ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2022 - Volume 12 - Número 2

Estenose hipertrófica de piloro em recém-nascido prematuro com manifestação atípica: relato de caso e breve revisão

Hypertrofic pyloric stenosis in a premature newborn: case report and brief review

RESUMO

A estenose hipertrófica de piloro é uma das principais causas de vômito não biliar no neonato e tipicamente se manifesta entre 3 a 4 semanas de vida. Sua manifestação é no período neonatal precoce, especialmente em prematuros. O caso aqui relatado trata-se de um RN masculino, prematuro de 34 semanas, peso de 3.180 gramas, admitido na UTI neonatal devido a desconforto respiratório e prematuridade. No terceiro dia de vida evoluiu com distensão abdominal, vômitos não biliosos e dificuldade de aceitação da dieta. A radiografia de abdome evidenciou bolha gástrica hiperdistendida. Devido à manutenção do quadro nas 48 horas seguintes foi realizado trânsito intestinal contrastado, que demonstrou esvaziamento gástrico lentificado e afilamento na porção pilórica e inicial do duodeno. Pelos achados sugestivos de obstrução duodenal, optou-se por laparotomia exploradora. No transoperatório foi identificada a presença de estenose hipertrófica de piloro, com duodeno íntegro e pérvio, sem sinais de má rotação associada. Foi realizada piloromiotomia e com 12 horas de pós-operatório foi reintroduzido o leite materno. Atualmente está com 9 meses de vida, em acompanhamento ambulatorial, apresentando ótima evolução, sem dificuldades na introdução alimentar, bom desenvolvimento neuropsicomotor e bom ganho de peso. Como demonstrado neste artigo, mesmo sendo uma causa menos frequente, a estenose hipertrófica de piloro deve ser considerada como um importante diagnóstico diferencial nas obstruções altas do trato digestivo em recém-nascidos.

Palavras-chave: recém-nascido, recém-nascido prematuro, estenose pilórica hipertrófica.

ABSTRACT

Hypertrofic pyloric stenosis is one of the main causes of non-biliary vomiting in newborn and is typically found between 3 and 4 weeks old babies. It is rarely found in early neonatal period., especially in prematures. The case here reported is a male, premature born with 34 gestational weeks, with 3180 grams of weight admitted to the neonatal ICU due to respiratory discomfort and prematurity. With 3 days old presented non-biliary vomiting, abdominal distention and difficulty to feed. Radiography demonstrated hyperdistended stomach. Remained symptomatic for the next 48 hours and a contrast study demonstrated slow gastric emptying and pyloric and duodenal narrowing. As the findings suggested duodenal obstruction exploratory laparotomy was indicated. During surgery hypertrofic pyloric stenosis was found with no signs of malrotation or duodenal obstruction. Pyloromiotomy was performed and 12 hours after surgery oral feeding was restarted. Patient presented good outcome, is now with 9 months old, good development and adequate weight gain. As demonstrated, even though it is an unusual cause, hypertrofic pyloric stenosis must be considered as an important differential diagnosis when facing a digestive obstruction in newborn.

Keywords: Pyloric Stenosis, Hypertrophic, Infant, Newborn, Diseases, Premature Birth.


INTRODUÇÃO

A estenose hipertrófica de piloro (EHP) é a patologia cirúrgica mais comum no período neonatal com uma prevalência de aproximadamente 2 para cada 1.000 nascidos vivos1. É caracterizada por uma hipertrofia idiopática da musculatura pilórica e resulta em obstrução parcial à saída gástrica2. Inicialmente era descrita como uma doença incomum em prematuros, no entanto com a melhoria no suporte a esses pacientes, o aumento de sua sobrevida permitiu um melhor delineamento da ocorrência das patologias neste grupo, e foi possível demonstrar que a prematuridade pode inclusive ser um fator de risco para o desenvolvimento da EHP3. No entanto, a apresentação clínica desta doença costuma acontecer mais tardiamente em termos de idade cronológica em prematuros, quando comparados aos recém-nascidos a termo4.

Este artigo tem como objetivo descrever um caso incomum de apresentação precoce de EHP, no terceiro dia de vida, em um paciente prematuro de 34 semanas de idade gestacional.


RELATO DE CASO

O caso aqui relatado trata de um RN masculino, prematuro de 34 semanas, nasceu bem com Apgar 7/8 e peso de 3.180 gramas, histórico materno de diabetes gestacional, justificando a apresentação grande para a idade gestacional (GIG). Não apresentou intercorrências no período gestacional, sem histórico de infecções ou uso de antibiótico materno durante o pré-natal, a mãe não possuía histórico de tabagismo ativo e o paciente era seu primeiro filho. Após o nascimento foi admitido na UTI neonatal devido ao histórico de prematuridade e desconforto respiratório, manejado sem necessidade de ventilação invasiva. Inicialmente em aleitamento materno exclusivo, necessitou complementação com leite de fórmula devido ao baixo volume de leite materno. No terceiro dia de vida apresentou vômitos de aspecto não bilioso, distensão do andar superior do abdome e dificuldade de aceitação da dieta. A radiografia simples de abdome demonstrou apenas bolha gástrica hiperdistendida. Foi mantido em jejum e nas 48 horas que se seguiram, bastava tentar a reintrodução alimentar para os sintomas tonarem a aparecer. Foi então realizado um exame contrastado de trânsito intestinal, que evidenciou esvaziamento gástrico lentificado e um afilamento na porção pilórica e início do duodeno (Figura 1).


Figura 1. Imagens seriadas do trânsito intestinal.



Em virtude dos achados sugestivos de obstrução duodenal indicou-se uma laparotomia exploradora. No transoperatório foi observada a presença de estenose hipertrófica do piloro, com duodeno íntegro e pérvio e sem sinais de má rotação intestinal associada. Realizou-se piloromiotomia à Fredet-Ramstedt e com 12 horas de pós-operatório o leite materno foi reintroduzido por via oral, com boa aceitação. O paciente evoluiu bem, recebendo alta hospitalar no quarto dia de pós-operatório, com 9 dias de vida. Atualmente tem 9 meses de vida e segue em acompanhamento ambulatorial de rotina, apresentando bom desenvolvimento neuropsicomotor e bom ganho de peso, sem dificuldades na introdução alimentar.


DISCUSSÃO

Inicialmente descrita por Hirschprung, em 1888, a EHP tem tratamento essencialmente cirúrgico, e a técnica cirúrgica que é considerada o padrão ouro até hoje foi descrita pela primeira vez por Ramstedt, em 19125. É uma doença mais prevalente no sexo masculino, como encontrado no caso aqui relatado, em uma proporção descrita de 4 a 6:15. A causa exata de sua ocorrência permanece desconhecida, no entanto, a maior probabilidade é que seja multifatorial2.

A apresentação da doença comumente ocorre entre 2 a 12 semanas de vida, tendo seu pico de incidência na quinta semana6. Apesar de existirem relatos, mesmo antigos, do aparecimento dos sintomas ainda no primeiro dia de vida7, isto é raro. A idade de início dos sintomas no caso aqui descrito foi precoce quando comparado à literatura vigente. Outro fato que chama a atenção é que além do aparecimento precoce da doença, trata-se de um paciente prematuro. Além de estudos anteriores, uma grande coorte retrospectiva realizada em 2015, concluiu que a idade cronológica da apresentação clínica geralmente aumenta à medida que a idade gestacional ao nascimento diminui3. Aparentemente o desenvolvimento da EHP em prematuros depende de um certo grau de maturação do trato digestivo nesses pacientes, desta forma, pacientes prematuros tendem a apresentar sintomas mais tardiamente quando comparados a pacientes nascidos a termo4, o que diverge do apresentado no caso em questão.

Diversos fatores de risco para o desenvolvimento desta patologia já são previamente estabelecidos, como: sexo masculino, história familiar positiva para a doença, tabagismo materno, filho primogênito, histórico de uso de eritromicina e macrolídeos e alimentação com leite de fórmula8,9. O aleitamento materno exclusivo é comprovadamente um fator protetor contra o desenvolvimento da EHP10. Como os pacientes prematuros tendem a permanecer mais tempo internados em UTI, sua exposição a alguns destes fatores de risco repetidamente pode estar associada a um aumento da EHP neste grupo de pacientes8. Fatores de risco como sexo masculino, primogênito, prematuridade e a suplementação com de leite de fórmula foram encontrados em nosso paciente.

A sintomatologia clássica descrita são os vômitos não biliosos pós-alimentares em jato2, podendo apresentar perda de peso e desidratação com alcalose metabólica severa quando não diagnosticado e tratado precocemente8. No exame físico caracteristicamente é descrita a presença da “oliva pilórica” palpável no epigástrio, correspondendo ao piloro hipertrofiado, e quando está presente, tem um valor preditivo positivo de 99% para o diagnóstico da EHP2. Além de vômito e distensão do andar superior do abdome, o paciente tratado em nosso serviço não apresentava outros sintomas ou achados.

Em relação aos exames de imagem, o padrão ouro é a ecografia de abdome que demonstra um espessamento de mais de 3mm da parede pilórica no corte transversal (medida mais específica) e um alongamento do piloro de mais de 15mm na imagem longitudinal4,9. Na avaliação ecográfica é importante observar a orientação da veia e da artéria mesentérica superior em busca de sinais de má rotação intestinal, um importante diagnóstico diferencial nestes pacientes9. Outro exame importante é a radiografia contrastada do trato digestivo alto, que também demonstra piloro alongado, com lúmen estreito e um recorte denteado no bulbo duodenal9. Em virtude da nossa suspeita inicial de obstrução duodenal, o exame de escolha foi o contrastado, que apresentou achados indicativos de necessidade de cirurgia, porém sem definição pré-operatória do diagnóstico da EHP.

Quando estamos frente a um caso de EHP, trata-se de uma emergência médica, no entanto, não é uma emergência cirúrgica. Antes da cirurgia, o paciente requer estabilização e ressuscitação adequadas. Anormalidades eletrolíticas são frequentes e perigosas, o vômito recorrente leva à uma alcalose metabólica hipocalêmica e hipoclorêmica, que precisa ser corrigida o mais precocemente possível2. Como já citado anteriormente, a piloromiotomia extra-mucosa, também conhecida como pilorotomia à Fredet-Ramstedt é o tratamento cirúrgico de escolha. Tradicionalmente realizada por meio de incisão cirúrgica laparotômica subcostal à direita, mais modernamente pode ser realizada de forma minimamente invasiva, através de incisões umbilicais e da videolaparoscopia1,2,5. As principais complicações transoperatórias são a perfuração da mucosa, que mais comumente ocorre próximo ao bordo duodenal e a piloromiotomia incompleta, que mais comumente ocorre no bordo gástrico da incisão pilórica e pode levar à recorrência precoce dos sintomas2. O paciente operado em nosso serviço não apresentou complicações nem durante a cirurgia, nem a curto e longo prazo, apresentando boa evolução e desenvolvimento após sua recuperação e alta hospitalar.

A morbidade nos pacientes prematuros parece ser maior do que nos recém-nascidos a termo, o que pode ser atribuído a uma maior incidência de doenças pulmonares crônicas e cardiopatias neste grupo de pacientes3. A mortalidade dos pacientes é considerada baixa, em torno de 1% e, geralmente, está associada ao diagnóstico tardio resultado em pacientes gravemente depletados e naqueles que não foram corretamente estabilizados antes da cirurgia5.


CONCLUSÃO

Como demonstrado neste artigo, mesmo sendo uma causa menos frequente e nem sempre esperada pela equipe assistente, a estenose hipertrófica de piloro deve ser considerada como um importante diagnóstico diferencial nas obstruções altas do trato digestivo no período neonatal precoce.


REFERÊNCIAS

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Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP), Departamento de Pediatria & Cirurgia Pediátrica - Cascavel - Paraná - Brasil.

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Data de Submissão: 27/04/2020
Data de Aprovação: 05/06/2020