Relato de Caso
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Ano 2021 -
Volume 11 -
Número
2
Síndrome de Hamman na infância - relato de caso
Hamman syndrome in children - case report
Caroline Scantamburlo Martins1; Alline de Mello Ramalho1; Anyne Silva Bairral França1; Ana Carolina Gaudard2; Victor Kamel Farsoun Junior3
RESUMO
OBJETIVO: Relatar caso raro de pneumomediastino espontâneo ocorrido na infância.
RELATO DE CASO: Paciente do sexo masculino, oito anos, com quadro de tosse, dispneia e cornagem sem melhora ao tratamento para asma, a base de corticoide venoso e broncodilatador inalatório. Paciente foi submetido à extensa investigação com exames de imagem que sugeriram e confirmaram diagnóstico de pneumomediastino, excluindo causas externas - como trauma ou cirurgia de tórax - que pudessem ter evidente relação com as características observadas. O quadro teve involução espontânea com tratamento de suporte.
CONCLUSÃO: Síndrome de confirmação diagnóstica por imagem, geralmente de evolução benigna, com resolução espontânea e necessidade apenas de tratamento de suporte.
Palavras-chave:
Enfisema Mediastínico, Pneumomediastino Diagnóstico, Dispneia.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To report a rare case of spontaneous pneumomediastinum that occurred in childhood.
CASE REPORT: Male patient, eight years old, with cough, dyspnea, and goring, with no improvement in asthma treatment, venous corticoid base and inhaled bronchodilator. Patient underwent extensive investigation with imaging tests that suggested and confirmed a diagnosis of pneumomediastinum, excluding external causes - such as trauma or chest surgery - that could be clearly related to the observed characteristics. The patient had spontaneous involution with supportive treatment.
CONCLUSION: Diagnostic confirmation syndrome by image, usually of benign evolution, with spontaneous resolution and only need of supportive treatment.
Keywords:
Mediastinal Emphysema, Pneumomediastinum, Diagnostic, Dyspnea.
INTRODUÇÃO
Pneumomediastino espontâneo é uma patologia benigna e autolimitada, na maioria dos casos. Acomete principalmente pacientes jovens, do sexo masculino, e ocorre em aproximadamente 1/30.000 admissões hospitalares3,4. A fisiopatologia do pneumomediastino espontâneo foi descrita como ruptura dos alvéolos terminais que ocorre devido ao aumento da pressão intra-alveolar, provocando a saída de ar para o espaço intersticial, peribrônquico, hilo e mediastino. O ar entra no mediastino durante a respiração e busca o equilíbrio pressórico, este conhecido como fenômeno de Macklin5.
Síndrome de Hamman é caracterizada por pneumomediastino espontâneo, não relacionado a trauma, cirurgia ou procedimento, podendo ser precedido por esforço intenso, tosse, vômito ou inalação de drogas. Condição rara, talvez pelo subdiagnóstico, que acomete em sua maioria homens jovens1.
Pode causar tosse, disfonia, dor torácica, dispneia e estridor. Seu curso é geralmente benigno, sendo necessário somente tratamento de suporte com analgesia e repouso. O padrão-ouro para o diagnóstico é a tomografia computadorizada2.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 8 anos de idade, pardo, morador da cidade de Macaé/RJ, compareceu a um pronto atendimento, queixando-se de dispneia e tosse que havia iniciado 3 dias antes. Apresentava desconforto respiratório moderado, tiragem subcostal e retração de fúrcula esternal, e à ausculta pulmonar, murmúrios vesiculares universalmente audíveis com sibilos. Com base nessa apresentação clínica, o quadro, na mesma unidade hospitalar, fora diagnosticado inicialmente como asma, cuja abordagem terapêutica para tal patologia consistiu em nebulização com broncodilatador de curta duração por três vezes, com oxigenoterapia nos intervalos e hidrocortisona via endovenosa. O paciente foi reavaliado posteriormente com murmúrio vesicular presente, sem ruídos adventícios. Contudo, mantinha taquipneia. Foi, em seguida, solicitado radiografia de tórax que não apontou alterações, sendo liberado com prescrição de prednisolona e nebulização com broncodilatador de curta duração e anticolinérgico. Sem melhora dos sintomas, retornou no mesmo dia devido à persistência da queixa, e foi solicitada internação hospitalar.
O paciente possuía história familiar e social complexa, que envolvia maus tratos, abuso sexual e de drogas pela mãe – que fala sobre o assunto abertamente na presença dos filhos. Seu irmão foi diagnosticado com esofagite de etiologia psicossomática. A história patológica pregressa do paciente destacava presença de asma não tratada.
O quadro em questão iniciou de forma repentina, sem que o paciente ou seu responsável pudessem correlacionar com qualquer atividade ou fator desencadeante. Foi então internado para tratamento de crise de asma grave, pois apresentava queixa de tosse e dispneia.
Ao exame físico, apresentava murmúrio vesicular presente com discretos sibilos e saturação de 96%, além de ter sido observada, pela médica do pronto-atendimento, uma dispneia suspirosa. A prescrição foi elaborada com dieta zero, hidratação venosa, metilprednisolona na dose de 1mg/kg/dose, nebulização com broncodilatador de curta duração e oxigenoterapia contínua sob máscara, monitorização contínua e foi solicitado gasometria venosa. Reavaliada três horas após, a criança apresentava quadro de agitação e dispneia não compatível com a ausculta respiratória, e relatava sensação de globus em região faríngea. Foi então realizada nova gasometria e modificada a prescrição, que passou a alternar nebulização com adrenalina e broncodilatador de curta duração.
Após dois dias na enfermaria, evoluiu com piora do quadro, apresentando esforço respiratório com retração de fúrcula esternal, cornagem à inspiração, ausculta pulmonar sem sibilos e relato de sensação de globus faríngeo a despeito do tratamento adequado para asma. Solicitou-se avaliação da otorrinolaringologia devido à cornagem e ao esforço respiratório, e a especialidade solicitou tomografia de cervical e tórax. Este exame de imagem evidenciou pneumomediastino e enfisema subcutâneo peritraqueal, estendendo-se ao pescoço (Figura 1).
Figura 1. Tomografia computadorizada de tórax realizada em 21 de janeiro de 2019, na qual observa-se ar livre no mediastino.
Paciente foi então avaliado pela cirurgia pediátrica, que optou por conduta conservadora, com encaminhamento ao centro de tratamento intensivo. Permaneceu sob esses cuidados por sete dias, sendo dois deles com suporte ventilatório invasivo. Realizou-se também endoscopia digestiva alta e broncoscopia, que não evidenciaram anormalidades. Foi encaminhado à enfermaria após realização de nova tomografia, com resolução espontânea do pneumomediastino, porém ainda com queixa de globus faríngeo e dispneia em crises, sem queda da saturação ou sibilos à ausculta. Foi submetido à nova broncoscopia que também não constatou alterações.
Durante o período de internação, ele foi acompanhado por um residente de pediatria, que observou o fato de as crises de dispneia e esforço respiratório se assemelharem ao transtorno da ansiedade. Juntamente com a equipe de psiquiatria, iniciou tratamento com fluoxetina e acompanhamento com psicologia, promovendo melhora parcial dos sintomas e posterior alta hospitalar do paciente com retorno ambulatorial programado.
DISCUSSÃO
As principais causas de pneumomediastino espontâneo são, dentre outras, exercícios físicos intensos, trabalho de parto, tosse de forte intensidade, vômitos, asma, mergulhos a grandes profundidades e inalação de drogas entorpecentes2. No caso relatado, o paciente era portador de asma e este possivelmente foi o fator desencadeante.
Os exames de imagem mais utilizados são radiografia e tomografia computadorizada de tórax, sendo a tomografia o padrão-ouro na síndrome de Hamman2. A radiografia de tórax é o exame utilizado na triagem dos pacientes de forma geral. Porém, neste caso, a radiografia de tórax não apresentou alterações, mostrando que nem sempre este exame estará alterado, sendo necessária investigação com outros exames de imagem. A tomografia de tórax deve ser realizada quando a radiografia for normal ou inconclusiva, pois avalia a extensão de ar disseminado e descarta outras lesões associadas6.
No caso descrito, a tomografia computadorizada evidenciou pneumomediastino e enfisema subcutâneo. Os estudos endoscópicos, broncoscópicos e esofagográficos devem ser realizados quando o paciente apresentar disfagia, vômitos, traumas prévios, derrame pleural ou doenças do aparelho digestivo, achados ausentes no caso descrito2,6. Foram realizadas endoscopia digestiva alta e broncoscopia, na tentativa de evidenciar alguma alteração que levasse ao quadro.
Em relação ao tratamento, a maioria dos estudos sugere abordagem conservadora, com repouso e analgesia se necessário, apontando o curso benigno da patologia4,7. Na maioria dos casos a evolução é favorável, ocorrendo a reabsorção completa do ar, o que ocorreu no caso descrito5,7.
O pneumomediastino espontâneo ou síndrome de Hamman é uma doença rara, com curso clínico favorável, evolução benigna e autolimitada; seu diagnóstico é de exclusão e nem sempre é feito corretamente. Portanto, devemos nos atentar para os sinais dessa patologia; além disso, é necessário associar, à história clínica e ao exame físico, os exames de imagem, que colaboram para o diagnóstico7.
REFERÊNCIAS
1. Iyer VN, Joshi AY, Ryu JH. Spontaneous pneumomediastinum: analysis of 62 consecutive adult patients. Mayo Clin Proc [Internet]. 2009 Mai; [citado 2019 Mar 28]; 84(5):417-21. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0025619611605600
2. Perna V, Vilà E, Guelbenzu JJ, Amat I. Pneumomediastinum: is this really a benign entity? When it can be considered as spontaneous? Our experience in 47 adult patients. Eur J Cardiothorac Surg [Internet]. 2010 Mar; [citado 2019 Mar 28]; 37(3):573-5. Disponível em: https://academic.oup.com/ejcts/article/37/3/573/431875
3. Dekel B, Paret G, Szeinberg A, Vardi A, Barzilay Z. Spontaneous pneumomediastinum in children: clinical and natural history. Eur J Pediatr. 1996 Ago;155(8):695-7.
4. Gerazounis M, Athanassiadi K, Kalantzi N, Moustardas M. Spontaneous pneumomediastinum: a rare benign entity. J Thorac Cardiovasc Surg. 2003 Set;126(3):774-6.
5. Macklin CC. Transport of air along sheaths of pulmonic blood vessels from alveoli to mediastinum. Arch Intern Med. 1939 Nov;64(5):913-26.
6. Coelho-Júnior LG, Figueiredo ET, Haesbaert CM. Pneumomediastino espontâneo, síndrome de Hamman, relato de caso. Medicina [Internet]. 2016; [citado 2019 Mar 28]; 49(6):574-7. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/127449
7. Alves GRF, Silva RVA, Corrêa JRM, Colpo CM, Cezimbra HM, Haygert CJP. Pneumomediastino espontâneo (síndrome de Hamman). J Bras Pneumol [Internet]. 2012 Jun; [citado 2019 Mar 28]; 38(3):404-7. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-37132012000300018&lng=en&nrm=isso
1. Hospital Público de Macaé, Residente de Pediatria - Macaé - Rio de Janeiro - Brasil
2. Hospital Público de Macaé, Medica Preceptora da Residência Médica de Pediatria - Macaé - Rio de Janeiro - Brasil
3. Universidade Federal do Rio de Janeiro - Macaé, curso de Medicina - Macaé - Rio de Janeiro - Brasil
Endereço para correspondência:
Caroline Scantamburlo Martins
Hospital Público de Macaé. Rodovia RJ 168 - Km 4 S/N, Virgem Santa
Macaé - RJ. Brasil. CEP: 27910-200
E-mail: carols_martins@hotmail.com
Data de Submissão: 16/04/2019
Data de Aprovação: 08/07/2019