ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2021 - Volume 11 - Número 2

Anemia grave aguda desencadeada por eritrovírus B19

Severe acute anemia triggered by erythrovirus B19

RESUMO

INTRODUÇÃO: O parvovírus B19 é um eritrovírus, incluído na família Parvoviridae, subfamília Parvovirinae. É um vírus muito pequeno (25nm de diâmetro), constituído por uma cadeia de DNA com elevado tropismo para células precursoras eritropoiéticas, provocando inibição da eritropoiese e efeitos citotóxicos. A infecção pode levar a crise aplásica transitória (CAT) e anemia crônica, dependendo do hospedeiro. Geralmente, a infecção pelo eritrovírus em crianças e adultos não necessita de terapia específica, apenas dos sintomas apresentados. A hemotransfusão pode ser necessária, nos casos de anemia grave.
OBJETIVO: Relatar caso de crise aplástica transitória desencadeado por eritrovírus em escolar previamente hígida.
RELATO DE CASO: Paciente de 10 anos, com quadro de inapetência, vômitos, astenia e três episódios de queda da própria altura. Exames laboratoriais sugeriram anemia grave e confirmaram crise aplástica transitória desencadeada por eritrovírus B19.
CONCLUSÃO: Este relato contribui para informar os profissionais sobre a crise aplástica transitória desencadeada por eritrovírus B19 em criança previamente hígida, como alerta para um diagnóstico precoce e um bom tratamento de suporte. Este caso teve uma evolução benigna, houve a necessidade de transfusão sanguínea e o tratamento foi somente de suporte.

Palavras-chave: Anemia Aplástica, Parvovírus B19 Humano, Anemia.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Parvovirus B19 is an erythrovirus, included in the family Parvoviridae, subfamily Parvovirinae. It is a very small virus (25nm in diameter), consisting of a highly tropic DNA strand for erythropoietic precursor cells causing inhibition of erythropoiesis and cytotoxic effects. The infection may lead to transient aplastic crisis (CAT) and chronic anemia, depending on the host. Generally, erythrovirus infection in children and adults does not require specific therapy, just the symptoms presented. Blood transfusion may be necessary in cases of severe anemia.
OBJECTIVE: To report a case of transient aplastic crisis triggered by erythrovirus in previously healthy schoolchildren.
CASE REPORT: A 10-year-old patient with a disability, vomiting, asthenia, and three episodes of falling from ones height. Laboratory tests suggested severe anemia and confirmed transient aplastic crisis triggered by B19 erythrovirus.
CONCLUSION: This report contributes to inform professionals about the transient aplastic crisis triggered by erythrovirus B19 in a previously healthy child, as an alert for an early diagnosis and a good supportive treatment. This case had a benign course, there was a need for blood transfusion and the treatment was only supportive.

Keywords: Anemia, Aplastic, Parvovirus B19 Human, Anemia.


INTRODUÇÃO

O parvovírus B19 é um eritrovírus, incluído na família Parvoviridae, subfamília Parvovirinae. É um vírus muito pequeno (25nm de diâmetro), constituído por uma cadeia de DNA com elevado tropismo para células precursoras eritropoiéticas, provocando inibição da eritropoiese e efeitos citotóxicos. A infecção pode levar a crise aplástica transitória (CAT) e anemia crônica, dependendo do hospedeiro. Geralmente a infecção pelo parvovírus em crianças e adultos não necessita de terapia específica, apenas dos sintomas apresentados. A hemotransfusão pode ser necessária, nos casos de anemia grave.

RELATO DE CASO

Escolar, 10 anos, sexo feminino, peso 64 kg. Deu entrada no serviço de emergência, com quadro de febre há cerca de 10 dias da admissão, picos febris entre 38-39ºC, mantendo-se afebril há 7 dias. Fez uso de azitromicina por três dias e de noripurum há 1 semana. No dia da admissão apresentou inapetência, vômitos, astenia e três episódios de queda da própria altura. Mãe refere ter procurado o serviço por 2 vezes, sendo diagnosticado infecção viral conforme resultados laboratoriais antes do início dos sintomas (Tabela 1).




Ao exame paciente encontrava-se, ativa, reativa, eupneica, afebril, hidratada, acianótica, anictérica, hipocorada +2/+4. Apresentava nuca livre e reflexos presentes. Sem alterações em aparelhos respiratório e cardíaco. Foi solicitado exames laboratoriais no início dos sintomas, quando verificou-se anemia importante. Após resultados foi realizada transfusão com concentrado de hemácias (1 bolsa - 246 ml).

Realizou-se exames de controle pós-transfusionais e foi verificada melhora da série vermelha e redução da série branca, conforme Tabela 1.

Durante reavaliação dos sistemas, foi verificado esplenomegalia a 3cm do rebordo costal esquerdo. Pensando numa clínica de padrão viral, com alteração significativa no hemograma, decidiu-se como conduta a solicitação de sorologias virais e ultrassonografia abdominal.

No exame de imagem após 4 dias do início dos sintomas foi verificado fígado, vias biliares, vesícula biliar, pâncreas e rins sem alterações. Baço aumentado de volume, com estrutura homogênea, medindo 15cm no sentido longitudinal. Após 6 dias do primeiro exame: baço aumentado, medindo 13cm no sentido longitudinal e 5,9cm no sentido anteroposterior, sem outras alterações. Resultado dos exames laboratoriais e sorológicos no dia da alta hospitalar (Tabela 1).

Paciente recebeu alta hospitalar com suplementação de ferro e acompanhamento no ambulatório de infectologia pediátrica.


COMENTÁRIOS

O parvovírus B19 é um eritrovírus, incluído na família Parvoviridae, subfamília Parvovirinae. É um vírus muito pequeno (25nm de diâmetro), constituído por uma cadeia de DNA sem envelope, com elevado tropismo específico para as células precursoras eritropoiéticas, devido à presença nessas células do receptor globosídeo P. A replicação viral ocorre somente nas células progenitoras eritroides da medula óssea, que expressam o receptor antigênico P e a integrina correceptora α5β1, utilizados para a entrada do vírus no interior da célula. Como consequência, há inibição da eritropoiese e efeitos citotóxicos. Os indivíduos que não têm o antígeno P são resistentes à infecção pelo parvovírus B191.

Há três maneiras documentadas para a transmissão do eritrovírus B19. A primeira e mais comum é através de secreções respiratórias e saliva; embora a doença não se manifeste com sintomas respiratórios. A segunda é pela transmissão vertical, que pode ocorrer se uma mulher suscetível está infectada durante a gravidez. A terceira pode ocorrer por meio da administração de sangue ou hemoderivados contendo o vírus2.

Existem duas formas clínicas de apresentação da doença. Na assintomática, ocorre a infecção subclínica do eritrovírus B19, sendo a forma mais comum entre adultos e crianças. Manifestam-se sintomas leves e inespecíficos associados ao vírus3.

Na forma sintomática, a infecção se manifesta na doença exantemática, descrita como eritema infeccioso, sendo o eritrovírus B19 seu agente etiológico. Também é descrita como a “quinta doença”. Apresenta predomínio de surtos nas crianças em idade escolar, embora também possa ocorrer em adultos. É representada como uma das seis erupções cutâneas comuns da infância. A doença começa com sintomas inespecíficos, como febre, coriza, dor de cabeça, náusea e diarreia. Esses sintomas coincidem com o início da viremia. Dois a cinco dias após, ocorre uma erupção malar clássica, descrita como “face golpeada”, sendo frequentemente seguido por uma erupção maculopapular morbiliforme no tronco e extremidades. O eritema geralmente é rendilhado. O período de incubação é de 1 a 2 semanas, mas pode levar até 3 semanas4,5.

A infecção pode levar à crise aplástica transitória (CAT) e anemia crônica, dependendo do hospedeiro6. A CAT é mais comum em indivíduos com uma história de doenças hematológicas, tais como a anemia falciforme, anemia ferropriva, anemia aplásica secundária a medicações; bem como, nos imunossuprimidos. As principais manifestações clínicas são relacionadas à síndrome anêmica, que se manifesta com astenia, palidez e tontura. Evidenciou-se associação entre os sintomas clínicos, diminuição da hemoglobina e a resposta imune para tipos específicos de anticorpos em relação ao tempo. A CAT se manifesta devido ao tropismo viral pelo antígeno P presente nos eritrócitos. Há uma inibição na produção dos precursores eritroides na medula óssea, ocasionando anemia severa em imunocomprometidos e com rápida remissão em imunocompetentes. Na infecção pelo eritrovírus B19 o patógeno invade e replica-se dentro da célula, infectando novas células progenitoras, até ter sua parada interrompida por uma resposta aguda dos anticorpos IgG e IgM, onde se observa uma curta duração da doença7.

O diagnóstico da infecção é baseado em testes de triagem sorológica e de DNA, pois o cultivo do vírus é difícil. O método diagnóstico disponível mais sensível e precoce é a identificação do DNA viral em células de aspirado de medula óssea ou sangue por técnicas de PCR ou hibridização, embora anticorpos IgM sejam detectados após o terceiro dia, atingindo o seu pico em torno da segunda semana após a infecção. A amplificação do eritrovírus B19 em amostras de soro é mais difícil devido à curta duração, em torno de 2 a 3 dias, da viremia. Os anticorpos IgM são detectados na maioria dos casos, no momento da apresentação clínica da “quinta doença” e aparecem poucos dias após o início da crise aplásica transitória; podendo persistir na circulação durante 2 a 3 meses após a infecção aguda. A presença de anticorpos IgG em grande parte da população torna a medição desta imunoglobulina menos útil do que outros testes para diagnosticar a infecção por parvovírus B198.

Geralmente a infecção pelo eritrovírus em crianças e adultos não necessita de terapia específica, apenas dos sintomas apresentados. A hemotransfusão pode ser necessária, nos casos de anemia grave. Não é necessário o isolamento dos doentes. Como a aplasia de células vermelhas pura e a infecção por eritrovírus B19, geralmente são mais comuns em pacientes imunossuprimidos ou pacientes com SIDA, o tratamento pode ser determinado rapidamente pela suspensão da terapia imunossupressora, ou pela instituição da terapia antirretroviral em pacientes com SIDA9.


REFERÊNCIAS

1. Agudo I, Serrano A, Murinello A. Aplasia medular transitória associada a infecção por parvovírus B19. Rev Soc Bras Clin Med. 2016 Jul/Set;14(3):159-62.

2. Garcia SO, Pereira J, Godoy CRT, Sanabani S, Kleine Neto W, Sabino EC. Doenças hematológicas associadas ao eritrovírus. Rev Bras Hematol Hemoter. 2009 Ago;31(4):285-90.

3. Heegaard ED, Brown KE. Human parvovirus B19. Clin Microbiol Rev [Internet]. 2002 Dez; [cited 2021 Dec 16]; 15(3):485-505. Available from: http://cmr.asm.org/content/15/3/485.abstract

4. Young NS, Brown KE. Parvovirus B19. N Engl J Med. 2004 Fev;350(6):586-97.

5. Ugai S, Aizawa Y, Kanayama T, Saitoh A. Parvovirus B19: a cause of sepsislike syndrome in an infant. Pediatrics. 2018;141(6):e20171435.

6. Zikidou P, Grapsa A, Bezirgiannidou Z, Chatzimichael A, Mantadakis E. Parvovirus B19-triggered acute hemolytic anemia and thrombocytopenia in a child with evans syndrome. Mediterr J Hematol Infect Dis [Internet]. 2018 Mar; [cited 2021 Dec 16]; 10(1):e2018018. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29531655

7. Pires TDS. Aplasia pura da série vermelha em pacientes Imunocomprometidos infectados pelo Parvovírus B19. coreacuk [Internet]. 15/03/19 [cited 2021 Dec 16]; Available from: https://core.ac.uk/reader/187133040

8. Valera ET, Cipolotti R, Bernardes JE, Pacagnella RC, Lima DM, Tone G, et al. Pancitopenia transitória induzida por parvovírus B19 em criança portadora de esferocitose hereditárias. J Pediatr (Rio J). 2000;76(4):323-6.

9. Damasceno JA, Praxedes H, Praxedes MK, Pires ARC, Gabriel AHD, Donatti C, et al. Parvovirose e anemia acentuada em paciente imunocompetentes. J Bras Patol Med Lab. 2012 Abr;48(2):117-20.










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Data de Submissão: 14/05/2019
Data de Aprovação: 17/06/2019