contribuíram para sustentabilidade dos nossos serviços de saúde, diminuindo os riscos de exposição e coordenando melhor os recursos presentes. A consulta por meio de vídeo permitiu visualizar o paciente, trazendo informações adicionais quando comparada à consulta realizada por telefone. Esse aspecto parece ser de suma importância para pacientes com suspeita de COVID-19, pois alguns evoluem de forma grave, com dispneia significativa. Em artigo recente, Greenhalgh et al.15 discutiram algumas vantagens e desvantagens da consulta realizada por vídeo em relação ao telefone no contexto da pandemia de COVID-19. Eles concluíram que a maioria dos pacientes com COVID-19 podem ser acompanhados remotamente, através de teleconsulta, e que o vídeo apresenta informações visuais adicionais, além da presença visual do médico que pode ter papel terapêutico15. Também no nosso teleatendimento, observamos que o nosso contato foi capaz de fornecer orientações ao paciente e seu responsável e tranquilizá-los de modo significativo. Naquele caso em que o paciente apresentava taquidispneia ou algum outro sinal de gravidade, o mesmo foi orientado a comparecer presencialmente ao hospital.

No nosso trabalho, não mensuramos o impacto psicológico da pandemia nos residentes, mas ouvimos relatos sobre como a COVID-19 criou tensão física e emocional nos residentes, incluindo a incerteza no atendimento a pacientes com uma nova doença médica, medo de infecção e transmissão a terceiros. Isso também foi observado no programa de neurologia da New York University (NYU) Grossman School of Medicine’s14. Os encontros virtuais serviram de ajuda tanto para o aprendizado quanto para o bem-estar emocional dos residentes e demais profissionais de saúde, nos mantendo conectados com nossos colegas e atualizados sobre os temas de pediatria e a COVID-19.

Algumas questões importantes permanecem sem resposta, não só para nós, mas para os demais PRM ao redor do mundo. Como ficará o PRM em pediatria após a pandemia? Quais mudanças ocorridas nesse período permanecerão? Como podemos incorporar essas novas tecnologias que foram tão úteis? Como podemos repor as atividades suspensas durante a pandemia? Nesse trabalho, compartilhamos nossas experiências dos últimos quatro meses em um serviço público dentro de um dos epicentros da COVID-19. Essas informações podem ser úteis, fornecendo orientações sobre a preparação e o gerenciamento de cuidados especializados durante uma pandemia.

Concluindo, o PRM em pediatria sofreu impacto durante a pandemia de COVID-19, especialmente com o afastamento de um número significativo de residentes por suspeita de infecção pelo SARS-CoV-2. Entretanto, o PRM foi capaz de se adaptar e fazer alterações para garantir a segurança dos pacientes e dos profissionais de saúde, sem prejudicar a formação e o currículo dos residentes. É importante ressaltar que foram desenvolvidas competências nos nossos residentes que vão além dos conhecimentos teóricos e práticos da pediatria, como a resiliência, profissionalismo, humanismo e empatia. Com certeza, estamos formando médicos mais preparados para as adversidades que virão.


REFERÊNCIAS

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11. Ministério da Saúde (BR). Gabinete do Ministro. Portaria nº 467, de 20 de março de 2020. Dispõe, em caráter excepcional e temporário, sobre as ações de Telemedicina, com o objetivo de regulamentar e operacionalizar as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional previstas no art. 3º da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, decorrente da epidemia de COVID-19. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 20 Mar 2020; Edição 56-B: Seção 1: 1.

12. Resolução CREMERJ nº 305/2020. Dispõe sobre o atendimento médico por Telemedicina durante a pandemia de SARS-CoV-2/COVID-19. Rio de Janeiro (RJ): CREMERJ; 2020.

13. Vargo E, Ali M, Henry F, Kmetz D, Drevna D, Krishnan J, et al. Cleveland clinic Akron general urology residency program’s COVID-19 experience. Urology. 2020 Jun;140:1-3. DOI: https://doi.org/10.1016/j.urology.2020.04.001

14. Agarwal S, Sabadia S, Abou-Fayssal N, Kurzweil A, Balcer LJ, Galetta SL. Training in neurology: flexibility and adaptability of a neurology training program at the epicenter of COVID-19. Neurology. 2020 Jun;94(24):e2608-e14.

15. Greenhalgh T, Koh GCH, Car J. Covid-19: a remote assessment in primary care. BMJ. 2020;368:m1182.











1. Hospital Federal dos Servidores do Estado, Serviço de Pediatria - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil
2. Hospital Federal dos Servidores do Estado, Núcleo de Telessaúde - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil

Endereço para correspondência:

Mara Morelo Rocha Felix
Hospital Federal dos Servidores do Estado. R. Sacadura Cabral, 178 - Saúde, Rio de Janeiro - RJ, Brasil. CEP: 20221-161
E-mail: maramorelo@gmail.com

Data de Submissão: 01/07/2020
Data de Aprovação: 11/07/2020