ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Introduçao à Metodologia Científica - Ano 2013 - Volume 3 - Número 3

Os primeiros passos da metodologia científica

The first steps of the scientific method


O método científico para aquisição do conhecimento utiliza a abordagem sistemática, na qual assume-se que existe uma sequência lógica para aquisição do conhecimento. Envolve observação empírica, necessidade de documentação objetiva dos dados obtidos, controle de outros fatores que possam interferir na relação entre as variáveis analisadas, abordagem crítica para examinar fenômenos naturais e suas associações e utiliza-se de experimentação ou observação para comprovação das informações.

Um dos pontos centrais na formulação da pesquisa científica é identificar a motivação para a realização do estudo. Para isto, é necessário entender e diferenciar três pontos: o conhecimento disponível, a realidade e o modelo que conecta o conhecimento disponível com a realidade. Esta etapa de planejamento do estudo é fundamental para se obter objetivos claros, escolher ferramentas apropriadas para responder o objetivo proposto, além de evitar interpretações equivocadas dos resultados devido à falta de respaldo nos dados coletados.

A perspectiva da realidade se baseia na informação disponível sobre o evento investigado, portanto, é conhecida parcialmente pelo investigador. A interpretação desta realidade, por sua vez, depende da base de conhecimento e de outras características socioculturais do pesquisador, ou seja, pode variar de pesquisador para pesquisador. Para que a realidade possa ser compreendida e os resultados obtidos possam ser extrapolados para situações similares, é necessário criar um modelo para explicar esta realidade. A cada novo conhecimento gerado, testa-se no modelo proposto, para checar se este modelo continua sendo eficiente para representar a realidade.

Suponha que esta realidade seja uma determinada doença - a partir do conhecimento prévio sobre a realidade existente na formulação do modelo desta doença cria-se um novo modelo com todo o conjunto de evidências que permitam dar corpo ao modelo. Por exemplo, antes do surgimento do AZT (1986), a Aids levava rapidamente para o óbito. Em 1991, surgem outras drogas da mesma classe e inicia-se terapia dupla, que ainda traz benefícios limitados. A partir de 1995, surge uma nova classe de medicamentos conhecida como inibidores de protease, que provoca grande revolução no tratamento da Aids. Nessa época, descobre-se que, combinando-se drogas com atuação em diferentes fases do ciclo de replicação do HIV, era possível controlar o vírus de forma mais eficiente. Surge, então, o conceito de coquetel e a Aids se torna potencialmente uma doença crônica.

No exemplo da Aids, a realidade sempre foi a mesma, o que foi mudando ao longo do tempo foi o grau de conhecimento existente sobre a doença, a forma de interpretá-lo e, consequentemente, o modelo utilizado para explicar a realidade, incluindo a definição da doença, sua classificação, diagnóstico, prognóstico e tratamento.

Por meio da razão que motivou o desenvolvimento da pesquisa, é possível identificar a pergunta científica e definir objetivos do estudo que serão testados pelo pesquisador. A motivação da pesquisa pode ter origem em experiências de vida, problemas práticos, pesquisas prévias ou teorias existentes. Pesquisas cuja motivação tem origem em experiências de vida são muito utilizadas como passo inicial de muitos trabalhos científicos acadêmicos. Já as motivações de modelos envolvendo questões práticas são frequentes fora do meio acadêmico (por exemplo: indústrias farmacêuticas que desejam provar a superioridade de determinado tratamento em relação ao tratamento padrão). Pesquisas prévias também podem abrir dúvidas no conhecimento, motivando realização de novos estudos, seja para reforçar o conhecimento existente, ou para corrigir falhas no delineamento de estudos anteriores, seja para validar determinado conhecimento em uma nova população. Teorias existentes, muitas vezes provenientes do pensamento dos investigadores, sem que tenha ocorrido qualquer pesquisa prévia que motive o desenvolvimento de uma nova pesquisa, podem motivar novas investigações, especialmente em áreas mais subjetivas do conhecimento.

Os fatores motivadores da pesquisa são diversos, podendo inclusive existir mais de um fator motivador para o desenvolvimento de um único estudo. A realização da investigação científica depende não só desses fatores motivadores, como também dos fatores desfavoráveis, como a questão financeira, logística, a complexidade do desenho, o tamanho amostral, etc.

Após identificar-se a motivação científica, ela deve ser transformada em pergunta científica que, por sua vez, dará origem ao objetivo principal do estudo. A observância destas etapas garante que a conclusão final do estudo reflita o que motivou o estudo.

A definição da motivação da pesquisa pode ser estabelecida de forma mais genérica, por exemplo, dificuldade de quantificar a capacidade cardiorrespiratória nos pacientes do ambulatório de pneumologia. Já a definição da pergunta científica deve ser mais específica, por exemplo: "Qual o modelo de referência para o Teste do Degrau em pessoas saudáveis na população brasileira?".

Uma vez identificada a pergunta científica, deve-se verificar se a resposta a esta pergunta já foi respondida em outra pesquisa. Realiza-se, então, uma busca de estudos em bases de dados e referências bibliográficas. Nesta busca bibliográfica, são utilizadas palavras chaves, que permitam a identificação de artigos científicos que possam responder à pergunta científica. Caso a pergunta não tenha sido ainda totalmente respondida, a revisão da literatura poderá ser útil para analisar temas similares e verificar os delineamentos utilizados pelos autores nestas pesquisas. A revisão da literatura também será importante para fundamentar a justificativa da realização do estudo, mostrando que o estudo proposto seria o próximo passo necessário para complementação do conhecimento sobre o tema.

O objetivo principal do estudo deve refletir a pergunta científica a qual está relacionada a motivação da pesquisa. É importante que o objetivo principal seja definido de forma a permitir a identificação do perfil principal dos pacientes a serem analisados e esclarecer quais grupos serão comparados. Por outro lado, os objetivos secundários vão representar subprodutos do objetivo principal.

Uma vez definido o objetivo do estudo, é preciso transformá-lo em teste de hipótese, ou seja, transformar o objetivo em formato matemático para possa ser testado. A hipótese nula é a hipótese a ser testada, caso seja rejeitada, aceitar-se-á a hipótese alternativa (complementar à hipótese nula). Por exemplo, suponha que o investigador queira investigar se o efeito de um novo tratamento difere do tratamento padrão. Neste caso, a hipótese nula será "tratamento A é igual ao tratamento B" e a hipótese alternativa será "tratamento A difere do tratamento B". Outras variáveis poderiam ser incluídas neste modelo matemático se necessário (por exemplo, idade, sexo, comorbidades, etc. ). Por outro lado, aumentando o número de variáveis do modelo, tanto a análise dos dados como a extrapolação dos resultados para a prática clínica tornam-se mais complexos.

Após a definição dos objetivos, é necessário identificar a variável resposta do estudo, utilizada para avaliação do objetivo de estudo, bem como a variável explicativa ou de exposição, que definirá os grupos de comparação. Além destas, outros fatores que forem incluídos no modelo também precisam ser explícitos.

A duração do estudo e o método de coleta dos dados são questões que também devem ser definidas. Usualmente, monta-se um cronograma para melhor visualizar a previsão de desenvolvimento das etapas de pesquisa do projeto ao longo do tempo.

Por fim, após a coleta de dados, vários dados são obtidos. Nesta etapa, o investigador deve ter clareza de como esses dados serão analisados e como serão resumidos, de forma que os resultados possam ser divulgados em revistas científicas, congressos e outros meios.










Professora da Faculdade de Ciências Médicas/Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz

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Nádia Cristina Pinheiro Rodrigues
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