ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Caso Clínico Interativo - Ano 2011 - Volume 1 - Número 1

Adolescente com pneumonias recorrentes

Adolescent with recurrent pneumonias


Paciente com 18 anos, sexo masculino, natural do Rio de Janeiro, RJ, estudante. História de pneumonias recorrentes desde os quatro anos de idade. Aos 10 anos apresentou quadro de obstrução intestinal e foi submetido à laparotomia exploradora com biópsia intestinal. Diagnóstico de colite ulcerativa. Piora gradativa do quadro respiratório, mantendo tosse crônica produtiva, com expectoração purulenta e intolerância aos exercícios. Sempre com dificuldade para ganhar peso.

A história gestacional, do parto e a história familiar sem anormalidades.

Exame físico: emagrecido; baqueteamento digital; estertores crepitantes bilateralmente; ausculta cardíaca normal; ausência de visceromegalias.






CONCLUSÃO

O paciente apresentava hipodesenvolvimento, baqueteamento digital, pneumonias recorrentes com infiltrado difuso e bronquiectasias. O teste do suor foi superior a 60 mEq/l. Assim se preencheram os critérios para selar o diagnóstico de fibrose cística: fenótipo característico da forma clássica e teste do suor positivo.


MAIS INFORMAÇÕES SOBRE FIBROSE CÍSTICA

Fibrose cística (ou mucoviscidose)


É a doença hereditária fatal mais comum em pacientes caucasianos, nos quais a frequência é de 1/2000 a 1/3000. No Brasil a incidência varia de 1/2000 a 1/5000 no Rio Grande do Sul a 1/9000 nascidos vivos em Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina. Ainda é subdiagnosticada.

É herdada de forma autossômica recessiva, havendo cinco grupos de mutações na CFTR (proteína reguladora da condutância transmembrana da FC). Essas mutações alteram a produção, a localização intracelular, a condutância e regulação dessa proteína. A mutação mais comum em caucasianos é a ΔF508.

Os critérios para diagnóstico de FC foram estabelecidos em 1998 e compreendem a seguinte combinação:

a) presença de fatores fenotípicos característicos; OU

b) história familiar; OU

c) resultado positivo na triagem neonatal da tripsina imunorreativa.

ASSOCIADA a pelo menos uma das seguintes alterações que denotam disfunção do CFTR:

a) teste do suor positivo;

b) diferença de duas mutações características.

Atualmente é possível o diagnóstico mais precoce com a triagem neonatal, utilizando-se a tripsina imunorreativa, incluída em alguns estados brasileiros no teste do pezinho. Após um primeiro teste positivo (>70ng/l), novo teste deve ser solicitado de preferência até 45 dias de vida. Em nosso país, os pacientes com dois testes positivos são encaminhados para o teste do suor.

A dosagem de sódio e cloro no suor, pelo método da iontoforese com pilocarpina de Gibson e Cooke é interpretada do seguinte modo:

  • <40 mEq/l: teste normal
  • 40-60 mEq/l: teste duvidoso
  • >60 mEq/l: teste positivo


Há também o exame de condutividade para avaliação dos eletrólitos no suor, que, apesar dos resultados promissores, é ainda usado como teste de triagem.

Em algumas regiões, utiliza-se a pesquisa de mutações, que, entretanto, é dispendiosa e não é realizada rotineiramente no Brasil. Já foram identificadas mais de 1400 mutações causadoras da doença e a pesquisa negativa não é critério de exclusão.

Entre as características fenotípicas da FC estão alterações metabólicas, digestivas, respiratórias e dos canais deferentes.

O comprometimento do trato respiratório é bastante frequente e na maioria das vezes é o fator que motiva a realização do teste do suor. Os fibrocísticos apresentam: a) sinusopatia crônica e polipose nasal; b) pneumonias recorrentes; c) baqueteamento digital; d) tosse crônica, que às vezes se inicia logo nos primeiros meses de vida e pode apresentar característica coqueluchoide; e e) bronquiectasias. Hemoptise e pneumotórax recorrentes, hiperresponsividade brônquica ou asma e aspergilosebroncopulmonar alérgica também são observados.

As manifestações do aparelho digestivo são: diarreia e síndrome disabsortiva, colestase neonatal, íleo meconial, esteatose hepática e cirrose biliar, colelitíase, insuficiência pancreática, pancreatite aguda, crônica ou recorrente, síndrome de obstrução do íleo distal e intuscepção intestinal, prolapso retal e outras. A incidência de intolerância à glicose e diabetes mellitus aumenta com a idade.

Os pacientes podem ser desnutridos e ter deficiências de oligoelementos e de vitaminas, especialmente as lipossolúveis. Os lactentes podem apresentar anemia, hepatomegalia e edema devido à hipoproteinemia, algumas vezes interpretado como alergia alimentar.

As vias áereas são colonizadas ou infectadas por uma flora bem característica. Inicialmente, o Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae e depois a Pseudomonas aeruginosa, cepas não mucóides e mucóides, Stenotrophomonas malthophilia, complexo Burkholderiacepacia e Achromobacterxyloxidans. As micobactérias atípicas, especialmente o complexo Mycobacterium avium intracellulare e abscessus também têm sido demonstradas.

A esterilidade masculina ocorre em mais de 95% dos casos e é causada pela agenesia dos canais deferentes.

Têm sido descritos casos de coexistência de FC com outras doenças como displasia broncopulmonar, síndrome de Down, anemia falciforme, AIDS, doença celíaca, doença intestinal inflamatória (doença de Crohn e colite ulcerativa).

No presente caso, o paciente apresentou dor abdominal e quadro obstrutivo. Na FC, a obstrução intestinal pode ser consequência de íleo meconial no recém-nascido ou síndrome de obstrução do íleo distal e intuscepção. A laparatomia com biópsia selou o diagnóstico de colite ulcerativa.

A doença inflamatória intestinal tem manifestações extraintestinais, inclusive respiratórias, embora estas sejam raras. O comprometimento pode ocorrer nas grandes e pequenas vias aéreas, no parênquima pulmonar e nas serosas. Na literatura sobre doença de Chron e colite ulcerativa são relatadas as seguintes manifestações: estenose glótica e subglótica, traqueíte e estenose de traquéia, bronquite crônica e bronquiectasias, pneumonias intersticiais de diversas classificações, síndrome da angústia respiratória do adulto (SARA), afecções pleurais ou alterações das provas funcionais respiratórias. Podem estar relacionadas à própria doença ou à medicação utilizada. Foi relatado o caso de um paciente com colite ulcerativa que desenvolveu SARA e não respondeu ao corticóide e à retirada da medicação, só obtendo melhora do quadro respiratório após a colectomia.

No paciente em discussão o quadro de pneumonia recorrente se inicia muitos anos antes do diagnóstico de colite ulcerativa, de modo que certamente é uma característica fenotípica da FC.

O tratamento da FC é multidisciplinar e compreende:

a) suporte nutricional e administração de enzimas pancreáticas,quando necessário;

b) uso de antibiótico nas exacerbações respiratórias ou como medida profilática, por via oral, endovenosa ou por via inalatória;

c) inalação de broncodilatadores, solução salina hipertônica, e DNase;

d) vacina antipneumocócica e contra influenza;

e) fisioterapia respiratória;

f) educação e apoio psicológico ao paciente e sua família.

É importante a administração de líquidos e cloreto de sódio no verão, pois esses pacientes podem desenvolver desidratação hipotônica consequente a grandes perdas hidroeletrolíticas no suor.

Os pacientes com doença pulmonar e hepática em estágio avançado são candidatos a transplante.


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Pediatra. Pneumologista pediátrica. Hospital Federal dos Servidores do Estado - MS. Rio de Janeiro, RJ.