ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2022 - Volume 12 - Número 3

Insulinoma como causa rara de hipoglicemia na infância: relato de caso

Insulinoma as a rare cause of hypoglycemia in childhood: case report

RESUMO

INTRODUÇÃO: O insulinoma é um tumor neuroendócrino que tem origem nas células beta pancreáticas, resultando em quadros de hipoglicemia pré-prandiais severas e frequentes. Deve-se pensar no diagnóstico quando há a presença da tríade de Whipple (presente em 75% dos casos), sendo confirmado por meio da demonstração de níveis elevados de insulina associados a níveis baixos de glicemia sérica. O tratamento é cirúrgico e, na maioria das vezes, curativo.
RELATO DE CASO: Menina, 10 anos, internada para investigação de epilepsia matutina refratária, com início seis meses antes da admissão. Foi solicitado parecer da endocrinologia pediátrica, pois se evidenciou hipoglicemia na vigência da convulsão, a qual melhorou após infusão de glicose intravenosa. Durante os exames de amostra crítica, foi evidenciado hiperinsulinismo associado à hipoglicemia, sendo cogitado o diagnóstico de insulinoma, o que foi confirmado através da visualização de lesão intrapancreática nos exames de imagem. A paciente foi, então, encaminhada para excisão cirúrgica, com boa evolução após enucleação do tumor.
COMENTÁRIOS: O insulinoma é um tumor neuroendócrino raro na faixa etária pediátrica. Pode apresentar-se, inicialmente, como quadros convulsivos de difícil controle, alterações de comportamento e atraso do desenvolvimento, conduzindo, muitas vezes, a um diagnóstico errôneo. O diagnóstico e a intervenção precoce são importantes na medida em que diminuem a morbimortalidade dos indivíduos acometidos. A paciente não apresentou sequelas neurológicas e teve evolução pós-cirúrgica favorável, sem recorrência dos sintomas nem episódios de hiperglicemia.

Palavras-chave: Insulinoma, Hipoglicemia, Pediatria.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Insulinoma is a neuroendocrine tumor that originates in pancreatic beta cells, resulting in severe and frequent preprandial hypoglycemia. The diagnosis should be considered in the presence of the Whipple triad (present in 75% of cases) and confirmed through the demonstration of high insulin levels associated with low serum glucose levels. Treatment is surgical and, in most cases, curative.
CASE REPORT: Girl, 10-years-old, hospitalized for the investigation of possible refractory epilepsy with predominant morning seizures, which started 6 months prior to her admission. A pediatric endocrinology evaluation was requested, as hypoglycemia was evidenced during the occurrence of seizures, which improved after intravenous glucose infusion. During the tests of the critical sample, hyperinsulinism associated with hypoglycemia was revealed. The diagnosis of insulinoma was therefore considered and then confirmed, after an intrapancreatic lesion showed up on the imaging tests. She was referred for surgical excision and had good evolution after tumor enucleation.
COMMENTS: Insulinoma is a rare neuroendocrine tumor in the pediatric group. It may initially present itself as a hard-to-control convulsive condition, accompanied by behavioral changes and developmental delay, which often leads to misdiagnosis. Thus, early diagnosis and intervention are important since they reduce the morbidity and mortality of affected individuals. The patient did not present neurological sequelae and had a favorable post-surgical evolution, without recurrence of symptoms or further episodes of hyperglycemia.

Keywords: Insulinoma, Hypoglycemia, Pediatrics.


INTRODUÇÃO

O insulinoma é um tumor neuroendócrino produtor de insulina de origem das células beta pancreáticas. Acredita-se que a sua incidência seja de 4:1.000.000 por ano, com predomínio no sexo feminino (2:1), podendo ocorrer em todos os grupos étnicos. A média de idade de apresentação é de 45 anos de idade, sendo raro na faixa pediátrica1.

Normalmente, estes tumores são funcionantes e, devido à exuberância dos sintomas, o diagnóstico é elucidado, geralmente, quando as dimensões destes são ainda pequenas, sendo de dois anos o tempo médio entre início dos sintomas e o diagnóstico2,3. As principais manifestações são relativas a sintomas neurovegetativos e neuroglicopênicos secundários à hipoglicemia4. Até 20% dos pacientes têm como diagnóstico inicial distúrbio neurológico ou psiquiátrico2. Na maioria dos casos, são tumores únicos e benignos. Pode ser encontrado isolado ou como parte da síndrome de neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (NEM‐1)1,5.

O diagnóstico deve ser suspeitado na presença da tríade de Whipple (glicemia <50mg/dL induzida pelo jejum ou após atividade física e resolução rápida das queixas após administração de glicose). A confirmação deve considerar os níveis elevados de insulina na vigência da hipoglicemia e localização do tumor através de exames de imagem1. O tratamento do insulinoma é realizado através da excisão cirúrgica, na maioria das vezes curativa (77 a 100%), sendo a enucleação do tumor o procedimento de escolha em casos de lesão benigna e solitária5. Se houver contraindicação cirúrgica ou para aliviar sintomas, o tratamento medicamentoso (diazóxido, verapamil e octreotide) pode ser indicado4.

O objetivo desse artigo é relatar um caso raro de insulinoma na faixa etária pediátrica, com desfecho clínico favorável após tratamento cirúrgico.


RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, aos 10 anos de idade, foi admitida em enfermaria pediátrica para investigação de quadros recorrentes de convulsões pré-prandiais matutinas. Há seis meses, havia sido diagnosticada com epilepsia, após anormalidade no eletroencefalograma, sendo refratária ao uso de anticonvulsivante.

No último episódio convulsivo, foi evidenciada hipoglicemia (glicemia capilar: 33mg∕dL), com melhora após infusão de glicose intravenosa, sendo encaminhada a este serviço para investigação de hipoglicemia sintomática.

Os exames de amostra crítica da paciente (glicemia plasmática: 35mg/dL), mostraram elevação inapropriada dos níveis de insulina (10,8mcUI/mL), não sendo evidenciada a presença de cetonemia e/ou cetonúria. A tomografia de abdome figura 1 mostrou duas lesões, somente visualizadas em fase arterial, uma na cabeça do pâncreas, medindo 1cm, e outra em cauda pâncreas, medindo 0,9cm. A paciente realizou ultrassonografia endoscópica, que mostrou nódulo isoecogênico na cabeça do pâncreas, sem outras lesões evidentes. Foi realizada investigação para NEM-1. Apresentava exames do metabolismo do cálcio normais e ressonância magnética de crânio não evidenciando lesões hipofisárias. Desconhecia antecedentes semelhantes na família.


Figura 1. A. Imagem intraoperatória do insulinoma pancreático; B. Insulinoma na tomografia computadorizada de abdome.



A paciente foi submetida à laparotomia para enucleação da lesão em cabeça de pâncreas, sendo o resultado histopatológico compatível com tumor neuroendócrino. A imunohistoquímica foi positiva para sinaptofisina e cromogranina, e o índice de proliferação Ki67 foi positivo em 10% das células (grau II).

Após o procedimento cirúrgico, não foram evidenciados novos episódios de hipoglicemia, assim como não apresentou hiperglicemia, possibilitando à paciente uma dieta adequada para idade. Não foi demonstrada intolerância à glicose até a presente data.


COMENTÁRIOS

Embora raro, insulinoma é o tumor neuroendócrino pancreático mais frequente, sendo causa de hiperinsulinemia. Cerca de 73% dos pacientes apresentam sintomas de hipoglicemia não cetogênica, exclusivamente em períodos pré-prandiais, semelhante ao encontrado na paciente do caso descrito6,7.

Esses tumores podem estar distribuídos por toda a extensão pancreática, porém são mais comuns em cauda e corpo2. Cerca de 90 a 95% das lesões insulinômicas em crianças são benignas, embora alguns possam ter potencial maligno, com taxa de incidência de malignidade de 6%8.

Na infância, o insulinoma tem como diagnóstico diferencial hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente da infância, a qual apresenta maior incidência em crianças de origem saudita ou judaica, com manifestação clínica de hipoglicemia persistente mais precoce (horas/dias após o nascimento). Diferentemente, o insulinoma, geralmente, é diagnosticado após os quatro anos de idade, porém, casos neonatais já foram registrados na literatura9.

A sintomatologia pode ser dividida em quadros neurológicos (neuroglicopênicos) e adrenérgicos. Diplopia, visão turva, estado mental alterado, comportamento anormal, amnesia, coma e convulsões podem ser sintomas neurológicos presentes no quadro. Os sintomas causados pela resposta adrenérgica incluem sudorese, ansiedade, palpitações, fraqueza, tremores e náuseas3,4,6. A paciente do caso em questão apresentava quadros de convulsões recorrentes e refratárias ao tratamento medicamentoso. Devido à pouca idade da paciente, algumas queixas ficaram difíceis de serem descritas como presentes.

Segundo as últimas diretrizes, o padrão-ouro para diagnóstico do insulinoma é um teste de jejum de 72 horas em ambiente hospitalar, mas, para pacientes mais jovens, algumas fontes orientam que 48 horas sejam suficientes. O diagnóstico é baseado nos seguintes critérios laboratoriais: glicemia documentada ≤40mg/dL associado a valores de insulina ≥6mU/L, peptídeo C ≥200pmol/L e concentração de pró-insulina ≥5pmol/L10. No caso relatado, o achado de hiperisulinemia (10,8mcUI/mL), em vigência de hipoglicemia (35mg/dL), confirmou o diagnóstico.

Apesar da evolução dos métodos diagnósticos, a localização dos insulinomas através de técnicas invasivas e não-invasivas permanece ainda um desafio, porém é de extrema importância, antes da abordagem cirúrgica, para decisão de melhor conduta terapêutica. Cerca de 80% dos insulinomas apresenta dimensões inferiores a 2cm, por isso, muitas vezes, não é evidente nos estudos de imagem pré‐operatórios1,3. Embora a criança do caso relatado tivesse uma lesão de apenas 1cm e outra de 0,9cm, a visualização por exame de imagem foi possível. A ultrassonografia endoscópica tem altas sensibilidade (80-85%) e especificidade (95%) para o diagnóstico, mas é pouco disponível nos serviços. Atualmente, a ultrassonografia transoperatória, quando disponível, é considerada o melhor método (sensibilidade de 90%)2,4.

Exames de imagem associados à aspiração do material por agulha fina ou grossa com análise citopatológica da biópsia podem ser necessários para confirmar a presença de tumor neuroendócrino, identificar metástase para linfonodos e determinar o índice de proliferação (número de mitoses, Ki-67). Tais condutas são importantes para definir conduta terapêutica, através do estadiamento da lesão5.

Em 2017, foram publicadas as Diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), com classificação dos tumores conforme o grau histológico, sistema patomorfológico e estadiamento clínico11. O parâmetro mais importante de um tumor é sua maturidade histológica, avaliada pelo índice proliferativo Ki-67 e sua contagem mitótica. São classificados em tumores bem diferenciados (Ki-67<20%) e tumores pouco diferenciados (Ki-67>20%), além de uma subcategoria de carcinomas neuroendócrinos (CNE) de células grandes e pequenas, caracterizada por um curso excepcionalmente agressivo, e uma subcategoria de neoplasias bem diferenciadas com índice proliferativo de Ki-67 acima de 20% (TNE G3) (Tabela 1)10.




O tratamento de primeira escolha é a cirurgia, com taxa de ressecção completa chegando a 60%. A abordagem cirúrgica escolhida depende da localização do tumor, sendo a laparoscopia a via preferida no caso de tumores com localização conhecida, método escolhido para a criança do caso descrito. Tumores pequenos e superficiais podem ser simplesmente enucleados, sem a necessidade de uma pancreatectomia parcial, devido ao baixo índice de malignidade dos insulinomas3,4. Estudos recentes mostram que, após a ressecção, as taxas de cura chegam a 87,5%, e 2,25% dos pacientes desenvolvem diabetes. A sobrevida dos pacientes com insulinoma benigno não apresenta diferença quando comparada à população normal e a incidência de recorrência acumulada é de 6% em 10 anos e 8% em 20 anos. Recorrência após quatro anos da cirurgia está relacionada ao crescimento de lesão residual8.

Os critérios de cura dos pacientes com diagnóstico de insulinoma após ressecção cirúrgica são o desaparecimento dos sintomas de hipoglicemia e a normalização dos níveis de glicemia, como ocorreu no caso relatado4.

O insulinoma é um tumor raro na infância. Entretanto, é importante ter conhecimento da sua sintomatologia, ressaltando que pode abrir o quadro com convulsões, como na paciente descrita, e com transtornos de comportamento. O diagnóstico precoce é necessário, para que seja instituído rapidamente o tratamento adequado, a fim de evitar sequelas e, consequentemente, melhorar a sobrevida destes pacientes.


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Data de Submissão: 17/07/2020
Data de Aprovação: 22/09/2020