ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Caso Clínico Interativo - Ano 2022 - Volume 12 - Número 2

Massa não dolorosa: um triste final

Unpainful mass - a sad end

RESUMO

O diagnóstico diferencial de massa torácica de tecidos moles inclui causas congênitas, inflamatórias/infecciosas e neoplásicas. As causas neoplásicas, onde se inclui o sarcoma de tecidos moles, podem apresentar dificuldades no diagnóstico, dada a sua natureza não dolorosa e crescimento por vezes lento. Apesar de incomum, o sarcoma deve ser considerado no diagnóstico diferencial de massa não dolorosa de crescimento gradual no tronco ou extremidades, dado que esta é a forma de apresentação mais comum. O exame histológico de uma massa de tecidos moles é, muitas vezes, essencial para o diagnóstico e planeamento do tratamento.

Palavras-chave: pediatria, sarcoma congênito.

ABSTRACT

A soft tissue thoracic mass differential diagnosis includes congenital, inflammatory/infectious and neoplasic causes. A neoplasic aetiology - in which sarcoma is included - can be a challenging diagnosis, given its unpainful and slow growth nature. Despite being unusual, sarcoma must be considered in the presence of a gradually enlarging unpainful mass in the trunk or extremities, as this is the most common form of presentation. Quite often, the histologic exam of a soft tissue mass is essential for diagnosis and treatment planning.

Keywords: pediatrics, sarcoma, congenital.


Pergunta

Lactente de 4 meses, sexo feminino, proveniente de Cabo Verde, encaminhada para investigação clínica por tumefação cérvico-torácica, presente desde o nascimento, com aumento progressivo de dimensões, de etiologia a esclarecer. À admissão no nosso hospital apresentava tumefação com 9cm de maior diâmetro sobre a clavícula direita, indolor e sem sinais inflamatórios. Sem outras alterações ao exame físico.

Realizou TC torácica que mostrou componente intra e extratorácico, de características invasivas e de origem no mediastino superior. Também evidenciou adenopatias axilares direitas e sem sinais de metástases (Figura 1). A ressonância nuclear magnética revelou lesão tumoral heterogénea que invadia a parede torácica, o pequeno músculo peitoral, empurrando o grande músculo anteriormente, e a presença de múltiplas cadeias ganglionares cervicais (Figura 2). Foi realizada biópsia excisional.


Figura 1. Tomografia computadorizada torácica com contraste, evidenciando um componente intra e extratorácico com características invasivas. O componente intratorácico com origem no mediastino superior e aderido ao músculo grande peitoral. Nota-se massa organizada com septos espessos e vascularizados.


Figura 2. Imagens de ressonância magnética do tórax. Imagens axial (a) e sagital (b) evidenciam uma lesão tumoral heterogênea (áreas císticas, componente hemorrágico e calcificações) de 8x7x5cm ao longo dos maiores eixos de características agressivas locais, e a presença de múltiplas cadeias ganglionares cervicais.



Qual seria o seu diagnóstico?

a) tuberculose
b) sarcoma de partes moles
c) doença de Hodgkin
d) histoplasmose

b) sarcoma de partes moles

Resposta

A histologia revelou tratar-se de uma neoplasia maligna de células redondas com 6 mitoses por campos de alto poder, sem sinais de necrose. Foi feito o diagnóstico de sarcoma indiferenciado de grau intermédio de malignidade. As células tumorais foram positivas para CD99, um marcador de agressividade. Rearranjo de genes de BCOR, CIC, EWSR1 e ETV6 não foram detectados; uma característica comum e uma ferramenta diagnóstica nos sarcomas. Prova de Mantoux, IGRA T-SPOT e HIV revelaram-se negativos. Ela começou quimioterapia com redução do tamanho do tumor, seguida de excisão completa da massa. Apesar de ter realizado ciclos de quimioterapia juntamente com radioterapia, foi documentado o aparecimento de massas intracranianas sugestivas de metástases e, infelizmente, 10 meses mais tarde, ela faleceu.



DISCUSSÃO

O sarcoma de partes moles (SPM) é um grupo raro e heterogêneo de tumores malignos de origem mesenquimal. Eles incluem mais de 100 subtipos histológicos diferentes e representam cerca de 12% dos tumores pediátricos1-6.

A maioria do SPM ocorre esporadicamente e não se origina de uma lesão benigna pré-existente; no entanto, a maioria dos casos têm etiologia desconhecida. Foram identificados fatores predisponentes como exposição à radioterapia ou quimioterapia e carcinogêneos químicos1-3.

Síndromes genéticas como síndrome Li-Fraumeni e neurofibromatose tipo I estão associadas ao SPM1,2,4,5. No nosso caso, não foram identificados fatores de risco.

O sintoma mais frequente do SPM é uma massa não dolorosa de aumento progressivo de dimensões1,2,4 como o nosso doente. Os doentes também podem ter sintomas relacionados com a compressão da massa nas estruturas vizinhas1.

A maioria do SPM afeta as extremidades, mas pode aparecer, virtualmente, em qualquer parte1,2,4. O diagnóstico diferencial do SPM inclui causas congênitas, inflamatórias/infecciosas e neoplásicas.

No nosso caso, considerando os aspectos de agressividade local, a hipótese diagnóstica de linfoma, carcinoma tímico, timoma e sarcoma de células germinativas mediastínica foram consideradas.

É essencial diferenciar entre os vários subtipos de sarcoma para tanto o prognóstico como o tratamento, por isso, a confirmação histológica é obrigatória1-5.

A imagem é utilizada para ajudar a definir a extensão do tumor, determinar a presença/ausência de doença metastáticas e planejar tratamento cirúrgico2,4.

Apesar de a cirurgia ser o pilar do tratamento, o tratamento curativo geralmente não consegue ser alcançado sem tratamento adjuvante. Radioterapia é considerada na presença de doença residual e extensão local. Quimioterapia está associada a um risco reduzido de recidiva e aumento da sobrevida geral2-4.

Informação relacionada com o prognóstico é limitado no SPM pediátrico, mas fatores negativos incluem extensão da doença, maior tamanho tumoral e maior grau. Taxa de sobrevivência depende do tipo de SPM variando de 15% em doença metastática até 90% em tumores de baixo grau3.

Dada a sua natureza indolor e de crescimento lento, o seu diagnóstico pode ser um desafio e é comum existirem atrasos no diagnóstico1.

Apesar de ser raro, o sarcoma deve ser considerado na presença de massa não dolorosa no tronco ou extremidades.

Embora tenham surgido novos conhecimentos sobre a patogênese do SPM e novas ferramentas moleculares diagnósticas, a maioria destas não está disponível em países de baixos recursos, que dependem quase exclusivamente da transferência de doentes. Apesar de ter sido transferida e recebido tratamento imediato, esta criança acabou por falecer. Este caso realça a importância de trabalho multidisciplinar com ambas as especialidades cirúrgicas e médicas, assim como a importância da transferência imediata e avaliação adequada, o que, no nosso caso, demorou 5 meses cruciais.


REFERÊNCIAS

1. Ryan C, Meyer J. Clinical presentation, histopathology, diagnostic evaluation, and staging of soft tissue sarcoma. Waltham: UpToDate; 2021.

2. Sangkhathat S. Current management of pediatric soft tissue sarcomas. World J Clin Pediatr. 2015 Nov;4(4):94-105.

3. Autor. Clinical outcomes of pediatric soft-tissue sarcoma in the extremities. US Oncology & Oncology & Hematology. 2011;7(2):119-22.

4. Loeb DM, Thornton K, Shokek O. Pediatric soft tissue sarcomas. Surg Clin North Am. 2008 Jun;88(3):615-7.

5. Pediatric Treatment Editorial Board (PDQ). Childhood rhabdomyosarcoma treatment [Internet]. Bethesda: National Cancer Institute (NCI); 2020; [acesso em 2021 Out 17]. Disponível em: https://www.cancer.gov/types/soft-tissue-sarcoma/hp/rhabdomyosarcoma-treatment-pdq

6. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Atuação do pediatra: epidemiologia e diagnóstico precoce do câncer pediátrico. Rio de Janeiro: SBP; 2017.










1. Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar Lisboa Central, Paediatric Infecciology Unity - Lisboa - Lisboa - Portugal
2. Hospital de Dona Estefânia, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, Paediatric Surgery Department - Lisboa - Lisboa - Portugal

Endereço para correspondência:

Margarida Almendra
Hospital Dona Estefânia
Rua Jacinta Marto, 8A, Lisboa, Portugal
E-mail: margaridaalmendra@hotmail.com

Data de Submissão: 25/07/2021
Data de Aprovação: 21/02/2022