Artigo Original
-
Ano 2022 -
Volume 12 -
Número
4
Exposição e uso de dispositivo de mídia na primeira infância
Exposure and use of media devices in early childhood
Maria do Carmo Batista Arantes; Eduardo Alberto de-Morais
RESUMO
OBJETIVOS: Esta pesquisa objetiva avaliar a exposição e caracterizar o uso de dispositivos de mídia por crianças de 0 a 6 anos de idade atendidas na unidade de pediatria de um Hospital Regional do Distrito Federal.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal, descritivo e investigatório, realizado por meio de uma entrevista aplicada a voluntários responsáveis pelas crianças atendidas. Os dados obtidos foram tabulados e tratados para a determinação das frequências de cada variável estudada.
RESULTADOS: Foram realizadas 102 entrevistas e todos os resultados foram incluídos no estudo. Constatou-se que todas as crianças pesquisadas utilizavam dispositivos de mídia diariamente. Aproximadamente 83% delas iniciaram o uso antes de 1 ano de idade e 17% entre 1 e 2 anos. 28,4% possuíam seus próprios aparelhos de mídia. O perfil em redes sociais foi prevalente em 13% das crianças. 93,1% dos entrevistados declararam nunca ter recebido orientação do pediatra sobre os riscos à saúde pelo uso excessivo de dispositivo de mídia.
CONCLUSÃO: Os resultados revelaram um padrão de uso inadequado de mídias pelas crianças do estudo, sendo caracterizado o início de uso precoce, frequente e por tempo excessivo. Foi evidenciado um vácuo de atuação do pediatra no enfrentamento do problema relacionado ao uso de mídia por crianças na primeira infância. Tais achados podem subsidiar o desenvolvimento de estratégias para a prevenção do estresse tóxico ligado à atual epidemia chamada dependência digital.
Palavras-chave:
Criança, Smartphone, Epidemiologia, Desenvolvimento Infantil, Tempo de Tela.
ABSTRACT
OBJECTIVE: This study aims to evaluate the exposure and characterize the use of media devices by children from zero to six years of age treated at the pediatric unit of a Regional Hospital in the Federal District.
METHODS: This is a cross-sectional, descriptive, and investigative study, conducted through an interview applied to volunteers responsible for the children. The data obtained were plotted and treated to determine the frequencies of each variable investigated.
RESULTS: 102 interviews were performed, and all results were included in the study. We found that all the children in the study used media devices daily. Approximately 83% of them started using it before one year of age and 17% between one and two years of age; and 28.4% had their own media devices; 13% of children had a profile in social networks. We had 93.1% of the respondents stating that they had never received guidance from pediatricians on health risks due to the excessive use of a media device.
CONCLUSION: The results revealed a pattern of inappropriate use of media devices by the children in the study, with early, frequent, and excessive use. There was a vacuum in the pediatricians’ role in dealing with the problem related to the use of media by children in early childhood. Such findings may support the development of strategies for the prevention of toxic stress linked to the current epidemic, called digital addiction.
Keywords:
Child, Smartphone, Epidemiology, Child Development Screen Time.
INTRODUÇÃO
No contexto do mundo moderno, as telas, antes restritas à televisão, evoluíram para dispositivos de mídia como smartphones e tablets, e fazem parte do cotidiano de pessoas de diferentes níveis sociais e faixas etárias, inclusive crianças em idades cada vez mais precoces1-4.
O uso de dispositivos móveis está em ascensão entre as crianças na primeira infância5. Atualmente, as crianças começam a interagir com tecnologias aos 4 meses de idade1,4. O estudo Common Sense Media’s Nationwide Suvey, realizado em 2013, mostrou que cerca de 72% das crianças entre 0-8 anos tinham contato com esses dispositivos. Em 2011, esse percentil foi de 38%. Já o aumento do uso entre as crianças menores de 2 anos foi ainda mais dramático: 10% em 2011, contra 38% em 20136.
O acesso aos equipamentos de mídia é facilitado pelos pais, irmãos e outros familiares7. Eles são os primeiros mediadores desse uso com o objetivo de fazer com que a “criança fique quietinha”. Essa prática é denominada distração passiva. O que é muito diferente do brincar ativamente, um direito universal e temporal de todas as crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento cerebral e mental1.
Além do acesso precoce, o tempo de tela, que é entendido como o tempo total pelo qual a criança permanece exposta a todas as telas, tem aumentado. A média de exposição é superior ao tempo recomendado, segundo alguns estudos4. A literatura mostra que 75% das crianças entre 2 e 3 anos de idade excedem o tempo de uso, contrariando as recomendações da Academia Americana de Pediatria (AAP) em relação ao uso de mídia5,8.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), em conformidade com a Academia Americana de Pediatria (AAP), recomenda o tempo adequado para a idade, de acordo com a maturação e desenvolvimento cerebral3. Recomenda-se evitar a exposição às telas de crianças menores de 2 anos de idade, mesmo que passivamente. Para crianças entre 2 e 5 anos, o tempo de tela deve ser limitado a 1 hora por dia com a supervisão do conteúdo acessado pelos pais ou cuidadores e a verificação da classificação indicativa dos programas por idade. Para as maiores de 6 anos e adolescentes, o tempo de tela deve ser sempre com supervisão e limitado a 1-2 horas por dia, a não ser em caso de trabalhos acadêmicos, estabelecendo intervalos de descanso e atividade física1,2,9,10.
Embora o acesso às informações e a presença de tecnologias na sociedade sejam de grande valia, esses não garantem o crescimento intelectual e a promoção do viver saudável. Nesse estágio da vida há grande interação e captação de estímulos, e é ativamente nessas relações, principalmente com os instrumentos tecnológicos, que a saúde infantil está em constante influência11.
Algumas evidências científicas mostram que, quanto mais nova a criança, menor a capacidade do cérebro de discernir a ficção da realidade. Além disso, durante os primeiros anos de vida, a formação da arquitetura cerebral é acelerada e servirá de suporte para todo o aprendizado futuro3. Por isso, deve existir um cuidado com quais elementos tecnológicos o público infantil utiliza e de que maneira o faz.
Importante salientar que atraso no desenvolvimento cognitivo, na linguagem, atrasos sociais e descontrole emocional, além de comportamentos agressivos, ansiosos e alterações do sono são prejuízos associados ao excesso de exposição a telas na primeira infância. Esses prejuízos são consequências da exposição inadequada a conteúdos impróprios e do uso precoce e excessivo de dispositivos de mídias2,3,12.
Estudos mostram que muitos indivíduos têm um aumento da secreção de dopamina, um neurotransmissor responsável pelo prazer, enquanto usam seus smartphones para acessar o mundo virtual. Quando ficam impossibilitados de utilizar o aparelho, apresentam irritação, angústia, ansiedade e até mesmo agressividade. Já o uso excessivo de telas durante a noite traz prejuízo ao sono. A luz azul emitida pelos dispositivos inibe a produção da melatonina, um hormônio essencial para a qualidade do sono13.
O interesse por esta pesquisa surgiu a partir da preocupação que se tem em relação à criança e ao uso dos dispositivos de mídia. Pois, apesar de ser considerada uma ferramenta que pode melhorar no aprendizado das crianças e ajudá-las em todas as facetas do seu desenvolvimento, tais ferramentas podem provocar grandes prejuízos no desenvolvimento mental e, consequentemente, no aspecto social quando usadas de forma inadequada, prolongada ou sem planejamento3,14.
Diante desse contexto, essa pesquisa objetiva avaliar a exposição e caracterizar o uso de dispositivos de mídia por crianças de 0 a 6 anos de idade em uma unidade de pediatria de um Hospital Regional da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal, descritivo e investigatório da exposição e uso de dispositivos de mídia em crianças na primeira infância15 atendidas na unidade de pediatria de um Hospital Regional da Secretaria Estadual de Saúde do Distrito Federal (SES-DF).
Os dados foram coletados por meio de questionário aplicado pelo próprio pesquisador a voluntários responsáveis por crianças atendidas na unidade de saúde no período de agosto a novembro de 2020.
Foi realizada uma entrevista, em abordagem única, durante consulta de atendimento inicial ou em internação no serviço acima especificado. O participante direto do estudo foi o responsável pela criança atendida. Não houve abordagem direta à criança em nenhum momento.
Para fins deste estudo, os dispositivos de mídia considerados foram: smartphones, tablets, computadores, televisores e aparelhos de videogames.
O questionário abordou os seguintes tópicos:
(1) Nome e idade do entrevistado maior de 18 anos de idade (responsável pela criança);
(2) Dados da criança (Nº do prontuário, idade);
(3) Caracterização do uso de dispositivos de mídia pela criança (frequência de uso, tempo de uso diário, idade do primeiro uso, dispositivo mais usado, presença de dispositivo de mídia no quarto, uso de dispositivo de mídia durante as refeições, supervisão de conteúdo de mídias pelos pais ou cuidadores, perfil em redes sociais e atividades de mídia preferidas);
(4) Acesso à orientação do pediatra sobre os riscos do uso excessivo de telas em consultas de rotina.
Os dados obtidos foram tabulados no software Microsoft Excel para manipulação, tratamento e criação de gráficos e tabelas dinâmicas. Foram determinadas as frequências de cada variável na faixa etária de interesse.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Fiocruz, Brasília/DF, CAAE:31351420.2.0000.8027.
RESULTADOS
Foram realizadas 102 entrevistas. Todos os questionários atenderam aos critérios de inclusão e foram utilizados para o estudo. Os entrevistados, responsáveis pelas crianças, tinham entre 18 e 46 anos, sendo a média igual a 30 anos de idade. Já as crianças pesquisadas tinham de 5 a 71 meses de vida, com a média de aproximadamente 31 meses.
O Gráfico 1 demonstra a distribuição de crianças conforme o tempo de uso diário dos dispositivos. Constatou-se que todas as crianças, independentemente da faixa etária, faziam uso de dispositivos de mídia diariamente. Dentre as crianças com uso diário de mais 3 horas/dia, 8 (22%) apresentaram uso de mídia por tempo igual ou superior a 6 horas/dia.
Gráfico 1. Proporção de crianças conforme o tempo diário de uso de dispositivos de mídias.
Quanto à idade de início de uso de dispositivo de mídia, foi relatado que 85 (83,3%) crianças iniciaram antes de 1 ano de idade e 17 (16,6%) entre 1 e 2 anos. Todas as crianças do estudo iniciaram uso até o segundo ano de vida.
O Gráfico 2 demonstra a preferência de uso de dispositivos de mídia no grupo pesquisado. Independentemente da idade, o dispositivo de mídia mais utilizado foi o smartphone, sendo o preferido por 52 (50,9%) crianças. O segundo mais utilizado foi o televisor, representando 42,2% do total.
Gráfico 2. Percentual de crianças conforme o dispositivo de mídia mais utilizado.
29 crianças (28,4%) possuíam seus próprios aparelhos de mídia. Dessas, 44,8% possuíam smartphone e 37,9% possuíam tablet. 21 crianças (20,6% do total) avaliadas possuíam televisor no quarto.
A maioria dos entrevistados declarou supervisionar o acesso às mídias do menor, com total de 94 (92,1%). 56 (54,9%) responderam possuir classificação indicativa por idade do conteúdo acessado pela criança. A maior parte dos responsáveis pelas crianças (56,8%) permitiam o uso de mídia durante as refeições.
O perfil em redes sociais foi prevalente em 13% das crianças, independentemente do sexo e da idade.
A atividade de mídia preferida entre as crianças pode ser vista no Gráfico 3.
Gráfico 3. Porcentagem de crianças de acordo com a atividade de mídia preferida.
Ao serem questionados se alguma vez receberam informação pelo pediatra sobre os riscos à saúde da criança pelo uso excessivo de tela, 95 (93,1%) dos entrevistados negaram tal abordagem do profissional.
DISCUSSÃO
Os dados obtidos apontam para uma alta prevalência de uso de dispositivo de mídia pelas crianças deste estudo, uma vez que 100% dos entrevistados confirmaram o uso de algum tipo de dispositivo de mídia pelo menos uma vez por dia. Estes resultados se alinham com achados da pesquisa de Nobre et al.4, que mostra um percentual de 94,5% de crianças na primeira infância que foram expostas às telas. A Common Sense Media, em sua terceira edição em 2017, mostrou que nos últimos anos houve crescimento da prevalência de utilização das mídias por crianças de 0 a 8 anos de idade16.
No presente estudo, todas as crianças pesquisadas iniciaram o uso de dispositivos de mídia antes dos 2 anos de idade, faixa etária na qual o uso de mídias é considerado precoce segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)1 e a Academia Americana de Pediatria (APP)8.
Nossa pesquisa identificou que aproximadamente 83% das crianças avaliadas iniciaram o uso de dispositivo de mídia no primeiro ano de vida. Kabali et al.17 demonstraram prevalência de 92% de uso de mídias por “crianças jovens”. Estes resultados corroboram com outras grandes pesquisas que mostram alta prevalência de uso de mídia por crianças jovens, contrariando as recomendações de sociedades científicas que desencorajam a exposição a mídias devido aos prejuízos à saúde causados pelo uso precoce e excessivo dessas tecnologias2,7,16-18.
Por outro lado, a Common Sense Media 2017 mostrou que pais acreditam que o uso de dispositivos de mídia ajuda seus filhos menores de 2 anos no processo de aprendizagem, na capacidade de atenção, na criatividade e nas habilidades sociais16.
Quanto ao tempo de exposição, os dados do nosso trabalho indicam que aproximadamente 58% das crianças utilizam os dispositivos de mídias por mais de 2h/dia, corroborando com achados descritos por Nobre et al.4 e relatórios da Common Sense 201716. Adicionalmente, evidenciou-se que 35,3% das crianças tiveram tempo de exposição de mais de 3 horas/dia, independentemente da idade.
Tanto a SBP1 quanto a AAP8 têm emitido guias e manuais de orientações sobre o uso dos dispositivos de mídia entre as crianças, limitando o uso diário de no máximo 3 horas por dia. De forma mais preocupante, encontramos que aproximadamente 8% das crianças estudadas tinham um tempo de tela igual ou superior a 6 horas/dia. Esses achados evidenciam um consumo diário muito além do recomendado pelas sociedades científicas supramencionadas.
Segundo Paiva e Costa14, o uso excessivo, frequente e indiscriminado de aparelhos eletrônicos traz grandes prejuízos à saúde física, mental e social das crianças. Esse padrão de uso pode ser associado ao comprometimento cognitivo, a prejuízos de linguagem, além de alteração da qualidade do sono, distúrbios de humor e déficit de atenção2,3,19. Outro estudo aponta para possibilidades restritas de diversão, com poucas oportunidades de lazer, práticas de atividade física em família, ou de outras práticas de aprendizado como a leitura devido ao tempo exagerado/excessivo dedicado ao uso de mídias pelas crianças20. Esse perfil de exposição, além de efeitos já descritos, também pode estar relacionado a surgimento de obesidade infantil e ainda influenciar uso de tabaco e outras drogas nessa população19,21.
Em relação aos dispositivos de mídia mais usados, nossa pesquisa encontrou que 51% das crianças têm o smartphone como preferência, dado esse em linha com achados de outros estudos6,18,20,22. Em segundo lugar na preferência, com 42,2%, está o uso do televisor, provando que este dispositivo ainda não foi deixado de lado (Gráfico 2).
Foi relatado que 29 (28,4%) crianças possuíam seus próprios aparelhos de mídia. Dessas, 44,8% possuíam smartphone, seguido por 37,9% que possuíam tablet. Ao avaliar grandes estudos5,6,16,18, percebemos que a preferência por smartphones e tablets entre as crianças é uma tendência atual e que se mostra crescente, inclusive entre as crianças com idades mais tenras. Dados recentes dos Estados Unidos da América ilustram as mudanças no padrão de uso da mídia entre a população infantil. Em 2011, 41% dos americanos de até 8 anos tinham um smartphone em casa, aumentando para 95% em 201716.
Estudo sobre aprendizagem da linguagem baseada em tela descreve a associação positiva entre o uso de mídia interativa e a potencialização do desenvolvimento motor fino em pré-escolares23. O uso de tablets foi considerado como um recurso tecnológico útil na estimulação das funções visuais e táteis em crianças entre 2 e 3 anos de idade. Por outro lado, pode representar riscos por ser uma atividade que favorece ao sedentarismo, isolamento social e emocional. Logo, o efeito do uso de mídia interativa no desenvolvimento infantil depende em grande parte do contexto social e do tipo de atividade5,23.
Ao serem indagados sobre principal atividade de mídia preferida das crianças, 87,3% responderam que a visualização de vídeos era a preferida, independentemente da idade (Gráfico 3). Tal achado está de acordo com outros estudos nos quais a preferência da maioria dos menores investigados era assistir a vídeos5,16.
92,1% dos entrevistados declararam supervisionar o conteúdo de mídia acessado pelas crianças. Este percentual é superior ao encontrado por Guedes et al.5, que apontaram que por volta de 75% dos pais acompanhavam seus filhos durante o consumo de mídias. O índice de supervisão mais elevado pode ser explicado pelo isolamento social imposto para o controle da pandemia pelo SARS-CoV-2. Tal fato pode ter oportunizado o exercício de um controle mais próximo dos pais e responsáveis em relação ao uso de dispositivos de mídias por parte das crianças.
Apesar do percentual das declarações de não supervisão encontrado ser aparentemente baixo (aproximadamente 8%), entende-se que esta situação representa um risco significativo, uma vez que as crianças têm uma baixa percepção do perigo associado ao uso inadequado de tela. Também deve-se considerar o percentual encontrado de crianças (20,6%) que possuem dispositivos de mídia no quarto, o que dificulta o uso supervisionado.
Pesquisas referem que alguns pais e a maioria das crianças e adolescentes são plenamente incapazes de reconhecer os riscos a que são expostos pelo consumo de mídia, e, consequentemente, põem em xeque a capacidade de definir e impor limites17,18,24. É importante que pais e educadores assegurem um ambiente virtual seguro que favoreça um desenvolvimento integral e adequado a essa população. A relação da criança com o mundo digital repercutirá positiva ou negativamente dependendo da mediação do adulto, da qualidade do conteúdo e da quantidade de tempo gasto nesta atividade20.
Estudos mostram que cada vez mais crianças são usuárias de perfis em redes sociais18,25. Grande parte delas rotineiramente expõem suas vidas íntimas através de postagens de fotos e vídeos. Muitas vezes, estas ações os tornam alvo de investiduras mercadológicas, cyberbullying, exploração sexual ou até mesmo de pedófilos25. Nossa pesquisa revelou que 13% das crianças, algumas delas menores de 1 ano de idade, tinham perfil em alguma rede social.
Segundo Favorito26, um levantamento feito nos Estados Unidos com 1000 mães mostrou que 40% delas criaram perfis em redes sociais para seus filhos com menos de 1 ano de idade. Essa divergência (13% x 40%) talvez seja explicada pela forma na coleta de dados de nosso estudo, que realizou entrevistas aplicadas por profissional médico dentro de um serviço de saúde de pediatria. Esse modelo pode ter constrangido os entrevistados em assumir que expuseram crianças jovens às redes sociais de domínio público.
Por lidar diretamente com crianças, o pediatra pode identificar situações de riscos diversos, dentre eles, o estresse tóxico provocado pelo uso excessivo e inadequado de mídia2. Ao serem questionados se já haviam, em qualquer momento, recebido alguma informação do pediatra sobre os riscos à saúde da criança pelo uso excessivo de dispositivos de mídia, 93,1% dos entrevistados responderam de forma negativa. Esse achado é importante e pioneiro, pois demonstra um vácuo de atuação do pediatra no enfrentamento do problema.
A Sociedade Brasileira de Pediatria afirma que é papel do pediatra dialogar com a família sobre hábitos de vida que possam ser prejudiciais para as crianças, como o consumo digital com conteúdo de violência, terror, uso de drogas, sexo, discriminação, dentre outros2,9. O pediatra deve estar apto quanto à conduta e ao acompanhamento longitudinal dos fatores de risco e das consequências do estresse tóxico, incluindo o causado pelo uso de mídia, para garantir a proteção do desenvolvimento físico, mental e social das crianças acometidas2.
Os dados obtidos nesta pesquisa reforçam que o fácil acesso aos dispositivos de mídia, muitas das vezes incentivados e influenciados por pais e cuidadores, somado à facilidade de manuseio e o grande poder atrativo, favorecem a disseminação do uso dessas tecnologias em todas as faixas etárias, especialmente na primeira infância. Isso, aliado ao uso ilimitado e não supervisionado, contribui para o que vem sendo denominado de dependência digital.
Os estudos atuais ainda se mostram muito divergentes em relação aos efeitos dessas mídias no desenvolvimento infantil. Logo, são necessários estudos longitudinais, a fim de monitorar o uso das mídias e seus efeitos de forma controlada. Enquanto isso, cabe ao pediatra orientar pais e cuidadores e traçar estratégias parar promover o uso saudável dessas tecnologias até que sejam mais bem estabelecidos seus impactos na saúde e no desenvolvimento infantil.
CONCLUSÃO
Foi constado um padrão de uso inadequado de mídias pelas crianças do estudo, sendo caracterizado o início de uso precoce, frequente e por tempo excessivo.
Foi evidenciado um vácuo de atuação do pediatra no enfrentamento do problema relacionado ao uso de mídia por crianças na primeira infância.
Tais achados podem subsidiar o desenvolvimento de estratégias para a prevenção do estresse tóxico ligado à atual epidemia chamada dependência digital.
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Data de Submissão: 12/01/2021
Data de Aprovação: 07/04/2021