ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2022 - Volume 12 - Número 4

Avaliação do tratamento utilizado nos casos de bronquiolite viral aguda diagnosticados no pronto-socorro pediátrico.

Evaluation of the treatment used in cases of acute viral bronchiolitis diagnosed in the pediatric emergency room

RESUMO

Introdução: A bronquiolite é uma doença viral que ocorre em lactentes, e é uma importante causa de hospitalização neste grupo. Tem um curso benigno. O único tratamento comprovadamente eficaz é o de suporte.
Objetivos: Avaliar a frequência dos tratamentos farmacológicos e não farmacológicos utilizados em pacientes que receberam diagnóstico de bronquiolite no Pronto Socorro (PS) nos últimos cinco anos, a evolução da bronquiolite nesses pacientes e elaborar um protocolo de tratamento para pacientes com bronquiolite.
Métodos: Estudo retrospectivo longitudinal incluindo crianças diagnosticadas com bronquiolite no pronto-socorro de 1º de janeiro de 2014 a 31 de dezembro de 2018. Os pacientes foram comparados quanto à idade, mês do ano em que procuraram o PS, características clínicas antes e após a abordagem inicial, necessidade de assistência ventilatória e resultados.
Resultados: Analisamos 614 crianças; 58,3% eram do sexo masculino; a média de idade foi de 5,21 meses; houve concentração de casos entre abril e julho; a complicação foi descrita em 18,24% dos pacientes. A primeira escolha terapêutica foi o broncodilatador inalatório (60,6%). Todos os tratamentos foram relacionados a uma redução estatisticamente significativa na sibilância. Os tratamentos que apresentaram as maiores taxas de melhora no padrão respiratório infantil foram a lavagem nasal com SF 0,9% e a oxigenoterapia.
Conclusão: A evolução em pacientes com bronquiolite depende principalmente de como o organismo reage à infecção. Nenhum tratamento demonstrou eficácia em alterar o desfecho da bronquiolite, apesar da melhora clínica transitória. O uso de medicamentos parece estar associado a maior preocupação do médico devido à maior gravidade nessas crianças. Assim, é necessário criar um protocolo para tratar um paciente com bronquiolite que reduza intervenções desnecessárias.

Palavras-chave: Bronquiolite Viral, Manejo da Terapia Medicamentosa, Protocolos Clínicos, Vírus Sincicial Respiratório Humano.

ABSTRACT

Introduction: Bronchiolitis is a viral disease that occurs in infants and is an important cause of hospitalization in this group. It has a benign course. The only treatment that is proven to be effective is supportive.
Objectives: To evaluate the frequency of pharmacological and non-pharmacological treatments used in patients who received bronchiolitis diagnosis in the Emergency room (ER) in the last five years, bronchiolitis evolution in these patients and develop a treatment protocol for bronchiolitis patients.
Methods: Longitudinal retrospective study including children diagnosed with bronchiolitis in the ER from January 1, 2014 to December 31, 2018. Patients were compared for age, month of year in which they sought the ER, clinical characteristics before and after initial approach, need for ventilatory assistance, and outcome.
Results: We analyzed 614 children; 58.3% were male; mean age was 5.21 months; there was a concentration of cases between April and July; Complication was described in 18.24% of patients. First therapeutic choice was inhaled bronchodilator (60.6%). All treatments were related to a statistically significant reduction in wheezing. Treatments that showed the highest improvement rates in infant respiratory pattern were nasal washing with SF0.9% and oxygen therapy.
Conclusion: Evolution in bronchiolitis patients mainly depends on how the organism reacts to infection. No treatment demonstrated efficacy in changing bronchiolitis outcome, although transitory clinical improvement. Drug usage seems to be associated with greater physician concern due to greater severity in these children. Thus, a protocol needs to be created for treating a patient with bronchiolitis which reduces unnecessary interventions.

Keywords: Bronchiolitis Viral, Medication Therapy Management, Clinical Protocols Respiratory Syncytial Virus Human.


INTRODUÇÃO

A bronquiolite viral aguda (BVA) é a causa mais comum de infecção do trato respiratório inferior em lactentes jovens1 e uma importante causa de hospitalização2. É uma doença sazonal com curso benigno em lactentes saudáveis, mas alguns casos têm evolução desfavorável3.

Nos Estados Unidos, a taxa de incidência foi de 11 casos por 100 crianças menores de um ano1,4. No Brasil, a taxa de internação foi de 2,1%. Nos casos de infecção pelo Vírus Sincicial Respiratório (VSR), 2,7% foram admitidos em unidade de terapia intensiva (UTI), 1,5% necessitaram de suporte ventilatório mecânico e óbito ocorreu em 0,2%5.

O VSR é a causa mais comum de BVA. Outros patógenos, como rinovírus e adenovírus, também podem causar bronquiolite1,3. A infecção por VSR atinge o pico durante as estações mais frias e chuvosas7,8.

Fisiopatologicamente, o vírus danifica a mucosa das vias aéreas inferiores, causando edema, eventual necrose e tampões mucosos. Assim, há obstrução das vias aéreas e vários graus de colapso lobar4. A contração do músculo liso é outro mecanismo potencial de obstrução das vias aéreas. Consequentemente, ocorre hiperinsuflação pulmonar, incompatibilidade ventilação/perfusão e aumento do espaço morto, causando hipercapnia e hipoxemia3.

Geralmente é uma doença autolimitada, benigna, bem definida, com febre baixa e coriza por três a cinco dias, evoluindo para tosse seca, taquipnéia e/ou dificuldade respiratória, sibilância e/ou crepitação na ausculta respiratória. A apneia pode ocorrer em lactentes jovens3. Casos graves predominam em homens devido a diferenças de gênero na maturação imunológica e no desenvolvimento das vias aéreas9. Os principais fatores de risco para um curso desfavorável da BVA são lactentes menores de três meses, prematuros com menos de trinta e quatro semanas, imunodeficiência, doenças cardíacas e pulmonares crônicas3.

O tratamento domiciliar é indicado na maioria dos casos, mas menores de dois meses, com apnéia, frequência respiratória (FR) > 70 irpm, saturação de oxigênio (SpO2) < 92%, cianose, dificuldade respiratória, alteração do nível de consciência e ingestão hídrica inadequada devem ser hospitalizados3,8.

Os escores ajudam a identificar os casos que podem evoluir com gravidade, incluindo o Respiratory Distress Assessment Instrument (RDAI). O Pediatric Early Warning Score (PEWS) é geralmente o mais usado na prática pediátrica5. Eles documentam a gravidade clínica do paciente e devem ser realizados ao longo da evolução da criança juntamente com outras medidas de gravidade, para melhor definir estratégias terapêuticas5,12.

O diagnóstico da BVA é clínico, e exames complementares como radiografia e hemograma podem ser utilizados para investigar complicações ou diagnósticos diferenciais3. O vírus pode ser identificado pela aspiração de secreção da nasofaringe e orofaringe13.

O tratamento da BVA pode ser controverso com várias propostas terapêuticas, refletindo a falta de evidências claras de um único tratamento eficaz. Muitas intervenções falharam em mostrar efeitos consistentes relevantes14.

A conduta inicial é voltada para medidas gerais, como monitorização, controle da temperatura e manutenção da calma da criança, o que ocasiona diminuição do turbilhonamento do fluxo aéreo pulmonar. Estudos sugerem monitoramento intermitente da oxigenação14.

Irrigação nasal com soro fisiológico 0,9% é indicada e aspiração suave de secreções1. Além disso, a hidratação oral, intravenosa ou sonda nasogástrica devido ao aumento das perdas insensíveis por febre, taquipnéia, esforço respiratório e baixa ingestão hídrica são essenciais13. O oxigênio é indicado quando SpO2 < 92% ou há aumento do esforço respiratório3. Deve ser administrado através de cateter nasal, máscara Venturi, máscara não-rebreather ou cânula nasal de alto fluxo3,15. Pacientes com insuficiência respiratória devem ser acoplados à ventilação não invasiva ou mecânica3. Quanto à fisioterapia respiratória, não há dados que mostrem benefício em relação ao oxigênio14.

Os inaladores broncodilatadores de curta duração não são recomendados, embora alguns estudos tenham mostrado melhoras no escore clínico. Seu uso na BVA tem sido indiscriminado, talvez pela semelhança com a asma14,16. No caso de pacientes que tenham apresentado episódio de sibilância anterior à BVA, sugere-se teste terapêutico com broncodilatador com manutenção posterior se houver melhora clínica. A epinefrina inalatória também não deve ser usada rotineiramente no tratamento de BAV, pois não há evidências contundentes sobre seu uso14.

A solução salina hipertônica 3%, utilizada em crianças hospitalizadas por demonstrar melhora clínica transitória e redução do tempo de internação, não teve a mesma eficácia quando utilizada em emergência14. O uso de corticosteroides sistêmicos em crianças com BVA é proibido, pois não há dados sobre segurança ou efeitos colaterais1,14.

O uso desnecessário de antibióticos ocorre devido à preocupação dos profissionais de saúde pela presença de febre, dificuldade de diferenciar entre atelectasia e pneumonia por imagem de radiografia ou medo de não detectar infecção bacteriana secundária. Seu uso não melhora a duração dos sintomas, não diminui o tempo e a necessidade de internação ou uso de oxigênio1. Antibióticos, portanto, não são recomendados, exceto em infecção bacteriana concomitante14. Antivirais específicos, como a ribavirina, são pouco estudados e não recomendados devido ao seu alto custo17.

O manejo clínico da BVA ainda é um desafio1. É uma doença que tem poucas intervenções comprovadas e gera bastante desconforto para o paciente, família e para os profissionais. Portanto, é comum que a terapia farmacológica seja utilizada sem evidências na tentativa de melhorar os sintomas do paciente e reduzir o tempo de internação e desfechos desfavoráveis.


OBJETIVOS


1. Avaliar a frequência dos tratamentos farmacológicos e não farmacológicos utilizados em pacientes com diagnóstico de BVA.

2. Avaliar a etiologia, quadro clínico e evolução (alta hospitalar, internação em enfermaria, UTI pediátrica ou óbito) da BVA nesses pacientes.

3. Desenvolver um protocolo de tratamento para pacientes diagnosticados com BVA com base nas recomendações internacionais



MÉTODOS

Este foi um estudo longitudinal retrospectivo de crianças com BVA atendidas no Pronto-Socorro Pediátrico do Hospital das Clínicas de Botucatu no período de 1º de janeiro de 2014 a 31 de dezembro de 2018.

Todos os lactentes que tiveram o primeiro episódio de sibilância associado a uma infecção viral foram incluídos no estudo. Também foram incluídos pacientes com diagnóstico de BVA, mesmo com episódio anterior.

Os pacientes foram comparados quanto à idade, mês de diagnóstico, características clínicas antes e após a abordagem inicial (frequência cardíaca, frequência respiratória, saturação de O2, presença de sibilância na ausculta pulmonar e presença de qualquer grau de desconforto respiratório), necessidade de assistência ventilatória (cânula nasal, nasal de alto fluxo, máscara e ventilação mecânica) e desfecho (necessidade de internação e complicações).

A intensidade do desconforto respiratório foi subjetivamente definida como retrações subdiafragmáticas e/ou intercostais leves, moderadas ou graves.

As seguintes abordagens iniciais foram avaliadas: 1) nenhuma intervenção; 2) Irrigação nasal com soro fisiológico 0,9%; 3) Fenoterol inalatório; 4) Fenoterol inalatório + irrigação nasal com soro fisiológico 0,9%; 5) solução salina 0,9% inalatória; e 6) oxigenoterapia isolada (cânula nasal, nasal de alto fluxo, máscara e ventilação mecânica).

O tratamento farmacológico foi definido como o uso de broncodilatadores inalatórios, corticosteroides sistêmicos, solução salina hipertônica inalatória, oxigenoterapia, antibióticos e Oseltamivir. O não farmacológico é inalatório e irrigação nasal com soro fisiológico 0,9%. Nenhuma intervenção é apenas de imagem e exames laboratoriais foram realizados.

As complicações foram atelectasia (imagem sugestiva de radiografia descrita no prontuário) e infecção bacteriana secundária à introdução de antibióticos durante a evolução do paciente.

O escore PEWS foi utilizado na formulação do protocolo por ser mais objetivo e de mais fácil aplicação.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina de Botucatu (CAAE: 16651919.0.0000.5411).

Os dados foram colhidos do prontuário eletrônico o que ocasionou limitações ao estudo pela falta de algumas informações.

Foi realizada análise estatística descritiva dos dados, com frequências e percentuais para variáveis qualitativas e média, mediana, desvio padrão, valores mínimo e máximo para variáveis quantitativas.

O teste Qui-quadrado ou, quando necessário, o teste exato de Fisher foi realizado para verificar associações entre complicações e variáveis ​explicativas de interesse, e entre tratamento e variáveis explicativas. Quando necessário, um teste de Proporção foi realizado após o teste Qui-quadrado para verificar diferenças estatísticas entre as variáveis.

Para variáveis contínuas, um teste de normalidade dos dados foi realizado para verificar a simetria dos dados para variáveis contínuas. O Teste t-Student foi utilizado nas variáveis​com distribuição simétrica para verificar diferenças entre os momentos pré- e pós- dentro de cada tratamento, e um Modelo Linear Generalizado Ajustado e distribuição gama foram utilizados quando as variáveis apresentaram distribuição assimétrica.

Os resultados foram considerados significativos quando p < 0,05.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

No total, foram analisadas 614 crianças com BVA, sendo 358 (58,3%) do sexo masculino - o que está de acordo com a literatura9.

A média de idade foi de 5,21 meses, concordando com os artigos revisados1,4, variando de zero a 29 meses. O tempo médio de sintomas ao procurar o PS foi de 4,11 dias, variando de zero a 45 dias (1 caso), este último com várias idas à unidade.

Os casos concentraram-se entre abril e julho (63,19%), com pico em maio e junho (38,6%), demonstrando uma sazonalidade também descrita na literatura1,3, repetindo-se a cada ano do estudo, conforme gráfico 2.

A maioria, 65,64%, necessitou de internação em enfermaria ou UTI (12,9%), divergindo da literatura. A hospitalização média nos países desenvolvidos é de 3%4. Em um estudo brasileiro, a taxa de hospitalização foi de 2,1%. Dos infectados pelo VSR, 2,7% receberam suporte de UTI5. Tais dados em nosso estudo podem ser explicados pelo maior cuidado da equipe de saúde na observação dos pacientes ou casos leves não diagnosticados. O tempo médio de internação foi de 5,58 dias, variando de 1 dia a 21 dias, e o de internação na UTI foi de 5,25 dias, variando de 2 dias a 15 dias.

Um total de 360 pacientes (58%) necessitou de O2. Principi, T et al (2016) relataram que 64% dos pacientes precisaram de O222. Assim, nosso valor para essa variável é semelhante ao da literatura. O tempo médio de oxigênio foi de 2,9 dias, variando de 2 horas a 20 dias.

A maioria dos pacientes que necessitou de O2 utilizou cateter nasal (80,80%), demonstrando evolução benigna da BAV, concordando com a literatura3. Menos de 1% dos nossos pacientes usaram cânula nasal de alto fluxo, devido à falta de equipamento em nosso serviço, embora melhore consideravelmente o desconforto respiratório do paciente3. A não posse do dispositivo nesse período do estudo pode ter contribuído para a alta taxa de internação em nossa série.

Dos 366 testados para Influenza neste estudo, apenas 6 (1,64%) estavam positivos. Essa baixa taxa de detecção pode ser devido a alguns pacientes terem sido vacinados, mas não havia essa descrição em seus prontuários. Destes, 5 (83,34%) ficaram internados entre 1 e 14 dias (média de 6,40 dias). A taxa de internação encontrada neste estudo, apesar do pequeno número de pacientes, é muito superior à encontrada na literatura. Isso pode ser devido às baixas taxas de teste para esse tipo de vírus. Todos os pacientes internados com Influenza necessitaram de O2, em média por 5,2 dias. As complicações ocorreram em 2 (33,34%). Nenhum necessitou de unidade de terapia intensiva (UTI). Todos os 5 pacientes internados receberam Oseltamivir nas primeiras 48 horas de internação, o que pode explicar a ausência de internação em UTI para esses pacientes.

Dos 373 testados para VSR, 190 (50,94%) foram positivos. Isso é menor do que a literatura, que relata cerca de 80% de casos positivos de VSR3. Essa diferença pode ser explicada pela baixa taxa de testagem nesse período (60,7% dos pacientes). De todos aqueles com VSR positivo, 180 (95,78%) ficaram internados por uma média de 6,46 dias. Destes, 33 (17,26%) necessitaram de UTI. Nos pacientes com VSR, 170 (89,47%) necessitaram de O2 e complicações apareceram em 59 (31,05%).

É importante ressaltar que nosso serviço dispõe apenas de kits para identificação dos vírus Influenza e VSR e que estes são escassos em épocas de maior demanda.

Do total de pacientes, 18,24% apresentaram algum tipo de complicação (atelectasia ou infecção secundária com idade média de 4,98 meses. O tempo médio de sintomas desses pacientes ao procurar o PS foi de 3,88 dias. O tempo médio de internação foi de 9,02 dias e o uso de O2 foi de 7,46 dias. Dos internados na UTI, a maioria (75%) apresentou algum tipo de complicação.

Nenhum dos pacientes diagnosticados nesse período foi a óbito, o que está de acordo com a literatura que relata baixíssima mortalidade na BVA3,5.

No momento do estudo, 57 pacientes (9,5%) não receberam nenhuma intervenção. A irrigação nasal com soro fisiológico 0,9% foi realizada em 90 pacientes (15%); Fenoterol inalatório para 305 pacientes (51,17%); Fenoterol inalatório + irrigação nasal com soro fisiológico 0,9% para 57 pacientes (9,5%); inalou soro fisiológico 0,9% em 34 pacientes (5,5%); e oxigenoterapia isolada para 55 pacientes (9,19%). Deve-se levar em consideração que a análise da oxigenoterapia no Grupo 6 foi realizada como terapia isolada, com uso de cateter nasal, máscara venturi, máscara não rebreather, VNI e VM conforme a necessidade do paciente.

A maioria (69,8%) dos pacientes recebeu algum tipo de medicamento como primeira opção terapêutica, principalmente por via inalatória (60,6%). Na Tabela 1, vemos que os pacientes que receberam medicamento (3, 4 e 6) foram os que mais apresentaram desconforto respiratório no exame físico pré-tratamento, principalmente os mais taquipneicos e hipoxêmicos. Pela Tabela 1, podemos supor que existe uma tendência a usar mais medicamentos quando o paciente apresenta algum sinal de gravidade.




O tempo médio de internação foi maior no Grupo 4 (6,2 dias), mas sem diferença estatisticamente significativa entre os grupos, tanto no tempo de internação quanto no tempo de uso de O2.

A Tabela 2 mostra que os pacientes, quando mantidos em observação, evoluem com melhora da FC e FR após a admissão no pronto-socorro, provavelmente porque a criança apresenta uma forma leve da doença. Além disso, ficam tranquilos e confortáveis no colo da acompanhante, levando a um menor turbilhonamento do fluxo aéreo, melhorando o desempenho respiratório e reduzindo esforços, taquipnéia e taquicardia.




Após a irrigação nasal, observamos melhora da FR, que pode ser explicada pela retirada de secreções que obstruem as vias aéreas dos lactentes, que apresentam respiração predominantemente nasal. Este dado reforça a literatura sobre a utilidade desta medida simples2,3.

Após nebulização com fenoterol, houve melhora da FC, FR e SpO2. A literatura tem mostrado que o broncodilatador inalatório melhora os escores clínicos, como encontrado em nosso estudo, mas de forma transitória3. Neste caso, estamos avaliando a resposta do paciente logo após o tratamento e não temos dados clínicos para verificar se houve melhora sustentada.

A queda da FC e FR do paciente pode ser explicada pela melhora do padrão respiratório. No entanto, deve-se considerar que essa diminuição da FC, demonstrada em termos estatísticos, pode não ter significado biológico.

Houve melhora na FC, FR e SpO2 após o Tratamento 4 (fenoterol inalatório + irrigação nasal com soro fisiológico 0,9%) e Tratamento 2 (irrigação nasal). Como o lactente é respirador nasal, seu padrão respiratório melhora significativamente ao retirar a secreção nasal, pois fica mais confortável e menos irritado, além de oxigenar melhor com o aumento da SpO2. Nesse caso, a FC pode melhorar devido à melhora do esforço respiratório, independente do uso de broncodilatador.

Houve melhora nos valores de FC, FR e SpO2 após o Tratamento 5, mas sem significância estatística, o que pode ser explicado pela pequena amostra.

No Tratamento 6, encontramos melhora na SpO2 e na FR. A melhora da SpO2 com a oxigenoterapia é simplesmente explicada pelo fornecimento de maior FiO2, com consequente melhora da taquipnéia.

Todos os tratamentos mostraram uma melhora estatisticamente significativa na respiração ofegante na ausculta.

Ao analisar esta tabela, notamos que todas as medidas terapêuticas melhoraram a ausculta respiratória do paciente, principalmente os tratamentos 1 e 2. Provavelmente o fato de o lactente ser mantido calmo e confortável no colo da acompanhante reduz o turbilhonamento do fluxo respiratório, facilitando a passagem do ar para atingir os alvéolos, reduzindo ausculta de sibilos. O mesmo pode acontecer ao realizar a irrigação nasal, pois ao retirar a secreção das vias aéreas superiores, o padrão respiratório melhora. Isso sugere que a melhora da sibilância se deve mais a aspectos mecânicos (como conforto da criança e posicionamento das vias aéreas) do que a aspectos farmacológicos.

Houve menor redução do sibilância naqueles que receberam apenas oxigênio, pois este atua mais na hipoxemia do que na obstrução das vias aéreas, e naqueles que foram nebulizados com Fenoterol, reforçando o fato de que a obstrução das vias aéreas não é causada por hiperatividade brônquica [4].

Analisando a melhora do desconforto respiratório para cada grupo, notamos que os tratamentos 1 e 5 apresentaram melhores resultados que os tratamentos 2, 3, 4 e 6 (Tabela 10).

























Valores com a mesma letra foram considerados sem diferença estatística.

Na Tabela 10, notamos que o grupo 3 teve proporcionalmente mais internações, assistência ventilatória e complicações. Os grupos 1 e 5 tiveram, proporcionalmente, os menores valores nessas variáveis. Evidentemente, este estudo não nos permite estabelecer uma relação de causa e efeito entre o tratamento inicial e esses resultados, também a gravidade na apresentação inicial pode ter influenciado diretamente a escolha da terapia no PS.

A maior taxa de internação ocorreu naqueles que receberam os tratamentos 3, 4 e 6. Conforme já discutido (Tabela 1), os que chegaram com sintomas mais graves foram os que receberam mais terapia farmacológica. O facto de serem os mais graves, justifica que sejam os que mais necessitam de internação. Além disso, quando analisados FC, FR e SpO2 antes e após a nebulização com Fenoterol (Tabela 4), observamos melhora em todos os parâmetros, mas mais da metade desses pacientes foram internados, o que corrobora a literatura, em que a melhora nos escores clínicos é transitória e o uso de broncodilatadores não diminui a necessidade de internação3. A necessidade de O2 é critério de internação, o que justifica que mais de 90% dos pacientes que receberam suplementação de O2 foram internados.

Havia apenas 3 registros no prontuário eletrônico de crianças que receberam corticoide sistêmico como primeira terapia, inviabilizando a análise estatística desse dado. Nenhum paciente recebeu antibióticos no pronto-socorro, portanto será necessário ampliar este estudo para analisar o impacto dessas medicações na evolução da BVA.

A BVA é uma doença que muitas vezes tem curso benigno e nenhum tratamento se mostrou eficaz em alterar seu desfecho, como internações e complicações. Medidas gerais, como tranquilização do paciente, hidratação, lavagem nasal e suplementação de O2 são importantes para melhorar o padrão respiratório e trazer mais conforto. O uso de medicamentos parece estar associado a melhora clínica insustentável, além da maior preocupação do médico pela gravidade dessas crianças. Assim, a criação de um protocolo que possa ser utilizado em qualquer serviço de saúde, conforme sugerido a seguir, unifica as medidas a serem tomadas no atendimento ao paciente com BVA, reduzindo intervenções desnecessárias. A utilização de escores clínicos contribui para objetivar a avaliação clínica do paciente e ter dados mais concretos sobre sua evolução de acordo com o tratamento.

Protocolo Sugerido:

A equipe do PS precisa estar treinada para aplicar o protocolo sugerido para obter os melhores resultados nos cuidados do paciente.

* Paciente com história previa de sibilância: fazer teste terapêutico com B2 de ação curta.



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Universidade Estadual Paulista, Pediatria - Botucatu - SP - Brasil

Endereço para correspondência:
Camilla Sousa Ganan
Universidade Estadual Paulista
Av. Prof. Mário Rubens Guimarães Montenegro, s/n - UNESP - Campus de Botucatu
Botucatu/SP, Brasil. CEP: 18618687
E-mail: cami_ganan@hotmail.com

Data de Submissão: 24/02/2021
Data de Aprovação: 23/04/2021