ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2022 - Volume 12 - Número 2

Dilemas éticos na atenção à saúde do adolescente

Ethical dilemmas in adolescent health care

RESUMO

INTRODUÇÃO: A adolescência é o período entre o fim da infância e início da idade adulta, quando acontecem múltiplas alterações no indivíduo, resultando em evolução. Assim, a preocupação com a saúde desse grupo tem ganhado espaço em meio às discussões éticas relacionadas aos riscos vivenciados pela faixa etária, visando o melhor atendimento do adolescente e garantindo seus direitos como cidadão.
MÉTODO: Revisão bibliográfica abrangendo o período entre 2014 e 2019.
RESULTADOS: Foram encontrados dilemas éticos relacionados com a gravidez na adolescência, infecções sexualmente transmissíveis, uso de álcool, disforia de gênero, confidencialidade e autonomia.
DISCUSSÃO: Os dilemas éticos levantados no âmbito da saúde dos adolescentes devem ser superados, visando o atendimento integral do grupo e garantindo seus direitos como cidadãos. Dessa forma, necessita-se de profissionais capacitados dentro do âmbito ético e legislação estruturada, para melhor atendimento e acolhimento daqueles inclusos na referida faixa etária, como forma de proteção do futuro.

Palavras-chave: adolescente, gravidez na adolescência, disforia de gênero, confidencialidade, doenças sexualmente transmissíveis, assistência integral à saúde.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Adolescence is the period between the end of childhood and the beginning of adulthood, when multiple changes occur in the individual, resulting in evolution. Thus, the concern with the health of this group has gained space amid ethical discussions related to the risks experienced by the age group, aiming at better care for the adolescent and guaranteeing their rights as a citizen.
METHOD: Bibliographic review covering the period between 2014 and 2019.
RESULTS: Ethical dilemmas were found related to teenage pregnancy, sexually transmitted infections, alcohol use, gender dysphoria, confidentiality, and autonomy.
DISCUSSION: The ethical dilemmas raised in the area of adolescent’s health must be overcome, aiming at the integral care of the group and guaranteeing their rights as citizens. Thus, it is necessary to have trained professionals within the scope of ethics and structured legislation, to better serve and welcome those included in that age group, as a way of protecting the future.

Keywords: adolescent, pregnancy in adolescence, gender dysphoria, confidentiality, sexually transmitted diseases, comprehensive health care.


INTRODUÇÃO

Adolescence, palavra utilizada na língua inglesa pela primeira vez em 1430, referindo-se à faixa etária de 14 a 21 anos para homens e 12 a 21 anos para mulheres1. Denominação essa que alberga múltiplas alterações anatômicas, fisiológicas, psicológicas e de sociabilização do indivíduo, considerando a elevada variabilidade individual e populacional. Pode-se descrever como “um conceito histórico e cultural da fase da vida entre a infância e a idade adulta, que se inicia com a primeira reação emocional às transformações corporais e termina com uma razoável consolidação da identidade sexual própria e independência econômica” (Ribeiro e Eisenstein - 1990)2. Dessa maneira, entende-se por adolescência o período entre a infância e a fase adulta, caracterizado por intensas modificações em variados âmbitos, no qual o indivíduo é reconhecido como cidadão em desenvolvimento e portador do futuro3.

Para o estabelecimento da faixa etária da adolescência ainda existem variações quanto aos conceitos estabelecidos por diferentes organizações. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) o período compreende a idade entre 10 e 20 anos incompletos e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) preconiza a faixa etária dos 12 aos 18 anos incompletos.


Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

...

Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA)4.

...


A discordância existente é mediante às mudanças biológicas que se instalam antes mesmo das alterações perceptíveis do crescimento e puberdade5. Dados recentes demonstram que 23% da população brasileira é composta por adolescentes de 10 a 20 anos (OMS)6. Assim, considerando a significância desse dado, é evidente a importância de discussões voltadas ao acesso desse grupo aos serviços de saúde.

Em julho de 1990, por meio da Lei n° 8.069, elaborou-se o ECA, diploma que visa o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direito, considerando responsabilidade de sua família, estado e sociedade4. Importante lembrar que o ECA é a lei que regulamenta o artigo 227 da Constituição de 1988. Porém, um ano antes criou-se a primeira política pública destinada ao grupo em questão, instituindo-se o Programa Saúde do Adolescente (PROSAD) como forma de atendimento aos compromissos internacionais estabelecidos pela 42° Assembleia Mundial de Saúde, promovida pela OMS. As metas a se alcançar necessitavam do aprimoramento do atendimento integral do adolescente priorizando a atenção básica. Problematizaram-se, então, as necessidades específicas como gravidez precoce e indesejada, infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e uso precoce e abusivo de álcool e drogas7.

A adolescência é a fase da vida de maior desenvolvimento humano, caracterizado por avanços imensuráveis com o advindo da maturidade, idade adulta e esperança para o futuro próximo. Entretanto, fatores de riscos presentes nesse estágio da vida podem gerar consequências irreversíveis, sendo motivos para extensas discussões éticas e bioéticas. Assim, é clara a importância da compreensão dos médicos a respeito dos dilemas éticos no atendimento do adolescente, podendo ser a chave para integralidade da assistência, adesão a tratamentos, promoção de saúde e prevenção de agravos.


MÉTODOS

Visando um panorama global a respeito dos dilemas éticos no atendimento do adolescente, realizou-se uma revisão integrativa literária. O levantamento bibliográfico foi realizado considerando o período de 2014 a 2019, nas bases de dados PubMed, SciELO, UpToDate, Google Acadêmico, além de materiais publicados no site do Conselho Federal de Medicina (CFM) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Descritores: adolescente; assistência integral à saúde; gravidez na adolescência; disforia de gênero; confidencialidade; doenças sexualmente transmissíveis.


RESULTADOS

O início da vida sexual é bem demarcado na adolescência, uma vez que nesse período ocorrem mudanças tornando o indivíduo apto para a reprodução. Esse veloz e intenso avanço biológico pode gerar consequências irreversíveis, como gravidezes indesejadas e ISTs, arriscando os planos futuros do adolescente6,8. Nos Estados Unidos, em 2017, o estudo Youth Risk Behavior Survey demostrou a porcentagem de alunas, do ensino médio, sexualmente ativas. Dos 29% que possuíam vida sexual ativa, 17% não usavam qualquer método contraceptivo9. No Brasil, dados de 2015, publicados pela SBP, afirmam que 18% dos nascidos vivos eram de mães adolescentes. Os valores chamam atenção para a vulnerabilidade do grupo que, em geral, está sedimentada na desestrutura familiar, educação deficiente, falta de projeto de vida e pobreza6.

Além disso, a despreocupação com o uso de preservativo pode resultar em disseminação de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). A Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) feita em 2015, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demostrou que 27,5% dos estudantes do 9° ano do ensino fundamental já haviam iniciado sua vida sexual e apenas 66,2% deles usaram preservativo na última relação. O sentimento de invulnerabilidade, pensamentos mágicos e atitudes contestadoras, características dessa fase da vida, podem ser razões para a não adesão aos meios de prevenção8.

Quanto ao uso do álcool, esta é a droga legal mais utilizada por adolescentes no Brasil e no mundo. Em estudo divulgado pela SBP, 39,2% dos adolescentes relataram terem experimentado álcool pela primeira vez em casa por volta dos 12 anos e assumem consumo entre amigos e familiares. Esse fato demonstra a influência de atitude dos pais, podendo ter como resultado consequências irreversíveis para as próximas gerações. O uso ou abuso, de bebidas alcóolicas é o principal fator de risco para desencadear diversas problemáticas já expostas, como gravidez indesejada e IST10.

A confidencialidade é questão relevante que pode levar à não procura de assistência médica pelos adolescentes, uma vez que, de seu ponto de vista, arriscaria a autonomia de consentimento e sua privacidade11. Nos Estados Unidos as leis que regem tal confidencialidade variam com o estado, dependendo também do status do adolescente, plano de saúde e preocupação do provedor em relação aos danos ao paciente ou a terceiros. Os status são divididos em categorias que determinam uma maior ou menor autonomia do paciente em relação à tomada de decisão a seu respeito, sendo elas: menor, menor maduro, menor emancipado e emancipado do ponto de vista médico. A classificação é estabelecida com base no julgamento clínico e, em algumas situações, jurídico. Desde 1980, no país em questão, não houve um caso de médico responsabilizado por ter prestado atendimento não negligente a um menor maduro que havida dado consentimento informado12.

O fato de planos de saúde serem subsidiados pelos responsáveis pode acarretar possível quebra de sigilo, por meio do envio de resumo de serviços utilizados ao segurado. Dados de 2017 revelaram que 12,7% dos adolescentes estadunidenses conveniados a plano de saúde familiar não frequentavam consultas médicas voltadas à sexualidade, por receio da descoberta de seus pais13. Dessa forma, coube à Hearth insurance Portability and Accountability Act (HIPAA), lei promulgada por Bill Clinton, em 1996, que visou garantir a confidencialidade do acesso ao serviço de saúde pelo menor quando esse utiliza o plano financiado pelos responsáveis. Essa prática, desde então, acontece por meio da solicitação de sigilo e envio do resumo para endereço alternativo14.

Nesse mesmo contexto, a implantação de portais para acesso de informações confidenciais pelos adolescentes mostra resultados satisfatórios, segundo estudo feito na Flórida, em 2015. O desenvolvimento desses meios eletrônicos, além de promover facilidade de acesso aos exames e contato com o médico, garantem a confidencialidade das informações por meio de diferentes modelos (acesso restrito dos responsáveis ou acesso parcial)15.

Em relação à disforia de gênero, esta se refere ao desconforto e estresse causados pela incongruência entre sexo biológico e identidade de gênero. Segundo a SBP, tal situação pode desencadear problemas psicossociais, como: ansiedade, depressão, tentativa de suicídio, automutilação, isolamento social, transtorno de personalidade, uso e abuso de drogas. Serviços internacionais oferecem a cirurgia para troca de sexo a partir dos 16 anos, porém no Brasil só ocorre após os 21 anos. Além disso, a legislação brasileira não apresenta clareza para exposição de prenome, sexo e foto em documentos pessoais, submetendo os indivíduos à burocracia da justiça. O parecer favorável para as petições é concedido, tradicionalmente, para aqueles que fizeram a troca de sexo, o que exclui adolescentes que não podem se submeter à cirurgia16.

A maior parte da morbimortalidade está relacionada ao comportamento pessoal evitável. Dentre os fatores de risco, citamos: problemas da saúde reprodutiva, gravidezes indesejadas, ISTs, e uso de álcool e drogas. As Diretrizes de Serviços Preventivos na Adolescência dos Estados Unidos visam quatro categorias de serviços, sendo elas: triagem, aconselhamento para reduzir risco, imunização e orientação geral de saúde17. A importância para o pleno desenvolvimento do adolescente para o futuro da nação justifica a responsabilidade do Estado para com esse grupo por meio de políticas públicas.


DISCUSSÃO

O período da adolescência, demarcado por intensas alterações biológicas, acontece entre os 12 aos 18 anos incompletos, segundo o ECA. Esses anos são cruciais na evolução psicossocial do adolescente juntamente com as alterações físicas e bioquímicas, visando ao surgimento de cidadão adulto saudável. Porém, existem fatores de risco que podem desconstruir o objetivo de desenvolvimento proposto. Assim, a assistência à saúde dessa população possui papel crucial no reconhecimento dos riscos, acolhimento, tratamento e aconselhamento para sua redução. No entanto, as estratégias, na teoria aparentam excelente eficiência, mas na prática não ocorre como planejado, uma vez que existem dilemas éticos e conflitos bioéticos que influenciam no acolhimento integral do adolescente.

A gravidez na adolescência é uma das causas de interrupção do desenvolvimento do adolescente para o seu futuro. Essa ocorrência resulta em desistência dos estudos na maioria dos casos, tirando a oportunidade da jovem de evoluir profissional e economicamente. Tal fato resulta em desestruturação familiar persistente nas gerações futuras, uma reação em cadeia. O início precoce da vida sexual e a falta de consciência com seu planejamento familiar são evidentes. A desassistência no âmbito familiar, na atenção à saúde e na educação formal são fatores determinantes para tais desfechos. Dessa forma, a conjuntura de relações estabelecidas entre profissional médico, família e escola, devem trabalhar na condução do adolescente em seus atos.

Nesse mesmo contexto, quando o assunto em pauta é gravidez na adolescência são referidas medidas de controle da natalidade dentro dessa faixa etária voltadas, principalmente, para a menina adolescente. O adolescente do sexo masculino, que também age ativamente nas relações desprevenidas, aparece sempre em um contexto de saúde sexual e coparticipação da gravidez da adolescente, timidamente. Diante dessa observação, pode-se afirmar que programas existentes voltados para o atendimento integral do adolescente, como PROSAD, não é abrangente quanto à adolescência em suas múltiplas dimensões.

A falta de interesse em métodos preservativos, além da gravidez indesejada, também é causa das ISTs. As infecções podem resultar em doenças incapacitantes, que levam a vida do jovem ao declínio. Os motivos especulados para a não adesão à prevenção nas suas relações sexuais são resumidos no sentimento de invulnerabilidade e anseio por novas descobertas, sem percepção de seus riscos. Assim, pode-se acreditar que campanhas coletivas para o combate às ISTs e seus agravos não sejam suficientes para a conscientização de todo o grupo, necessitando de contato íntimo e confiante com profissionais da saúde habilitados. A conduta médica, nesse sentido, não deve ser sedimentada em preconceitos e julgamentos, sendo necessária uma postura acolhedora que permita a exposição do adolescente na consulta e, por consequência, compreensão clara dos riscos.

Dentro dessa mesma problemática, sabe-se que existe forte relação entre uso e abuso de álcool com a alta prevalência de gravidez indesejada na adolescência e ISTs. O adolescente, sob uso dessas substâncias, apresenta os sentimentos de invulnerabilidade referidos e perda da consciência de riscos e consequências com maior intensidade. Sabe-se que a alta prevalência de adolescentes que consomem álcool antes da idade permitida, e em grande quantidade, é reflexo do exemplo por eles vivenciado no seio familiar. As pesquisas apontam que a maior parte dos jovens iniciou consumo de bebidas alcoólicas dentro da própria casa, junto dos pais e amigos. Dessa maneira, denota-se que a influência familiar em um ato que é aparentemente inocente, pode ser a razão para grande parte dos prejuízos no desenvolvimento da população adolescente. Os filhos são reflexo dos seus pais, então cabe a família a maior parcela da responsabilidade e da garantia de proteção do jovem.

Um aspecto muito relevante na adesão do paciente às consultas médicas é a observação rigorosa da confidencialidade e autonomia. Tais princípios protegem o adolescente da exposição indesejada aos seus responsáveis e proporciona liberdade e direito de decidir frente ao contexto seu contexto clínico. Na adolescência está presente o espírito inato de se tornar independente frente às decisões dos pais e, de maneira antagônica, existe o interesse dos pais em decidir a respeito de seus filhos com paternalismo. Nenhuma das partes está errada, entretanto devem-se buscar limites éticos, bioéticos e legais que garantam o sigilo e simultaneamente, a beneficência em tão delicada assistência. Dessa maneira, cada caso deve ser analisado individualmente, avaliando as circunstâncias que o envolvimento dos pais nas decisões clínicas resulta em benefício ou malefício ao paciente adolescente. A insuficiência de normas éticas e legais para uma clara resolutividade das situações conflituosas dificulta o atendimento integral do grupo, sendo as decisões guiadas, caso a caso, apenas pelos princípios clássicos da bioética (autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça).

A SBP elaborou em 2018 um elenco de reivindicações entregues aos candidatos à presidência da república com o intuito de melhorar e valorizar a atenção da criança e do adolescente. Segundo a entidade “a Infância e a Adolescência merecem o máximo da atenção por parte do Estado e do Governo. Para esses jovens, que em poucos anos assumirão o comando do país, devem ser asseguradas estratégias e investimentos que lhes garantam educação, segurança, alimentação, cultura, lazer, esporte e, sobretudo, bem-estar e saúde”. Todavia, a pauta não abrangeu as necessidades dos adolescentes no âmbito ético de confidencialidade e sua autonomia18.

No que diz respeito à disforia de gênero, estresse causado pela incongruência entre sexo biológico e identidade de gênero, sabemos da importância para ocorrência de eventuais consequências psicossociais na adolescência. O modo como é vista tal situação pelos familiares e sociedade leva ao desequilíbrio emocional do adolescente. Em conjunto, adiciona-se no grupo de gatilhos para seu estado deprimido e conturbado, as fases de aceitação por ele vivenciadas nesse período delicado de transição que antecede a consciência de sua identidade. Dessa maneira, o estigma social associado ao contexto de disforia de gênero repercute negativamente sobre a qualidade de vida dessa fração da população, conceito este que pode ser definido como “estresse das minorias”16. A solução dessa problemática se baseia na conscientização social e aconselhamento familiar, minimizando o pragmatismo vigente, além do estabelecimento de leis que defendam as minorias e seus direitos. Esse posicionamento proporcionará o atendimento integral do adolescente transgênero/transexual, garantindo seu acolhimento de acordo com as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).

Destacamos que, na fase da adolescência observa-se a ânsia do jovem em adquirir sua independência, desprendendo-se de seus responsáveis como um passarinho que está aprendendo a voar. Nesse período, os pais são vistos como controladores, que anulam a autonomia do adolescente, pois existe uma dificuldade em reconhecer um equilibrado protecionismo benéfico para com os filhos. Logo, começa a surgir um distanciamento familiar, uma vez que os pais perdem as forças de controle sobre o jovem e esse passa a viver uma vida independente das opiniões de seus responsáveis. Além disso, o avanço tecnológico proporcionou um meio de terceirização da criação dos filhos, simplificando as ações de participação necessárias dos responsáveis. Como exemplo dessa problemática podemos citar aplicativos de transporte para levar e buscar, de delivery para alimentação e de filmes e séries como lazer familiar. Todas essas alternativas encontradas para “facilitar” as atividades estabelecidas ao responsável, reduziram a vivência interpessoal entre todos. O distanciamento, dessa forma, por diminuir a atenção e a presença dos pais na vida de seus filhos, resulta no aumento da vulnerabilidade do adolescente, somando-se aos fatores de risco já citados.

Nesse contexto, ressalta-se a importância do atendimento integral da saúde do adolescente, levando em consideração suas múltiplas dimensões e limitações. O paciente jovem, apesar de não ser legalmente capaz de responder pela sua saúde em algumas ocasiões, pode exibir maturidade crescente suficiente e exercer sua autonomia de forma progressiva. Entretanto, esse fato não exclui os responsáveis da incumbência de cuidar e proteger seus filhos. Dessa forma, cabe ao pediatra a intermediação entre pais ou responsáveis e o jovem, buscando o atendimento conjugado com o envolvimento e auxílio familiar. Logicamente, nem todas as famílias apresentam bases sólidas para colaborar com o profissional da saúde no atendimento do adolescente, por desestrutura ou ausência de responsáveis legais. Nesse sentido, cabe ao pediatra reconhecer esses casos e conduzir a assistência da maneira mais ética e segura possível. Assim, reflete-se sobre a importância da boa formação do especialista e sua experiência com pacientes dessa faixa etária, fato esse que justifica a relevância do acréscimo de um ano na residência médica em pediatria. Tal prolongamento, tem como intuito o seu aperfeiçoamento de maneira mais efetiva e sólida possível, bom como a existência da medicina do adolescente, uma de suas áreas de atuação.


CONCLUSÃO

A vulnerabilidade do adolescente é resultado das intensas transformações biológicas e psíquicas que, em conjunto com o despreparo familiar e deficiências do atendimento médico acarreta prejuízos em seu pleno desenvolvimento. Considera-se, assim, a relevância nas discussões éticas e bioéticas a respeito da assistência médica do jovem, visando à construção de novos pensamentos que almejam o aperfeiçoamento do acolhimento nos serviços de saúde. O adolescente deve ser atendido de maneira integral, respeitando o direito à sua confidencialidade, mas incentivando a participação da família para o pleno progresso do indivíduo. Necessita-se, nesse sentido, de uma boa formação médica para a compreensão desse grupo em seus diversos âmbitos e reconhecimento de riscos e valorização familiar. Além disso, políticas que executem uma legislação bem estabelecida para um atendimento sedimentando em bases jurídicas estruturadas, que defendam o direito dos futuros cidadãos. O cuidado com a infância e a adolescência é como regar sementes.


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1. Universidade de Santo Amaro, Acadêmica de Medicina - São Paulo - SP - Brasil
2. Universidade de Santo Amaro, Ética e Bioética - São Paulo - SP - Brasil
3. Universidade de Santo Amaro, Pediatria, Ética e Bioética - São Paulo - SP - Brasil

Endereço para correspondência:

Aline Cristiane Cacure Salgueiro
Universidade de Santo Amaro
Rua Isabel Schmidt, nº 349, Santo Amaro
São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04743-030
E-mail: alinesalgueiro@terra.com.br

Data de Submissão: 24/05/2020
Data de Aprovação: 04/06/2020