ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2014 - Volume 4 - Número 3

Síndrome alcoólica fetal - Relato de caso clínico

Fetal alcohol syndrome - Case report
Síndrome alcohólico fetal - Relato de caso clínico

RESUMO

A Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) caracteriza-se por deficiências do crescimento, disfunções do sistema nervoso central (SNC) e alterações dos traços faciais. O presente trabalho tem como objetivo descrever o caso de uma criança que permanece internada na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro em Uberaba - MG, correlacionando com estudos da literatura científica, aspectos clínicos, diagnóstico e prevenção. A SFA é considerada um problema de saúde pública, sendo possível e previsível sua prevenção pela abstinência de bebidas alcoólicas imediatamente antes da concepção e no período do pré-natal.

Palavras-chave: anormalidades craniofaciais, pediatria, transtornos do espectro alcoólico fetal.

ABSTRACT

The Fetal Alcohol Syndrome (FAS) is characterized by growth failure, disorders of the central nervous system and changes in facial features. This paper aims to describe one of a child who remains hospitalized in the in the Pediatric Intensive Care Unit of the Hospital de Clínicas, Federal University of Triângulo Mineiro in Uberaba - MG, correlating with studies from the scientific literature, clinical, diagnostic and prevention aspects. The SFA is considered a public health problem, being possible and predictable prevention through abstinence from alcohol immediately before conception and during the prenatal period.

Keywords: craniofacial abnormalities, fetal alcohol spectrum disorders, pediatrics.

RESUMEN

El Síndrome Alcohólico Fetal (SAF) se caracteriza por deficiencias del crecimiento, disfunciones del sistema nervioso central (SNC) y alteraciones de los rasgos faciales. El presente trabajo tiene como objetivo describir uno de un niño que sigue internado en la Unidad de Terapia Intensiva Pediátrica del Hospital de Clínicas de la Universidad Federal del Triângulo Mineiro en Uberaba - MG, correlacionando con estudios de la literatura científica, aspectos clínicos, diagnóstico y prevención. SFA se considera un problema de salud pública, siendo posible y previsible su prevención a través de la abstinencia de bebidas alcohólicas inmediatamente antes de la concepción y en el periodo del prenatal.

Palabras-clave: anormalidades craniofaciales, pediatría, síndrome alcohólico fetal.


INTRODUÇÃO

A exposição ao álcool durante a gravidez compromete o desenvolvimento infantil, podendo implicar em anomalias estruturais, neurocognitivas e comportamentais1,2.

Síndrome Alcóolica Fetal (SAF) caracteriza-se por deficiências do crescimento, disfunções do sistema nervoso central (SNC) e alterações dos traços faciais2.

Esse trabalho, que relata um caso, tem como principal objetivo descrever uma SAF de uma criança que permanece internada no CTI pediátrico do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro em Uberaba - MG até a data de finalização deste.

Ainda que esse tema tenha sido objeto de publicação de vários autores, não temos estatísticas suficientes sobre incidência de SAF no Brasil. É notório o baixo número de relatos de caso na comunidade científica, não sendo bem definidas e, consequentemente, diagnosticadas.

O álcool é a substância psicoativa mais consumida no mundo e vem crescendo demasiadamente no Brasil, acometendo 5 a 10% da população adulta. Somos recordistas mundiais em alcoolismo infantil na faixa etária de 10 a 12 anos2,3.

É fundamental a equipe de saúde identificar precocemente esse comportamento de risco de prováveis gestantes, pois se as mesmas abstiverem do uso de bebidas alcoólicas imediatamente antes da concepção, as anomalias congênitas por SAF são totalmente preveníveis.


DESENVOLVIMENTO

Este estudo foi embasado em revisão de literatura previamente ao diagnóstico de Síndrome Alcoólica Fetal de uma paciente internada no Hospital Escola da Universidade Federal do Triângulo (Uberaba - MG). A participação do sujeito ocorreu com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pela representante legal da menor.

Os efeitos deletérios intrauterinos da exposição ao álcool são coletivamente referidos como Desordens de Espectro Alcoólico Fetal (Fetal Alcohol Spectrum Disorders - FASD). São elas: Síndrome Alcoólica Fetal (SAF); síndrome alcoólica fetal parcial; encefalopatia alcoólica e as desordens neurocomportamentais da exposição ao álcool1,4,5.

O agrupamento das alterações físicas, mentais, comportamentais e/ou de aprendizagem, decorrente da exposição materna ao álcool em FASD, facilita o entendimento didático da SAF, que é sua forma mais grave6.

Será abordada a Síndrome Alcoólica Fetal, tríade caracterizada por déficits de crescimento pré e pós-natais, dismorfismos faciais e evidências de anormalidades do sistema nervoso central5-7.

Foi publicado um guideline que apresenta recomendações para diagnóstico da Síndrome Alcoólica Fetal, baseado em um estudo multidisciplinar pautado em evidência científica da literatura no período de 2001 a 2011. Define que para SAF ser diagnosticada devem estar presentes as anormalidades de crescimento, anormalidades faciais e do sistema nervoso central (SNC) - confirmado ou não exposição intrauterina ao álcool4.

  • Anormalidade de crescimento - Nível de evidência 2A (pelo menos uma das seguintes alterações):

  • 1. Peso de nascimento ou peso corporal < percentil 10th;

    2. Comprimento de nascimento ou comprimento corporal < percentil 10th;

    3. Índice de massa corporal < percentil 10th.

  • Anormalidades Faciais - Nível de evidência 1A (deve ter as três anormalidades)

  • 1. Fissura palpebral curta;

    2. Filtro nasal liso;

    3. Lábio superior fino.

  • Anormalidade do Sistema Nervoso Central - Consenso de especialistas (pelo menos uma alteração)

  • 1. Alterações funcionais do SNC (atenção, habilidades motoras, aprendizagem, funções executivas abaixo do normal). Evidência 2-4B;

    2. Alterações estruturais do SNC (microcefalia < 10th) - Evidência 2B.



    RELATO DE CASO

    Paciente A.L.C., sexo feminino, nascida em 13 de janeiro de 2014 no Hospital Universitário de Uberaba de parto cesáreo, pesando ao nascimento 2.495 gramas, idade gestacional de 41 semanas, evoluindo em sala de parto com desconforto respiratório precoce e intubação orotraqueal. Encaminhada ao Hospital Escola da UFTM com duas horas de vida, apresentando no exame físico má formações de face com apêndices auriculares bilaterais e nasal; asssimetria de tórax.

    Como antecedente obstétrico, há pré-natal incompleto com apenas duas consultas, e história de exposição importante ao álcool e tabaco confirmado por relatório de assistência social anexa ao prontuário do dia 30 de janeiro de 2014.

    Durante internação, a criança evoluiu com quadro de pneumonia, sepse, distúrbios hidroeletrolíticos, falhas de extubações, conjuntivites, gastrostomia, traqueostomia (Figura 1), necessitando o uso de antibioticoterapia de amplo espectro e drogas vasoativas. Atualmente, ocupa o leito de pacientes com comorbidades crônicas da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica da UFTM.


    Figura 1. Assimetria de tórax; gastrostomia e traquostomia.



    A propedêutica pode se confirmar pela radiologia, um quadro de dextrocardia, má formações em coluna torácica, e arcos costais por tomografia de tórax, rim direito pélvico por ultrassonografia de abdômen. A tomografia de crânio e ultrassom trans Fontanela não evidenciaram más formações estruturais de Sistema Nervoso Central.

    Em avaliação com a Neuropediatria, foi levantada a hipótese de Síndrome Alcoólica Fetal em virtudes das características como microcefalia, filtro nasal discreto, lábio superior fino, pálpebra superior curta, apêndices faciais (Figura 2) e baixo peso de nascimento. Em 1995, já se apresentava essas alterações correlacionando-as ao diagnóstico da SAF1.


    Figura 2. Filtro nasal discreto; lábio superior fino; pálpebra superior curta; apêndices faciais.



    Paciente avaliada ainda pela genética médica, que colheu exame de cariótipo com pesquisa de banda G, com resultado normal. Não foi configurada correlação com nenhuma síndrome genética.

    Foram aferidas suas medidas antopométricas com 4 meses e 18 dias de vida, com os seguintes resultados:

  • Gráfico Z escore de Peso por Idade abaixo de - 3, com 3.195 gramas de peso;
  • Gráfico Z escore de Perímetro Cefálico por Idade abaixo de - 3, com 36 cm de perímetro cefálico;
  • Gráfico Z Escore de Estatura por Idade abaixo de - 3, com 46 cm de comprimento. (World Health Organization, 2007).


  • Como resultado desse trabalho, amparados pelos levantamentos até aqui desenvolvidos, oferecemos a casuística de um caso clínico simplificadamente objetivo, enquadrando se o relato como quadro de Desordem do Espectro Alcoólico, na classe de Síndrome Alcoólica Fetal, bem definida pela deficiência de crescimento intraútero pelo baixo peso ao nascimento, e gráfico de Z escore altura pela idade sempre menor do que - 3 (World Health Organization), pelas más formações crânio faciais características e bem sugestivas da síndrome e, finalmente, pelas disfunções do Sistema Nervoso Central, pois, apesar de não apresentar até o momento má formação cerebral aos exames radiológicos, teve crises convulsivas, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor descrito em interconsulta com a neuropediatria, microcefalia com Z escore menor do que - 3. (World Health Organization).


    CONCLUSÃO

    A SAF foi pensada pela característica física, história materna e deverá ser conduzida de forma a minimizar consequências que, nesta criança, foram graves, visto que ainda está internada em cuidados de terapia intensiva e apresentando prognóstico reservado. A mãe foi encaminhada ao tratamento do alcoolismo com acompanhamento psicoterapêutico e assistência social.


    REFERÊNCIAS

    1. Ribeiro EM, Gonzalez CH. Síndrome alcoólica fetal: revisão de literatura. Pediatria. 1995;17(1):47-56.

    2. Rossi JAP, Santiago KB, Martins OA. Estudo da síndrome alcoólica fetal (saf). Rev Eletrônica Educ Ciênc. 2012;2(1):1-9.

    3. Schwartzman JS. Síndrome fetal alcoólica. 2009 [Acesso 20 Ago 2014]. Disponível em: http://www.schwartzman.com.br/php/index.php?option=com_content&view=article&id=52:sindrome-fetal-alcoolica&catid=1:deficiencia-intelectual&Itemid=21

    4. Landgraf MN, Nothacker M, Kopp IB, Heinen F. The diagnosis of fetal alcohol syndrome. Dtsch Arztebl Int. 2013;110(42):703-10. PMID: 24223670

    5. Lamônica DAC, Gejão MG, Aguiar SNR, Silvia GK, Lopes AC, Richieri-Costa A. Desordens do espectro alcoólico fetal e habilidades de comunicação: relato de caso familiar. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(1):129-33. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342010000100021

    6. Mesquita MA, Segre CAM. Congenital malformations in newborns of alcoholic mothers. Einstein. 2010;8(4 Pt 1):461-6.

    7. Zhou D, Lebel C, Lepage C, Rasmussen C, Evans A, Wyper K, et al. Developmental cortical thinning in fetal alcohol spectrum disorders. Neuroimage. 2011;58(1):16-25. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.neuroimage.2011.06.026


    BIBLIOGRAFIA ADICIONAL

    1. WHO Growth reference 5-19 years [Acesso 6 Nov 2014]. Disponível em: http://www.who.int/growthref/who2007_bmi_for_age/en/










    1. R2 em pediatria - Residente em pediatria
    2. Chefe do departamento materno infantil do Hospital Escola da UFTM - Supervisora da residência médica de UTI pediátrica do Hospital Escola da UFTM (Uberaba - MG). Médica Pediatra, preceptora e orientadora do artigo em processo de submissão
    3. Cirurgiã Dentista graduada pela faculdade Unitri em Uberlândia - MG - Cirurgiã Dentista atuante e integrante do corpo clínico da clínica Dental Hall em Uberlândia - MG. Orientadora da parte de metodologia científica do artigo em processo de submissão

    Endereço para correspondência:
    Gean Roberto Faria Mendonça
    Universidade Federal do Triângulo Mineiro
    Rua do Carmo, nº 373, apto. 101. Nossa Senhora da Abadia
    Uberaba - MG, Brasil. CEP: 38025-000