Artigo Original
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Ano 2021 -
Volume 11 -
Número
2
Análise do ensino de pediatria nas escolas médicas de Recife e região metropolitana: um estudo transversal
Review of pediatric education in medical schools of Recife and metropolitan region: a cross-sectional study
Germanna Virgínya Cavalcanti Silva1; Luana Freire Góes Lima2; Camila Esteves Paredes1; Maria Amanda Londres Lopes Pinheiro1; Mariana de Freitas Berenguer1; Jéssica Bezerra Diniz Dantas2; Jeddson do Rêgo Nascimento2; Carmina Santos1,2; Eduardo Jorge da Fonseca Lima1,2
RESUMO
OBJETIVOS: Descrever as matrizes curriculares do ensino de pediatria nas escolas médicas da cidade do Recife e região metropolitana, analisando sua adequação em relação às diretrizes nacionais.
MÉTODOS: Estudo de corte transversal. A coleta de dados ocorreu por meio de formulário padronizado, as informações fornecidas pelos coordenadores e/ou docentes em entrevista presencial. Foram abordados aspectos relacionados à carga horária da graduação e das atividades destinadas ao ensino de pediatria, o momento de inserção da pediatria na grade curricular e cenários de aprendizagem prática. A amostra foi composta por seis escolas médicas.
RESULTADOS: A natureza jurídica das instituições apresentou-se da seguinte forma: pública federal 1/6, pública estadual 1/6 e privada 4/6. Todas apresentaram carga horária da graduação superior a 7.000 horas, a carga horária de pediatria variou entre 601 e maior que 1.000 horas. O primeiro contato dos estudantes com a pediatria ocorreu no primeiro ano do curso em quatro das instituições, nas demais, ocorreu entre o segundo e terceiro ano. As instituições realizam avaliação de competências clínicas nos primeiros quatro anos da graduação. Cinco delas já realizam, ou está prevista para ser realizada, a avaliação de competências clínicas durante o internato.
CONCLUSÃO: Verificou-se que o ensino de pediatria desenvolvido nas escolas médicas avaliadas apresenta diferenças de carga horária, embora a maioria acabe por contemplar os objetivos das diretrizes curriculares nacionais. O aumento na carga horária de pediatria teve relação com a implementação da estratégia saúde da família.
Palavras-chave:
Educação Médica, Faculdades de Medicina, Pediatria, Currículo.
ABSTRACT
OBJECTIVES: To describe the curricular matrices of pediatrics teaching in the medical schools of the city of Recife and metropolitan region, analyzing their adequacy in relation to the national guidelines.
METHODS: Cross-sectional study. Data collection was done through a standardized form and the information provided by the coordinators or the teachers in a face-to-face interview. We dealt with aspects related to the hours of undergraduate and pediatric teaching activities; the moment of insertion of pediatrics in the curriculum grid and practical learning scenarios. The sample was composed by the six medical schools.
RESULTS: The legal nature of the institutions was as follows: federal public 1/6, state public 1/6, and private 4/6. As for the hours of medical school, all schools had a workload of more than 7,000 hours and the workload allocated to pediatrics ranged from 601 to over 1,000 hours. The first contact of students with pediatrics occurred in the first year of the course in four of the institutions, while in others, is introduced at the second and the third year. All institutions carry out the evaluation of clinical knowledge in the first four years of the undergraduate course.
CONCLUSION: It was verified that the teaching of pediatrics developed in the medical schools evaluated presents differences in the workload, although the majority ends up contemplating the objectives of the national curricular guidelines. The increase in the workload of pediatrics was related to the implementation of the family health strategy.
Keywords:
Education, Medical, Schools, Medical Pediatrics, Curriculum.
INTRODUÇÃO
A discussão do perfil profissional médico que se deseja formar é uma das pautas integrantes das Diretrizes Curriculares Nacionais da Graduação em Medicina1, com o intuito de promover uma formação humanista, crítica, reflexiva e ética, contemplando diferentes níveis de atenção à saúde por meio de ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde2.
As Diretrizes Curriculares Nacionais atuais apontam para necessidade de mudanças pedagógicas e, principalmente, para ampliação das atividades na atenção básica, além de definir cargas horárias mínimas e reafirmar a importância da integração entre ensino e serviços de saúde reforçando que devem ser considerados novos cenários de prática no ensino médico3. Essas diretrizes definem que 70% (setenta por cento) da carga horária restante do internato incluirão, necessariamente, aspectos essenciais das áreas de clínica médica, cirurgia, ginecologia-obstetrícia, pediatria, saúde coletiva e saúde mental, em atividades eminentemente práticas e com carga horária teórica que não seja superior a 20% (vinte por cento) do total por estágio, em cada uma destas áreas.
Nesse sentido, a pediatria, enquanto disciplina da grade curricular dos cursos médicos e área básica da medicina, exerce função importante na construção de um perfil profissional voltado para atender às necessidades da população, na medida em que lida com as crianças, adolescentes e seus responsáveis em diversas fases da vida2.
No final do século XIX, havia no Brasil apenas três escolas médicas. A pediatria concebida como especialidade surge nesse período, quando, por iniciativa de Carlos Arthur Moncorvo de Figueiredo, em 1881, é fundada a Policlínica Geral do Rio de Janeiro. No ano seguinte, é criada a cadeira de Clínica de Moléstias de Crianças na Escola de Medicina do Rio de Janeiro. Moncorvo Figueiredo observou a ocorrência frequente das doenças infantis, seu impacto na mortalidade infantil e os avanços sobre essas doenças, justificando a necessidade de médicos com conhecimentos específicos das patologias de crianças e assim esclarecendo ao governo imperial a necessidade da criação dessa disciplina3,4.
Com a institucionalização posterior da puericultura, definida como o conjunto de técnicas e estratégias que buscam assegurar o desenvolvimento físico e mental infantil desde o período gestacional até a puberdade, aplica-se à prática a noção de um processo saúde-doença que não diz respeito apenas aos aspectos biológicos, encarando questões psicossociais como peças fundamentais para um desenvolvimento saudável5.
Passados mais de cem anos dos cursos médicos no Brasil, é verificado que a pediatria, com suas diferentes denominações, manteve-se como uma das grandes áreas nos cursos de graduação. Constata-se, também, que nos últimos anos houve, em nosso país, expressiva ampliação do número de escolas médicas, hoje com 336 em funcionamento3.
Em Pernambuco, o reconhecimento dos cuidados infantis como uma especialidade à parte cursou um longo caminho até ser estabelecido. Nos anos 30 do século passado, o Dr. Armando Meira Lins encabeçaria as primeiras transformações ao se dedicar exclusivamente aos cuidados infantis. Nesta mesma década, em 1929, era criado o Hospital Infantil, lugar onde surgiria a pediatria moderna em Pernambuco e mais tarde cederia espaço para um evento marcante: a reunião que iria propor a fundação da Sociedade de Pediatria de Pernambuco, fundada dias depois pelo mesmo Dr. Meira Lins e outros importantes nomes da pediatria da época. O reconhecimento da especialidade cresceu com a inclusão da cátedra de pediatria no currículo da Faculdade de Medicina do Recife, fundada pelo professor Otávio de Freitas6.
Em 1960, foi criado o Instituto de Medicina Infantil de Pernambuco (atualmente Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira - IMIP), liderado pelo Dr. Fernando Figueira e representando uma resposta social dos médicos pediatras aos problemas do Nordeste, constituindo-se, ao longo desses 55 anos, uma referência nacional no ensino da pediatria6,7.
A disciplina de pediatria nas escolas médicas do Brasil é abordada, tanto na etapa básica da graduação (pré-internato), quanto no internato. De modo que são divididos em atividades majoritariamente teóricas na primeira etapa, seguido de uma maior proporção de atividades práticas1. Os graduandos irão, ao longo dos seis anos de formação, desenvolver habilidades e competências para identificar necessidades inerentes às diferentes faixas etárias, compreendendo a criança e o adolescente em seu contexto pleno, nos aspectos biológicos, emocionais e sociais8,9.
Estudo publicado por Puga e Benguigui, em 2003, sobre o ensino de Pediatria em escolas de Medicina da América Latina, mostrou mediana de duração igual a 20 semanas ou 400 horas, com 33,5% das escolas utilizando de 100 horas a 220 horas, 21,7% com cargas horárias entre 420 horas e 600 horas e 16,1% delas utilizando de 620 horas a 800 horas.9 Veiga e Batista, analisando a porcentagem de carga horária total dos cursos médicos destinada à Pediatria em escolas médicas do Rio de Janeiro, encontraram média de 10,07%, além de mediana de 9,72% e desvio padrão igual a 2,72%.5
Em pesquisa realizada com escolas médicas do Brasil por Ciampo e Ciampo, observou-se que a carga horária destinada ao ensino de Pediatria nos 90 cursos médicos brasileiros estudados criados até o ano de 2002 tinha uma média 876,8 horas, ou 10,06% de sua carga horária total, para os temas relacionados à saúde da criança e do adolescente.10 O ensino de pediatria deve corresponder a 10% da carga total do curso (em torno de 700 horas ou mais), preferencialmente de forma contínua e progressiva até o final do curso.3
O estudo de Veiga e Batista relata que os temas de maior frequência nos currículos de graduação em Pediatria estão relacionadas à introdução à Pediatria, com enfoque em anamnese e exame físico, ações básicas de saúde (em especial, o aleitamento materno), prevenção de acidentes na infância, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, atendimento ao recém-nascido normal, imunizações e controle das infecções respiratórias e doenças diarreicas, abrangendo as recomendações contempladas nas DCN. Por outro lado, temas referentes aos aspectos psicomotor e afetivo, como habilidades de comunicação na relação pediatra-criança-família, não eram contemplados em todas as instituições pesquisadas, o que vai em direção oposta à formação médica desejada nos dias atuais.1,5
Pela importância da formação pediátrica como grande área básica torna-se importante avaliar como ocorre o ensino de Pediatria nas escolas médicas da cidade do Recife e Região Metropolitana, comparando suas matrizes curriculares com as recomendações das diretrizes nacionais.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo de corte transversal, descritivo, entre seis escolas médicas da região metropolitana de Recife/PE durante o período de agosto de 2017 a julho de 2018.
A população do estudo foi composta pelos coordenadores do curso médico e/ou docentes responsáveis pela disciplina de pediatria de cada instituição. Os dados sobre as matrizes curriculares da disciplina de pediatria dos cursos contemplados na pesquisa foram obtidos através de informações fornecidas pelos entrevistados.
A coleta de dados ocorreu por meio de formulário padronizado (em anexo) elaborado para fins do estudo, o qual foi aplicado presencialmente e compunha-se de 22 questões, das quais 14 eram de múltipla escolha e oito eram questões abertas.
O questionário abordava aspectos relacionados à carga horária total da graduação e das atividades destinadas ao ensino de pediatria durante os diversos momentos do curso (ciclo básico, clínico e internato), bem como aspectos referentes aos objetivos de aprendizagem, formato de avaliação, momento de inserção da disciplina na grade curricular e cenários de aprendizagem prática.
O termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) foi aplicado e os entrevistados foram instruídos a respeito de quaisquer dúvidas no preenchimento dos dados.
As informações foram revisadas e digitadas em dupla entrada, sendo construído um banco de dados no Excel (versão 2007) e foram verificadas as frequências.
Este trabalho foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Faculdade Pernambucana de Saúde - AECISA e foi realizado conforme a resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde em pesquisas em seres humanos. O projeto foi aprovado sob o CAAE no 79956717.0.0000.5569.
RESULTADOS
Participaram da pesquisa todas as faculdades de medicina existentes em Recife e região metropolitana à época da coleta, configurando uma amostra total de seis instituições.
Quanto à natureza jurídica, as instituições apresentaram-se da seguinte forma: pública federal 1/6 (16,66%), pública estadual 1/6 (16,66%) e privada 4/6 (66%).
Dentre as escolas médicas (EM) pesquisadas, duas possuem pediatras na coordenação do curso, sendo um deles na posição de vice-coordenador. A maioria dos coordenadores de curso 4/6 (66%) exerce essa função há menos de cinco anos.
Quanto ao cargo de coordenador da disciplina de pediatria nos quatro primeiros anos do curso, apenas uma EM não possui tal atribuição. Nas demais instituições, existe o papel do coordenador e a função é exercida pelo mesmo docente há, no máximo, cinco anos.
A carga horária total da disciplina de pediatria e sua divisão durante o internato e o período que o antecede encontram-se descritas na Tabela 1. Verificou-se que a carga horária total do curso de medicina é superior a 7.000 horas em todas EM estudadas, sendo superior a 8.000 horas em três das seis instituições avaliadas. Já a carga horária destinada para o ensino da pediatria ao longo dos seis anos de curso médico variou de 600 horas e foi superior a 1.000 horas em quatro EM.
Em quatro, das seis escolas estudadas, o primeiro contato dos estudantes com conteúdos de Pediatria já ocorre no primeiro ano do curso, enquanto nas demais, o ensino da pediatria é introduzido ao final do segundo ano e ao longo do terceiro.
A Figura 1 mostra os cenários de prática da pediatria e os períodos em que ocorre o contato inicial (pré-internato) dos estudantes, de acordo com as escolas médicas estudadas.
Figura 1. Distribuição dos períodos letivos de contato inicial com os cenários de prática de pediatria que antecedem o internato, de acordo com as escolas médicas localizadas no Recife-PE e Região Metropolitana. Recife. (Dezembro/2017-Janeiro/2018).
Todas as instituições estudadas realizam avaliação de competências clínicas nos primeiros quatro anos da graduação, sendo 2/6 (33,33%) em formato Objective structured clinical examination (OSCE), 2/6 (33,33%) como Mini-clinical evaluation exercise (mini-CEX), 1/6 (16,66%) utiliza as formas teste de habilidades e competências (THC) e mini-CEX e 1/6 (16,66%) não estruturado ou outra forma.
Das seis instituições avaliadas, quatro possuem estudantes no internato de pediatria e duas ainda não tinham iniciado este seguimento, devido ao tempo de funcionamento do curso. Acerca da duração dos rodízios de cada área no internato, duas se organizam em apenas um período contínuo de cerca de seis meses em cada especialidade, três delas em dois períodos de cerca de dois a três meses e apenas uma em quatro períodos de cerca de 45 dias cada. A distribuição das atividades está representada na Figura 2.
Figura 2. Distribuição das atividades de pediatria no internato de acordo com os cenários de prática, nas escolas médicas localizadas no Recife-PE e Região Metropolitana. Recife. (Dezembro/2017-Janeiro/2018).
Dos entrevistados, cinco responderam que já existe, ou que ainda será realizada, a avaliação de competências clínicas nos rodízios de pediatria do internato. Das respostas obtidas, uma instituição faz avaliação através do mini-CEX, uma através de THC e OSCE, uma através de THC e mini-CEX e duas de forma não estruturada ou diferente das anteriores.
DISCUSSÃO
O estudo analisou como o conteúdo de Pediatria é abordado nas escolas médicas da cidade do Recife e região metropolitana. Um aspecto importante para a compreensão do ensino pediátrico na formação geral do médico refere-se à carga horária da pediatria e o seu percentual em relação à carga horária total do curso médico. Constatou-se que, em cinco das instituições, foi maior que 7.500 horas, o que está de acordo com o preconizado pela Resolução nº 3 do Ministério da Educação, de junho de 201411, que é uma carga mínima de 7.200 horas e prazo mínimo de seis anos para sua integralização.
Em relação à carga horária total da pediatria, foi possível verificar que a maior parte (4/6) das EM estudadas destina tempo maior que 1.000 horas, superando o tempo proposto pelas premissas e diretrizes propostas pela Sociedade Brasileira de Pediatria, que afirma que o ensino de pediatria deve corresponder a 10% da carga total do curso (em torno de 700 horas ou mais), preferencialmente de forma contínua e progressiva até o final do curso³.
Foi possível verificar também que o tempo total dedicado ao ensino de pediatria durante a graduação nas EM estudadas foi superior àqueles encontrados em pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)10 e também por Veiga et al. (2005)5 em escolas médicas do Rio de Janeiro, nas quais a carga horária média destinada para o ensino e prática da disciplina era de 876,8 horas e 870 horas, respectivamente.
Essa diferença apresentada entre as cargas horárias pode ser explicada pelo grande número de novos cursos médicos, que apresentam diferentes organizações em sua estrutura, bem como diferentes metodologias de ensino3.
Em relação à distribuição dessa carga horária ao longo da formação, ela não é uniforme, sendo concentrada maior porcentagem no internato. Ainda, com estas diferenças de disposição e apresentação dos currículos, a DCN dispõe que a carga horária do internato deve ser distribuída de forma que 70% dela sejam destinados aos aspectos essenciais das grandes áreas da medicina (clínica médica, cirurgia, pediatria, ginecologia e obstetrícia, saúde coletiva e saúde mental)1.
Ao analisar o momento de inserção curricular, o primeiro contato dos alunos com os conteúdos de pediatria ocorre já no primeiro ano do curso na maioria das EM. Tal fato pode ser atribuído à crescente aceitação e adesão à metodologia de aprendizagem ativa (que favorece a inserção dos estudantes mais precocemente aos locais de prática), por parte das instituições do estado de Pernambuco, priorizando uma aprendizagem contextualizada desde o início da formação, bem como o conhecimento de que o ensino da pediatria, iniciado no ciclo clínico e complementado, especialmente, pelo treinamento em serviço no internato, tem como metas a formação geral do médico, com visão ampla dos principais problemas ligados à prática pediátrica11.
Entretanto, um estudo realizado no estado do Rio de Janeiro5 constatou que mais da metade das instituições pesquisadas inserem estes conteúdos ao longo do terceiro ano, enquanto apenas uma instituição o faz antes disso.
Sobre os objetivos de aprendizagem dos ciclos básico e clínico, apesar das diferenças estruturais e organizacionais, há concordância no ensino de temas fundamentais como: aspectos da consulta pediátrica, anamnese da criança, avaliação de crescimento e desenvolvimento normais, alimentação, imunização, doenças mais prevalentes na infância, assistência ao RN e assistência ao adolescente.
Nestes objetivos de aprendizagem são abordados não somente os aspectos biológicos da saúde infantil, mas também os psicossociais. No entanto, esta abordagem mais holística em relação à criança, não foi totalmente contemplada em algumas EM, de acordo com estudo realizado no Rio de Janeiro5.
Em todas as EM estudadas observou-se que o ensino da pediatria é vivenciado nos diferentes cenários de atenção à saúde: ambulatorial, unidade de internação hospitalar, urgência e emergência e neonatologia. A inserção nesses cenários de prática ocorre, principalmente, no ciclo clínico (a partir do terceiro ano de graduação), com poucas exceções, em que a introdução de alguns cenários teve início ainda no ciclo básico, de forma que em todas há o contato com atividades de relevância para o futuro profissional desde os primeiros anos do curso.
Durante o internato, deverão ser vivenciados todos os níveis de atenção, com enfoque nos níveis primário, secundário e de urgência/emergência, para que haja a oportunidade de o estudante ter experiências nos diversos cenários de aprendizagem e compreender as políticas de saúde nos diferentes ciclos da vida, de organização da prática e do trabalho em equipe multiprofissional12.
A vivencia nos diferentes níveis de atenção permitem futuro médico desenvolver o entendimento da criança como unidade biopsicossocial e ecodependente; praticar a promoção de saúde, prevenção de agravos e educação familiar; monitorizar o crescimento, desenvolvimento e nutrição infantil; elaborar diagnóstico e prescrição de tratamento, a partir da capacidade de obter dados por meio da anamnese e do exame físico e conhecimento das doenças prevalentes neste ciclo da vida; capacitar-se para executar procedimentos diagnósticos e terapêuticos fundamentais11.
Vale ressaltar, porém, que mesmo sendo submetido a práticas nos diversos níveis de atenção, quando inserido na atenção básica, os estudantes têm como principal campo de prática a estratégia de saúde da família (ESF), formada por uma equipe que não engloba a presença de um pediatra. A falta do pediatra na equipe pode comprometer o ensino das questões relacionas à saúde da criança, uma vez que muitos médicos que integram essa estratégia não se igualam ao pediatra para prover cuidado integral e de qualidade à saúde da criança e do adolescente13.
A importância do pediatra na atenção básica foi demonstrada em estudo, realizado em um município do interior de São Paulo, após um ano da implantação da ESF, observou-se que as reclamações, por parte da população, eram quase que diárias. A própria equipe médica e os gestores de saúde, perceberam que não havia resolução dos casos, devido a um crescente aumento em erros diagnósticos. Optou-se, então, por contratar também um pediatra para compor a equipe, promovendo uma melhoria na promoção de cuidado integral às crianças e adolescentes deste município14.
Quanto às estratégias de avaliação apresentadas, todas as instituições estudadas possuem avaliação de competências clínicas nos primeiros quatro anos da graduação, sendo duas no formato OSCE (objective structured clinical examination). Este tipo de avaliação que verifica o desempenho do estudante em situações controladas, baseadas em um roteiro predefinido, em que há interação com paciente simulado ou recursos didáticos por meio de estações de avaliação em rodízio15.
Duas EM avaliam seus estudantes através do mini-CEX (mini-clinical evaluation exercise), que consiste numa observação estruturada da prática com guia de verificação ou checklist, na qual se atribuem notas de avaliação global para diversos itens de atitudes e habilidades, seguida de feedback, com duração total de 20 a 30 minutos, que pode ser repetida várias vezes para o mesmo estudante, aumentando a validade do método16. Uma EM utiliza formas de mini-CEX e THC (teste de habilidades e competências), uma EM utiliza forma não estruturado ou diferente dessas.
Para verificar o alcance das competências determinadas, assim como para dar continuidade ao processo de ensino e aprendizagem, faz-se necessário um sistema de avaliação. Este ponto é fundamental em qualquer instituição de ensino, pois é por meio dele que são desenvolvidos mecanismos internos de controle de qualidade do processo de ensino/aprendizagem e monitorizados o desenvolvimento de atitudes e habilidades clínicas fundamentais16.
Ainda quanto à forma de avaliação, das cinco EM que possuem o internato em andamento, uma instituição realiza avaliação através do mini-CEX, uma através de THC e OSCE, uma através de THC e mini-CEX e duas de forma não estruturada ou diferente das anteriores.
A importância das práticas avaliativas se dá no planejamento dos processos de ensino e de aprendizagem porque aponta falhas, localiza dificuldades e permite a tomada de decisões. Além disso, esta atividade deve subsidiar as diretrizes da gestão pedagógica e o plano de desenvolvimento institucional.
Todas as formas de avaliação levam em conta a participação ativa do estudante, associada à ferramenta de feedback que tem por finalidade regular o processo de ensino-aprendizagem, fornecendo continuamente informações para que o estudante perceba se está distante ou próximo dos objetivos almejados e permite que os ajustes necessários sejam feitos precocemente a partir do desenvolvimento da capacidade reflexiva e autoavaliativa dos estudantes. Contudo, o feedback por si só não garante a aprendizagem sem que haja adequado estímulo aos processos cognitivos e metacognitivos do estudante17,18.
Dessa forma, conclui-se que o ensino de pediatria desenvolvido nas escolas médicas avaliadas apresenta diferenças de carga horária e do momento de introdução do ensino de pediatria no curriculum, embora a maioria acabe por contemplar os conteúdos necessários à formação geral do médico nos aspectos da saúde da criança.
As escolas médicas estudadas também apresentaram congruência com as DCN no que se refere à carga horária total mínima obrigatória destinada ao curso e à realização de atividades em cenários de prática voltados à pediatria, em todos os níveis de atenção.
Percebeu-se, ainda, que um dos motivos das mudanças no ensino de pediatria na graduação do curso médico, principalmente o aumento na carga horária dedicada à pediatria nos últimos anos, se deu devido à implementação da estratégia de saúde da família (ESF) como modelo preferencial na atenção básica. Essa estratégia ainda não prevê o pediatra na equipe, o que traz diversas dificuldades, tendo em vista que nenhum profissional se iguala ao pediatra na promoção do cuidado integral e de qualidade à saúde da criança e do adolescente.
Assim, a ausência do pediatra na atenção básica do SUS incorpora questões e desafios adicionais envolvendo a atuação do profissional propriamente dita e, também, para o ensino de pediatria na graduação do curso médico e na residência médica.
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1. Faculdade Pernambucana de Saúde. Avenida Marechal Mascarenhas de Morais, 4861 - Imbiribeira, Recife - PE. CEP: 51150-000
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E-mail: germanna_cavalcanti@hotmail.com
Data de Submissão: 04/07/2019
Data de Aprovação: 18/07/2019