ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2022 - Volume 12 - Número 3

Fatores de risco e morbimortalidade associada à hipotermia à admissão na unidade de terapia intensiva neonatal

Risk factors and morbimortality associated with hypothermia upon admission to the neonatal intensive care unit

RESUMO

OBJETIVO:Determinar incidência de hipotermia, fatores de riscos e desfechos associados à menor temperatura à admissão na unidade de terapia intensiva neonatal em recém-nascidos de muito baixo peso.
MÉTODOS: Estudo longitudinal, observacional, prospectivo. Foram incluídos recém-nascidos de muito baixo peso, admitidos em unidade de terapia intensiva neonatal, entre outubro/2017 a setembro/2018. A variável dependente foi temperatura axilar na admissão. Foi realizado o cálculo da incidência de hipotermia e comparação das médias de temperatura nos fatores de risco e desfechos avaliados. Testes estatísticos: medidas de tendência central, frequências relativas/absolutas, Teste Kolmogorov-Smirnov, Levene e teste t de Student, considerando significativo p<0,05.
RESULTADOS: Foram incluídos 128 recém-nascidos de muito baixo peso, com média de peso e idade gestacional, respectivamente, 1.079,2g e 29 semanas. Destes, 110 (85,9%) apresentaram hipotermia moderada, 13 (10,2%) hipotermia leve e apenas 5 (3,9%) encontravam-se normotérmicos à admissão. A temperatura média encontrada foi 34,7°C. Os seguintes fatores de risco mantiveram associação com menor temperatura à admissão: peso e idade gestacional, índice Apgar e reanimação neonatal. Os desfechos associados foram: síndrome do desconforto respiratório, uso de ventilação mecânica e drogas vasoativas, hemorragia pulmonar, uso de oxigênio com 28 dias de vida, sepse tardia e óbito.
CONCLUSÃO: A incidência de hipotermia encontrada foi alta e a menor temperatura à admissão esteve associada a maior morbimortalidade. É necessário atenção nas práticas assistenciais para manutenção da temperatura do recém-nascido de muito baixo peso, principalmente naqueles de menores pesos e idades gestacionais e que necessitem de reanimação neonatal.

Palavras-chave: Hipotermia, Indicadores de Morbimortalidade, Fatores de Risco, Recém-Nascido de Muito Baixo Peso.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To determine the incidence of hypothermia, risk factors, and outcomes associated with low body temperature upon admission to the neonatal intensive care unit in very low birth weight infants.
METHODS: Longitudinal, observational, prospective study. Very low birth weight newborns admitted to a neonatal intensive care unit between October/2017 and September/2018 were included. The dependent variable was axillary temperature upon admission. We calculated the incidence of hypothermia and compared average temperatures with the risk factors and evaluated. Statistical tests: measures of central tendency, relative/absolute frequencies, Kolmogorov-Smirnov, Levene and Student’s t test, considering p <0.05 as significant.
RESULTS: 128 very low birth weight newborns were included, with mean weight and gestational age, respectively, 1079.2g and 29 weeks. Of these, 110 (85.9%) had moderate hypothermia, 13 (10.2%) had mild hypothermia and only 5 (3.9%) were normothermic upon admission. The average temperature found was 34.7ºC. The following risk factors remained associated with low temperature upon admission: weight and gestational age, Apgar score and neonatal resuscitation. The associated outcomes were respiratory distress syndrome, use of mechanical ventilation and vasoactive drugs, pulmonary hemorrhage, use of oxygen at 28 days of life, late-onset sepsis, and death.
CONCLUSIONS: The incidence of hypothermia found was high and the lowest temperature at admission was associated with higher morbidity and mortality. It is necessary to pay attention to care practices to maintain the temperature of very low birth weight newborns, especially those with lower weights and gestational ages and who need neonatal resuscitation.

Keywords: Hypothermia, Indicators of Morbimortality, Risk Factors, Very Low Weight Newborn


INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como normotermia a temperatura corporal central nos recém-nascidos (RN) entre 36,5°C e 37,5°C1, hipotermia neonatal quando abaixo de 36,5°C, sendo graduada em leve, moderada e grave. Hipotermia leve é aquela em que a temperatura se encontra entre 36,0°C e 36,4°C, moderada quando a temperatura está entre 32,0°C e 35,9°C e considerada grave quando está menor que 32,0°C1.

Os recém-nascidos tendem a perder calor corpóreo mais fácil e rapidamente, quando comparado a crianças maiores, e tem maior dificuldade em gerar calor para se aquecer por alguns fatores: reduzida capacidade de isolamento térmico, maior superfície de contato em relação ao peso corporal, aumento das perdas líquidas por evaporação da pele, imaturidade do sistema nervoso central (SNC) e reserva de energia limitada1-3. Nos prematuros, especialmente os de muito baixo peso ao nascer (MBP) e os de extremo baixo peso (EBP), esses fatores são ainda mais presentes, e, portanto, esses RN são ainda mais susceptíveis a hipotermia.

É conhecido que a hipotermia está relacionada a alguns desfechos negativos dentro de uma unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN), tais como: sepse neonatal tardia, hemorragia peri-intraventricular (HPIV), displasia broncopulmonar (DBP), síndrome do desconforto respiratório (SDR), hemorragia pulmonar e óbito1-6. A diminuição da temperatura desses RN está relacionada ao aumento na taxa de metabolismo desses bebês, levando à hipoglicemia, além do aumento do consumo de oxigênio, causando ou agravando o desconforto respiratório. Esse aumento no consumo de oxigênio também acarreta uma hipóxia relativa dos tecidos, propiciando uma vasodilatação cerebral e favorecendo o surgimento de hemorragia intraventricular.

A hipotermia é um forte preditor de morbidade e mortalidade em todas as idades gestacionais1,2,7, sendo considerada como um indicador da qualidade do atendimento na sala de parto e do desempenho assistencial na unidade neonatal7.

A manutenção e o controle de um ambiente normotérmico é de responsabilidade de toda equipe de saúde. Esse cuidado deve ocorrer desde os cuidados com a temperatura da mãe e do recém-nascido na sala de parto, no transporte e continuando na unidade neonatal.

Ao nascimento, à medida que o RN faz a transição para a vida extrauterina, a temperatura central diminui, caindo cerca de 0,3°C por minuto, podendo haver uma diminuição de 1°C a 3°C antes de sair da sala de parto1.

Apesar da adoção das diretrizes de reanimação neonatal, atualizadas em 2016, que reforçam as estratégias de prevenção da hipotermia (controle de temperatura na sala de parto, berço de calor radiante, uso de touca plástica/algodão, uso de saco plástico sem secar o corpo, colchão térmico, transporte em incubadora aquecida)1-3,8, a prevalência de RN hipotérmicos admitidos na UTIN ainda é muito expressiva.

Diante disso, esse estudo teve como objetivo determinar a incidência da hipotermia à admissão na unidade neonatal, os fatores de risco e desfechos associados a menor temperatura axilar em recém-nascidos de muito baixo peso, admitidos em maternidade de uma instituição universitária terciária de referência em gestação e parto de alto risco, no estado do Rio Grande do Norte. O conhecimento desses dados fornecerá subsídios para melhorar ainda mais o planejamento e a assistência desses bebês tanto na sala de parto, no seu transporte e na condução dentro da UTIN, diminuindo morbimortalidade e melhorando o prognóstico desses pacientes.


MÉTODOS

Trata-se de um estudo observacional, longitudinal e prospectivo com prematuros de MBP (peso de nascimento menor que 1.500g) admitidos na unidade de terapia intensiva neonatal de uma maternidade universitária terciária de referência em gestação e parto de alto risco no estado do Rio Grande do Norte, durante o período de outubro de 2017 a setembro de 2018. Essa instituição tem cerca de 300 partos mensais, sendo 30% deles prematuros. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), conforme certificado de apresentação para apreciação ética (CAAE) no 11315419.6.0000.5292, com termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) devidamente assinado pelo responsável de cada paciente.

Os recém-nascidos incluídos foram todos com peso de nascimento (PN) menor que 1.500g. Os critérios de exclusão utilizados foram: não assinatura do TCLE, presença de infecções congênitas (toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes simples, sífilis e arbovirose), malformações congênitas graves, erros inatos do metabolismo, cromossomopatias, gemelaridade múltipla (acima de 2 fetos) ou aqueles com falta do registro da temperatura de admissão no prontuário.

O diagnóstico de hipotermia foi realizado a partir da aferição da temperatura axilar pela equipe de enfermagem do setor, nos primeiros 15 minutos da admissão na UTIN. Para análise estatística, a amostra foi trabalhada com base na temperatura média de admissão, sendo considerada normal pela OMS de 36,5°C a 37,5°C1.

Foram avaliados os seguintes fatores de risco para menor temperatura axilar no momento da admissão na UTIN: peso ao nascer (categorizados em dois grupos: até 999g e ≥1.000g), idade gestacional (IG) ao nascimento (estimada através da ultrassonografia de primeiro trimestre ou pela data da última menstruação. Variável categorizada em dois grupos: até 28,6 semanas e ≥29 semanas), sexo, tipo de parto, necessidade de reanimação em sala de parto, índice de Apgar no quinto minuto de vida, doença hipertensiva materna, uso de corticoide antenatal, adequação do peso para idade gestacional ao nascer pelos gráficos do projeto INTERGROWTH (sendo pequeno para idade gestacional (PIG), aqueles alocados abaixo do percentil 10, de acordo com idade gestacional em semanas e dias, e adequado para idade gestacional (AIG) os classificados entre o percentil 10 e 90)9,10.

Os desfechos analisados em relação à menor temperatura à admissão na UTIN foram: restrição de crescimento extrauterino (RCEU) (avaliado no momento da alta hospitalar, pela presença de escore Z de peso < -2 pelas curvas do projeto INTERGROWTH11), persistência do canal arterial (PCA) após 72 horas de vida (diagnosticado com o aparelho de ecocardiograma Vivid I da GE, exame realizado por cardiologistas pediátricos da instituição), hemorragia peri-intraventricular (definição através da classificação de Papile et al. (1978)12, detectada por ultrassonografia transfontanelar, realizada a partir da primeira semana de vida, com o equipamento de ultrassonografia Philips Affiniti 50, com transdutor Linear L12-4 (4-12MHz)12), hemorragia pulmonar (presença de sangue no tubo orotraqueal associada à necessidade de aumento de parâmetros ventilatórios13), síndrome do desconforto respiratório com necessidade de surfactante intratraqueal, necessidade de oxigênio aos 28 dias de vida14, uso de drogas vasoativas (DVA) na primeira semana de vida, uso de ventilação pulmonar mecânica (VPM), sepse precoce e tardia (laboratorial ou clínica, definidos quando a manifestação ocorre nas primeiras 48h de vida ou após esse período, respectivamente), segundo critérios definidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)15 e desfecho (alta, transferência ou óbito).

Na análise estatística, foram calculadas as frequências absolutas e relativas, além das medidas de tendência central e dispersão. A distribuição normal das variáveis quantitativas foi verificada através do teste Kolmogorov-Smirnov e homogeneidade das variâncias pelo teste de Levene. A comparação das médias de temperatura nos fatores de risco e desfechos estudados foi realizada utilizando-se o teste t de Student. Os resultados foram considerados significativos quando p<0,05. O software utilizado foi Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 22.


RESULTADOS

De outubro de 2017 a setembro de 2018, 141 prematuros com peso de nascimento menor que 1.500g foram admitidos na UTIN da maternidade estudada. Destes, 13 preenchiam um ou mais critérios de exclusão: malformações congênitas graves (no total de 2 recém-nascidos), recusa dos pais em participar do estudo (totalizando 3), ausência de registro em prontuário da temperatura de admissão (4 bebês) e gemelaridade múltipla devido à possibilidade da ordem de nascimento das crianças interferir com os desfechos (4 pacientes - quadrigêmeos). Portanto, 128 bebês foram incluídos no estudo e suas características estão descritas na Tabela 1.




Dos RN incluídos na pesquisa, a média de peso ao nascer e idade gestacional ao nascimento foram respectivamente, 1.079,2g (DP±270,8) e 29 semanas (DP±2,6). Observou-se que quanto menor a IG e o PN, menor foi a média de temperatura verificada na admissão, conforme ilustrado na Tabela 2.




A frequência global de hipotermia nos recém-nascidos admitidos no estudo foi de 123, o que representa 96% da amostra. Destes, 110 (85,9%) apresentaram hipotermia moderada, ou seja, temperatura corporal entre 32°C e 35,9°C e apenas 5 (3,9%) deles, foram admitidos com normotermia, conforme ilustrado na Tabela 1. A média de temperatura dos bebês foi de 34,7°C (DP±1,14). Nenhuma criança apresentou hipertermia.

Os fatores de risco e os desfechos associados à menor temperatura axilar no momento da admissão na UTIN foram avaliados utilizando uma análise bivariada (teste t de Student, todas as variáveis apresentaram distribuição normal). Na Tabela 3, demonstraram-se relevantes os seguintes fatores de risco: peso ao nascer, idade gestacional ao nascimento, índice de Apgar no quinto minuto de vida e necessidade de reanimação neonatal na sala de parto.




Na análise foi encontrado que todos os bebês nascidos com menos de 1kg, foram admitidos com temperatura menor que 36°C (p<0,05). E, em relação à idade gestacional, os que nasceram com menos de 29 semanas, 93,1% deles foram admitidos com temperatura menor que 36°C (p<0,05).

Já na Tabela 4, estão elencados os desfechos encontrados que se revelaram associados, como SDR com necessidade de surfactante, uso de ventilação pulmonar mecânica, hemorragia pulmonar, necessidade de oxigênio com 28 dias de vida, uso de drogas vasoativas, sepse tardia e óbito.




DISCUSSÃO

Em decorrência da desproporção entre a superfície de contato e o peso corporal e a reduzida capacidade de termorregulação desses bebês1-3, especialmente dos prematuros, a hipotermia é um evento muito presente nessa população, conforme também encontrado nesse estudo, onde a incidência de hipotermia foi de 96%, com média de temperatura de 34,7°C (±1,14).

Esses números se encontram acima de outros resultados relatados na literatura. Uma pesquisa indiana realizada em 2016, mostrou que a ocorrência de hipotermia foi de 70%16. Um estudo de coorte coreano encontrou que a incidência desse evento em RN com menos de 33 semanas de IG admitidos com temperatura abaixo de 36,5°C foi de 74,1%, com média de 36,1°C (±0,6°C) e os admitidos com normotermia foi de 25,2%, em contraposição ao encontrado no nosso estudo de apenas 3,9%17.

Em uma pesquisa de base populacional que trabalhou com amostras de 11 países europeus, a prevalência de hipotermia foi de 53,4% em RN admitidos com menos de 32 semanas de idade gestacional. Desses, 12,9% possuíam temperaturas abaixo de 35,5°C3,18,19. Em um estudo observacional retrospectivo canadense que trabalhou com RN abaixo de 33 semanas de idade gestacional admitidos na UTI neonatal entre janeiro de 2010 a dezembro de 2012, a incidência de hipotermia foi de 35,8%4.

A incidência de hipotermia à admissão em 4.356 RNMBP distribuídos em 20 unidades de terapia intensiva no Brasil foi 53,7% (nesse estudo considerado hipotermia quando temperatura axilar abaixo de 36°C até uma hora após admissão). Essa frequência variou entre 19,8% a 93,3% nos centros estudados. Quando considerado o número de crianças com temperatura inferior a 36,5°C na admissão, esses números aumentam, sendo verificado a presença de hipotermia em 100% de bebês em uma das unidades onde a pesquisa foi realizada19.

Essas discrepâncias na incidência podem ser atribuídas a diferenças nas metodologias aplicadas de cada serviço, como por exemplo, diferentes intervalos de tempo considerados para aferição da temperatura após a admissão na UTIN.

Apesar da equipe da sala de parto da instituição onde foi realizado o estudo seguir as normas do “Programa de Reanimação Neonatal”, a alta incidência de hipotermia encontrada revela necessidade de identificar falhas no processo assistencial, como temperatura da sala, temperatura materna, necessidade de uso de colchão térmico para os RN menores (ainda não disponível no serviço), o cuidado no uso de touca plástica/algodão e do saco plástico, sem esquecer o manejo durante o transporte em incubadora com temperatura inadequada.

Outro dado relevante encontrado nesse trabalho foi que os principais fatores de risco associados à menor temperatura à admissão na UTIN são o peso e idade gestacional ao nascimento, visto que 100% dos RN com PN até 1kg e 93,1% dos RN com até 28 semanas e 6 dias de IG foram admitidos com temperatura menor que 36°C. Estudo canadense reforça esse achado, mostrando que o peso ao nascer esteve associado à temperatura de admissão, na medida em que a temperatura aumentou 0,025°C a cada aumento de 100g no peso de nascimento4.

Além disso, semelhante ao que se tem na literatura científica, foi visto que a média de temperatura na admissão aumentou conforme houve incremento da faixa de peso de nascimento e da idade gestacional.

Outras variáveis associadas à menor temperatura na admissão foram índice de Apgar no quinto minuto de vida e a reanimação neonatal. Em dados publicados na literatura, a temperatura de admissão aumentou o risco de índice de Apgar menor do que 7 no quinto minuto de vida em 1,5 e 2,1 vezes para os bebês admitidos com temperatura entre 36-36,4°C e <35,9°C, respectivamente17.

Essa associação positiva talvez possa ser explicada pelo fato que os bebês que necessitam de reanimação, geralmente são RN mais doentes e o controle térmico durante a reanimação é mais difícil e negligenciado frente a outras condutas ativas e imediatas necessárias no momento. Ademais o aquecimento e umidificação do gás inspirado para o suporte respiratório durante a ressuscitação neonatal não é realizado rotineiramente na maternidade estudada, o que pode contribuir para a ocorrência de hipotermia nesses RN.

Quanto às morbidades associadas à hipotermia, alguns estudos demonstram que a temperatura de admissão é inversamente proporcional à taxa de mortalidade e sepse neonatal tardia, mostrando que a queda em cada 1°C na temperatura desses RN está relacionada a um aumento em 28% na taxa de óbito e um aumento em 11% nos casos de sepse tardia1,2,4,8. Esses estudos corroboram os dados encontrados nessa pesquisa onde os recém-nascidos que apresentaram sepse tardia e evoluíram para óbito apresentaram menor temperatura à admissão na UTIN. Embora ainda não completamente esclarecido o porquê dessa associação, a temperatura baixa parece alterar a função imune adaptativa, causando prejuízos na ativação e funcionamento das células imunes, influenciando a resposta as infecções20.

Ainda mostrando dados similares, em um estudo de coorte a incidência de mortes aumentou em 1,38 (IC95% 1,04-1,83), 1,44 (IC95% 1,05-1,97) e 1,86 (IC95% 1,22-2,82) para bebês com hipotermia na admissão de 36-36,4°C, 35-35,9° C e <35°C, respectivamente17. Outro estudo coloca que a taxa de mortalidade dos RN admitidos com hipotermia foi de 65,6%, em comparação com os admitidos com temperatura normal (6,1%)21.

Outros desfechos encontrados em associação com hipotermia foram: SDR com necessidade de uso de surfactante, displasia broncopulmonar, uso de VPM, hemorragia pulmonar e uso de drogas vasoativas. Em todos esses casos, os RN que evoluíram durante o internamento hospitalar com esses desfechos, foram admitidos com média de temperatura menor, quando comparados com os bebês que não apresentaram tais complicações.

A literatura científica relata ainda que a presença de hipotermia à admissão na UTIN está relacionada a um aumento em 1,64 vezes de morte neonatal precoce. Além de evidenciar que os RN de MBP com hipotermia moderada após o nascimento apresentaram mais displasia broncopulmonar moderada a grave. Por outro lado, a redução de hipotermia à admissão foi associada a uma diminuição na incidência de hemorragia pulmonar de 10,9% para 1,6% (p=0,017)3. Nessa mesma linha, Lee et al. (2019)17 relataram um aumento nas chances de desenvolver DBP em 1,26 (IC95% 1,01-1,57) e 1,81 (IC95% 1,20-2,86), para bebês admitidos com temperatura entre 35-35,9°C e <35°C, respectivamente.

Considerando que o avanço na terapia intensiva perinatal e a melhoria da assistência prestada através de protocolos e com a adoção de medidas preventivas tenha sido um ganho na medicina, a hipotermia continua a ser um desafio, tornando clara a necessidade de identificar falhas no atendimento ao recém-nascido, corrigi-las e melhorar ainda mais a assistência neonatal.

Essa pesquisa tem a limitação de ter sido realizada em apenas um centro, com tamanho amostral pequeno. No entanto, os dados foram colhidos de forma prospectiva, aumentando a confiabilidade das informações adquiridas, além de trazer resultados importantes com relação a hipotermia à admissão na UTI neonatal, fatores de riscos e desfechos associados a menor temperatura nesse momento e demonstrar a importância da monitorização das práticas assistenciais, para que falhas no processo possam ser corrigidas.

Nosso estudo mostrou uma incidência muito elevada de hipotermia e a associação de maior morbimortalidade com menor temperatura à admissão na UTIN em recém-nascidos de muito baixo peso. Ele vem como forma de conhecer e entender as limitações durante a prestação do cuidado a esses recém-nascidos e tentar planejar uma forma mais segura e eficaz na assistência desses bebês (principalmente os com menores idades gestacionais e pesos de nascimento e que necessitarem de manobras de reanimação após o nascimento), de acordo com as diretrizes recomendadas pelo “Programa de Reanimação Neonatal” da Sociedade Brasileira de Pediatria. Além de ser fundamental para mostrar a toda equipe de saúde, a importância e o peso dessa condição, frente ao prognóstico dos RN prematuros, alertando para os danos decorrentes da hipotermia, tentando minimizar os riscos e atuar precocemente e ativamente quando já instalada, de forma a melhorar a assistência neonatal e a prática clínica.


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Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Maternidade Escola Januário Cicco - Natal - Rio Grande do Norte - Brasil

Endereço para correspondência:

Anna Christina do Nascimento Granjeiro Barreto
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Campus Universitário - Lagoa Nova
Natal/RN - Brasil. CEP: 59078-970
E-mail: annachristina.natal@hotmail.com

Data de Submissão: 20/10/2020
Data de Aprovação: 14/12/2020