ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2018 - Volume 8 - Supl.1

Paralisia cerebral

Cerebral Palsy

RESUMO

Paralisia cerebral é uma lesão permanente e não progressiva do sistema nervoso em desenvolvimento que afeta o tônus, os reflexos e as posturas, comprometendo o desenvolvimento motor do indivíduo. É um diagnóstico que abrange síndromes clínicas muito diversas em tipo, gravidade de comprometimento funcional, além de uma variedade de comorbidades clínicas e neurológicas. Neste artigo de revisão são relacionadas as principais etiologias, descritas as características do diagnóstico topográfico e funcional, discutida a importância do diagnóstico precoce e do tratamento, tais como a necessidade de utilizar métodos baseados em evidências, a observância da saúde global e a sistemática preventiva para a luxação de quadril.

Palavras-chave: Paralisia Cerebral, Diagnóstico Clínico, Hipóxia Encefálica, Continuidade da Assistência ao Paciente.

ABSTRACT

Cerebral palsy is a permanent and nonprogressive lesion of the developing nervous system. It affects tonus, reflexes and posture and impairs the child’s motor development. It is the main cause of deficiency in childhood and has a variable presentation and many clinical and neurological comorbidities. In this review, it is related the main causes, it is described the topographic and functional diagnosis, highlighted the importance of the early diagnosis and evidence based treatment, including the need for hip supervision.

Keywords: Cerebral Palsy, Clinical Diagnosis, Hypoxia-Ischemia Brain, Follow-Up Studies.


A paralisia cerebral, também chamada encefalopatia crônica não progressiva, é a causa mais frequente de deficiência motora na infância e refere-se a um grupo heterogêneo de condições que cursa com disfunção motora central, afetando o tônus, a postura e os movimentos. Decorre de lesão permanente ao cérebro em desenvolvimento e apresenta-se de forma variável em termos de distribuição anatômica da lesão, gravidade de acometimento motor e sintomas clínicos associados. A grande variabilidade requer que estes pacientes e suas famílias sejam abordados de maneira sistematizada levando em conta dimensões amplas de atenção à saúde.

A prevalência estimada de pessoas com paralisia cerebral é em torno de 2,1 casos para 1000 nascidos vivos e mantém-se constante ao longo de décadas em diversos estudos1,2. Em países como o Brasil, com grande heterogeneidade regional e desigualdade de cuidados, é possível que tenhamos a convivência de cenários muito distintos, com prevalências médias em grupos populacionais e regiões que sejam maiores, se adequadamente avaliadas.

Importante sinalizar, também, que as condições de saúde são grandemente influenciadas pela pobreza e que 80% das pessoas com deficiência no planeta encontram-se em países e baixa e média renda3. Podemos supor, portanto, que as cifras europeias e norte-americanas de prevalência subestimam os números brasileiros para deficiência e paralisia cerebral. Desde a atenção pré e perinatal e os cuidados avançados ao recém-nato de risco até a supervisão do desenvolvimento, todos implicam impacto na prevalência final do diagnóstico e em sua gravidade.


FATORES DE RISCO E ETIOLOGIA

São fatores para risco aumentado de paralisia cerebral todos os que influenciam negativamente a saúde da mãe, a exposição a agentes tóxicos e infecciosos, as condições de viabilidade e nutrição do bebê, as condições de parto e a ocorrência de eventos hipóxicos ou traumáticos no período perinatal. As condições de maior risco para o desfecho de paralisia cerebral são a prematuridade abaixo de 28 semanas, o peso do nascimento abaixo de 1500g e o índice de vitalidade do recém-nascido aferido pelo índice de Apgar menor que 7 no quinto minuto4. Ademais, entende-se que múltiplos fatores potencializam o dano cerebral.

As malformações estruturais regionais com déficit motor tais como as agenesias e as esquizencefalias, hemimegalencefalias, paquigirias, poligimicrogirias, lisencefalias e outros defeitos de migração e embriogênese são etiologias comuns para a paralisia cerebral e podem ocorrer em crianças que não apresentem história de risco gestacional ou perinatal. Estas condições não são evidentes e apenas serão diagnosticadas por exames de imagem adequados, geralmente a ressonância magnética.

A ocorrência de acidentes vasculares (AVCs) perinatais por doença cerebrovascular focal da rede arterial ou venosa promove isquemia, consequente morte celular e paralisia cerebral como desfecho. Por definição, AVCs considerados perinatais devem ter tempo de ocorrência entre 20 semanas de vida fetal e 28 dias pós-parto e ser confirmados por neuroimagem ou neuropatologia. São a causa mais comum de paralisia cerebral hemiplégica e neonatos com encefalopatia ou convulsões de origem indeterminada necessitam exame de ressonância magnética (RM) de crânio com difusão e angiografia por RM para descartar um acidente vascular agudo5.

Os AVCs perinatais dividem-se nos subtipos de isquemia neonatal arterial (neonatal arterial isquemic stroke-NAIS); trombose neonatal de seios venosos (NCSVT- Neonatal cerebral sinovenous thrombosis); acidente vascular hemorrágico neonatal (NHS-neonatal hemorragic stroke); acidente vascular isquêmico arterial presumidamente perinatal (APPIS- arterial presumed isquemic stroke) e infarto venoso periventricular (PVI-periventricular venous infartation) no bebê a termo.

Apesar de muitas vezes o fator causal dos AVCs não ser identificado, é importante que se realize a investigação de causas potencialmente recorrentes. Destas, as principais a serem investigadas incluem a pesquisa de anticorpos antifosfolipídios, fator V de Leiden, protrombinogênio, deficiência de proteína S ou proteína C, lipoproteína, antitrombina III, fator VIIIc, e homocisteína. Crianças com desenvolvimento de dominância manual antes dos 12 meses devem ser investigadas para a possibilidade de um acidente vascular neonatal ter ocorrido, acelerando a escolha do dimidio dominante6.

A encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI) se refere a sintomas cerebrais após a redução de oxigênio no sangue e nos tecidos decorrente de interrupção no seu suprimento. Alterações da consciência, tônus, reflexos e a ocorrência de convulsões compõem os sintomas clínicos do quadro agudo. A vulnerabilidade das estruturas de gânglios da base ao insulto hipóxico isquêmico faz com que seja a principal etiologia das formas discinéticas de paralisia cerebral e aproximadamente 30% do total de casos7.

Situações que sensibilizam o feto aos efeitos da hipóxia são a presença de febre ou infecção materno-fetal, cuja liberação de citocinas pró-inflamatórias confere efeito sinérgico ao da hipóxia para o desfecho de lesão celular. Fatores genéticos conferem diferenças no padrão de respostas inflamatórias ou de ativação de vias pró-trombóticas e o gênero do concepto determina sensibilidades distintas aos fatores agressores em função de vias diferentes de ativação de apoptose nos conceptos de gêneros distintos8.

A presença de crescimento intrauterino retardado (CIUR) e hipóxia intrauterina crônica predispõem a níveis mais altos de acidose em presença do mesmo grau de hipóxia se comparados a eventos sem estas condições. Clinicamente, a EHI é classificada em leve, moderada e grave tendo, esta última, alterações de consciência com estupor e coma capacidade de sucção e reflexos primitivos débeis, além de convulsões que podem ser refratárias aos medicamentos. Bradicardia, hipotensão e apneia são comuns nos casos graves e mortalidade e morbidade são altas. A presença de um exame de eletroencefalograma isoelétrico, suprimido ou com aspecto de surto-supressão é marcador de prognóstico reservado.

Uma série de medidas terapêuticas objetivam minimizar a cascata de eventos que causam morte celular no processo desencadeado pela hipóxia. O adequado controle das convulsões e o emprego da hipotermia terapêutica em bebês elegíveis são consagrados como terapias. A introdução de compostos com ações variadas no complexo arranjo fisiopatológico da EHI, tais como a melatonina, a solução Epo, a N-acetilcisteína, o alopurinol e o xenônio, pode levar a terapias adjuntas eficientes, uma vez solucionadas dúvidas de dosagem e segurança9,10.

Sempre importante ressaltar que a bilirrubina é a neurotoxina endógena mais comum e que causa uma forma específica de paralisia cerebral por impregnação dos gânglios da base, de nome Kernicterus. Bilirrubina total sérica acima de 25 mg/dl é associada a risco aumentado de lesão neurológica. Fatores que acentuam o risco são aqueles relacionados a prematuridade e infecções e a encefalopatia bilirrubínica aguda inclui mudanças de estado mental, tônus e padrão de choro, recusa para sugar, ataques de cianose e movimentos oculogíricos, com paralisia do olhar para cima e perda auditiva neurossensorial sendo encontrados posteriormente. Em sua forma crônica manifesta-se com alterações de tônus, distúrbio de movimento coreoatetótico e alterações perceptivas e sensoriais. Casos brandos têm sido descritos como “disfunção neurológica induzida pela bilirrubina”11.

Infecção materno fetal tal como a corioaminionite, infecções do trato genitourinário, vaginite e até mesmo periodontite podem ser responsáveis por mecanismos diretos e indiretos de lesão ao cérebro do feto. Lesões causadas pela reação inflamatória à infecção, com apoptose, ruptura dos processos normais de migração neuronal, calcificações e hidrocefalia são alguns destes mecanismos.

Os efeitos indiretos relacionam-se a uma alteração da modulação inflamatória no feto, com excessos na produção de interleucinas, em especial a IL-6, e citocinas inflamatórias que predispõem aos processos de lesão. Também, proteção a estes processos parece ser conferida por arranjos genéticos específicos que aumentam a produção de agentes como a IL-1912 e casos de paralisia cerebral com predisposição genética teriam este mecanismo dentre aqueles elegíveis.

Além dos exames rotineiros relacionados ao controle metabólico e de infecções, aqueles já mencionados visando esclarecer doenças de base e controle de metabólitos potencialmente tóxicos, os exames de eletroencefalograma, ressonância magnética e ultrassonografia são empregados.

O exame de eletroencefalograma sinaliza padrões de prognóstico reservado, como o já citado surto-supressão e alguns indicadores podem ser positivos, como o retorno aos padrões de sono-vigília nas primeiras 36 horas13.

Ultrassom transfontanela (USTF) é um método de ampla utilização que pode sinalizar edema e lesões precocemente. Embora não seja o método mais específico ou sensível, revela malformações e sangramentos e pode indicar o melhor momento para a realização da RNM. O aumento da resistência no exame de USTF com Doppler é útil na avaliação. Valores normais do índice de resistência -ou índice de Pourcelot são em torno de 0,7 e aqueles com índices abaixo de 0,55 guardam associação com um pior desfecho14.

Na RM de crânio, quando lesões de gânglios da base estão presentes, pode-se esperar o desenvolvimento de paralisia cerebral em 75% dos casos. RM com espectroscopia e medida da relação lactato: aspartato vem sendo proposta como método de grande correlação prognóstica15. As alterações que causam os problemas motores da paralisia cerebral são localizadas na substância cinzenta e na substância branca subjacente. Em casos graves, o tálamo, gânglios da base e tronco cerebral também se encontram acometidos. As lesões de substância branca rompem as conexões sensoriomotoras, bem como as ligações moduladoras do córtex com os gânglios da base e o cerebelo, que são importantes para o planejamento e o controle motor refinado.


DIAGNÓSTICO PRECOCE

Diagnosticar precocemente a lesão neurológica e sua progressão para um quadro clínico de paralisia cerebral é um dos determinantes para um melhor prognóstico. Entende-se que o início de uma intervenção sistematizada durante o período de intensa neuroplasticidade compreendido nos primeiros 2 anos de vida aumente as perspectivas de recuperação funcional.

Ocorre que, mesmo para os bebês com muitas lesões cerebrais documentadas pela ressonância e grande probabilidade de sequelas, ainda para estes, o resultado funcional pode ser surpreendente. Outros, com fatores de risco mais brandos ou mesmo sem fatores aparentes, ao contrário do esperado, podem desenvolver quadros graves. Fatores diversos tais como uma predisposição genética à paralisia cerebral e relacionados à produção de citocinas inflamatórias, em especial a IL-616, vêm sendo estudados. A qualidade da atenção perinatal e fatores tais como a qualidade da ligação com o cuidador, o ambiente de estimulação e a associação com déficits sensoriais são peças determinantes do prognóstico final.

A idade média de diagnóstico é entre 18 e 24 meses de vida. Este é, sem dúvida, um dos nossos maiores limitantes na eficácia de intervenções, uma vez que nestes dois primeiros anos de vida ocorre o período mais adequado do ponto de vista da neuroplasticidade e muitas crianças perdem justamente esta janela preciosa de intervenção. Assim, os sinais precoces devem ser ativamente procurados nas avaliações pediátricas e de seguimento e a incapacidade de alcançar adequadamente um marco do desenvolvimento deve ser encarada com preocupação e jamais negligenciada ou minimizada.

Mesmo antes de marcos motores maiores serem esperados, o comportamento da criança, seja muito irritado ou dócil, a presença de reflexos primitivos exaltados e posturas inadequadas como o opistótono, dificuldade de alimentação e de ganho ponderal são indicadores precoces de disfunção.

Disfunções motoras na paralisia cerebral podem ser divididas nas categorias positiva e negativa. As disfunções positivas consistem em sinais adicionados no comportamento motor habitual e são geralmente fáceis de identificar no exame físico. São estas a espasticidade, a postura anormal, a discinesia, os reflexos exaltados e a persistência das reações primitivas. Disfunções negativas são fraqueza e paresia, problemas de coordenação central, cocontrações e movimentos espelhados17.

O exame neurológico sistemático sempre foi a primeira ferramenta de avaliação dos bebês e seu valor é incontestável. Itens específicos do exame mostram maior correlação com o desfecho neurológico negativo e são estes o Reflexo de Moro, as reações palmoplantares e o reflexo tônico cervical assimétrico alterados ou persistentes, assim como o não aparecimento da reação de Paraquedas por volta dos 8 meses. Estes são marcadores especialmente sensíveis ao desenvolvimento posterior de paralisia cerebral18.

O exame de ressonância magnética de crânio por época do termo é outro método comprovadamente sensível e específico na definição do prognóstico de bebês com risco neonatal e sua sensibilidade e especificidade são próximas a 100%. No entanto, a dificuldade prática e custos para a aplicação do método o torna reservado, na maioria dos cenários, a casos cuja definição de conduta imediata dependa de sua realização.

Estudo de revisão sistemática sobre os métodos de diagnóstico precoce define a avaliação do General Movements Assessment criado por Hans Prechtl como método ouro no diagnóstico precoce de PC, guardando 98% de especificidade aos 3 meses de vida e 95% de sensibilidade19. Estes altos indicadores precoces modificam o paradigma de diagnóstico e tratamento, deslocando as intervenções para uma janela de neuroplasticidade mais adequada e promissora.

O método Prechtl baseia-se na análise qualitativa dos movimentos espontâneos do bebê em 3 momentos de vida: o período pré-termo a partir da 26ª semana; o período de termo em torno da 40ª semana em idade corrigida e o de lactente, as 12 semanas de vida calculadas a partir da 40ª semana. Cada um destes momentos apresenta padrões normais de movimentação espontânea relacionados à integridade do sistema nervoso e estes padrões se alteram com as lesões sem que ainda haja os indicativos clássicos das síndromes motoras.

Os padrões encontrados são altamente preditivos para normalidade ou anormalidade já os 3 meses de vida ou mesmo antes, e definem assertivamente a necessidade de programas precoces de tratamento e estimulação. A técnica é muito simples e requer a filmagem da movimentação espontânea do bebê por 3 a 5 minutos, que deverá ser avaliada por observador treinado formalmente no método20,21.


CLASSIFICAÇÃO DIAGNÓSTICA E CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE (CIF)

A classificação dos subtipos de paralisia cerebral tradicionalmente refere-se aos subtipos motores relacionados à base topográfica da lesão e tem sua gravidade referida como leve, moderada e grave. Em função da variabilidade de fatores concorrentes, a avaliação funcional nesta abordagem é bastante imprecisa embora descreva o padrão motor predominante no caso. A Tabela 1 resume os subtipos e suas principais características de acordo com a classificação topográfica.




Com o objetivo de melhor descrever a funcionalidade dos pacientes, em 1997 Palisano propôs o uso da escala Gross Motor Function Classification (GMFCS), que descreve crianças entre 2 e 18 anos estratificando a função em 5 níveis de independência motora22. Sua aplicação se mostrou grandemente útil e outros autores elaboraram escalas relacionadas a outras funções cruciais à independência. Assim, Eliasson et al., em 200623, no Instituto Karolinska, idealizaram o Manual Assessment Classification System (MACS), que classifica o uso de ambas as mãos e membros superiores e, a seguir, propuseram o Mini-macs, para crianças menores de 4 anos, também estratificado em 5 níveis.

Estima-se que aproximadamente 88% das crianças com PC tenham problemas de comunicação. Para avaliar este domínio, o Communication Function Classification System (CFCS) foi idealizado24. Análogo ao GMFCS e ao MACS, em 5 níveis, analisa a eficiência do indivíduo para enviar e para receber mensagens e permite todos os métodos de comunicação, incluindo vocalizações, sinais manuais, figuras, geradores de voz levando em conta a eficiência alcançada com pessoas familiares e estranhas. Em relação às funções de alimentação, seguindo metodologia similar, foi elaborado o Eating and Drinking Ability Classification System (EDACS)25. O Sistema de Classificação por Funcionalidade encontra-se resumido na Tabela 2.




TRATAMENTO BASEADO EM EVIDÊNCIAS

A paralisia cerebral é uma doença crônica que necessita de tratamentos multidisciplinares, intensivos e coordenados com a finalidade de recuperar funções motoras ou ao menos adaptar a funcionalidade do indivíduo de forma independente. São numerosos os tratamentos existentes que se propõem a influenciar positivamente ou mesmo curar a paralisia cerebral mas, infelizmente, muitos deles foram elaborados sem bases científicas e por muitas décadas foram empregados com resultados inconsistentes.

Nas últimas décadas, em paralelo com uma maior compreensão dos processos envolvidos na sinaptogênese e neuroplasticidade, ocorre maior atenção à eficácia das técnicas utilizadas. Em revisão sistemática coordenada por Novak et al.26, foram avaliados 64 métodos distintos de reabilitação de acordo com seus desfechos e foram classificados como eficazes 16% (sinalizados como luz verde, faça) provavelmente eficazes 58%, provavelmente ineficazes 20% e ineficazes 6% (luz vermelha, não faça).

Supreendentemente, diversas técnicas amplamente empregadas na reabilitação de crianças com paralisia cerebral mostraram evidências científicas fracas. De modo geral, entende-se que é necessária a elaboração de protocolos de investigação que esclareçam acerca dos métodos de eficácia incerta e que tempo e recursos sejam empregados em oferecer métodos comprovadamente eficientes.

As intervenções comprovadamente eficazes distribuem-se por áreas de funcionalidade de acordo com a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) e são um conjunto de técnicas incluindo medicamentos e procedimentos cirúrgicos ou não, além de atividades de intervenção terapêutica. Certamente eficazes são medicamentos como anticonvulsivantes para o tratamento de convulsões, toxina botulínica, benzodiazepínicos e rizotomia dorsal para o tratamento de espasticidade e bifosfonatos para a saúde dos ossos. Ainda, recomenda-se o uso de calhas ortopédicas e a supervisão sistemática para a prevenção de luxação de quadril, o controle de úlceras de pressão e o treinamento aeróbico para a manutenção da funcionalidade26.

Em relação a treinamentos de reabilitação, são indicados treinamentos de função bimanual e outros dirigidos a atividades funcionais. Foge ao objetivo deste texto o detalhamento das recomendações terapêuticas específicas, no entanto, a busca por evidências de eficácia deve ser sempre estabelecida nas recomendações terapêuticas. Estas devem ser dirigidas não a uma promessa de cura, mas ao objetivo de tornar o indivíduo funcional dentro de suas possibilidades.


SAÚDE GLOBAL E QUESTÕES CLÍNICAS COMPLEXAS

Os pacientes com paralisia cerebral apresentam maior risco de comorbidades clínicas e aqueles que são classificados com maior comprometimento funcional, GMFCS IV e V, são especialmente propensos a complicações graves que levam à hospitalização e óbito e que devem ser acompanhados com vistas a reduzir a morbidade e mortalidade. As complicações respiratórias são aquelas que frequentemente levam a internações e óbito.

A reduzida expansibilidade do tórax, associada a aumento da secreção respiratória causada por processo inflamatório brônquico, refluxo gastroesofágico e microaspiração de conteúdo gástrico e saliva são fatores que contribuem para a recorrência de infecções respiratórias de repetição. Assim, intervenções que reduzam a ocorrência de aspiração de saliva tais como a aplicação de fármacos locais, injeções de toxina botulínica nas glândulas salivares ou mesmo secção permanente da inervação destas glândulas podem ser recomendadas27.

Tratamento do refluxo gastroesofágico se faz necessário tanto pelas questões respiratórias quanto pelo desconforto que impõe ao paciente e a rara ocorrência de esôfago de Barret. A recomendação de funduplicatura pode ser feita quando está comprovada a disfuncionalidade do esfíncter esofágico inferior ou a presença de hérnia hiatal.

A indicação de gastrostomia pode ser indicada na dependência de uma combinação de fatores relacionados à segurança e eficiência no ato da alimentação. Constipação intestinal e disfunções esfincterianas com enurese ou retenção urinária são problemas comuns e atenção à saúde dos rins e bexiga neurogênica também faz parte da sistemática de cuidados28.

Um dos procedimentos clínicos de maior impacto na saúde global da pessoa com paralisia cerebral é a supervisão regular e preventiva de luxação de quadril e progressão de escoliose, frequente nos pacientes de nível funcional GMFC IV e V. Estima-se que, sem a adequada supervisão, 10 a 20% das crianças com PC desenvolvam luxação de quadril. Uma série de fatores de risco são conhecidos, mas algumas crianças podem desenvolver a condição mesmo sem fatores de risco. Uma série de estudos vem sendo publicados acerca das estratégias de seguimento para realizar esta supervisão que deve ser clínica e radiológica durante toda a fase de crescimento29.

A rotina de seguimento é definida pelo nível funcional aferido conforme o GMFCS e traça as seguintes recomendações: a) para pessoas com GMFCS I, radiografias não devem ser rotineiras a não ser que o exame clínico revele deterioração do quadril ou coluna. No nível b) GMFCS II, radiografias devem ser realizadas aos 2 e aos 6 aos anos. Se aos 8 anos o exame físico for normal, as radiografias prévias também normais, o exame clínico deve ser realizado a cada 2 anos até o fechamento da placa de crescimento para definir a necessidade de avaliação radiológica adicional.

Nos pacientes com c) GMFCS III-V o exame radiológico deve ser realizado logo que o diagnóstico de paralisia cerebral é confirmado ou suspeito e radiografias anuais devem ser feitas até os 8 anos de idade. Após essa idade, o intervalo entre as avaliações deve ser determinado individualmente. Crianças mais velhas que 8 anos e que possuam RX normais e sem deterioração clínica devem realizar radiografias a cada 2 anos até o fechamento da placa de crescimento.

Crianças com ataxia ou atetose puras, nos níveis GMFCS II ou III podem ser excluídas de avaliações radiológicas subsequentes caso a primeira avaliação seja normal e não apresentem deterioração clínica. A adoção desta rotina na Escandinávia durante a última década foi responsável por uma queda dramática dos casos cirúrgicos de luxação de quadril, reduzindo morbidade e custos consideravelmente.

A integração da pessoa com deficiência e sua família à vida independente e produtiva é indicador de qualidade dos serviços de saúde e cidadania. Fazem parte desta rede o sistema de educação, que deve garantir inclusão escolar a estes pacientes.


CONCLUSÕES

Pacientes com o diagnóstico de paralisia cerebral integram grupo de pacientes com questões clínicas complexas e devem ter seu diagnóstico realizado precocemente e sua classificação de doença por topografia e funcional estabelecida com atenção para a reabilitação baseada em evidências, supervisão de saúde global e de complicações de alta morbidade.

Assim, 1) atenção pré-natal e perinatal; 2) avaliação precoce dos sinais indicativos de paralisia cerebral por exame clínico, de imagem e do método Prechtl garantem inclusão precoce em tratamento de reabilitação; 3) realização correta da classificação etiológica, topográfica e funcional do paciente; 4) indicação de métodos de reabilitação baseados em evidências científicas, otimizando recursos e investimentos pessoais; 5) atenção à saúde clínica da criança, em especial às questões respiratória, gastrointestinal e ortopédica; 6) tratamento das comorbidades neurológicas e comportamentais, atenção especial ao tratamento da epilepsia, da espasticidade e da dor; 7) Medidas de inclusão escolar, lazer e participação social devem ser ativamente incentivadas e defendidas, sempre visando a vida independente.


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Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Pediatria - Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência:
Heloisa Viscaino Pereira
Departamento de Pediatria da Faculdade de Coências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ
28 de Setembro 77, Vila Isabel
Rio de Janeiro,RJ, Brasil. CEP: 20551-030
E-mail: heloisap@uerj.br

Data de Submissão: 09/04/2018
Data de Aprovação: 05/09/2018