ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2014 - Volume 4 - Número 1

Pneumonia comunitária grave em filho de uma funcionária do hospital - Pensar em multirresistência?

Severe community-acquired pneumonia in the son of an employee of the hospital - Think of multidrug resistance?
Neumonía comunitaria grave en hijo de una empleada del hospital - ¿Pensar en multirresistencia?

RESUMO

INTRODUÇÃO: Staphylococcus aureus resistente à oxacilina (MRSA) tem aumentado em pacientes da comunidade.
DESCRIÇÃO DO CASO: S.C.A., 11 meses, masculino, com febre/tosse havia 2 dias. RX mostrou hipotransparência em hemitórax direito, hemograma com sinais de bacteremia; colhidas culturas e swab nasal devido à história da mãe (enfermeira com swab de vigilância colonizado por MRSA). Iniciou-se oxacilina e ceftriaxona, após 2 dias realizou-se toracocentese e o swab nasal do paciente evidenciou MRSA. Optou-se, então, por mudar oxacilina para vancomicina. O quadro evoluiu de forma arrastada, com 28 dias de uso de vancomicina.
COMENTÁRIOS: É importante salientar a necessidade de vigilância nos colaboradores de hospitais e as orientações do uso das precauções adequadas.

Palavras-chave: controle de infecções, pneumonia, Staphylococcus aureus resistente à meticilina.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Staphylococcus aureus resistant to methicillin (MRSA) has increased in patients from the community.
CASE DESCRIPTION: S.C.A., 11 months-old, male, with fever/cough for 2 days. RX showed opacity in the right hemithorax, CBC with signs of bacteremia, and nasal swab cultures harvested because the story of the mother (nurse with swab surveillance colonized by MRSA). Oxacillin and ceftriaxone were introduced, after 2 days was carried out thoracentesis and nasal swabs revealed MRSA patient, so it was decided to change the oxacillin to vancomycin. The case evolved dragged, with 28 days of vancomycin.
COMMENTS: It is important to emphasize the need for vigilance in employees of hospitals and guidelines of the use of appropriate precautions.

Keywords: infection control, methicillin-resistant Staphylococcus aureus, pneumonia.

RESUMEN

INTRODUCCIÓN: Staphylococcus aureus resistente a oxacilina (MRSA) está aumentando en pacientes de la comunidad.
DESCRIPCIÓN DEL CASO: SCA, 11 meses, masculino, con fiebre/tos hace 2 días. La imagen de rayos X mostró hipotransparencia en hemitórax derecho, hemograma con signos de bacteriemia; colectadas culturas y swab nasal debido a historia de la madre (enfermera con swab de vigilancia colonizado por MRSA). Se inició oxacilina y ceftriaxona, tras 2 días se realizó toracentesis y el swab nasal del paciente evidenció MRSA, por lo tanto se optó por cambiar de oxacilina a vancomicina. El cuadro evolucionó de forma lenta, con 28 días de uso de vancomicina. Es importante destacar la necesidad de vigilancia en el personal de los hospitales y las orientaciones sobre el uso de las precauciones adecuadas.

Palabras-clave: control de Infecciones, pneumonia, staphylococcus aureus resistente à meticilina.


INTRODUÇÃO

As infecções por Staphylococcus aureus resistente à oxacilina (MRSA) são responsáveis por 30% a 40% das infecções estafilocóccicas nosocomiais. Com o passar do tempo, tem sido evidenciada uma frequência crescente dessas bactérias em pacientes da comunidade, principalmente naqueles que têm contato com profissionais da área de saúde1.

Os organismos multirresistentes (MDROs) são definidos como microrganismos, predominantemente bactérias, que são resistentes a uma ou mais classes de agentes antimicrobianos; incluindo o Staphylococcus aureus meticilina resistente (MRSA), enterococos resistentes à vancomicina (VRE) e alguns bacilos gram-negativos (GNB) que têm importantes implicações no controle de infecções2.

O Staphylococcus aureus tem adquirido genes que promovem resistência a várias classes de antibióticos. O mais importante até o momento é o gene mecA que confere resistência à oxacilina e a quase todos beta lactâmicos3. A resistência à oxacilina é determinada pela presença de uma proteína de ligação da penicilina, que age por meio da diminuição da afinidade à penicilina1.

A transmissão desses patógenos pelos profissionais de saúde representa um dos principais meios de colonização e eventual infecção. Além disso, o MRSA como agente causador da pneumonia pode se desenvolver em uma pessoa colonizada com MRSA ou em contactantes de pessoas colonizadas por esse micro-organismo. A pneumonia pode ocorrer após microaspirações, por via hematogênica, por contiguidade ou continuidade4.

O quadro clínico da pneumonia por MRSA é caracterizado por sintomas graves, como: febre alta, tosse, leucopenia, nível de proteína C-reativa (PCR) muito alto, hipotensão arterial, alteração na relação PaO2/FiO2 e uma radiografia de tórax mostrando infiltrados alveolares/cavitação4.

O diagnóstico é controverso e difícil. Existem muitos obstáculos quanto à exata etiologia da pneumonia2. Raios-X não são específicos, hemoculturas positivas acompanham apenas 5%-36% dos casos, amostragem microbiológica endotraqueal mostrou apenas 40% de concordância com biópsia do pulmão. O limiar de diagnóstico da concentração bacteriana por meio da cultura das secreções do trato respiratório inferior (Lavado Broncoalveolar) é positivo quando a cultura for maior ou igual a 104 UFC/ml. O escovado protegido broncoalveolar, raramente realizado no Brasil devido o alto custo, é positivo se cultura for maior ou igual 103 UFC/ml. Enquanto que a biópsia por broncoscopia ou toracoscopia é realizada somente em situações especiais4.

O tratamento de pacientes com essas infecções é limitado, sendo utilizada, até recentemente, apenas a vancomicina na maioria das instituições. Quanto à prevenção, a maneira mais usual é a identificação dos candidatos para a descolonização, o que requer culturas de vigilância em funcionários das unidades de terapia intensiva por meio da coleta de swab (nasal, axilar, inguinal e outros) rotineiramente, e caso alguém esteja colonizado por MDRO deverá passar por um processo de descolonização. No entanto, a descolonização de MRSA em pessoas pode ser realizada com mupirocina tópica isoladamente ou em combinação com os antibióticos administrados por via oral (por exemplo, a rifampicina em associação com sulfametoxazol-trimetoprim, ou ciprofloxacina), além da utilização de um antimicrobiano sabonete para o banho. Os candidatos que recebem tratamento de descolonização devem ter acompanhamento por culturas para assegurar a erradicação2.


RELATO DO CASO

Paciente S.C.A., 11 meses de idade, sexo masculino, pardo, natural de Governador Valadares, MG, filho de mãe técnica de enfermagem da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), cujo swab de vigilância evidenciou colonização por MRSA três semanas antes, tendo sido realizada descolonização da funcionária e de sua família. O paciente deu entrada dia 13/04/2012 no pronto-socorro infantil do Hospital Municipal de Governador Valadares com quadro de febre e tosse havia 2 dias, que evoluiu com prostação, taquipneia, tiragem subcostal, batimento de asas nasais e com cianose quando agitava-se. Ao exame físico, apresentava-se hidratado, prostado, hipocorado ++/4+; anictérico, febril (38,8º C); ACV: Sem alterações, FC: 133 bpm; AR: Murmúrio vesicular diminuído à direita, FR: 88 irpm; Abdome: globoso, flácido, com edema de parede.

O paciente foi colocado em tenda de oxigênio com FiO2 de 50%, sendo realizada a seguinte propedêutica: radiografia de tórax que mostrou pneumonia comprometendo todo hemitórax direito (Figura 1); hemograma completo da admissão que demonstrou Hemácias -4,47/hemoglobina-11,2/hematócrito-34%/leucócitos-20.300 (basófilos 1%, eosinófilos 2,5%, bastonetes 7%, segmentados 66,9%, linfócitos 13%, monócitos 9,6%)/plaquetas-132 mil/com granulações tóxicas e a PCR -128. Três hemoculturas e swab nasal da criança foram colhidos devido à história da mãe. O tratamento inicial foi com oxacilina e ceftriaxona no momento da internação. Após 2 dias, a criança evoluiu com piora do esforço respiratório e por isso foi realizada toracostamia com drenagem do tórax. As hemoculturas foram negativas e o swab nasal da criança positivo para MRSA. Portanto, a mãe foi a provável fonte de infecção. Logo, foi realizada a troca da oxacilina por vancomicina.


Figura 1. Radiografía de tórax mostrando hipotransparencia em todo o hemitórax direito com desvio do mediastino para a esquerda.



No 16º dia de internação, o paciente tinha usado 12 dias de ceftriaxona e estava em uso de vancomicina (14º dia), com dreno de tórax há 12 dias. Como o quadro clínico estava muito arrastado, com febre prolongada e necessidade de O2 suplementar, suspeitou-se de fistula broncopleural; uma tomografia computadorizada de tórax foi realizada, a qual evidenciou um pequeno derrame pleural à direita, associado à bolha/pneumotórax e a áreas de consolidação e atelectasia em lobo superior; no pulmão esquerdo, também havia uma área de consolidação em lobo superior, descartando, assim, a hipótese de fístula.

A criança precisou usar vancomicina por 28 dias. Após 30 dias de internação, o paciente recebeu alta.


DISCUSSÃO

O problema de aparecimento de resistência antimicrobiana e a relativa falta de novos agentes anti-infecciosos em desenvolvimento é uma questão que será enfrentada por UTIs em todo o mundo5.

Existem poucos estudos sobre pneumonia adquirida na comunidade (PAC) por MRSA. Os dados disponíveis mostram que o MRSA não é considerado uma causa frequente de PAC; sua incidência foi estimada em 0,51-0,64 casos por 100.000, enquanto a incidência de PAC foi de 266,8 por 100.000 pessoas em 1991 e 198 casos por 100.000 habitantes em 2004-2005. No entanto, estudos sugerem que a incidência de PAC por MRSA está aumentando, especialmente nos casos que se complicam com derrame pleural. Portanto, são necessários mais estudos para que as diretrizes de tratamento da PAC considerem a cobertura para MRSA no esquema empírico, pelo menos daqueles pacientes que necessitem de internação3.

A mortalidade das PAC por MRSA é de 20%-60%, enquanto a mortalidade global estimada em pacientes com PAC é de 5%-9%. A etiologia da PAC grave é diversa. Os sintomas da PAC por MRSA são parecidos com gripe (pelo menos no início) ou as duas infecções podem desenvolver-se simultaneamente. A PAC por MRSA pode também ser considerada como uma complicação da gripe3.

Ward & Kollef verificaram que quando o tratamento adequado foi realizado, a mortalidade de pneumonia por MRSA diminuiu de 60,8% para 33,3%. Assim como Kim et al., demonstraram que o atraso de uma terapia eficaz em pacientes com pneumonia por MRSA está associado com aumento da mortalidade. Salienta-se que para Estafilococos multissensíveis, a oxacilina continua sendo o tratamento de escolha devido ao seu poder bactericida e, quando necessário, utiliza-se vancomicina, porém, a evolução geralmente é arrastada devido ao baixo poder de penetração no tecido pulmonar, além de toxicidade renal.

A vancomicina e a linezolida atualmente são consideradas as drogas indicadas para o tratamento mais adequado de PAC por MRSA. Análises retrospectivas mostraram que a linezolida é mais eficaz do que a vancomicina em infecções respiratórias, mas estudos de meta-análise não confirmaram os resultados3. A vancomicina é a referência para o tratamento de uma infecção sistêmica causada pela MRSA, no entanto, como resultado da distribuição nos tecidos é limitada, bem como a surgimento de cepas com sensibilidade reduzida e a resistência in vitro; logo, surge a necessidade de terapia alternativa para tratamento de MRSA, que inclui: daptomicina, tigeciclina e quinupristina/dalfopristina. Além disso, um certo número de novos compostos anti-MRSA estão em desenvolvimento, incluindo novos glicopeptídeos (dalbavancina, telavancina e oritavancina) e as cefalosporinas (Ceftobiprole, Ceftaroline)6.

As evidências disponíveis mostram que PAC por MRSA parece ser uma infecção pouco frequente. No entanto, existem dados sugerindo que as infecções por MDRO continuam a subir e estratégias adicionais para reduzir a incidência desses patógenos multirresistentes são necessárias. O uso de clorexidina diária para banho resultou em reduções significativas na aquisição de MRSA (32%) e da bacteremia7. A maioria dos casos publicados foi de doenças graves associadas a uma taxa de mortalidade significativa. Os médicos devem considerar MRSA mais frequentemente entre os possíveis agentes patogênicos em pacientes com PAC grave3.

A prevenção e controle desses patógenos multirresistentes são prioridades nacionais e precisam ser adaptados às necessidades específicas de cada população e da instituição individual2.


REFERÊNCIAS

1. Francis JS, Doherty MC, Lopatin U, Johnston CP, Sinha G, Ross T, et al. Severe community-onset pneumonia in healthy adults caused by methicillin-resistant Staphylococcus aureus carrying the Panton-Valentine leukocidin genes. Clin Infect Dis. 2005;40(1):100-7. PMID: 15614698 DOI: http://dx.doi.org/10.1086/427148

2. Siegel JD, Rhinehart E, Jackson M, Chiarello L; Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee. Management of multidrug-resistant organisms in health care settings, 2006. Am J Infect Control. 2007;35(10 Suppl 2):S165-93. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ajic.2007.10.006

3. Vardakas KZ, Matthaiou DK, Falagas ME. Incidence, characteristics and outcomes of patients with severe community acquired-MRSA pneumonia. Eur Respir J. 2009;34(5):1148-58. DOI: http://dx.doi.org/10.1183/09031936.00041009

4. Rubinstein E, Kollef MH, Nathwani D. Pneumonia caused by methicillin-resistant Staphylococcus aureus. Clin Infect Dis. 2008;46 Suppl 5:S378-85. DOI: http://dx.doi.org/10.1086/533594

5. Ackerman AD, Singhi S. Pediatric infectious diseases: 2009 update for the Rogers' Textbook of Pediatric Intensive Care. Pediatr Crit Care Med. 2010;11(1):117-23. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/PCC.0b013e3181c8790c

6. Thwaites GE, Edgeworth JD, Gkrania-Klotsas E, Kirby A, Tilley R, Török ME, et al.; UK Clinical Infection Research Group. Clinical management of Staphylococcus aureus bacteraemia. Lancet Infect Dis. 2011;11(3):208-22. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S1473-3099(10)70285-1

7. Climo MW, Sepkowitz KA, Zuccotti G, Fraser VJ, Warren DK, Perl TM, et al. The effect of daily bathing with chlorhexidine on the acquisition of methicillin-resistant Staphylococcus aureus, vancomycin-resistant Enterococcus, and healthcare-associated bloodstream infections: results of a quasi-experimental multicenter trial. Crit Care Med. 2009;37(6):1858-65. PMID: 19384220 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/CCM.0b013e31819ffe6d










1. Pediatra - Preceptora da residência médica de pediatria do Hospital Municipal de Governador Valadares. Governador Valadares, MG
2. Médico - Residente de Pediatria do Hospital Municipal de Governador Valadares Governador Valadares, MG
3. Preceptora da residência médica de pediatria do Hospital Municipal de Governador Valadares Governador Valadares, MG. Neonatologista e Coordenadora da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal
4. Acadêmica - Acadêmica de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, MG
5. Infectologista - Coordenadora da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar

Endereço para correspondência:
Ignez Cristina Santos Netto
Hospital Municipal de Governador Valadares
Rua Teófilo Otoni, nº 361. Centro
Governador Valadares - MG. Brasil. CEP: 35020-600