ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2014 - Volume 4 - 3 Supl.1

Prós e contras do uso da tecnologia

Pros and cons of using technology
Pros y contras del uso de la tecnología

RESUMO

Neste artigo os autores emitem seu ponto de vista sobre aspectos benéficos ou não do emprego da tecnologia baseada nas mídias digitais que hoje estão definitivamente incorporadas no dia a dia das crianças. Desde a criação da World Wide Web ("www"), há cerca de 25 anos, outras ferramentas passaram a ser usadas, como os smartphones, até chegar ao iPad, hoje utilizado até mesmo por lactentes. Tudo isso, sem esquecer a presença constante da televisão. O papel do pediatra na orientação às famílias é relevante. O artigo destaca os pros e contras desta tecnologia na busca do desenvolvimento adequado das crianças e jovens.

Palavras-chave: aprendizagem, educação infantil, formação de conceito.

ABSTRACT

In this article the authors express their point of view on the beneficial or not use of technology based on digital media, now definitely incorporated into the daily life of children. Since the creation of the World Wide Web ("www"), for about 25 years, other tools began to be used, such as smartphones, to reach the iPad, now used even by infants. All this, without forgetting the constant presence of television. The role of the pediatrician in guiding families is relevant. The article highlights the pros and cons of this technology in the search for the appropriate development of children and youth.

Keywords: child rearing, concept formation, learning.


INTRODUÇÃO

A tecnologia (tekhnologia, do grego) tem sua origem no século XVII, sendo definida como uma forma de tratamento sistemático. É uma aplicação prática do conhecimento científico, inicialmente no âmbito industrial, sendo utilizada posteriormente no desenvolvimento de máquinas e dispositivos eletrônicos1.

É nítida a evolução do conhecimento e o desenvolvimento de novas tecnologias nos últimos anos e isso tem um impacto significativo na vida da família moderna e, consequentemente, na educação das crianças, que crescem na nova era digital.

Atualmente, 23 anos após a criação da World Wide Web ("www"), diversos marcos históricos na era digital podem ser citados, como a criação da ferramenta de busca da Google, a primeira rede social, invenção do YouTube, a comercialização do primeiro smartphone com tela touch-screen, a inauguração da primeira loja da Apple e o lançamento do iPad, hoje utilizado até mesmo por lactentes.

Ter o conhecimento sobre a influência da tecnologia na vida das crianças é essencial pelos responsáveis pela promoção da saúde e desenvolvimento desses indivíduos, como os pais, educadores, pediatras e todos que fazem parte da promoção da saúde pública.


OBJETIVO

Neste artigo, selecionamos dois grandes estudos relacionados com o tema, sendo um brasileiro e outro norte-americano, com diferentes perspectivas, mas grandes semelhanças no contexto do acesso à tecnologia. Relatamos os principais dados desses estudos e aproveitamos para estimular a reflexão sobre o tema, ressaltando a importância do conhecimento pelos pediatras, que estão envolvidos no processo educacional das crianças e adolescentes, seja diretamente ou por meio da orientação dos pais.


ESTUDOS SOBRE O TEMA

Para entender a influência da tecnologia na saúde física e mental das crianças, foram desenvolvidos diversos estudos ao longo dos últimos anos para mapear as características de diversas populações.

Uso da Internet por crianças e adolescentes no Brasil

No Brasil, podemos citar o estudo mais recente, realizado no ano de 2013, o TIC Kids Online Brasil2, que gerou indicadores sobre o uso da internet por crianças e adolescentes de 9 a 17 anos para o entendimento da percepção destes jovens em relação à segurança on-line e a forma de mediação do uso da internet pelos pais e responsáveis. Foram entrevistados 2.261 crianças e adolescentes e o mesmo número de pais ou responsáveis, sendo aplicados questionários pelo entrevistador (face a face) e utilizados questionários de autopreenchimento. O número de usuários de internet no Brasil nessa faixa etária foi alto (77% das crianças de 9 a 17 anos). Destas, 71% acessaram a internet pelo computador de mesa (desktop), 53% pelo telefone celular, 41% pelo laptop, 16% via tablet e 11% por videogames. As regiões brasileiras de maior acesso foram: Sudeste (86%), Sul (87%), Centro-Oeste (81%) e Nordeste (68%). Na região Norte, o acesso foi o menor no Brasil, apenas por 54% das crianças.

Em relação às redes sociais, 79% dos usuários de internet possuíam perfil próprio na rede social que mais usavam e o Facebook foi o mais acessado (77% dos acessos). O local de acesso de internet possibilita ou não o maior controle pelos pais. Quanto mais distante dos pais, existe maior risco de acesso a conteúdos inadequados. Nessa pesquisa brasileira, o local de maior acesso foi a sala da casa (68%) e em segundo lugar, o quarto da criança (57%). Mesmo com o uso de smartphones, o acesso pelo celular foi apenas de 35%. Isso provavelmente deve ter sido por conta da faixa etária, já que geralmente o uso de celulares é, em maior parte, por adolescentes. As atividades on-line realizadas por ordem de maior importância foram: uso da internet para trabalho escolar, para assistir vídeos, postar fotos/vídeos ou músicas em redes sociais, baixar músicas ou filmes e, por último, jogar games com outras pessoas na internet.

Outra preocupação dos pais quanto ao uso da internet pelos filhos é o tipo de conteúdo on-line acessado. Esse filtro é importante para que a criança não tenha risco de se envolver com pessoas desconhecidas que representem uma ameaça, por exemplo. Essa mesma pesquisa avaliou a capacidade do usuário restringir o conteúdo acessado. Quando questionadas sobre a capacidade de mudar as configurações de privacidade no perfil de rede social, somente 58% afirmou ter conhecimento de como utilizar esse recurso. Cerca de 55% sabiam como bloquear as mensagens enviadas por um determinado usuário, 42% compararam diferentes sites para saber se as informações fornecidas eram verdadeiras e 39% bloquearam propaganda indesejada ou lixo eletrônico. A "exposição" na rede também contribui para a quebra da segurança. A faixa etária de 13-17 anos foi a que se destacou mais no quesito do risco on-line. Os pesquisadores consideraram risco as seguintes atividades: procura de novas amizades na internet (59%), adicionar pessoas à lista de amigos nas redes sociais (44%) e enviar uma foto ou vídeo para desconhecido (9%). Finalmente, a mediação dos pais ou responsáveis também foi avaliada. Um percentual significativo de 81% teve alguma conversa com o filho sobre o uso da internet, 43% realizou alguma atividade junto com o filho na internet e somente 8% dos responsáveis acreditou que o filho tenha passado por alguma situação de incômodo ou constrangimento.

Uso da mídia digital por crianças de até 8 anos de idade nos Estados Unidos

Uma pesquisa realizada no ano de 2011 nos Estados Unidos3 teve como objetivo mapear o uso da mídia entre crianças de 0 a 8 anos com o objetivo de fornecer dados para os envolvidos na promoção da saúde na infância: pais, educadores e pediatras, entre outros. A seguir, descrevemos os principais resultados desse estudo.

Diversos tipos de mídias digitais foram avaliadas: computadores, videogames, smartphones, iPods, Ipads e outros tipos de tablets. Um quarto do tempo frente à tela gasto por crianças nessa faixa etária foi com esses dispositivos digitais.

Podemos descrever alguns dos achados dessa pesquisa. Metade das crianças teve acesso a um dos novos dispositivos em casa, seja um smartphone (41%), iPod (21%), iPad ou outro tablet (8%). Mais de um quarto de todos os pais (29%) baixou alguma vez algum tipo de aplicativo em seus smartphones para as crianças utilizarem e mais de um terço (38%) das crianças já fez uso destes aparelhos, sendo 10% da faixa etária de 0-1 ano; 39% de 2-4 anos e 52% de 5-8 anos. Em um dia comum, 11% de todas as crianças de 0-8 anos fez uso dessas mídias por, no mínimo, 43 minutos.

Esse estudo também analisou o acesso dessas crianças aos outros dispotivos (computadores e videgames); o acesso ao computador, os aplicativos e uso de iPads, iPods e outros aparelhos de acordo com a renda familiar. A televisão não foi deixada de lado. Foi analisado o percentual de crianças estratificadas por faixa etária que tiveram acesso à televisão no seu quarto, o tempo gasto frente à tela, que programa essas crianças assistiam e como os pais utilizaram essas mídias com finalidades educativas.

Após análise dos resultados, os autores chegaram às seguintes conclusões:

1. Mesmo crianças muito pequenas foram usuárias frequentes das mídias digitais;

2. Ainda existia uma diferença significativa de acesso às mídias digitais (em especial, o computador) entre diferentes classes econômicas. O acesso em famílias norte-americanas consideradas de baixa renda (renda anual menor que 30 mil dólares) foi de 48%, quando comparada às de maior renda (renda anual maior que 75 mil dólares), que girou em torno de 91%;

3. Crianças menores de 2 anos de idade gastaram duas vezes mais tempo assistindo televisão e vídeos do que lendo livros;

4. A televisão ainda foi a mídia de maior acesso pelas crianças;

5. A televisão aberta (sem assinatura) foi a de maior acessibilidade e a plataforma mais utilizada para acesso ao conteúdo educacional por crianças de baixa renda socioeconômica;

6. O uso das mídias variou de acordo com a raça, status socioeconômico, mas não houve diferença entre os sexos. Na pesquisa, os afroamericanos foram os que mais tempo passaram frente essas mídias, incluindo música e leitura (média de 4 horas por dia) e as crianças de maior renda gastaram menos tempo (2 horas) quando comparadas à de menor renda (3 horas);

7. Mesmo crianças pequenas fizeram uso de diversas mídias. Cerca de 16% das crianças de 0-8 anos utilizaram mais de uma mídia a maior parte do tempo; no grupo de 5-8 anos, esse número chegou a 29%. Curiosamente, das crianças de 5-8 anos que fizeram dever de casa, 21% assistiam televisão simultaneamente.


DISCUSSÃO

Os efeitos positivos e negativos à exposição precoce à tecnologia pelas crianças são inúmeros e podem ser observados em diversos trabalhos publicados na literatura nos últimos anos. Os primeiros estudos sobre o tema destacavam o uso do videogame, a televisão e suas respectivas repercussões na infância, principalmente em relação ao sedentarismo e a principal consequência, a obesidade. Posteriormente, o videogame e a televisão deixaram de ser os únicos responsáveis, já que outras formas de distração vêm surgindo nos últimos anos. A nova geração faz uso de diversos tipos de mídias eletrônicas, com destaque para os dispositivos móveis: celulares (do tipo smartphones), tablets e computadores.

Por ser ainda alto o número de crianças que assistem televisão, cabem algumas reflexões a serem feitas: como melhorar o acesso ao conteúdo de melhor qualidade e evitar, se possível, a televisão no quarto da criança. Pelas mídias digitais, principalmente tablets e smartphones, temos uma gama de possibilidades de promoção de conhecimento, saúde, educação e outras atividades por meio do uso de aplicativos eletrônicos.

Quando se discute a respeito dos efeitos negativos, ainda que não específicos da tecnologia, podemos citar uma série de consequencias do uso inadequado, como: excesso de peso e obesidade pelo sedentarismo e a falta da prática de exercícios físicos, problemas de atenção, agressividade e comportamento antissocial, depressão, medo, bullying, diminuição do rendimento escolar e confusão de fantasias com realidade4. Sabemos que todos esses achados não são totalmente verdadeiros e podem fazer parte de qualquer contexto, estando relacionados com o mau uso da tecnologia por ausência de controle dos pais ou responsáveis.

Da mesma forma que essas tecnologias trouxeram preocupações, também trouxeram resultados positivos, como projetos desenvolvidos no campo da educação primária, principalmente em países em desenvolvimento, em locais com restrição de acesso à tecnologia (zonas rurais e locais com carência de professores), estimulando a nova forma de aprendizado: o autodidatismo. Um dos maiores pesquisadores no tema, o professor indiano Sugata Mitra5, desenvolve até hoje diversos projetos na área. A tecnologia também vem sendo utilizada para disseminar o conhecimento em diversas esferas, para promover a interação social, desenvolvimento de habilidades específicas e sentidos em pacientes com autismo e, até mesmo, para a simples diversão.


CONCLUSÃO

O acesso a essas tecnologias é crescente e de rápida progressão. Mesmo no Brasil, classes econômicas menos privilegiadas já têm acesso à internet em algum local. As tecnologias são grandes responsáveis pelo relacionamento de crianças e adolescentes com a informação e comunicação. O uso do som, da imagem, do texto e dos grafismos auxilia a cativá-los, facilitando a aprendizagem de acordo com a capacidade e o ritmo de cada um. Certamente, estamos diante de uma recente, vasta e poderosa forma de acesso à cultura e a socialização que permite aos usuários (no caso nossas crianças e adolescentes) a se apropriarem e atribuírem significação às informações obtidas na internet e a manejá-las de acordo com suas necessidades, interesses e motivações.

A convivência com as diferentes mídias digitais faz parte da rotina atual das crianças e seus pais. A interação com a tecnologia não é mais passiva como antigamente, quando as crianças assistiam somente à televisão. Hoje, a forma com que as crianças lidam com essas mídias é basicamente interativa. Podemos lembrar o que já nos dizia Winnicott6: "A forma como organizamos nossas famílias praticamente mostra como é nossa cultura, assim como a fotografia de um rosto retrata um indivíduo". Se o uso da tecnologia é bom ou ruim, depende da qualidade do conteúdo acessado e da maneira como a informação (seja ela educacional ou não) chega a essas crianças, devendo ser, sempre que possível, filtrada pelos pais, para que seus filhos tenham acesso à fontes seguras e que de fato, contribuam para o seu desenvolvimento.


REFERÊNCIAS

1. Oxford dictionary [Acesso 8 set 2014]. Disponível em: http://www.oxforddictionaries.com/definition/english/technology

2. TIC Kids Online Brasil 2013 [Acesso 8 set 2014]. Disponível em: http://cetic.br/pesquisa/kids-online/indicadores

3. Zero to eight: children's media use in America [Acesso 8 set 2014]. Disponível em: https://www.commonsensemedia.org/research/zero-to-eight-childrens-media-use-in-america

4. Setzer, VW. Efeitos negativos dos meios eletrônicos em crianças, adolescentes e adultos [Acesso 8 set 2014]. Disponível em: http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/efeitos-negativos-meios.html

5. Mitra S, Dangwal R, Chatterjee S, Jha S, Bisht RS, Kapur P. Acquisition of computing literacy on shared public computers: children and the "hole in the wall". Australas J Educ Technol. 2005;21(3):407-26. [Acesso 8 set 2014]. Disponível em: http://www.ascilite.org.au/ajet/ajet21/mitra.html

6. Davis M, Wallbridge D. Limite e espaço: uma introdução à obra de D.W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago; 1982. p.205.










1. Pediatra pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Médico Residente de Reumatologia Pediátrica do Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ). Médico do Hematologistas Associados - Serviço de Hemoterapia, Rio de Janeiro
2. Estudante de Medicina da Universidade Estácio de Sá (UNESA), Rio de Janeiro
3. Chefe do Serviço de Psicologia do Hospital Municipal da Piedade, Rio de Janeiro. Pós-graduação em Psicologia Clínica na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ)

Endereço para correspondência:
Leonardo Rodrigues Campos
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