ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2022 - Volume 12 - Número 3

Hipóxia intrauterina e asfixia ao nascer em uma cidade do sul do Brasil

Intrauterine hipoxia and asphyxia at birth in a southern city of Brazil

RESUMO

INTRODUÇÃO: Hipóxia intrauterina e asfixia ao nascer corresponde à quarta causa de morte neonatal e perinatal no Brasil, esse dado reflete a qualidade da assistência fornecida nas maternidades à parturiente e ao recém-nascido por ser evitável. A asfixia perinatal é definida quando há uma interrupção na troca gasosa ou um fluxo sanguíneo inadequado, levando à hipoxemia e hipercapnia persistentes, no período que antecede o parto ou intraparto, podendo levar a lesões permanentes em diversos sistemas.
OBJETIVOS: O estudo tem como objetivo analisar o perfil epidemiológico da ocorrência de hipóxia intraútero e asfixia neonatal considerando fatores maternos e fetais no munícipio de Pelotas/RS, entre os anos de 2008 a 2018. Métodos: Estudo transversal onde foi analisado dados secundários obtidos na plataforma DATASUS de prevalência de hipóxia intraútero e asfixia ao nascer em Pelotas/RS.
RESULTADOS: Foi possível observar que a prevalência foi maior em recém-nascidos do sexo masculino, em partos cesáreos, ocorridos pelo sistema privado. Além disso, a mortalidade foi de 15,75%, maior na faixa etária materna entre 25 a 29 anos, em gestações únicas com duração de 37 a 41 semanas e peso ao nascer entre 1.500 e 2.499 gramas. Os óbitos ocorreram em sua grande maioria antes de ocorrer o parto.
CONCLUSÃO: A hipóxia intraútero e asfixia ao nascer é importante causa de morbimortalidade perinatal evitável com prevalência em recém-nascidos pré-termo com peso inferior à 2.500 gramas. Permite avaliar a qualidade de assistência à gestante e ao recém-nascido no pré-natal e durante o parto.

Palavras-chave: Hipóxia, Asfixia Neonatal, Assistência Perinatal, Recém-Nascido.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Intrauterine hypoxia and asphyxia at birth corresponds to the fourth cause of neonatal and perinatal death in Brazil, this data reflects the quality of care needed in maternity wards for the parturient and the newborn because it is preventable. Perinatal asphyxia is defined as there is an interruption in gas exchange or a damaged blood flow, leading to persistent hypoxemia and hypercapnia in the period before childbirth or intrapartum, which can lead to permanent lesions in several systems.
OBJECTIVES: The study aims to analyze the epidemiological profile of the occurrence of intrauterine hypoxia and neonatal asphyxia considering maternal and fetal factors in the municipality of Pelotas, RS, between the years 2008 to 2018.
METHODS: Cross-sectional study where secondary data obtained on the DATASUS platform on the prevalence of intrauterine hypoxia and asphyxia at birth in Pelotas, RS. Results: It was possible to observe that the prevalence was higher in male newborns, in cesarean deliveries that occurred in the private system. In addition, mortality was 15.75%, higher in the maternal age group between 25 and 29 years, in single pregnancies lasting 37 to 41 weeks and birth weight between 1.500 and 2.499 grams. The majority of deaths occurred before delivery.
CONCLUSION: Intrauterine hypoxia and asphyxia at birth is an important cause of preventable perinatal morbidity and mortality with prevalence in preterm newborns weighing less than 2.500 grams. It allows assessing the quality of care for pregnant women and newborns during prenatal and delivery.

Keywords: Hypoxia, Asphyxia Neonatorum, Perinatal Care, Infant, Newborn.


INTRODUÇÃO

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), hipóxia intrauterina e asfixia ao nascer corresponde a quarta causa de morte neonatal e perinatal no Brasil, ficando atrás de prematuridade, anomalias congênitas e outras condições transmissíveis, perinatais e nutricionais3. A taxa de asfixia perinatal de um país reflete a qualidade da assistência fornecida nas maternidades à parturiente e ao recém-nascido4, portanto, apresenta maiores índices em países com menor acesso à saúde ou com recursos limitados5, sendo uma causa de óbito perinatal de grande prevalência evitável5.

A asfixia perinatal é definida quando há uma interrupção na troca gasosa1 ou um fluxo sanguíneo inadequado2 levando à hipoxemia e hipercapnia persistentes no período que antecede o parto ou intraparto1,2. A hipóxia pode levar à lesão de vários órgãos e sistemas2, sendo o mais atingido o sistema nervoso central, podendo ocorrer sequelas permanentes como convulsões, retardo mental e paralisia.

Dentre os fatores de risco para esse evento, podemos dividi-los em pré-natais, natais e pós-natais, sendo que os dois primeiros representam a maioria dos casos1, sendo passíveis de tratamento e/ou prevenção se atenção pré-natal e durante o parto adequados. Entretanto, para o planejamento de medidas que possam prevenir a ocorrência neonatal de hipóxia intrauterina e asfixia ao nascer, é necessário conhecer o perfil epidemiológico regional. Dessa forma, o artigo analisa os dados de prevalência dessa morbidade no período entre 2008 e 2018 no munícipio de Pelotas - Rio Grande do Sul, analisando os números totais de casos em relação ao sexo, local de nascimento, cor/raça e regime de atendimento. Assim como o número de óbitos decorrentes em relação ao peso ao nascer, idade gestacional, idade e escolaridade materna, tipo de gestação, momento e tipo de parto.

Para tal, o objetivo do estudo é analisar a ocorrência de hipóxia intrauterina e asfixia ao nascer no munícipio de Pelotas-RS, considerando fatores maternos e fetais e sua possível prevenção.


MÉTODOS

Realizou-se um estudo epidemiológico transversal descritivo e retrospectivo de natureza quantitativa, com dados secundários obtidos do Sistema de Doenças e Agravos de Notificação (SINAN) e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), disponível na plataforma DATASUS, tabulado no TABNET entre os anos de 2008 e 2018.

Foram analisados os dados de prevalência de hipóxia intraútero e asfixia ao nascer no município de Pelotas/RS, comparando sexo, raça, escolaridade e idade materna, tipo e momento de parto, idade gestacional, local de nascimento, regime de atendimento, peso ao nascer e tipo de gestação.


RESULTADOS

A análise dos dados de hipóxia intrauterina e asfixia ao nascer no município de Pelotas/RS entre os anos de 2008 e 2018, mostrou um total de 165 internações nesse período, correspondendo a 4,74% dos casos do estado do Rio Grande do Sul. Desses, 30,9% foram registrados atendidos pelo sistema público, 36,96% pelo sistema privado e 32,12% tinham o regime de atendimento como ignorado. Além disso, 99 casos foram diagnosticados em recém-nascidos do sexo masculino, o que representa uma prevalência de 60% em relação ao sexo feminino que totalizou 40% dos casos.

Quanto às instituições hospitalares de ocorrência dos casos verificou-se que 90% ocorreram no Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas, 42,42% no Hospital Universitário São Francisco de Paula - UCPEL e 3,03% na Santa Casa de Misericórdia de Pelotas.

Em relação ao desfecho, podemos observar que 26 casos em Pelotas no período avaliado evoluíram para óbito fetal, o que corresponde à 15,75% dos casos totais. A análise das variáveis de ocorrência dos óbitos está relacionada na Tabela 1.




DISCUSSÃO

A hipóxia intrauterina e asfixia ao nascer pode muitas vezes ser considerada a doença que desencadeia uma rede de patologias que conduzem ao óbito. Dessa forma, outras afecções como comorbidades maternas ou prematuridade podem ser relatas na declaração de óbito (DO) como causa básica da morte fetal, mesmo quando hipóxia e/ou asfixia estão citados como fatores precedentes podendo assim subestimar o número total de óbitos notificados4.

Outro fator que pode levar a subnotificação é o fato de que a síndrome de aspiração meconial, diretamente interligada à asfixia neonatal, é relacionada pela classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados com a saúde (CID10) como outras afecções respiratórias do recém-nascido4,6.

Quanto às variáveis relacionadas ao óbito fetal em decorrência da hipóxia intraútero e asfixia ao nascer observa-se que idade materna, escolaridade materna e duração da gestação contam com 30,76%, 42,30% e 30,76% das informações ignoradas, respectivamente, o que demonstra o preenchimento inadequado das informações pelos profissionais da saúde.

Sabemos por dados da OMS que a hipóxia intrauterina e asfixia ao nascer é a quarta causa de óbitos perinatais no Brasil, correspondendo à 14,95% do total. Ao comparar com os dados obtidos nesse artigo no período estudado, percebe-se que no município de Pelotas essa causa de mortalidade corresponde à 6,11% do total de óbitos fetais, sendo significativamente menor que a do país3.

Em relação ao tipo de parto, tanto o número absoluto de internações devido à hipóxia intraútero e asfixia ao nascer, quanto o número de óbitos decorrentes dessa complicação, foram mais prevalentes em partos cesarianos, o que difere de estudos realizados em outros centros onde a maior taxa foi encontrada em partos vaginais4. Uma possibilidade para essa divergência seria a intervenção precoce no trabalho de parto quando identificadas anormalidades, o que não apenas aumentaria a taxa de cesariana, como também diminuiria o número de óbitos em decorrência dessa complicação como apontado anteriormente. Outra hipótese decorre de possível subnotificação, pois os dados do munícipio de Pelotas apontam para uma prevalência de 36,96% dos casos com ocorrência no sistema privado de saúde, onde as taxas de cesariana são maiores7, o que difere dos outros estudos epidemiológicos brasileiros que mostram maior prevalência de casos no sistema público de saúde.

A idade materna de maior prevalência dos óbitos foi entre 25 e 34 anos, faixa etária considerada de baixo risco gestacional o que poderia refletir uma assistência pré-natal e/ou durante o parto inadequeada4.

Quanto ao peso ao nascer, foi observado que 65,36% dos óbitos em decorrência de hipóxia intraútero e asfixia ao nascer na cidade de Pelotas, ocorreu em recém-nascidos com peso inferior à 2.500 gramas. Além disso, houve prevalência de 57,68% em gestações com duração menor que 37 semanas, destes 19,23% foram antes das 22 semanas e, portanto, não se caracterizam como óbitos evitáveis, dados que condizem com os encontrados em estudos anteriores que apontam o maior risco de mortalidade em recém-nascidos pré-termo4,8.

Em relação às instituições hospitalares os dados disponíveis no DATASUS apontam que os números de internações devido ao trabalho de parto único espontâneo foram semelhantes nas três maternidades do munícipio, com um número absoluto de 4.578 no Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas, 7.372 no Hospital Universitário São Francisco de Paula - UCPEL e 7.884 na Santa Casa de Misericórdia de Pelotas. Portanto, a maternidade com maior número de nascimentos no período entre 2008 e 2018 segundo o DATASUS é a Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, contudo essa instituição representa apenas 3,03% do total de casos de hipóxia intraútero e asfixia durante o nascimento do município de Pelotas, o que provavelmente decorre se subnotificação de dados.

No que se concerne ao sexo, pode-se observar que somando todos os casos de 2008 a 2018, verificou-se uma prevalência pelo sexo masculino em 60% dos casos e uma ocorrência de 40% no sexo feminino, não havendo resultados em branco no período.


CONCLUSÃO

A hipóxia intraútero e asfixia ao nascer em Pelotas/RS mostrou ser maior prevalente em gestantes com mais de 25 anos, em gestações pré-termo, peso ao nascer inferior a 2.500 gramas e em partos cesarianos do sistema privado de saúde. É uma complicação da gestação e do parto que corresponde à quarta causa mais comum de morte perinatal no Brasil, sendo também uma importante causa de sequelas permanentes. A taxa de asfixia perinatal de um país reflete a qualidade da assistência fornecida nas maternidades à parturiente e ao recém-nascido. Contudo, ainda há subnotificação com o agravo de dados ignorados nos casos notificados o que dificulta o delineamento de um perfil epidemiológico e o desenvolvimento de ações preventivas.


REFERÊNCIAS

1. Alves JGB, Ferreira OS, Maggi RRS, Correia JDB. Edital – Curso de Aperfeiçoamento em Pediatria Clínica. 4a ed. Recife: Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP); 2022.

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3. Organização Mundial da Saúde (OMS). Saúde e envelhecimento materno, recém-nascido, criança e adolescente [Internet]. Genebra: OMS; 2020; [acesso em 2020 Nov 01]. Disponível em: https://www.who.int/data/maternal-newborn-child-adolescent-ageing/indicator-explorer-new/mca/number-of-neonatal-deaths---by-cause

4. Daripa M, Caldas HMG, Flores LPO, Waldvogel BC, Guinsburg R, Almeida MFB. Asfixia perinatal associada à mortalidade neonatal precoce: estudo populacional dos óbitos evitáveis. Rev Paul Pediatr [Internet]. 2013 Mar; [citado 2020 Nov 01]; 31(1):37-45. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-05822013000100007&lang=pt

5. Rêgo MGDS, Vilela MBR, Oliveira CM, Bonfim CV. Óbitos perinatais evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2018; [citado 2020 Nov 01]; 39:e2017-0084. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-14472018000100414&lang=pt

6. Organização Mundial da Saúde (OMS). Classificação de doenças [Internet]. Genebra: OMS; 2022; [acesso em 2020 Nov 02]. Disponível em: https://www.who.int/classifications/icd/en/

7. Oliveira RR, Melo EC, Novaes ES, Ferracioli PLRV, Mathias TAF. Factors associated to caesarean delivery in public and private health care systems. Rev Esc Enferm USP. 2016 Set/Out;50(5):733-40. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420160000600004

8. Almeida MFB, Kawakami MD, Moreira LMO, Santos RMV, Anchieta LM, Guinsburg R. Early neonatal deaths associated with perinatal asphyxia in infants >2500g in Brazil. J Pediatr (Rio J) [Internet]. 2020 Nov/Dez; [citado 2020 Nov 01]; 93(6):576-84. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021-75572017000600576&lang=pt










UCPel, Pediatria - Pelotas - Rio Grande do Sul - Brasil

Endereço para correspondência:

Lívia Maria Bereta dos Reis
Universidade Católica de Pelotas
Rua Gonçalves Chaves, nº 373, Centro
Pelotas, RS, Brasil. CEP: 96015-560
E-mail: liviamariabdosreis@gmail.com

Data de Submissão: 02/11/2020
Data de Aprovação: 16/12/2021