ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2021 - Volume 11 - Número 2

Estudo comparativo dos critérios para o diagnóstico da tuberculose pulmonar infantil

Comparative study of criteria for the diagnosis of pulmonary tuberculosis in childhood

RESUMO

A tuberculose pulmonar na criança é de difícil diagnóstico pela dificuldade de confirmação microbiológica, sendo o diagnóstico baseado na presença de sinais clínicos, alterações radiológicas, história de contato com adulto bacilífero e interpretação da prova tuberculínica. É através da combinação desses achados que se estabelecem os sistemas de pontuação, sendo utilizado no Brasil os critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde, atualizado em 2018, pois é o escore que apresenta maior número de estudos de validação com consistente sensibilidades e especificidade. Os mesmos critérios são adotados pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Para elaboração do artigo, foi realizada uma revisão não sistemática da literatura científica, através dos descritores “tuberculose”, “tuberculose pulmonar”, “tuberculose latente”, “criança” e “diagnóstico”, combinados e associados com outros, com a recuperação de resultados de interesse, durante o período de dezembro de 2017 a março de 2019. Apresenta como objetivo realizar uma revisão da literatura com foco no diagnóstico da tuberculose infantil, enfatizando a atualização nos critérios de pontuação propostos em 2018, com finalidade de ampliar o segmento desse grupo de risco. Dessa forma, diante de todas as dificuldades no diagnóstico da tuberculose pulmonar na infância, que se não tratados tornaram-se adultos bacilíferos transmissores, concluímos que o sistema de pontuação recomendado pelo Ministério da Saúde é um importante recurso para o diagnóstico de tuberculose na criança, validado e de uso factível em qualquer Unidade Básica de Saúde (UBS).

Palavras-chave: Tuberculose Pulmonar, Pediatria, Diagnóstico.

ABSTRACT

Pulmonary tuberculosis in childhood is difficult diagnosis taking into account the difficulty of microbiological confirmation, being diagnosis based on the presence of clinical signs, radiological alterations, history of contact with a bacilliferous adult, and interpretation of the tuberculin test. It is through the combination of these findings that the scoring systems as well as the criteria are established by the Ministry of Health, updated in 2018, since it is the score that presents the highest number of validation studies with consistent sensitivities and specificity. The same criteria are adopted by the Brazilian Society of Pneumology and Tisiology. To elaborate the article, a non-systematic review of the scientific literature was done, using the descriptors “tuberculosis”, “pulmonary tuberculosis”, “tuberculosis latent”, “child”, and “diagnosis” combined and associated with others to search and retrieve results of interest during the period from December 2017 to March 2019. It aims to carry out a review of the literature focusing on the diagnosis of childhood tuberculosis, emphasizing the updating of the scoring criteria proposed in 2018 in order to expand the segment of this risk group. Thus, faced with all sort of difficulties in the diagnosis of pulmonary tuberculosis in childhood, that if left untreated, will become transmitting bacilliferous adults, we conclude that the scoring system recommended by the Ministry of Health is an important resource for the diagnosis of tuberculosis in the validated and feasible use in any Basic Health Units (UBS).

Keywords: Tuberculosis, Pulmonary, Pediatrics, Diagnosis.


INTRODUÇÃO

A tuberculose (TB) é uma doença antiga, descrita como fatal na época de Hipócrates e que teve o agente etiológico, o Mycobacterium tuberculosis, descoberto em 1882, por Robert Koch. Somente em 1944, quando Schatz, Bugie e Waksman descobriram a estreptomicina, iniciou-se a era do tratamento medicamentoso1.

Estima-se que cerca de um terço da população mundial esteja infectada pelo M. tuberculosis e que a cada ano, cerca de 9 milhões de pessoas desenvolvam a doença, das quais 11% são crianças. Apesar de existirem políticas públicas capazes de promover seu controle e da doença vir diminuindo sua incidência em alguns locais do mundo, ainda não há perspectiva de obter-se, em futuro próximo, sua erradicação e, dessa forma, controlar e eliminar a TB ainda é um desafio mundial de saúde. Apesar do declínio global, o risco anual de infecção por TB em crianças, principalmente em países em desenvolvimento, continua elevado2.

Até o ano de 2012 não havia documentação precisa do número de casos de tuberculose infantil pela OMS por não haver modelo validado para esse levantamento. A partir de 2012, foram estimados 490 mil casos em pacientes com menos de 15 anos, através da utilização da mesma metodologia para prever casos em adultos, condenada para a população infantil. Somente a partir de 2013, foram incluídos dados epidemiológicos mais específicos para a faixa etária pediátrica, calculando-se que cerca de 1 milhão de casos por ano de tuberculose foram registrados, com 210 mil casos de óbitos. Diante da estimativa de que apenas 30% dos casos são notificados e registrados, calcula-se que cerca de 54 milhões de crianças já entraram em contato com o bacilo apenas nos 22 países com maior incidência de casos, funcionando como um reservatório para explosão de novos casos no futuro3. Em 2015, 10,4 milhões de pessoas ficaram doentes com TB, sendo que cerca de 1 milhão eram crianças. Desse total, 1,7 milhões morreram da doença (incluindo 0,4 milhões entre pessoas com HIV), sendo que 250 mil estão associados a crianças (incluindo TB associada ao HIV)4.

Na infância, a OMS tem chamado atenção para a negligência crônica da tuberculose na criança possivelmente, devido às dificuldades de diagnóstico, situação socioeconômica desfavorável e precariedade de informação e de acesso a serviços de saúde. São esses fatores que envolvem frequentemente a TB nessa faixa etária e colocam esses sujeitos em situação de invisibilidade que não condiz com suas necessidades de cuidado. Além disso, alguns aspectos epidemiológicos, como uma proporção pequena do total de casos, a dificuldade de realização de diagnóstico, aspectos próprios da fisiopatologia e resposta imunológica da idade e o fato de que toda criança depende de um adulto que a reconheça como doente tornam a investigação sobre a TB pediátrica um desafio5. O sistema de pontuação (escore) recomendado pelo Ministério da Saúde é um importante recurso para o diagnóstico de tuberculose na criança, atualizado em 2018.

Dentre os países considerados como em desenvolvimento, o Brasil figura entre os com o maior número de casos de TB, e no ano de 2015 apresentou incidência estimada de 41 casos por 100.000 habitantes e uma taxa de mortalidade de 2,7 por 100.000 habitantes, que não considera as pessoas infectadas pelo HIV6. A incidência da doença vinha declinando à velocidade de 4,5% ao ano, na década de 80. No entanto, houve entre 1988 e 1991 um aumento inesperado de casos notificados de tuberculose nos grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, atribuído à situação socioeconômica e à desativação, em 1990, da Campanha Nacional Contra a Tuberculose7.

A presença de tuberculose em crianças deve ser encarada como um evento-sentinela em saúde pública, visto que se refere à infecção recente promovida por contato com pessoa bacilífera. Em um levantamento publicado pelo Ministério da Saúde com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Tratamentos Especiais de Tuberculose (Site-TB) apontam que no ano de 2014, o coeficiente de incidência de TB em pacientes com idade entre 0 e 14 anos foram de 2.210 casos, com uma taxa de notificação de 4,6 por 100.000 habitantes. Na população de zero a 14 anos, as mulheres apresentaram um risco 1,4 vezes maior que os homens. Em 2016, a taxa estimada de notificações de casos de TB em crianças, no Brasil, foi de 10 mil, sendo que a maior incidência aparece em crianças (0-14 anos) do sexo masculino (cerca de 5.5 mil). A literatura reconhece a grande dificuldade de se estabelecer o diagnóstico da TB na infância pela impossibilidade, de se comprovar bacteriologicamente a doença, que, em geral, cursa com pequeno número de bacilos, associado a uma dificuldade de obtenção de amostra de escarro, que só é conseguida após a idade escolar, pela dificuldade natural de se obter expectoração em crianças menores8.

Sabendo que a pobreza predispõe a doença, por estar associada a fatores de cuidados limitados como higiene e alimentação, é indiscutível que crianças fiquem mais vulneráveis ao seu efeito, o que potencializa a incidência de novos casos dentro dos bolsões de miséria. Outros fatores, além do biológico, deixam a criança mais susceptíveis ao adoecimento, como a necessidade de um adulto que a reconheça como doente e procure atendimento médico e manifestações peculiares nessa faixa etária. Apesar de uma doença antiga e com tratamento gratuito, esses fatores contribuem para a persistência dos casos de tuberculose, ainda sendo uma doença associada ao preconceito9.

Esta revisão não sistemática tem como objetivo realizar uma revisão da literatura com foco no diagnóstico da tuberculose infantil, enfatizando a atualização nos critérios de pontuação propostos em 2018, com finalidade de ampliar o segmento desse grupo de risco.


MÉTODOS

Revisão não sistemática da literatura científica. As buscas para levantamento das referências bibliográficas foram realizadas nas bases de dados LILACS e no portal PubMed, que engloba o MEDLINE, duas bibliotecas digitais (Banco de Teses da CAPES e SciELO), além do buscador acadêmico (Google Acadêmico).

Foram pesquisados os descritores “tuberculose”, “tuberculose pulmonar” e “tuberculose latente” “criança” e “ diagnóstico”, combinados e associados com outros, a busca e a recuperação de resultados de interesse, durante o período de dezembro de 2017 a março de 2019.

Em relação ao idioma da publicação, a busca restringiu-se aos trabalhos publicados nos idiomas português, inglês, espanhol e francês.

Tuberculose - aspectos gerais

Causada por um dos organismos do complexo Mycobacterium tuberculosis, dentre os quais M. tuberculosis é o mais frequente, calcula-se que tenha atingido o seu pico máximo, em termos de população afetada, no século XIX, tanto na Europa como na América do Norte, período em que diversas organizações que lutavam contra esta doença viria a assumir a forma de associações locais ou nacionais, como no caso da França (1891), Alemanha (1899), Grã-Bretanha (1898), Itália (1899), Dinamarca (1901), Suécia (1904), Noruega (1910) e Rússia (1910)10,11.

Atualmente estima-se que um terço da população mundial é portadora do bacilo da tuberculose. Em 2012, registaram-se 8,6 milhões de novos casos e cerca de 1,3 milhões de pessoas morreram devido à doença; 95% delas vive em países em vias de desenvolvimento10. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 20% a 40% da população mundial são afetados, com 8 e 9 milhões de novos casos de doença ativa sendo relatados a cada ano12.

A tuberculose (TB) permanece como um importante problema de saúde pública e grande desafio global. Em 2015, cerca de 10,4 milhões de novos casos de tuberculose foram contabilizados em todo o mundo, dos quais 5,9 milhões (56%) estavam entre os homens, 3,5 milhões (34%) com as mulheres e 1,0 milhões (10%) entre as crianças. Pessoas vivendo com HIV representaram 1,2 milhões (11%) de todos os novos casos de tuberculose12.

Segundo a OMS, seis países foram responsáveis por 60,0% dos novos casos de tuberculose no mundo em 2015: Índia, Indonésia, China, Nigéria, Paquistão e África do Sul. O progresso global para o enfrentamento da doença depende de avanços na prevenção e cuidado ao paciente em todos os países de alta carga de tuberculose, dentre eles o Brasil4. Em 2014, 1,5 milhão foram a óbito, entre crianças, homens e mulheres, incluindo 400 mil vivendo com HIV13.

O Brasil está incluído na lista dos 20 países com alta carga de TB do mundo, que abrigam cerca de 84% dos casos, conforme relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS)12, publicado em 2016. O Brasil é um dos países com maior número de casos no mundo e, desde 2003, a doença é considerada como prioritária na agenda política do Ministério da Saúde. Embora seja uma doença com diagnóstico e tratamento realizados de forma universal e gratuita pelo Sistema Único de Saúde, ainda temos barreiras no acesso e em 2015 aproximadamente 69 mil novos casos aconteceram, sendo 4,5 mil óbitos, incluindo homens, mulheres e crianças, e 6,9 mil pessoas vivendo com HIV contraíram a doença13.

As metas para reduções na incidência e mortes relacionadas à tuberculose estabelecidas na Estratégia End TB, criada em 2014 pela OMS são ambiciosas. Essa estratégia reconhece que a TB é um problema de saúde pública, com maior impacto na população de baixa renda, população vulnerável e socialmente marginalizados. Prevenção e cuidados integrados centrados na pessoa com tuberculose; políticas arrojadas e sistemas de apoio e intensificação da pesquisa e inovação são os três pilares da estratégia que tem como objetivo acabar com a tuberculose como problema de saúde pública e atingir como meta menos de 10 casos/100.000 habitantes e menos de 1 óbito/100.000 habitantes até o ano de 20354.

No mundo, o percentual de redução no coeficiente de incidência de tuberculose foi de 1,5% entre 2014 e 2015. No entanto, para o alcance dos primeiros objetivos da estratégia, faz-se necessário uma redução média anual de 4,0 a 5,0% até 20204.

O coeficiente de incidência de tuberculose no Brasil reduziu de 42,7 em 2001 para 34,2 casos por 100 mil habitantes em 2014 (Boletim Epidemiológico, 2016). Com a melhoria progressiva dos indicadores que estão associados ao coeficiente de incidência (redução do coeficiente de Aids para 10 por 100 mil habitantes e aumento da cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) e da realização do Tratamento Diretamente Observado (TDO) até 90,0%), estima-se que no período de 21 anos (conforme proposto pela estratégia), seriam evitados 138.440 casos incidentes no Brasil, uma média de 6.592 por ano. Nessa projeção, o coeficiente de incidência de casos novos de tuberculose seria de 20,7/100 mil hab. no ano de 203513.

Tuberculose na criança

Após a inalação do bacilo, ocorre a contaminação pulmonar e a formação do foco de Ghon (alteração pulmonar resultante a resposta inflamatória localizada no parênquima pulmonar). A associação do foco de Ghon com os gânglios linfáticos regionais forma o complexo primário ou complexo de Ghon, que posteriormente dissemina-se por via hematogênica e a evolução depende do equilíbrio entre a imunidade do hospedeiro e o patógeno. Cronologicamente a TB se apresenta em fases:


• Fase 1: após cerca de 3 a 8 semanas inicia-se a fase sintomática da doença e o aparecimento de alteração radiológica.

• Fase 2: ocorre 1 a 3 meses após a infecção primária marcada pela propagação do bacilo e maior risco de desenvolvimento de TB meníngea e TB miliar em crianças.

• Fase 3: 3 a 7 meses após a infecção primária marcado pelo aparecimento de derrame pleural em crianças com idade superior a 5 anos e doença brônquica em crianças com idade inferior a 5 anos.

• Fase 4: é marcada pela calcificação do complexo primário e com maior risco para evolução TB osteoarticular em menores de 5 anos.

• Fase 5: ocorre mais de 3 anos após a infecção primária e é marcada pela conclusão da calcificação e pelo possível aparecimento das manifestações tardias14.


A evolução da doença está intimamente relacionada à idade do paciente. Crianças com menos de 2 anos, que não apresentam sistemas imunológico desenvolvidos, apresentam maior risco de desenvolverem a doença pulmonar em 30 a 40%. Após o segundo ano de vida, o risco apresenta redução para 10 a 20%, não deixando de ser significativa, e atinge níveis inferiores na faixa etária de 5 a 10 anos14.

A medida mais eficaz para a prevenção da TB, é a busca sistemática de casos, uma ação capaz de realizar um diagnóstico oportuno e, assim, reduzir a disseminação de bacilos na comunidade15.

O diagnóstico, o cuidado e a busca por tratamento para a TB em crianças passam pela perspectiva dos adultos, sejam estes seus familiares ou os profissionais de saúde. É importante ressaltar que os gestores que atuam na assistência ou formulam políticas públicas para essa faixa etária, devem pensar sobre o modelo de cuidado adequado para condições como a TB em crianças, necessariamente, questões que mobilizem todos esses atores necessitam ser abordadas9.

Devido à dificuldade de confirmação microbiológica pela característica paucibacilar na infância, o diagnóstico de tuberculose na criança se baseia na presença de sintomas sugestivos, alterações radiológicas, história de contato com adulto bacilífero e interpretação da prova tuberculínica. É através da combinação desses achados que se estabelecem os escores diagnósticos. Esses podem ser em forma de sistemas de pontuação, classificação diagnóstica ou algoritmos diagnóstico16.

Atualmente, os sistemas de pontuação são os mais utilizados para o diagnóstico da TB em crianças. Um dos primeiros sistemas de pontuação para o diagnóstico da TB em crianças surgiu em 1969, no Chile, criado por Stegen, Jones e Kaplan, que criaram um escore à semelhança dos critérios de Jones para o diagnóstico da febre reumática, sendo adaptado para a tuberculose, conforme apresentado no (Quadro 1)16.




A utilização desse quadro de pontuação determina que quando o somatório totaliza sete pontos ou mais, o diagnóstico de TB é considerado inquestionável. Cinco a seis pontos, o diagnóstico é provável, e nesse caso, é necessário que seja realizada uma investigação dos sintomas apresentados. Quando a pontuação obtida é de três a quatro pontos, o diagnóstico de TB é possível, enquanto que um resultado é menor que três pontos, o risco para TB é improvável16.

Com o tempo, esses critérios foram aprimorados e ganharam novas estruturas. Em 1987, em Nova Guiné, surge o escore de Keith Edwards, que associa o sistema de escore com um algoritmo e propõe a investigação em 3 etapas, a saber:


• 1ª etapa avalia a duração dos sintomas, o estado nutricional do paciente e a história de contato com tuberculose;

• 2ª etapa considera os achados do exame físico e interpretação do teste tuberculínico. Se paciente alcançar a somatória de sete ou mais pontos, é considerado com a doença e indicado o tratamento. Se o paciente atingir pontuação menor do que sete, deve-se seguir para a terceira etapa;

• 3ª etapa consiste no algoritmo, que dependendo da radiografia e da resposta ao tratamento com antibioticoterapia (pensando em pneumonia), o paciente vai ser conduzido como paciente com tuberculose ou não17.


Ainda sem a definição de um critério para diagnóstico da TB em crianças, a International Union Against Tuberculosis and Lung Disease (IUATLD), realizada no ano de 1988, em Paris, estabeleceu uma nova tabela de escores, cuja interpretação está associada a epidemiologia local (Quadro 2A)16. Esse critério de pontuação serviu para padronizar o uso do teste tuberculínico para a realização de inquéritos tuberculínicos em todo o mundo e permitir a comparação dos resultados entre diferentes estudos18.




A OMS, também estabeleceu um algoritmo com escores de pontuação. Inicialmente usava-se uma tabela de pontos baseado na história de tosse, achados ao exame físico, interpretação de exames complementares (radiografia e cultura) e a resposta ao tratamento estipulado (Quadro 2B). Se a pontuação for igual ou superior a 6, o diagnóstico de tuberculose era confirmado. Posteriormente, a OMS orientou o uso de escores como triagens e não como diagnósticos, sendo necessário a presença de 3 dos 4 achados para o diagnóstico: sintomas ou sinais sugestivos, prova tuberculínica positiva e/ou radiografia de tórax sugestiva16.

Outros critérios de pontuação foram desenvolvidos para o diagnóstico de tuberculose, mas nenhum deles é usado rotineiramente. Todas as pontuações apresentaram limitações, dentre as quais é possível apontar a baixa sensibilidade, inclusão de esfregaço ou cultura ou histopatologia como critério, ou resposta à terapia antibiótica ou tratamento antituberculoso como um passo para o diagnóstico e adiamento do diagnóstico de tuberculose19.

No Brasil, o escore de pontuação utilizado foi proposto pelo Ministério da Saúde no ano de 2002, sendo atualizado em 2018 pelo novo corte na interpretação do teste tuberculínico, e leva em consideração o quadro clínico-radiológico, o contato com paciente índice, a interpretação da prova tuberculínica e o estado nutricional do paciente16. Os mesmos critérios são adotados pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, conforme apresentado no Quadro 320.

Esse sistema de avaliação é destinado principalmente a crianças com idade até 10 anos, que habitualmente não são bacilíferas ou são paucibacilares21.

Antes da atualização, a prova tuberculínica era interpretada da seguinte forma:


• 15 pontos: PT > 5mm em crianças não vacinadas com a BCG, vacinados com tempo igual ou superior há 2 anos e em imunossuprimidos;

• 15 pontos: PT > 10mm para crianças vacinadas há menos de 2 anos;

• 0 pontos: PT entre 0 a 4mm21.


Com a atualização proposta no primeiro trimestre de 2018, a interpretação da prova tuberculínica segue o seguinte esquema, independentemente do tempo de vacinação:


• 10 pontos: PT > 10mm;

• 5 pontos: PT entre 5 a 9mm;

• 0 pontos: PT < 5mm.


Com essa atualização, espera-se aumentar o número de pacientes pediátricos tratados para infecção latente, entendendo que esses pacientes, se não tratados e não acompanhados, poderão desenvolver a forma ativa da doença, sendo potenciais transmissores de novos casos, indo em desencontro com as metas do milênio, que propõem a redução de casos de tuberculose22.

Esse sistema (Quadro 3) é uma compilação dos sistemas anteriores adaptada para a realidade do nosso sistema único de saúde e à situação epidemiológica da doença e, desde o seu lançamento, esse sistema de pontuação foi avaliado de forma retrospectiva em 4 estudos19,23-25.




A comparação da sensibilidade e especificidade, apresentado no Quadro 4, da aplicação das tabelas apresentadas sofrem influência de variações como população utilizada no estudo e os critérios utilizados nos próprios escores, o que permite grande variação entre os valores encontrados. Dentre os modelos apresentados, o proposto pelo Ministério da Saúde do Brasil apresentou maior número de estudos de validação com consistente sensibilidade e especificidade16, servindo, portanto, de referencial para este projeto. Em alguns estudos, a sensibilidade e especificidade desse sistema de pontuação foram, respectivamente, de 88,9% e 86,5%23.




Na criança, as manifestações clínicas podem ser pobres, variadas e inespecíficas. A febre é um sinal que chama atenção, apesar de ser moderada, costuma ser persistente e de caráter tipicamente vespertino. Outros achados são: irritabilidade, tosse, perda de peso, adinamia, sudorese noturna, sendo a hemoptise rara. Sintomas que podem estar presentes em outra patologia, não sendo raro o diagnóstico de tuberculose em casos inicialmente conduzidos como pneumonia, mas que não obtiveram sucesso terapêutico esperado. O quadro clínico tende a se apresentar de forma arrastada, durando mais de 2 semanas. Com relação aos achados radiológicos, os mais sugestivos de tuberculose pulmonar na criança são: adenomegalias hilares ou de padrão miliar; condensação ou infiltrado inalterado por mais de 2 semanas; condensação ou infiltrado com mais de 2 semanas evoluindo com piora ou sem melhora com antibióticos para germes comuns21.


CONCLUSÃO

Os sinais e sintomas da TB na criança são inespecíficos, o que dificulta a suspeita clínica e atrasa o diagnóstico da doença. Para facilitar esse diagnóstico de forma precoce, alguns sistemas de pontuação foram propostos nos últimos anos por pesquisadores ou órgãos ligados à área da saúde de diversos países. O sistema de pontuação recomendado pelo Ministério da Saúde, atualizado recentemente, é um importante recurso para o diagnóstico de tuberculose na criança, validado e de uso factível em qualquer Unidades Básicas de Saúde (UBS), principal porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS).


CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflitos de interesse.


REFERÊNCIAS

1. Souza MVN, Vasconcelos TRA. Fármacos no combate à tuberculose: passado, presente e futuro. Quím Nova [Internet]. 2005 Ago; [citado 2018 Jan 14]; 28(4):678-82. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-40422005000400022&lng=en&nrm=iso

2. Getahun H, Kittikraisak W, Heilig CM, Corbett EL, Ayles H, Cain KP, et al. Development of a standardized screening rule for tuberculosis in people living with HIV in resource-constrained settings: individual participant data meta-analysis of observational studies. PLoS Med. 2011 Jan;8(1):1000391.

3. Starke J. Childhood tuberculosis in 2017: where do we go from here?. Resid Pediatr. 2017;7(Supl 1):3-6. DOI: http://dx.doi.org/10.25060/residpediatr-2017.v7s1-02

4. World Health Organization (WHO). Global tuberculosis report 2017 [Internet]. Geneva: WHO; 2017; [acesso em 2018 Jan 14]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/259366/1/9789241565516-eng.pdf?ua=1

5. World Health Organization (WHO). Guidance for national tuberculosis programmes on the management of tuberculosis in children [Internet]. 2ª ed. Geneva: WHO; 2014; [acesso em 2016 Dez 30]. Disponível em: http://apps.who.int/medicinedocs/documents/s21535en/s21535en.pdf

6. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Panorama da tuberculose no Brasil: a mortalidade em números [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016; [acesso em ANO Mês dia]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/panorama_tuberculose_brasil_mortalidade.pdf

7. Alves R, Sant’Anna CC, Cunha AJL. Epidemiologia da tuberculose infantil na cidade do Rio de Janeiro, RJ. Rev Saúde Pública [Internet]. 2000 Ago; [citado 2018 Jan 08]; 34(4):409-10. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102000000400015&lng=en&nrm=iso

8. Ministério da Saúde (BR). Início – DATASUS [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2020; [acesso em 2016 Dez 30]. Disponível em: http://datasus.saude.gov.br/

9. Machado DC, Moreira MCN, Sant’Anna CC. A criança com tuberculose: situações e interações no contexto da saúde da família. Cad Saúde Pública [Internet]. 2015 Set; [citado 2018 Mar 14]; 31(9):1964-74. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2015000901964&lng=en&nrm=iso

10. Maltez F, Ramalho A, Roseira MB. História de doenças infecciosas. Bélgica: Janssen; 2014.

11. Rodrigues ACPS. Tuberculose, um problema de saúde pública [dissertação]. Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias; 2015.

12. World Health Organization (WHO). Global tuberculosis report 2016 [Internet]. Geneva: WHO: 2016; [acesso em 2017 Mai 17]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/250441/1/9789241565394-eng.pdf?ua=1

13. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Plano nacional pelo fim da tuberculose. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017.

14. Marais BJ, Schaaf HS. Tuberculosis in children. Cold Spring Harb Perspect Med [Internet]. 2014; [citado 2018 Jan 31]; 4(9):1-21. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4143109/pdf/cshperspectmed-TUB-a017855.pdf

15. Natal S. Tuberculose na criança. Bol Pneumol Sanit [Internet]. 2000 Dez; [citado 2018 Jan 31]; 8(2):21-5. Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-460X2000000200004&lng=pt&nrm=iso

16. Rossoni AMO, Rossoni MD, Rodrigues CO. Critérios de pontuação para diagnóstico de tuberculose em crianças. Pulmão RJ. 2013;22(3):65-9.

17. Carreira MN, Sant’Anna CC. Estudo comparativo de critérios para o diagnóstico de tuberculose em crianças atendidas em centro de saúde. J Pneumologia [Internet]. 2000 Set; [citado 2018 Jan 31]; 26(5):219-26. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-35862000000500001&lng=pt&nrm=iso

18. Arnadottir T, Rieder HL, Trébucq A, Waaler HT. Guidelines for conducting tuberculin skin test surveys in high prevalence countries. Tuberc Lung Dis. 1996 Jun;77(Supl 1):1-19.

19. Cartaxo CGB, Rodrigues LC, Braga CP, Ximenes RAA. Measuring the accuracy of a point system to diagnose tuberculosis in children with a negative smear or with no smear or culture. J Epidemiol Glob Health. 2013;4(1):29-34.

20. Conde MB, Melo FAF, Marques AMC, Cardoso NC, Pinheiro VGF, Dalcin PTR, et al. III Diretrizes para Tuberculose da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. J Bras Pneumol [Internet]. 2009 Out; [citado 2018 Jan 29]; 35(10):1018-48. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-37132009001000011&lng=en&nrm=iso

21. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011.

22. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2018.

23. Maciel ELN, Dietze R, Silva RECF, Hadad DJ, Struchiner CJ. Avaliação do sistema de pontuação para o diagnóstico da tuberculose na infância preconizado pelo Ministério da Saúde, Brasil. Cad Saúde Pública [Internet]. 2008 Fev; [citado 2018 Jan 31]; 24(2):402-8. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2008000200019&lng=en&nrm=iso

24. Sant’Anna CC, Santos MARC, Franco R. Diagnosis of pulmonary tuberculosis by score system in children and adolescents: a trial in a reference center in Bahia, Brazil. Braz J Infect Dis. 2004 Aug;8(4):305-10.

25. Nair PH, Philip E. A scoring system for the diagnosis of tuberculosis in children. Indian Pediatr. 1981 Mai;18(5):299-303.










1. Universidade Federal do Ceará, Residência de Neonatologia e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Telemedicina e Telessaúde - Fortaleza - Ceará - Brasil
2. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Telemedicina e Telessaúde - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil
3. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Professora Assistente na Faculdade de Ciências Médicas - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil
4. Universidade Federal do Ceará, Doutorando em Saúde Pública - Fortaleza - Ceará - Brasil
5. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Telemedicina e Telessaúde - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil

Endereço para correspondência:
Maria Eugênia de Camargo Julio
Universidade Federal do Ceará
Av. da Universidade, nº 2853, Benfica
Fortaleza - CE. Brasil. CEP: 60020-181
E-mail: meugeniacj@hotmail.com

Data de Submissão: 19/06/2019
Data de Aprovação: 30/06/2019