ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2021 - Volume 11 - Número 1

Sugestão de abordagem sistematizada da COVID-19 na população pediátrica

Proposal of systematic approach of COVID-19 in pediatric population

RESUMO

INTRODUÇÃO: Elaborar um protocolo de abordagem da COVID-19 na pediatria é um desafio, uma vez que as recomendações atuais se baseiam muito mais na realidade evidenciada pelos casos em adultos. Entretanto, um protocolo que auxilie na condução dos casos suspeitos e confirmados em unidades pediátricas, pode ser útil, apesar que a maioria dos casos graves respiratórios em crianças tem como principal etiologia outros vírus.
OBJETIVOS: Sugerir uma abordagem sistematizada e prática da criança na pandemia do novo coronavírus.
RESULTADOS: Sistematizar, desde a organização do espaço para atendimento, paramentação da equipe, classificação clínica, investigação etiológica e laboratorial, categorização dos casos suspeitos até a abordagem farmacológica propriamente dita.
CONCLUSÕES: Diante de tantas incertezas, é fundamental organizar o atendimento do pediatra e amenizar riscos, equívocos e angústias durante esta pandemia.

Palavras-chave: Síndrome Respiratória Aguda Grave, Tratamento Farmacológico, Infecções por Coronavírus, Criança.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Developing an approach protocol for COVID-19 in pediatrics is a great challenge, since the current recommendations are much more based on the reality evidenced by cases in adults. However, a protocol that assists in the management of suspected and confirmed cases in pediatric units can be useful, despite the fact that most severe respiratory cases in children have other viruses as their main etiology.
OBJECTIVES: To suggest a systematic and practical approach to children in the new coronavirus pandemic.
RESULTS: Systematize, from the organization of the space for assistance, team IPE use, clinical classification, etiological, and laboratory investigation, categorization of suspected cases to the pharmacological approach.
CONCLUSIONS: In the face of so many uncertainties, it is essential to organize pediatric care and mitigate risks, mistakes and anxieties during this pandemic.

Keywords: Severe Acute Respiratory Syndrome, Treatment Outcome, Coronavirus Infections, Child.


INTRODUÇÃO

Em 11 de março de 2020 a Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia pelo novo coronavírus1,2.

O novo coronavírus, denominado De SARS-CoV-2, é um RNA vírus da subfamília Coronavirinae, cuja doença causada foi denominada COVID-191-3.

As crianças, por razões ainda em investigação, apresentam curso clínico mais leve da doença, porém desempenham um papel importante na disseminação do vírus na comunidade1-3.

Elaborar um protocolo de tratamento da COVID-19 na pediatria é um desafio, pois as recomendações atuais baseiam-se muito mais na realidade evidenciada pelos casos em adultos. Entretanto, um protocolo que auxilie na condução dos casos suspeitos e confirmados em unidades pediátricas, pode ser útil, mesmo lembrando que maioria dos casos graves respiratórios em crianças tem como principal etiologia outros vírus, como o vírus sincicial respiratório, entre outros.

Sugerimos uma abordagem sistematizada, desde a organização do espaço para atendimento, paramentação da equipe, classificação clínica, investigação etiológica e laboratorial, categorização dos casos suspeitos, até a abordagem farmacológica propriamente dita, buscando auxiliar pediatras e especialistas neste momento crítico.

Abordagem sistematizada proposta

1) TRIAGEM;
2) PARAMENTAÇÃO ADEQUADA;
3) AVALIAÇÃO CLÍNICA e CLASSIFICAÇÃO DE RISCO;
4) ABORDAGEM TERAPÊUTICA;
5) CATEGORIZAÇÃO DOS CASOS (escore de probabilidade de COVID-19) e TESTAGEM.

1. TRIAGEM

A triagem rápida deve ser realizada na entrada do paciente e acompanhante ao serviço de saúde, por equipe devidamente paramentada, para identificar e separar sintomáticos respiratórios agudos (suspeitos de COVID-19) e assintomáticos. O paciente pediátrico e seu acompanhante devem ser questionados quanto à presença dos seguintes sintomas: tosse, febre, coriza, mialgia, dor de garganta, falta de ar e diarreia; além da história de contato com caso confirmado ou suspeito de COVID-19 nos últimos 14 dias. Caso o paciente e/ou acompanhante apresentem 1 ou mais respostas positivas, devem ser encaminhados, após higienização das mãos com álcool 70%, com máscara cirúrgica ao local reservado no pronto atendimento pediátrico, para atendimento dos casos suspeitos (salas isoladas e equipe paramentada adequadamente)1-3.




2. PARAMENTAÇÃO ADEQUADA

Nos atendimentos aos casos suspeitos de COVID-19, a equipe deve estar devidamente paramentada de acordo com as normas determinadas pela comissão de controle de infecção hospitalar: uso de gorro descartável, avental, máscara cirúrgica (se risco de geração de aerossóis utilizar a máscara N95 ou PFF-2), óculos ou face shield e luvas descartáveis4.




3. AVALIAÇÃO CLÍNICA e CLASSIFICAÇÃO DE RISCO

Os pacientes, após triagem inicial, são avaliados pela equipe assistente no pronto atendimento e classificados de acordo com a gravidade1-3,5.




4. ABORDAGEM TERAPÊUTICA

A abordagem terapêutica deve ser iniciada conforme a classificação de gravidade de cada caso. Vale lembrar que os casos classificados como leves devem receber tratamento domiciliar6-13.


Legenda: HMC = Hemograma; CAF = Cânula de alto fluxo; VNI = Ventilação não invasiva; IOT = Intubação orotraqueal; RT-PCR = Transcrição reversa e reação em cadeia da polimerase.








5. CATEGORIZAÇÃO DOS CASOS (escore de probabilidade de COVID-19) e TESTAGEM

Os pacientes que apresentam critérios para internamento podem ser categorizados para direcionamento do local onde serão internados e sua evolução durante o internamento. Na evolução para que se confirme a categoria do caso deve ser realizada a testagem (RT-PCR ou sorologia ou teste rápido (TR)1-3,6.




6. CONSIDERAÇÕES RELEVANTES


• A decisão pelo uso de antibióticos deve ser individualizada, principalmente se há suspeita de infecção bacteriana associada6-13.
• O uso do oseltamivir empírico é indicado para os casos suspeitos de síndrome gripal/SRAG, independentemente da gravidade, até o momento do resultado da PCR para o coronavírus e deve ser mantido se a virologia para influenza for positiva6-13.
• O uso do corticosteroide sistêmico deve ser cauteloso e excepcional. Vale lembrar que dada à falta de eficácia comprovada na COVID-19 e os possíveis danos (atraso no clearance do vírus da via respiratória), os corticosteroides devem ser evitados de rotina e utilizados a menos que outras situações clinicas se imponham, como exacerbação de asma ou DPOC e choque séptico. O seu uso pode ser considerado nos quadros de COVID-19 associados à piora rápida e progressiva de lesões pulmonares, encefalite ou encefalopatia, síndrome hemofagocítica e outras complicações graves6-17.
• Em 16 de junho de 2020, a Universidade de Oxford publicou os resultados preliminares do estudo RECOVERY (Randomized Evaluation of COVID-19 thERapY), estudo clínico randomizado com grupo controle, que demonstrou que a dose de 6mg de dexametasona por via oral ou via endovenosa 1x/dia por 10 dias reduziu a mortalidade nos pacientes em ventilação mecânica ou que necessitavam de oxigênio (sendo indicada a sua utilização pelo Sociedade Brasileira de Infectologia). A Sociedade Brasileira de Pediatria, por meio de nota de alerta, ressalta que o grupo de avaliação da dexametasona no estudo para a população pediátrica ainda está em fase de recrutamento, exigindo cuidado para não extrapolar resultados obtidos em adultos para as crianças. Orienta ainda sobre as consequências à saúde com o abuso e uso sem recomendação médica dos corticosteroides (distúrbios hidroeletrolíticos, alterações musculoesqueléticas e gastrintestinais, reações dermatológicas, distúrbios psiquiátricos, danos dos sistemas endócrino, oftálmico, metabólico, imunológico, hematológico e cardiovascular)6,7,13-17.
• Crianças com asma devem manter o tratamento de manutenção (corticosteroides inalados, broncodilatadores de longa ação, imunobiológicos ou imunoterapia)5.
• Não há no momento evidências científicas que indiquem tratamentos específicos da COVID-19 para as crianças. A orientação que os tratamentos propostos sejam avaliados em estudos clínicos controlados, com anuência dos pais ou responsáveis, tanto de antivirais (remdesivir ou lopinavir/ritonavir) como os tratamentos adjuvantes (inibidores de IL-6, interferon-beta 1b ou plasma convalescente)6,7,12-17.
• Em estudos anteriores, a azitromicina demonstrou ser eficaz in vitro contra os vírus da zika e ebola, além de prevenir infecções graves do trato respiratório quando administrada em pacientes com infecção viral. Para o tratamento da COVID-19, o uso da azitromicina, se justificaria por várias suposições: efeito antiviral, efeito anti-inflamatório descrito para a droga (auxiliaria na ação anti-inflamatória da fase aguda e crônica) e efeito antibacteriano (uma vez que a coinfecção bacteriana em pacientes com COVID-19 é frequente), lembrando do bom perfil de segurança da droga em adultos e crianças. Inúmeros estudos em andamento (93 estudos até 26/06 no https://www.clinicaltrials.gov) devem, em breve, esclarecer se o uso da azitromicina, isoladamente ou associada a outras drogas, é eficaz para o tratamento da COVID-19, especialmente em crianças7-11.
• Deve ser desencorajado o uso da nebulização, pelo risco de dispersão de aerossóis. Quando o uso for indispensável e em ambiente hospitalar (ex.: tratamento da crupe e tratamento da fibrose cística) a equipe assistente deve ser alertada para uso de EPIs com proteção para aerossóis (máscara N95 ou PFF-2). O uso de nebulização para tratamentos de manutenção (corticoides, antibióticos, entre outros) em crianças sem exacerbação e em domicílio, não precisam e não devem ser interrompidos5.
• Até o momento, não há estudos sobre a anticoagulação em crianças com COVID-19. Estudos retrospectivos com pacientes adultos com COVID-19, comprovaram a existência de coagulação intravascular disseminada com valores de D-dímero alterados, sugerindo que a terapia anticoagulante melhora o prognóstico em pacientes graves, especialmente aqueles com D-dímero marcadamente elevado. Em crianças críticas, com infecção confirmada pelo novo coronavírus, a decisão da terapia anticoagulante deve ser cautelosa, individualizada e discutida pela equipe assistente18.
• O calendário vacinal deve ser mantido atualizado, seguindo as orientações da Sociedade Brasileira de Pediatria e da Sociedade Brasileira de Imunizações, com as adaptações necessárias nos serviços de saúde para a proteção dos pacientes e da equipe evitando o aumento de casos de doenças imunopreveníveis5,13.


A montagem de protocolos para a população pediátrica é necessária e imperativa, porém, as mudanças constantes nos relatos científicos, especialmente das condutas farmacológicas e a escassez de estudos envolvendo esta população, faz destes protocolos uma missão desafiadora.


AGRADECIMENTOS

Agradeço aos chefes das Unidade de Pediatria (UNIPED) do Complexo do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Enf. Maria Gabriela Mendes Pereira, Enf. Mayara Caroline Barbieri, Enf. Laressa Manfio Monteiro e Dr. Eduardo Kaehler Meister. Ao chefe da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, Prof. Dr. José Eduardo Carreiro. Ao chefe do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná, Prof. Dr. Rubens Cat e ao colega pneumologista pediátrico Prof. Dr. Carlos Antônio Riedi, pelas contribuições e importante apoio no desafio de elaborar este protocolo que atendesse nossas crianças nesta pandemia.


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Débora Carla Chong-Silva
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Data de Submissão: 15/08/2020
Data de Aprovação: 11/09/2020