ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2022 - Volume 12 - Número 2

Desvio espontâneo da atenção básica para atenção de média e alta complexidade na pediatria

The Shift Away From Primary Care Towards Medium And High Complexity Care In Pediatrics

RESUMO

INTRODUÇÃO: A atenção básica de saúde é um conjunto de intervenções que promove contato inicial com o sistema de saúde, já as de média e alta complexidade incluem hospitais, ambulatórios, serviços de urgência e emergência, exames e procedimentos. Ultimamente tem-se percebido um fenômeno de desvio voluntário da atenção básica para a atenção de média e alta complexidade em pediatria.
OBJETIVO: Discutir as razões pelas quais o fenômeno supracitado ocorre, suas consequências, bem como citar propostas de intervenção tomadas por outros para reverter o cenário.
MÉTODOS: Foi realizada uma revisão literária acerca do tema de artigos encontrados em bases de dados, como LILACS, BIREME e PubMed.
DISCUSSÃO: Esse desvio espontâneo tem, dentre suas variadas causas, noções como maior facilidade de acesso, comodidade e mais rápida resolutividade nos serviços de emergência, ou até mesmo a falta de percepção de uma urgência. Além disso, acredita-se que os pais preferem a atenção emergencial pelo fato de encontrarem maior variedade de especialidades e, consequentemente, maior resolutividade, em um só local.
CONCLUSÃO: A substituição pelos atendimentos de média e alta complexidade tem trazido repercussões não só para a saúde da criança, como para o próprio sistema de saúde. Sendo assim, os serviços de urgência e emergência não são usados da forma que deveriam e não têm a capacidade de suprir as necessidades de seus pacientes, haja visto que as queixas priorizadas nestes serviços são agudas, e muitos diagnósticos que poderiam ser feitos através de um acompanhamento longitudinal não são feitos pela necessidade de resolução imediata.

Palavras-chave: atenção primária à saúde, atenção terciária à saúde, sistema único de saúde, serviços de saúde da criança, medicina de emergência pediátrica, pediatria.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Primary healthcare comprises a series of interventions that make up the doorway into healthcare services, while medium and high complexity care includes hospitals, outpatient clinics, emergency services, and the delivery of tests and procedures. A recent shift has seen patients seeking care in medium and high complexity centers instead of primary healthcare services.
OBJECTIVE: To discuss the reasons for the aforementioned phenomenon, its consequences, and propose ideas to reverse the situation.
METHODS: This literature review included articles on the subject from databases Lilacs, Bireme, and PubMed.
DISCUSSION: One of the causes for this shift is the perception that emergency services provide easier, more convenient access to medical services, which might also derive from lack of knowledge about what constitutes an emergency situation. Parents also choose to take their children to emergency services due to the availability of physicians from a wide range of medical specialties, an element that might improve the chances of getting one-stop full treatment.
CONCLUSION: The choice for medium and high complexity centers has produced effects not only on the health of children, but also on the entire healthcare system. Emergency services end up not being used they way they were designed to and are unable to deal with patient needs. These services were designed to treat acute events and lack the diagnostic capabilities of longitudinal care.

Keywords: Primary Health Care, Tertiary Health Care, Unified Healthcare System, Child Health Services, Pediatric Emergency Medicine, Pediatrics.


INTRODUÇÃO

O sistema de saúde é formado por três níveis de atendimento, sendo eles a atenção básica, de média e alta complexidade. A atenção básica é um conjunto de intervenções de saúde no âmbito individual e coletivo que envolve a promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. Esse serviço caracteriza-se por ser o contato inicial dos indivíduos com o sistema de saúde voltado às questões de maior relevância naquela determinada região e tem como principal base de organização a Estratégia de Saúde da Família (ESF).

A atenção de média complexidade é formada pelos hospitais e ambulatórios responsáveis por oferecer tratamento especializado à população, visando suprir agravos que “na prática clínica, demande a disponibilidade de profissionais especializados e a utilização de recursos tecnológicos, para o apoio diagnóstico e tratamento”1. Portanto, este setor garante o acesso às clínicas de especialidades médicas, além de garantir a estruturação dos serviços hospitalares de urgência e emergência, como exames e procedimentos que ali são realizados1.

Já a atenção de alta complexidade consiste em um conjunto de procedimentos que envolvem uma alta tecnologia e custo de serviços qualificados e específicos, por exemplo: cirurgias, procedimentos com ultrassonografia e radiografia, fisioterapia, terapias especializadas, etc.1.

Tem-se percebido ao longo do tempo, um fenômeno de desvio voluntário da atenção básica para a atenção de alta complexidade na área pediátrica. Sendo as causas mais prováveis uma maior facilidade de acesso e comodidade, sensação de resolutividade, variedade e também pela falta de percepção do que é realmente uma urgência. De tal forma, os serviços de urgência e emergência estão sendo usados de maneira inadequada, visto que são projetados para fornecer serviços de cuidados médicos agudos e não são designados para fornecer cuidados contínuos de saúde e abrangentes para crianças.

O objetivo desse artigo é ressaltar algumas das razões pelas quais se justificam tal fenômeno e suas possíveis consequências, mencionando brevemente fatores em comum com outros países que também enfrentam este processo; além de apontar algumas propostas de intervenções tomadas para tentar reverter este quadro.


MÉTODOS

Foi feita uma revisão da literatura, em que foram selecionados artigos, livros e programas governamentais sobre o tema. Para o levantamento bibliográfico preliminar, foram realizadas buscas nas seguintes bases de dados: PubMed, LILACS e BIREME. Para tanto, utilizou-se os seguintes descritores: atenção primária à saúde, atenção terciária à saúde, sistema único de saúde, serviços de saúde da criança, pediatria, medicina de emergência pediátrica, de acordo com os DeCS (Descritores em Ciência da Saúde).

Os critérios de exclusão foram artigos publicados anteriormente ao ano de 1995, estudos que não contemplem a faixa etária em pediatria, artigos com ênfase no aspecto econômico ou referentes à conduta em atendimentos emergenciais e questões éticas.

Primeiramente foi realizada uma análise dos títulos e resumos dos artigos remanescentes. Adicionalmente, optou-se por manter um programa governamental dentre as referências deste artigo, com a finalidade de expor opções de soluções para o problema discutido na temática do mesmo; além do livro: “Cuidando de crianças e adolescentes sob o olhar da ética e bioética”, proposto pelos próprios orientadores deste artigo. Posteriormente, foi feita uma reavaliação mais específica para a temática, das publicações selecionadas, resultando na seleção de 11 referências para a revisão.


DISCUSSÃO

Em um artigo publicado sobre um estudo retrospectivo da Faculdade de Medicina de Cincinnati, no qual foram analisadas as fichas de pacientes pediátricos que receberam atenção primária em casa nos seus primeiros anos de vida, discutiu-se o impacto que isso tem na utilização do departamento de emergências nos próximos anos. Um de seus achados mais importantes foi “alta percentagem de pacientes utilizando o pronto-socorro tanto para urgências e não urgências antes de seu segundo aniversário”2 e a sua relação com a possibilidade da percepção dos pais, em relação ao que é, de fato, uma urgência ou emergência estar equivocada. Assim como nos Estados Unidos, é bem provável que os pais brasileiros se sintam aflitos e impotentes e, por isso, prefiram levar seus filhos à uma unidade de atendimento emergencial em qualquer situação. As dúvidas sobre a urgência da doença, questões relacionadas à saúde das crianças, podem explicar o porquê da alta procura de um hospital ou pronto-socorro em situações que não necessitam daquele nível de complexidade para seu atendimento.

Na Espanha, o governo criou um projeto de educação com o título: “sim, é urgente para você...é urgente para mim?”, com o intuito de incentivar o “uso racional dos serviços de urgências pediátricas e instruir sobre que fazer diante dos principais problemas de saúde”3, deste modo, os agentes de saúde de lá podem ensinar à população, por meios didáticos e interativos, sobre o que são consideradas urgências e o que pode ser resolvido no primeiro nível de atenção à saúde. A intenção é de que o protocolo fique disponível nos “centros de saúde” para os profissionais orientarem seus usuários de acordo com a demanda daquele local e este será abordado mais a fundo posteriormente neste artigo. Esta ferramenta tem como finalidade a intervenção na situação atual da pediatria, na qual a noção de urgência se tornou sinônimo de uma forma de atenção à saúde imediata e não uma urgência em seu significado puro3. Um pronto-socorro foi criado para atender as urgências e emergências naquele momento, mas que deve ter um seguimento adequado do caso, por meio de um acompanhamento com especialista ou utilizando-se dos serviços de atenção básica, o que muitas vezes não é uma orientação seguida pelos pais.

Complementarmente, um fator que leva à preferência do setor de média ou alta complexidade para os pacientes pediátricos ocorre devido à noção de resolutividade, agilidade e até mesmo maior especialidade. Conforme apresentado pelo Prof. Dr. Jayme Murahovschi em sua carta ao público, “A perigosa cultura do pronto-socorro”, criou-se uma “cultura do pronto-socorro”, na qual este é usado como ambulatório para atender a “tirania da urgência”, ou seja, que haja uma resolução rápida para seu ‘problema’ com a menor inconveniência possível4. A impressão de que o PS possui um atendimento resolutivo se dá porque ali é possível  passar em consulta, já fazer exames, ouvir os resultados e sair com uma prescrição ou ser medicado ali mesmo; transmitindo um sentimento de ‘assunto encerrado’ e satisfação para um pai preocupado com seu filho. Do ponto de vista dos pais foi um atendimento rápido e eficiente, com um único local, para descobrir o que acometia a criança e ter um profissional orientando-os sobre o tratamento5. À vista disso, entende-se que os pais preferem abordar os problemas de saúde de seus filhos de maneira imediata e resolutiva, ao invés de se promover uma continuidade do cuidado, o que se encaixaria na atenção básica de saúde.

Outro fator considerável é a ideia de que o PS interfere menos no cotidiano de alguém, uma vez que oferece atendimento por 24 horas, permitindo um acesso após o horário comercial. Portanto, os serviços de média complexidade se tornam mais convenientes, pois não é necessário agendar horários, mudar a programação de seu dia, faltar ao trabalho, não há problemas na comunicação e nem a chance de ter que remarcar a visita. No estudo americano, citado anteriormente, foi exemplificado que os pais que tinham problemas para entrar em contato com os agentes da atenção básica, ou que não se sentiram satisfeitos com os serviços providos ou funcionários dali, preferem o PS pois é um ‘contato’ imediato e conveniente, sendo considerado até mesmo mais “experiente”2.

Acarreta em outro fator da “desvirtualização” do pronto-socorro: a população ter a visão de que ali existe mais especialistas e que por isso seu filho será melhor atendido. Sendo que isto, não necessariamente é uma realidade, pois o pediatra emergencista pode não saber lidar tão bem com uma situação não emergencial. Do mesmo modo, os progenitores creem ser mais fácil realizar exames ali e acabam por agir por “compulsão para aproveitar a viagem”5. Contrariamente do que se acredita, os exames aumentam o tempo de espera e muitas vezes não seriam necessários se “a criança fosse atendida por um pediatra que a conhece”, aguardando sua evolução e mantendo contato com os responsáveis por seu paciente4. A compulsão caracteriza demandas do tipo: “já que estou aqui, queria fazer uma chapa” ou, querer uma segunda opinião, pois “foi atendido ontem e ele continua igual”. Esses tipos de afirmações caracterizam a banalização do serviço de média complexidade, pois os usuários parecem buscá-lo como um “escoadouro de retornos”, para fazer um exame sem ter que marcar, para uma reavaliação clínica sem o tempo de recuperação necessário, os quais deveriam ser feitas ou indicadas em um “consultório de um pediatra titular, a quem compete dar continuidade ao atendimento”5.

Em um artigo americano publicado na Academia Americana de Pediatria, cujo propósito era avaliar se existe uma continuidade no cuidado de uma criança após sua passagem pelo departamento de emergências pediátricas, dois termos foram discutidos para esclarecer a diferença entre um tratamento emergencial e um acompanhamento com especialista: a continuidade e a longitudinalidade. A continuidade “é o meio pelo qual as partes de uma doença são agrupadas, seja ela uma doença aguda e seu seguimento, ou os cuidados, já em andamento, de uma doença crônica”6. Já a longitudinalidade consiste na presença e uso de uma fonte regular de cuidado ao longo do tempo. Esse conceito é muito usado na pediatria, e está presente no primeiro nível de atenção em saúde, pelo fato de as crianças se consultarem na maioria das vezes, com o mesmo médico, o que fortalece o relacionamento contínuo entre médico, paciente e pais ao longo do tempo7.

Tendo em mente ambos conceitos, uma unidade de saúde emergencial é designada para providenciar os cuidados médicos agudos e imediatos, contudo não estaria apta a prover prevenções e seguimentos a longo termo. Ou seja, um pronto-socorro não possibilita uma longitudinalidade, todavia, se agregarmos a atenção básica com a de média complexidade é possível ter uma continuidade4,6,7.

A preferência dos pais por levar seus filhos diretamente ao pronto-socorro, ao invés de passar com o pediatra primeiro, é uma prática recorrente atualmente. Porém, o que os pais não têm percebido é a desvantagem que isso causa; uma pois essa prática permite uma exposição maior das crianças a patógenos presentes nesse ambiente; além disso, percebe-se que há oportunidades perdidas quando se comparam consultas de um pediatra de rotina com a de um médico da emergência do hospital. O segundo não fará uma consulta de acompanhamento, normalmente não pesquisando se há distúrbios do crescimento e desenvolvimento, malformações urinárias, alergias respiratórias, pneumopatias crônicas, imunodeficiências por IVAS de repetição e crise de asma, problemas ortopédicos, atraso vacinal. Dessa forma, ocorre uma quebra da sequência e integralidade do cuidado, o que é prejudicial ao paciente4,5,7.

É de grande importância a intervenção nesse uso errôneo da atenção de média complexidade, justamente para que se mantenha o fator de prevenção proporcionada pela básica. Existem situações na pediatria que, se diagnosticadas e investigadas precocemente, podem ter um desfecho mais tranquilo e menos invasivo. “As internações por condições sensíveis à atenção primária são um importante marcador de acesso aos serviços de saúde e da capacidade resolutiva deste nível de atenção”8, uma vez que tais situações, quando acompanhadas frequentemente e precocemente, evitar-se-iam a necessidade de medidas de urgência, como uma internação às pressas8,9.

Podemos tomar como exemplo situações de doenças que sejam preveníveis com vacinas, infecções de pele e até mesmo o controle e acompanhamento de doenças crônicas, como a asma, a fim de evitar complicações8. Em 2019, foi feito uma análise do perfil clínico da enfermaria de um hospital pediátrico universitário, nele foi observado uma porcentagem relativamente alta, por volta de 42%, de pacientes internados devido a doenças pré-existentes e que culminaram em sua internação8,9.

Em geral, o acompanhamento em serviços da atenção primária “abrangem as diferentes faixas etárias do crescimento e do desenvolvimento [...]”10. O fator longilíneo destes serviços proporciona uma continuidade do cuidado, familiaridade com um mesmo profissional e a maior facilidade de comunicação para esclarecimentos, são alguns dos fatores decisivos para uma boa relação médico-paciente e, consequentemente, um desenvolvimento de um vínculo saudável10.

Adicionalmente, o médico de ambulatório muitas vezes faz também papel de educador, visto que ele pode orientar o paciente, não apenas sobre a situação atual de sua saúde, mas também medidas profiláticas, como agir em uma situação emergencial e o que se qualifica em uma urgência e qual serviço procurar e quando fazê-lo. Com isso, o papel do atendimento ambulatorial não se resume apenas ao cuidado da doença atual, mas também abrange o passado, presente e futuro de um mesmo paciente em um mesmo serviço/professional, sem intermediários ou interferências10,11.

O desenvolvimento infantil caracteriza-se por ser um processo multidimensional e integral, compreendendo tanto os aspectos do crescimento físico quanto a progressão neurológica (comportamental, sensorial, cognitivo e de linguagem). O pediatra é o primeiro médico que tem contato com a criança e tem a função de fazer o acompanhamento longitudinal do paciente, atuando de maneira imprescindível em seus primeiros mil dias de vida. Neste período crítico, com alto estímulo e desenvolvimento neurobiológico, qualquer alteração pode resultar em consequências, por isso o acompanhamento em primeira mão é primordial para uma boa progressão. Deste modo, reitera-se o papel do pediatra na atenção básica de saúde, priorizando a monitorização constante do desenvolvimento infantil na primeira infância que permite a detecção e intervenção precoce, visando prezar pela qualidade de vida11.

No projeto “sim, é urgente para você... é urgente para mim?”, o governo da Espanha visou encontrar uma solução para o problema do desvio da atenção básica e para isso criou um programa educacional. O projeto voltado às famílias objetiva conscientizá-las sobre o uso de estabelecimentos de urgência e emergência pediátricas e o que se deve fazer frente às enfermidades mais comuns da infância.

Incluindo um livro e apresentações, de uma maneira bem didática, é possível aos profissionais da saúde implementarem essas informações em seus locais de trabalho, de modo que a população participe das dinâmicas e possa obter o conhecimento de como se posicionar, agir e reconhecer situações de emergência e as situações não emergenciais, evitando assim o deslocamento para a atenção de média e alta complexidade sem a real necessidade. Consequentemente, evitam-se situações em que os pais se sintam impotentes, angustiados ou pressionados a agir precocemente e expor suas crianças frequentemente ao pronto-socorro e aos riscos inerentes ao local, pois estarão mais habilitados a agir com maior embasamento e decidir qual melhor setor de saúde para aquela situação3.

O programa contém informações como: o funcionamento dos serviços de emergência; identificar a febre, aferir a temperatura corretamente e os critérios de gravidade; habilidades para suspeitar de uma infecção respiratória e como administrar corretamente os remédios receitados; identificar uma gastroenterite e seus fatores de risco; conhecer as doenças de pele mais frequentes nas crianças e suas causas; como alertar corretamente o serviço de emergência em casos de acidentes e as atuações corretas perante uma concussão, ferida ou queimadura. Um fato muito interessante sobre o programa é que ele possui questões para serem aplicadas aos participantes antes e depois das ‘aulas’, o que seria uma maneira eficaz de saber se houve compreensão do que lhes foi apresentado e quais são as maiores demandas de uma região para que haja maior enfoque nelas e ao mesmo tempo fornece um feedback para os profissionais que executam o projeto3.

Acredita-se que quando os pais compreendem a importância de um cuidado contínuo, preferencialmente feito por um mesmo profissional, o vínculo formado entre paciente-médico-responsáveis é mais forte. Isto, juntamente com o conhecimento das possíveis urgências e como agir diante delas, pais e responsáveis irão se desapegando dos serviços emergências e dando preferência aos acompanhamentos ambulatoriais. Uma vez estabelecida a relação, o profissional tem a confiança, tanto dos pais, como do próprio paciente, facilitando aderência de tratamentos e diálogos recíprocos sobre sua evolução, opções de conduta e afins7. Podendo até mesmo se tornar mais perceptivo em relação ao comportamento e personalidade da criança, o que pode ser fundamental nos diagnósticos de certos transtornos e déficits7,10,11.


CONCLUSÃO

O desvio da atenção primária para os serviços de alta complexidade no atendimento pediátrico tem sido um problema com repercussões tanto para saúde da própria criança, quanto para o sistema de saúde em si. Esse comportamento tem dentre as suas causas a maior facilidade de acesso, comodidade, percepção de uma resolutividade maior e grande variedade de especialidades. Além dessas causas, há também a falta de reconhecimento de uma urgência. São por essas razões que o atendimento na pediatria tem mudado tanto, potencialmente prejudicando e privando seus pacientes de possíveis diagnósticos importantes em seu desenvolvimento. Isto porque não há tendência de preferir um acompanhamento longitudinal, mas sim a vontade de uma solução imediata para um quadro específico.

Consequentemente, os serviços de urgência e emergência estão sendo usados de maneira inadequada, uma vez que são projetados para fornecer serviços de cuidados médicos agudos e não são designados para fornecer cuidados contínuos de saúde e abrangentes para crianças. Sendo assim, é importante que a continuidade do cuidado, presente na atenção primária, seja valorizada pelos pacientes pediátricos e seus pais, uma vez que promove a prevenção, orientação, adesão e fortificação de laços entre médico e paciente. Portanto, evidencia-se que o desvio da atenção primária pode afetar o acompanhamento e tratamento apropriados e prejudicar a coordenação do cuidado infantil a longo prazo.


REFERÊNCIAS

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Data de Submissão: 19/08/2020
Data de Aprovação: 18/04/2021