Relato de Caso
-
Ano 2022 -
Volume 12 -
Número
2
Hérnia diafragmática congênita de apresentação tardia: relato de caso
Congenital diaphragmatic hernia of late presentation: case report
Luiza Assis Bertollo; Lucas Durão de Lemos; Leticia Admiral Louzada; Letícia de Mory Volpini; Elaine Guedes Gonçalves de Oliveira; Gustavo Carreiro Pinasco; Patricia Casagrande Dias de Almeida
RESUMO
A hérnia diafragmática congênita (HDC) se caracteriza por um defeito de fechamento no diafragma. Muitos pacientes apresentam sinais e sintomas ao nascimento, porém a manifestação tardia é passível de ocorrer, dificultando o diagnóstico por apresentar quadro clínico variável. A abordagem cirúrgica é necessária e o prognóstico na apresentação tardia é favorável quando comparado à manifestação precoce. Relataremos um caso de um lactente do sexo masculino, 7 meses e 24 dias de idade, com histórico de dispneia recorrente por 15 dias além de choro forte, gemência e constipação. Após radiografia de tórax e confirmado com tomografia computadorizada de tórax, constatou-se a presença de hérnia diafragmática. Paciente foi abordado cirurgicamente recebendo alta após 7 dias de internação. Frente a um diagnóstico tardio incomum, espera-se que tais informações corroborem a importância da precocidade diagnóstica da HDC.
Palavras-chave:
hérnia diafragmática, anormalidades congênitas, herniorrafia.
ABSTRACT
Congenital diaphragmatic hernia (CDH) is characterized by a closure defect in the diaphragm. Many patients’ present signs and symptoms at birth, but late manifestation may occur, making a difficult diagnosis due to a variable clinical condition. Surgery is necessary and the prognosis in the late presentation is favorable when compared to the early manifestation. We will report a case of a male infant, 7 months and 24 days old, with a history of recurrent dyspnea for 15 days, crying a lot, groaning and constipated. After chest radiography and confirmed by chest tomography, the presence of diaphragmatic hernia was confirmed. The surgery was performed and the patient was released after 7 days of hospitalization. In the face of an unusual late diagnosis, it is expected that such information corroborates the importance of the early diagnosis of CDH.
Keywords:
hernia, diaphragmatic, congenital abnormalities, herniorrhaphy.
INTRODUÇÃO
A hérnia diafragmática congênita (HDC) é definida como uma malformação no diafragma, presente desde o nascimento, na qual uma falha de continuidade permite que conteúdos abdominais migrem para a cavidade torácica. A HDC pode se apresentar de maneira isolada ou concomitante a outras anomalias congênitas como alterações de sistema nervoso central, gastrointestinal, geniturinário, cardiovascular e anomalias cromossômicas1-3.
É uma afecção que, habitualmente, se manifesta no período neonatal, no entanto, cerca de 10% podem ter as manifestações tardiamente1. Possui uma prevalência muito variável, 1:1.600 a 1:23.800, em âmbito mundial. É mais frequente no sexo masculino e não possui predileção racial4.
A herniação pode ocorrer no período antenatal, tornando-se possível o diagnóstico intrauterino através da ultrassonografia e, com isso, o planejamento cirúrgico adequado. Se porventura o diagnóstico não for feito no período pré-natal, é importante atentar quanto às manifestações clínicas ao nascimento como abdome escavado, assimetria torácica, desconforto respiratório por hipoplasia e hipertensão pulmonar, cianose, murmúrio vesicular diminuído, ruídos hidroaéreos audíveis no tórax1,2.
A apresentação da hérnia também pode ser tardia, dessa maneira o comprometimento no desenvolvimento pulmonar é mínimo ou inexistente2. As manifestações clínicas são múltiplas como obstrução intestinal com ausência de evacuações e/ou êmese, desconforto respiratório variável salientando a importância dos exames de imagem para diagnóstico diferencial5.
Relatamos a seguir o processo diagnóstico e terapêutico de um paciente de 7 meses e 24 dias que estava sintomático decorrente de uma HDC à esquerda de apresentação tardia. Frente a um diagnóstico tardio incomum, espera-se que tais informações corroborem a importância da precocidade diagnóstica da HDC.
RELATO DO CASO
Lactente de 7 meses e 24 dias de idade, sexo masculino, residente em Cariacica, Espírito Santo, acompanhado da mãe, deu entrada em um hospital pediátrico com queixa de choro forte e persistente, gemência e vômitos frequentes com 10 horas de evolução. Mãe referiu, ainda, ausência de evacuações há 3 dias. Já havia buscado o pronto atendimento previamente em duas ocasiões: há 15 dias da admissão hospitalar por dispneia e há 2 dias pela presença de múltiplos episódios de vômitos e evacuação ausente.
No primeiro atendimento, foi solicitado uma radiografia de tórax (Figura 1) que já evidenciava a presença de eventração diafragmática, porém o diagnóstico não foi realizado. Paciente foi tratado como lactente sibilante com beta-2-agonista de curta duração e prednisolona. No segundo atendimento, foi prescrito hidratação venosa e antiemético com relativa melhora do quadro.
Figura 1. Radiografia de tórax há 15 dias da admissão hospitalar.
Paciente apresentava histórico alimentar de aleitamento misto complementado com papa de verduras e frutas. História patológica pregressa de bronquiolite e lactente sibilante. Não possuía histórico de alergia medicamentosa e fazia uso regularmente de beta-2-agonista de curta duração nas crises.
Ao exame físico, paciente estava hidratado, normocorado, afebril, ativo e reativo. Apresentava choro forte durante toda a consulta. Aparelho cardiovascular com ritmo cardíaco regular em 2 tempos, bulhas normofonéticas sem sopros audíveis. Não foi identificado nenhuma alteração no aparelho respiratório no exame inicial. Abdome globoso, tenso à palpação, sem massas palpáveis ou vísceromegalias e ausência de sinais de irritação peritoneal.
Diante disso, foi aventada a hipótese de invaginação intestinal e solicitado uma radiografia de abdome além de um parecer pela equipe de cirurgia pediátrica. No exame de imagem, foi possível observar poucos gases em topografia de alças intestinais. A partir da avaliação das bases pulmonares visualizadas na mesma radiografia, identificou-se haustrações em hemitórax esquerdo. Por esse motivo, uma radiografia de tórax (Figura 2) foi realizada evidenciando a presença de alças intestinais em cavidade torácica.
Figura 2. Radiografia de tórax da admissão hospitalar.
A equipe médica solicitou, com urgência, uma tomografia computadorizada de tórax para melhor análise identificando acentuada elevação da hemicúpula diafragmática esquerda ocupando quase todo o hemitórax esquerdo, com insinuação de alças intestinais, colabamento do pulmão esquerdo e mediastino desviado para a direita. Tais achados auxiliaram a conclusão diagnóstica de HDC de apresentação tardia.
Em seguida, lactente foi abordado cirurgicamente para correção da HDC, sem intercorrências, mantendo bom padrão respiratório e hemodinâmico. Durante o procedimento cirúrgico foi identificado herniação de quase todas as alças de intestino delgado e ceco em hemitórax esquerdo, sendo adequadamente corrigida; foi realizada, ainda, plicatura diafragmática. Paciente permaneceu intubado por 3 dias, fez uso de cefazolina profilática por 48 horas e recebeu alta após 7 dias de internação hospitalar com boas condições clínicas para acompanhamento ambulatorial.
DISCUSSÃO
O diafragma é formado por volta da quarta a oitava semana de vida intrauterina e malformações podem ocorrer predispondo o surgimento de HDC2. As hérnias são classificadas em três tipos baseado no local da falha diafragmática5. A hérnia de Bochdalek, o tipo mais comum, é resultado de um defeito no segmento posterolateral do diafragma, mais comumente à esquerda e possui apresentação mais precoce6. Já as hérnias de Morgagni acontecem devido a um defeito no segmento diafragmático anterior. Ocorrem mais ao lado direito, são as menos frequentemente encontradas e costumam possuir apresentação mais tardia5-7. Finalmente, o terceiro tipo são as hérnias de hiato esofágico, nas quais o estômago pode se deslocar para a cavidade torácica em decorrência de um alargamento exagerado do hiato esofágico5.
A HDC pode ser diagnosticada, no período pré-natal, por ecografia antes da 25ª semana de gestação1 e o seu diagnóstico geralmente é um achado inesperado na ultrassonografia morfológica de rotina, realizada no segundo trimestre. É importante salientar que a ultrassonografia é um exame operador-dependente e, muitas vezes, o diagnóstico pode passar desapercebido podendo aumentar a morbidade do paciente8. Por essa razão, é relevante ressaltar a importância do diagnóstico no pré-natal, pois permite o acompanhamento do feto, intervenção pré-natal se necessário e abordagem pós-natal, evitando complicações clínicas e aumentando a taxa de sobrevida desses pacientes5.
Na apresentação tardia da HDC, as manifestações clínicas são variáveis5, podendo apresentar sintomas típicos de obstrução digestiva, como vômitos, dor abdominal e constipação, além de sintomas associados ao aparelho respiratório, como tosse e dispneia9. Esse quadro é compatível com a história clínica e os achados de exame físico do paciente relatado, que só apresentou quadro sintomático agudo depois de 7 meses de vida.
Uma vez estabelecido o diagnóstico HDC, há necessidade de reparo cirúrgico. Em relação à correção cirúrgica intrauterina, estudos antigos não observaram diferença na sobrevida de pacientes operados nos períodos pré e pós-natal. Como o procedimento pré-natal gera um potencial risco à mãe e ao feto, os pacientes operados após o nascimento apresentam melhor prognóstico4. A correção cirúrgica pós-natal é realizada com a redução das vísceras abdominais presentes e a herniorrafia diafragmática, sendo a via de acesso recomendada, a via abdominal2.
Após a abordagem e correção cirúrgica, o prognóstico destes casos é, geralmente, favorável, em comparação aos casos de apresentação precoce. Isso porque os de apresentação tardia possuem um comprometimento no desenvolvimento pulmonar mínimo ou inexistente, o que não ocorre com os casos de apresentação precoce, que podem ter problemas graves no desenvolvimento pulmonar. Portanto, a HDC de início tardio apresenta um melhor prognóstico e um bom resultado após o procedimento cirúrgico2,10.
O paciente em questão, além da redução da hérnia, realizou plicatura diafragmática. A plicatura diafragmática é um procedimento de fixação cirúrgica da cúpula diafragmática11 e tem por objetivos aumentar o volume torácico e a capacidade vital e reduzir o movimento paradoxal12. Nosso paciente apresentava na tomografia computadorizada de tórax, na admissão hospitalar, acentuada elevação da hemicúpula diafragmática esquerda ocupando quase todo o hemitórax esquerdo, por essa razão a plicatura se fez necessária.
Em suma, o objetivo deste trabalho é evidenciar que os defeitos congênitos diafragmáticos com apresentação tardia devem ser considerados como hipóteses diagnósticas na abordagem de pacientes com desconforto respiratório agudo e manifestações obstrutivas gastrintestinais, mesmo sendo consideradas afecções infrequentes. Ademais, é relevante salientar a importância de uma avaliação mais precisa e atenta às radiografias que é um método diagnóstico prático, barato, porém desvalorizado em detrimento da tomografia computadorizada.
REFERÊNCIAS
1. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Tratado de Pediatria. 4ª ed. Barueri: Manole; 2017.
2. Moreira MEL, Lopes JMA, Caralho M. O recém-nascido de alto risco: teoria e prática do cuidar. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2004.
3. Cunha Filho AAA, Coimbra PA, Perez-Bóscollo AC, Dutra RA, Alves KPO. Má-rotação intestinal: um diagnóstico a ser considerado no abdome agudo em recém-nascidos. Resid Pediatr. 2018;8(3):141-6. DOI: https://doi.org/10.25060/residpediatr-2018.v8n3-08
4. Gallindo RM, Gonçalves FL, Figueira RL, Sbragia L. Manejo pré-natal da hérnia diafragmática congênita: presente, passado e futuro. Rev Bras Ginecol Obstet. 2015 Mar;37(3):140-7.
5. Coelho AFC, Nascimento GS, Carvalho ARMR. Hérnia diafragmática congênita com manifestação tardia: relato de caso. Rev Ped SOPERJ. 2018;18(3):30-2.
6. Close O. More than just a cough: late presentation of congenital diaphragmatic hérnia. J Paediatr Child Health. 2020;56(8):1302-4.
7. Sousa C, Lopes T, Coelho A, Marinho S, Bindi R, Castro R. Hérnia diafragmática de Morgagni – um achado radiológico. Nascer Crescer. 2015;24(Supl II):S30.
8. Santos LT, Evangelista TM. Hérnia diafragmática congênita: relato de caso. Rev Ciênc Saúde. 2013;3(1):27-34.
9. Ozturk H, Karnak I, Sakarya M, Cetinkursun S. Late presentation of Bochdalek hernia: clinical and radiological aspects. Pediatr Pulmonol. 2001 Abr;31(4):306-10.
10. Álvarez JA, Bravo VF, Bello CC, Baier CR. Hernia diafragmática congénita: Reporte de un caso de presentación tardía. Rev Chil Pediatr. 2004 Jul;75(4):362-6.
11. Pessina DC, Costa TCM, Cavenaghi OM, Goraieb L, Corrêa PG, Croti UA. Plicatura diafragmática após lesão do nervo frênico em operação de Glenn: relato de caso. Fisioter Mov. 2008 Jan/Mar;21(1):73-8.
12. Porfirio H, Salgado M, Gil J, Castro O, Silva P, Fonseca N. Eventração diafragmática congénita. Dois casos de apresentação tardia. Acta Pediatr Port. 1997;28(3):241-5.
Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Medicina - Vitória - Espírito Santo - Brasil
Endereço para correspondência:
Luiza Assis Bertollo
Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória
Av. Nossa Sra. da Penha, nº 2190, Bela Vista
Vitória, ES, Brasil. CEP: 29027-502
E-mail: luiza_bertollo@hotmail.com
Data de Submissão: 06/05/2020
Data de Aprovação: 20/05/2020