ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2020 - Volume 10 - Número 3

Associação de COVID-19 e tumor cerebral

Association of COVID-19 and brain tumor

RESUMO

A COVID-19 teve seu primeiro diagnóstico em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, na China. Espalhou-se rapidamente pelo mundo e teve a declaração de pandemia pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 11 de março de 2020. Por ser uma doença nova e devido à grande variabilidade do quadro clínico, torna-se necessária a troca de informações para um diagnóstico mais rápido e efetivo e para a prevenção da disseminação, enquanto vacinas e/ou tratamentos efetivos são pesquisados. As crianças parecem ser menos acometidas que os adultos e com menor gravidade. O quadro clínico varia de assintomático até quadros graves como a síndrome inflamatória multissistêmica que se assemelha à síndrome de Kawasaki e/ou síndrome do choque tóxico e óbito. A faixa etária pediátrica apresenta quadros graves e fatais de COVID-19 associados principalmente a comorbidades como doenças hematológicas, imunológicas, respiratórias, genéticas, neurológicas e câncer. O caso relatado será de um menino com diagnóstico de carcinoma de plexo coroide há 5 anos, que testou positivo para COVID-19. Torna-se premente a divulgação de relatos de casos para ampliar-se o conhecimento dessa nova patologia.

Palavras-chave: Criança, Infecções por Coronavírus, Sintomas Chaves, Vírus da SARS, Insuficiência Respiratória, Neoplasias Encefálicas.

ABSTRACT

COVID-19 had its first diagnosis in December 2019 in the city of Wuhan, in China, and it quickly spread around the world. After its outbreak, it was declared a pandemic by the WHO (World Health Organization) on March 11, 2020. Due to being a novel disease with a broad range of clinical presentations, it is necessary to exchange information for a faster and more effective diagnosis and prevention as far as vaccines and treatments are being researched. Children are prone to be less affected than adults and to a lesser extent. The clinical presentations vary from asymptomatic ones to extremely severe multisystem inflammatory syndrome that resembles Kawasaki syndrome and/or toxic shock and death. The pediatric age group usually presents severe and fatal forms of COVID-19 mainly in association with comorbidities such as hematological, immunological, respiratory, genetic, neurological diseases, and cancer. It will be report the case of a 7-year-old child diagnosed with choroid plexus carcinoma 5 years ago, who tested positive for COVID-19. The dissemination of case reports is urgent in order to expand the knowledge of this new pathology.

Keywords: Child, Coronavirus Infections, Key Symptoms, SARS Virus. espiratory Insufficiency Brain Neoplasms


INTRODUÇÃO

A COVID-19 é uma doença nova com características de amplo espectro clínico. O quadro clínico em crianças apresenta-se desde assintomático até quadro grave de síndrome inflamatória multissistêmica1-5. As crianças parecem ser menos acometidas que os adultos em cerca de 2%, segundo Chinese Center for Disease Control and Prevention e com gravidade menor. Nos EUA, do total de casos 5% são crianças e apenas 1% necessitou de internação hospitalar. O período de incubação variou de 2 a 14 dias, sendo que 95% desenvolvem sintomas em até 13 dias após o contato. A transmissão domiciliar ocorreu em 82% dos casos e o quadro clínico apresenta-se da seguinte forma: assintomático em 10% das crianças, febre em 44 a 50%, tosse em 38%, além de outros como fadiga, rinite, dispneia, cianose, pouca aceitação alimentar até síndrome inflamatória multissistêmica que se assemelha a síndrome de Kawasaki e/ou síndrome do choque tóxico. Os pacientes pediátricos parecem ter mais quadros gastrointestinais que adultos e crianças menores de 3 anos e aqueles com cardiopatia parecem ser mais afetados, porém com baixa mortalidade 2,4-10,11-14.


RELATO DE CASO

Paciente M.G.A, 7 anos, masculino, branco, diagnosticado há 5 anos com carcinoma de plexo coroide, peso: 30 kg, estatura: 123cm, sc: 1,05m2, circunferência braquial (BC): 24, Escala do Estado Funcional (FSS): 21, Escala de Performance Geral (POPC): 5 e Escala Performance Cerebral (PCPC): 5, Escala de Glasgow (AO: 4, RV:0, RM: 3): 7, com cânula orofaríngea e máscara de Venturi 50%, saturando 90-92%, hidratado, descorado1+/4+, anictérico, afebril (pós-dipirona), acianótico, com drive respiratório comprometido, edemaciado com fácies cushingóide e sangramento discreto em narinas. Estava em crise convulsiva com desvio conjugado do olhar para esquerda, pupilas midriáticas com fotorreação lenta e decorticação e em uso de fenitoína devido à refratariedade ao diazepam e fenobarbital recebidos no 1º atendimento.

Aparelho Cardio Vascular: Bulhas ritmicas normofonéticas em 2 tempos sem sopros Freqüência cardíaca: 147bpm Pressão Arterial: 62x30mmHg.

Aparelho Respiratório: múrmurio vesicullarpresente bilateralmente com roncos esparsos.Saturando: 90-92% com Venturi 50%.

Abdome: globoso, flácido, sem visceromegalia, indolor, descompressão brusca negativa, ruídos hidroaeréos presentes e normais.



Extremidades: pulsos periféricos (+) com edema 2+/4+, perfusão de 3-4 segundos e equimoses nos locais de punções.

Devido à angústia respiratória e rebaixamento do nível de consciência (Glasgow 7) optou-se por entubação orotraqueal com cânula 5,5 com cuff para administração de oxigenoterapia e infusão contínua de midazolam.

História patológica pregressa

Nascido de parto cesárea com idade gestacional de 39 semanas, peso 3.295g e desenvolvimento neuropsicomotor normal até o diagnóstico de carcinoma de plexo coroide aos 20 meses de idade, em 2014. Os pais relatam tratamentos quimioterápicos, 8 procedimentos neurocirúrgicos, transplante autólogo de medula óssea e cuidados paliativos exclusivos desde outubro de 2019. Desde 14/04/2020 apresentou perda de habilidades tais como: parou de falar, enxergar e ouvir. Após 24/04 parou de andar e estava recebendo dieta oral com espessante com dificuldade. Em 27/04 por volta das 23:00 iniciou quadro de mal convulsivo; procurou serviço de urgência onde apresentou um pico febril de 38°C, foi medicado com dipirona, diazepam, fenobarbital, fenitoína e transferido para nosso serviço (referência de tratamento oncológico infantojuvenil da região); mantinha quadro convulsivo com risco de depressão respiratória e consequente parada respiratória. Optou-se por entubação orotraqueal para conforto do menor e uso de midazolam contínuo para cessar crise convulsiva. Após a entubação o RX de tórax evidenciou infiltrado pulmo- nar bilateralmente com hipotransparência na base esquerda e, consequentemente, hipótese diagnóstica de SARS-CoV-2 ou broncoaspiração. Foram realizados exames de rotina de admissão na UTI (ver tabela1), reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR) e material aspirado brônquico, cujo resultado foi positivo para SARS-CoV-2.




O menor fez uso de claritromicina por 10 dias, levetiracetam, levotiroxina, dexametasona 0,75mg/dia (em uso prévio) e midazolam até 0,6mg/kg/h. Este foi progressivamente reduzido a partir de 05/05, pois o EEG apresentava-se difusamente lento e desorganizado com sinais de sofrimento de linha média e fossa posterior sem sinais de mal epiléptico. Foi introduzido clobazam 10mg de 12/12h, retirado midazolam em 07/05, iniciou-se amlodipina e espironolactona devido aos picos hipertensivos e ficou entubado, recebendo dieta por sonda nasoentérica.

O time de cuidados paliativos (TCA) explicou aos pais a possibilidade de extubação paliativa e/ou traqueostomia com home care, porém apenas com anuência dos mesmos. A traqueostomia foi realizada em 22/05, pois o menor não apresentava drive respiratório e recebeu alta da UTI com ventilação pulmonar mecânica bipap, anticonvulsivantes e anti-hipertensivos. Saiu do isolamento somente após 2 testes negativos para SARS-CoV-2 (RT-PCR) com alta hospitalar e suporte de home care em 01/06 com peso: 28,4kg, estatura: 123cm, BC: 23, FSS: 29; POPC: 5 e PCPC: 5.

Exames radiológicos

As imagens radiológicas encontram-se nas figuras 1 e 2. Sendo respectivamente da admissão na UTI e do pós operatório de traqueostomia.


Figura 1. 28/04/2020 Admissão na UTI pediátrica.


Figura 2. Exame 23/05/2020: pós-traqueostomia.



DISCUSSÃO

O Ministério da Saúde, através do painel do coronavírus no Brasil, confirmou 526.447 casos, 29.937 óbitos, incidência de 250,5/100 mil habitantes e mortalidade de 14,2/100 mil habitantes até a data da alta em 01 de junho de 2020 (data da alta hospitalar). O diagnóstico de COVID-19 foi realizado devido à característica radiológica e confirmado por RT-PCR. Não havia história ou sintomas anteriores. Apenas no 2° dia de internação o pai referiu ter apresentado mal-estar intenso no 12o dia prévio à internação (16/04), com melhora após sintomáticos, sendo que a sua contactante apresentou dia 19/04 apenas sintomas gastrointestinais, o que pode ocorrer com infecção pela COVID-19, conforme relatos da literatura14,15. O pai e a contactante não colheram exames para COVID-19 e apresentavam-se assintomáticos, bem como a mãe. De acordo com a literatura, a transmissão ocorre intradomicílio para o público pediátrico em 82%2 dos contágios, como foi o caso, pois o paciente estava recluso em casa devido à pandemia e ao próprio estado geral. O paciente apresentou um pico febril de 38°C à admissão, D-dímero, PCR quantitativa e DHL aumentados e plaquetas diminuídas, semelhantes a literatura2,4,8,9. Os dados epidemiológicos da China apontam a mediana de idade de 7 anos e 56,6% dos pacientes do sexo masculino, como no caso relatado11,12.

Devido à escassez de dados semiológicos e quadro clínico discreto à admissão, faz-se necessária a proteção da equipe de saúde com equipamentos de proteção individual, ter a COVID-19 como diagnóstico diferencial, respeitar a decisão de familiares no tocante aos cuidados terminais e solicitar apoio do time/equipe de cuidados paliativos/terminais para suporte ao paciente e familiares de forma a não causar distanásia.

Foi realizada pesquisa no PubMed com os termos: “crianças” + “coronavírus-19” + tumor cerebral” ou “carcinoma de plexo coroide” ou “características clínicas” ou “complica- ções”. Desta, não foram constatadas publicações da COVID-19 em pacientes com carcinoma de plexo coroide13. O que chama atenção nesse caso é que o paciente evoluiu estável, apesar de todas as comorbidades; e indagamos se o uso contínuo de dexametasona diminuiu o processo inflamatório da COVID-19.


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CTFM-GACC, UTI Pediátrica - São José dos Campos - SP - Brasil

Endereço para correspondência:

Regina Melittio Gasparetti
Hospital CTFM/GACC (Centro de Tratamento Fabiana Macedo de Morais do Grupo de Assistência à Criança com Câncer)
Avenida Possidônio José de Freitas, 1200 - Urbanova, São José dos Campos - SP, Brasil. CEP: 12244-010
E-mail: melittiogasparetti@gmail.com

Data de Submissão: 01/07/2020
Data de Aprovação: 08/07/2020