ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2022 - Volume 12 - Número 4

Enfisema lobar congênito: tratamento conservador e seguimento em 13 anos

Congenital lobar emphysema: conservative treatment and 13-year follow-up

RESUMO

O enfisema lobar congênito é uma malformação congênita caracterizada por hiperdistensão do lobo afetado sem anormalidade do parênquima pulmonar. Pode se manifestar no período neonatal ou posteriormente, dependendo do número de lobos envolvidos. Em geral, ocorre mais comumente no lobo superior esquerdo, sendo raro o envolvimento bilateral. O diagnóstico é clínico, confirmado por radiografia e tomografia computadorizada de tórax. A broncoscopia pode ajudar especialmente no diagnóstico diferencial de corpo estranho e tampões mucosos, além de ser capaz de definir a patogênese da doença, identificando anomalias brônquicas. Na maioria dos casos, o tratamento é cirúrgico, sendo necessária a excisão do lobo afetado. Atualmente, tem-se preconizado o manejo conservador quando há sintomas leves ou inexistentes. O objetivo deste estudo é relatar um caso de enfisema lobar congênito não cirúrgico e o seguimento em 13 anos.

Palavras-chave: Enfisema Pulmonar/congênito, Tratamento Conservador, Pediatria.

ABSTRACT

Congenital lobar emphysema is a congenital malformation characterized by overdistension of the affected lobe without lung parenchyma abnormality. It can manifest in the neonatal period or later, depending on the number of lobes involved. Bilateral involvement is rare; in general, hyperinflation occurs more commonly in the left upper lobe. The diagnosis is clinical, confirmed by chest X-ray and computed tomography. Bronchoscopy can help especially in the differential diagnosis of foreign body and mucous plugs. This procedure also helps define the pathogenesis of congenital lobar emphysema identifying bronchial anomalies. In most of the cases the treatment is surgical, based on the excision of the affected lobe. In some cases, when there are mild or no symptoms, the management can be conservative. The aim of this study was to report a case of nonsurgical congenital lobar emphysema and its 13-year-follow up.

Keywords: Pulmonary Emphysema, congenital, Conservative Treatment.


INTRODUÇÃO

O enfisema lobar congênito (ELC) é uma alteração congênita caracterizada por hiperinsuflação de um ou mais lobos pulmonares com parênquima histologicamente normal. Na maioria dos casos, apenas um lobo está envolvido, sendo o superior esquerdo (LSE) o mais comumente afetado1.

É uma doença rara, com prevalência de 1 caso em 20.000 a 30.000 nascidos vivos. A relação entre os sexos masculino/feminino é de 2:11-5.

Outras malformações congênitas, como malformações cardíacas congênitas, pectus excavatum, defeitos do mediastino anterior, hérnia diafragmática e hérnia hiatal podem estar associadas. O diagnóstico é baseado em achados clínicos e radiológicos3,6.

As manifestações clínicas geralmente ocorrem no período neonatal, embora, em casos raros, alguns recém-nascidos sejam assintomáticos e o diagnóstico seja incidental no final da infância ou na idade adulta2,3. Os sintomas são variáveis, desde sinais respiratórios leves até insuficiência respiratória grave. Os sinais e sintomas mais frequentemente observados são dispneia, taquipneia, retração intercostal, sibilância, tosse, cianose, sons respiratórios assimétricos. Em crianças mais velhas, podem ser observadas infecções respiratórias recorrentes1,2.

As alterações radiológicas mais encontradas são hiperinsuflação do lobo afetado, desvio mediastinal contralateral e compressão do tecido pulmonar adjacente gerando atelectasia. A tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) de tórax confirma o diagnóstico radiológico e delimita o lobo anatomicamente afetado1-3,6,7.

A broncoscopia permite identificar alterações anatômicas e também pode excluir a obstrução endobrônquica por tampão mucoso brônquico, corpo estranho ou mesmo compressão extrínseca6,7.

Em casos graves, o tratamento é cirúrgico, com excisão do lobo acometido. Em pacientes com sintomas leves a moderados tem sido recomendado o tratamento conservador. Este tipo de tratamento pode ser duvidoso, especialmente naqueles que desenvolvem concomitantemente infecção pulmonar recorrente8-10.

O objetivo é relatar um caso de ELC não cirúrgico e o resultado satisfatório no seguimento de 13 anos.


CASO CLÍNICO

Menino de 3 meses de idade foi encaminhado ao Hospital Universitário por taquipneia. Sua mãe relata este sintoma desde o nascimento, com piora após o diagnóstico de bronquiolite aos 2 meses de vida. Gravidez e parto ocorreram sem intercorrências. Estava em aleitamento materno exclusivo. Sua mãe tem asma e seu pai, rinite alérgica.

O exame físico revelou lactente ativo e reativo, taquipneico em ar ambiente (frequência respiratória de 60 incursões por minuto), sem cianose. Os sons respiratórios estavam reduzidos no hemitórax esquerdo, sem ruídos adventícios. Nenhuma outra anormalidade no exame físico. A radiografia de tórax mostrou hemitórax esquerdo hiperinsuflado com área de hipertransparência no lobo superior esquerdo e desvio contralateral do mediastino, sem atelectasia. A TCAR confirmou a suspeita de ELC (Figura 1A). Foi realizada broncoscopia flexível para descartar tampão mucoso devido a bronquiolite. Tal exame mostrou defeito congênito na cartilagem do brônquio do LSE (Figura 2).


Figura 1. TCAR de tórax mostra o lobo superior esquerdo hiperinsuflado com desvio do mediastino contralateral em 12.02.2007 (A), melhora gradativa da hiperinsuflação e do desvio em 24.11.2008 (B) e 15.05.2015 (C).


Figura 2. Broncoscopia flexível mostra o orifício normal do brônquio do lobo inferior esquerdo e o na seta, o orifício em fenda do brônquio do superior (A) que ao ser ultrapassado mostra a distribuição normal dos orifícios dos lobos superior e língula (B).



A avaliação pela equipe de cirurgia pediátrica indicou lobectomia, não sendo realizada devido a algumas infecções virais respiratórias recorrentes. A criança evoluiu com sibilância desencadeada por vírus respiratórios, mas permaneceu assintomática durante o período entre esses eventos e a TCAR de seguimento com 1 ano de idade evidenciou melhora da hiperinsuflação, com discreto aumento no lobo superior esquerdo, sem desvio do mediastino (Figura 1B). O tratamento expectante foi mantido com acompanhamento clínico regular, havendo normalização da frequência respiratória com o aumento da idade. Aos 8 anos, ele era assintomático, com exame físico normal e constatação de melhora gradativa em TCAR (Figura 1C). Atualmente com 13 anos, continua assintomático, apenas em tratamento de crises de asma.


DISCUSSÃO

Atualmente, a evolução tecnológica na imagem ultrassonográfica tem permitido o diagnóstico pré-natal do ELC que mostra pulmão hiperecogênico1,2. No entanto, o diagnóstico definitivo deve ser realizado no acompanhamento pós-natal, pois essas anormalidades no parênquima pulmonar fetal podem apresentar regressão espontânea no terceiro trimestre de gravidez1,2,8,11. O diagnóstico pós-natal deve ser cuidadoso, pois pode ser facilmente confundido com pneumotórax ou corpo estranho1,3,7,9. Torna-se importante ressaltar que a radiografia de tórax do recém-nascido nos primeiros dias de vida pode mostrar pulmão opaco que mais tarde se torna radiolúcido2,5. O diagnóstico do nosso paciente foi aventado apenas após o nascimento, em investigação de taquipneia persistente após episódio de bronquiolite viral aguda.

A causa do ELC é identificada em 50% dos casos. Obstrução brônquica intraluminal, como mucosa brônquica redundante, estenose brônquica, torção ou rotação brônquica, lobo polialveolar e deficiência congênita da cartilagem brônquica são fatores intrínsecos relatados como etiologia do ELC. Da mesma forma, a presença de anel vascular, adenopatia hilar, cistos esofágicos ou broncogênicos e malformações cardíacas congênitas, considerados fatores extrínsecos que levam à obstrução brônquica e subsequente ELC. Nos demais casos, a etiologia é desconhecida; nenhuma anormalidade brônquica pode ser demonstrada1,2,5-7,9. O caso relatado apresentava cartilagem anormal do brônquio do LSE detectada por broncoscopia flexível (Figura 2).

Os sintomas podem variar de acordo com o grau de envolvimento e a localização do lobo afetado. Os casos mais graves são descritos no LSE9. Geralmente, as crianças são sintomáticas nos primeiros dias de vida3,7. Cerca de 5% dos casos podem apresentar sintomas aos 4-6 meses de idade. Taquipneia, dispneia e, eventualmente, cianose podem estar presentes. Às vezes, os sintomas respiratórios pioram progressivamente associados à infecção respiratória aguda das vias aéreas superiores6,7. O deslocamento mediastinal contralateral pode causar deslocamento dos sons cardíacos, diminuição do retorno venoso, relação ventilação/perfusão anormal e hipóxia12. No caso estudado, houve persistência e piora da taquipneia após episódio de bronquiolite viral aguda.

A radiografia de tórax frequentemente revela hiperlucência no lobo acometido. O mediastino é desviado contralateralmente podendo cursar com atelectasia progressiva ipsilateral.do restante do pulmão normal1,3,6,7. Em alguns casos, o diagnóstico é confundido com pneumotórax. Entretanto, uma característica do ELC são as marcas pulmonares em todo o lobo afetado que o distingue do pneumotórax, da lesão cística ou da hérnia diafragmática1,4,9. A TCAR é capaz de demonstrar uma área de anormalidade brônquica localizada ou obstrução brônquica focal, além de excluir outras causas de compressão extrínseca como cardiomegalia, anel vascular, lesão de cistos ou massa mediastinal1,3,6,11. A Figura 1A apresenta a TCAR de tórax no momento do diagnóstico do paciente em questão.

Estudos anteriores sugeriram broncoscopia flexível para todos os pacientes elegíveis para tratamento conservador1,7. Este procedimento tem a vantagem de mostrar alterações dinâmicas nas vias aéreas que causam o colapso endobrônquico e a perviedade das vias aéreas distais à anormalidade anatômica. A broncoscopia rígida pode distorcer a aparência das vias aéreas por tração física, não sendo útil13,14. No presente caso, a broncoscopia flexível demonstrou broncomalácia, por alteração na cartilagem na entrada do LSE.

Em todas as crianças sintomáticas, a ressecção cirúrgica do lobo afetado foi, durante muito tempo, a única modalidade de tratamento indicada e universalmente aceita5. No entanto, pacientes com sintomas leves foram tratados de forma conservadora, com acompanhamento clínico regular1,5-8. Eigen et al.15 relataram que a função pulmonar de crianças não lobectomizadas eram semelhantes àquelas cujas abordagens haviam sido cirúrgicas.

Até o momento, apesar de alguns episódios de sibilância relacionados a mudança climática e a vírus respiratórios, a evolução clínica deste caso tem sido satisfatória. A TCAR realizada após quatro anos mostrou melhora na hiperinsuflação do lobo afetado, provavelmente relacionada ao crescimento da criança, com consequente desenvolvimento do calibre do brônquio, reduzindo o grau de obstrução causado pelo defeito cartilaginoso, além do crescimento dos lobos não afetados (lingular e inferior) (Figura 1).

A demonstração do defeito cartilaginoso do brônquio do LSE por broncoscopia e o resultado satisfatório reforçaram a decisão de manter a conduta expectante em nosso paciente.

No entanto, a escolha do tratamento conservador deve ser cuidadosa, o paciente deve ser monitorado de perto, pois o desconforto respiratório progressivo e infecções respiratórias recorrentes podem resultar na decisão cirúrgica do ELC1,5-8.


REFERÊNCIAS

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1. Universidade Federal Fluminense, Pediatria - Niterói - Rio de Janeiro - Brasil
2. Universidade Federal Fluminense, Broncoscopia - Niterói - Rio de Janeiro - Brasil

Endereço para correspondência:

Ludmila Pereira Barbosa dos Santos
Universidade Federal Fluminense
Av. Marquês do Paraná, nº 303, Centro
Niterói - RJ. Brasil. CEP: 24220-000
E-mail: ludmilabarbosa@id.uff.br

Data de Submissão: 20/08/2020
Data de Aprovação: 30/08/2020