ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2022 - Volume 12 - Número 4

Perfil genético-clínico dos pacientes atendidos no ambulatório de doenças raras de um hospital pediátrico de Curitiba, Paraná

Clinical and Genetic Findings from a Rare Pediatric Diseases Outpatient Clinic in Curitiba, Brazil

RESUMO

INTRODUÇÃO: Doenças raras são afecções crônicas e progressivas cuja frequência na população é baixa. Essas doenças podem ser divididas em dois grupos: as de origem genética e as de origem não genética. Atualmente, exames genético-moleculares são muito utilizados para triagem e diagnóstico destes pacientes. O presente estudo tem como objetivo determinar o perfil genético-clínico dos pacientes atendidos no Ambulatório de Doenças Raras de um hospital pediátrico de referência da Região Sul do Brasil.
MÉTODOS: A pesquisa teve caráter retrospectivo, descritivo e com abordagem quantitativa e consistiu no levantamento de dados disponíveis nos prontuários físicos e eletrônicos dos pacientes atendidos no Ambulatório de Doenças Raras e exames genéticos disponíveis para cada paciente a partir da plataforma de interface do Laboratório de Análises Clínicas com o hospital.
RESULTADOS: Foram incluídos neste estudo 553 prontuários. Observou-se uma prevalência de pacientes do gênero masculino e com idade entre 0 e 11 anos. Os sintomas mais identificados foram dismorfias e malformações congênitas (12,5%), atraso de desenvolvimento (11,0%) e convulsões (10,5%). Entre os exames genético-moleculares, apenas 24,7% apresentavam resultados alterados. As alterações gênicas foram as mais observadas, havendo prevalência de alguns genes (PHKA2, G6PC, FBP1 e CTNS). O número de exames alterados foi menor que o esperado. A maior disponibilidade e popularização desses exames pode ser percebida pelo aumento no número de exames solicitados.
CONCLUSÃO: A busca precoce pelo serviço oferecido é um aspecto muito positivo e, aliada a um maior conhecimento das equipes de saúde, pode ser fundamental para a qualidade de vida do paciente.

Palavras-chave: Doenças Raras, Perfil Genético, Diagnóstico Clínico, Sequenciamento Completo do Exoma, Polimorfismo de Nucleotídeo Único, Cariótipo.

ABSTRACT

Introduction: Rare diseases are chronic, progressive conditions with a low frequency of occurrence in the population. They can be divided into two groups: diseases of genetic origin and of non-genetic origin. Currently, molecular genetic tests are widely used to screen and diagnose patients with rare diseases. This study aims to describe the genetic/clinical profile of patients seen at the Rare Diseases Outpatient Clinic of a referral pediatric hospital in southern Brazil.
Methodology: This retrospective descriptive quantitative study looked into data from paper and electronic medical charts of patients seen at the Rare Diseases Outpatient Clinic and genetic test results of included patients stored in the platform of the hospital’s Clinical Analysis Laboratory.
Results and Discussion: The study included 553 patient medical charts. Prevalence of male patients and aged between zero and 11 years was greater. The most commonly reported symptoms were dysmorphisms and congenital malformations (12.5%), developmental delay (11.0%) and seizures (10.5%). Only 24.7% of the molecular genetic tests presented altered results. Alterations were more notably seen in genes PHKA2, G6PC, FBP1, and CTNS. The number of altered test results was lower than expected. The greater availability and popularization of these tests can be noticed by the increase in the number of tests ordered. Increased awareness about molecular genetic testing is very positive and may help healthcare teams improve patient quality of life.

Keywords: Rare Diseases, Genetic profile, Clinical diagnosis, Whole Exome Sequencing Polymorphism, Single Nucleotide Karyotype.


INTRODUÇÃO

Doenças raras são afecções cuja frequência na população é baixa, afetando até 1,3 pessoas a cada 2.000 indivíduos1. Estima-se que existam entre 6.000 e 8.000 tipos de doenças raras, cujos sintomas são diferenciados e variam não só entre diferentes doenças, mas também entre diferentes pacientes, aspecto que dificulta o diagnóstico clínico destas alterações2,3.

Em geral, as doenças raras são crônicas, progressivas, incapacitantes e que não têm cura. É necessário um acompanhamento multiprofissional para o tratamento e/ou prevenção de possíveis sintomas. Essas doenças são divididas em dois grupos de acordo com a etiologia das alterações: aquelas de origem genética, que correspondem a aproximadamente 80%, e aquelas que têm causas não genéticas, relacionadas a processos inflamatórios, infecções, autoimunidade, alergias e causas ambientais2,3.

Por se tratar de um grupo heterogêneo de alterações, o diagnóstico de doenças raras ainda é considerado um desafio para os serviços de saúde, sendo realizado, muitas vezes, anos após o início dos sintomas. Além disso, pela baixa prevalência, são poucos os dados epidemiológicos e clínicos disponíveis, não havendo critérios bem estabelecidos para o diagnóstico de algumas delas e/ou falta conhecimento das equipes de saúde para orientar a investigação4-6.

O diagnóstico precoce é essencial, já que grande parte das doenças raras podem ocasionar sintomas mais graves quando não tratadas adequadamente. Atualmente, além de exames bioquímicos, existem exames genético-moleculares capazes de identificar alterações relacionadas a determinadas afecções antes mesmo do surgimento de sintomas. A realização de exames genético-moleculares permite também que seja realizado o aconselhamento genético, de forma a orientar a família sobre a probabilidade de recorrência da doença e diagnosticar precocemente outros indivíduos que possam desenvolvê-la3.

Ainda que apresentem baixa prevalência na população, as doenças raras devem ser objeto de atenção das equipes de saúde. Considerando a escassez de dados na literatura e a relevância que os exames genéticos têm na confirmação do diagnóstico, torna-se essencial conhecer o perfil dos pacientes atendidos neste serviço de saúde, já que este conhecimento pode possibilitar que o atendimento clínico-laboratorial seja capaz de contemplar essa população de maneira mais eficiente.

Dessa forma, o presente estudo tem o objetivo geral de determinar o perfil genético-clínico dos pacientes atendidos no Ambulatório de Doenças Raras de um hospital pediátrico de referência da Região Sul do Brasil e, como objetivos específicos, determinar a frequência de exames com alterações genéticas entre os pacientes, identificar as alterações mais comuns e relacionar as alterações genéticas ao quadro clínico dos pacientes.


MÉTODOS

Esta pesquisa é de caráter retrospectivo, descritivo e de abordagem quantitativa. A pesquisa foi realizada em um hospital pediátrico de referência da cidade de Curitiba – PR, habilitado como Serviço de Referência em Doenças Raras desde o ano de 2016.

A coleta de dados foi realizada após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 32145020.6.0000.5580) por meio do levantamento das informações disponíveis nos prontuários dos pacientes atendidos no Ambulatório de Doenças Raras, bem como dos exames genéticos disponíveis a partir da plataforma de interface do Laboratório de Análises Clínicas com o Hospital.

Os participantes foram incluídos considerando os critérios de inclusão e exclusão pré-estabelecidos. Foram incluídos na pesquisa pacientes atendidos no ambulatório entre setembro de 2016 e julho de 2020 que realizaram exames genético-moleculares coletados no hospital. Foram excluídos da pesquisa pacientes atendidos antes de setembro de 2016 e a partir de agosto de 2020, pacientes que não realizaram exames genético-moleculares coletados no hospital e pacientes cujos prontuários estivessem incompletos e/ou que não apresentassem o quadro clínico de forma clara.

Após a coleta dos dados, estes foram organizados em planilhas do Microsoft Office Excel, analisados e apresentados por meio da análise estatística descritiva exploratória e análise estatística inferencial, utilizando o teste Qui-quadrado.


RESULTADOS

Foram incluídos 553 prontuários de pacientes, sendo 324 (58,6%) do gênero masculino e 229 (41,4%) do gênero feminino. Quanto à faixa etária, foram consideradas as idades de cada paciente na última consulta a que este compareceu. A média de idade dos pacientes atendidos é de 6,26 anos de idade (±4,81). A idade mínima observada foi de 3 meses de idade e a máxima foi de 22 anos. Os pacientes foram classificados em faixas etárias, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente7. A maioria dos pacientes, 458 (82,8%), são crianças, apresentando de 0 a 11 anos de idade. 83 (15%) pacientes são adolescentes e 12 (2,2%) adultos.-

Em relação à sintomatologia, foram identificadas manifestações clínicas diversas (Figura 1). Os sintomas mais frequentemente observados foram dismorfias e malformações congênitas (12,5%), seguidas de atraso de desenvolvimento neuropsicomotor (11,0%) e crises convulsivas (10,5%). Também foram identificados outros sintomas como hipotonia (5,2%), agressividade (3,8%), deficiência intelectual (3,2%), microcefalia (3,5%) e alterações da visão (3,1%) em grande parte dos pacientes.


Figura 1. Sintomatologia apresentada pelos pacientes atendidos.
ADNPM – atraso do desenvolvimento neuropsicomotor; RDNPM – regressão do desenvolvimento neuropsicomotor.

Quanto à consanguinidade parental, foram identificados 26 prontuários (4,7%) que relatavam presença de consanguinidade familiar e 243 (43,9%) que relatavam não haver consanguinidade. 51,4% dos prontuários analisados não apresentavam essa informação, sendo, portanto, considerados como casos em que não havia consanguinidade parental nas análises seguintes.

Ao buscar os exames genético-moleculares disponíveis para os pacientes, foram identificados 691 exames. Destes, 520 (75,3%) apresentavam resultados sem alteração, enquanto 171 (24,7%) apresentavam-se alterados. Os exames foram classificados quanto ao tipo a fim de identificar quais os exames mais solicitados ao longo do período determinado. A Tabela 1 apresenta as frequências de cada tipo de exame solicitado. Os exames mais realizados foram exames de cariótipo (33,9%), rastreamento de alterações cromossômicas por Single Nucleotide Polymorphism array (SNP array - 22,7%) e triagem neonatal molecular (16,5%).




O gráfico ilustrado na Figura 2 apresenta a relação entre exames com e sem alteração por tipo de exame. 53,7% dos exames de sequenciamento de exoma e 50% dos exames de sequenciamento de genes para pesquisa de erros inatos do metabolismo apresentaram-se alterados.


Figura 2.Relação entre exames alterados e sem alteração por tipo de exame.



Nos demais tipos de exames, a quantidade de exames sem alteração foi maior que a de exames alteradostificada nos exames, pôde-se perceber que a maior parte das alterações eram gênicas (52,0%). As alterações cromossômicas correspondem a 43,3% do total e foram identificadas também alterações epigenéticas (2,9%) e mitocondriais (1,8%).

Em relação às alterações genéticas observadas nos exames incluídos, no total, foram identificadas alterações em 79 genes diferentes, sendo que os genes PHKA2, G6PC, FBP1 e CTNS foram os que apresentaram-se mais frequentemente alterados. Quanto às alterações cromossômicas, identificaram-se exames com alterações em todos os cromossomos, com exceção do cromossomo 5. Os cromossomos 17 e 18 foram os que apresentaram maior frequência de alterações.

Para avaliar a relação entre algumas variáveis e a ocorrência de exames alterados, utilizou-se o teste de Qui-quadrado, considerando um nível de confiança de 95%. Dessa forma, obtendo-se um valor-p inferior a 0,05, a hipótese nula é rejeitada e, portanto, sugere-se que há relação entre as variáveis analisadas.

Ao avaliar a relação entre gênero e presença de alterações nos exames realizados e entre a presença dos sintomas mais frequentes e exames com alteração, foram obtidos valores de p iguais a 0,22 e 0,98, respectivamente. Assim, sugere-se que não há associação entre gênero ou presença dos sintomas mais frequentes e a ocorrência de exames alterados.

Ao avaliar a relação entre consanguinidade e presença de exames alterados, pode-se identificar que há diferença estatística significativa entre os grupos (p=0,001). Dessa forma, é possível afirmar que a presença de consanguinidade parental está relacionada a uma maior probabilidade de identificação de alterações genéticas nos exames solicitados.


DISCUSSÃO

Considerando que o diagnóstico precoce é essencial para a qualidade de vida de pacientes com doenças raras, o fato de que a população atendida no ambulatório em questão é, em sua maioria, formada por crianças é de grande relevância. Ao analisar a faixa etária dos pacientes em questão, é possível perceber que 58,6% destes estão na primeira infância, período entre 0 e 6 anos de idade. Esses aspectos sugerem que a procura e o encaminhamento a serviços de referência têm sido mais precoces, encurtando o itinerário que esses pacientes costumam percorrer durante a investigação de seus casos.


Figura 3. Quantidade total de exames solicitados por ano.



Em relação à sintomatologia, pode-se confirmar a inespecificidade e diversidade de sintomas entre portadores de doenças raras sugeridas por alguns autores8,9. Entre os sintomas mais frequentes, foram identificadas manifestações comuns a várias afecções, raras e não raras, de origem genética e com outras possíveis etiologias. Esse é o principal fator responsável pelo retardo diagnóstico e terapêutico, uma vez que o diagnóstico clínico é dificultado ou realizado de maneira incorreta devido ao desconhecimento das equipes10-12.

A identificação de um grande número de prontuários sem informação sobre consanguinidade foi bastante marcante (n=284), uma vez que esse dado pode ser relevante para a investigação e, mesmo não havendo casamento consanguíneo, é interessante relatar esse dado no prontuário para atendimentos futuros. A consanguinidade parental tem sido relacionada à presença de alterações genéticas e mortalidade infantil em diferentes populações13,14.

Na população de estudo, a relação entre consanguinidade e presença de alterações genéticas indica uma maior probabilidade de filhos de casais consanguíneos apresentarem exames genéticos alterados. Dessa forma, conhecer o histórico familiar e a existência ou não de casamentos consanguíneos é importante não só para buscar possíveis alterações genéticas e fenotípicas parentais, mas também para orientar as famílias sobre a possibilidade de outros filhos com as mesmas manifestações.

Com o desenvolvimento das técnicas moleculares, exames genético-moleculares passaram a ser utilizados para o diagnóstico de diferentes doenças, porém ainda não estão amplamente disponíveis. O cariótipo está entre os exames mais simples e rápidos. Assim, ainda que não permita a detecção de deleções ou duplicações menores que 5 Mb, este exame é mais acessível e já pode ser suficiente para diagnosticar ou orientar a investigação para o diagnóstico de algumas doenças raras, funcionando como uma triagem inicial para alterações cromossômicas15. Este aspecto justifica o fato de este ser o exame mais solicitado para os pacientes do ambulatório.

De acordo com o trabalho de Miller et al.16 e conforme as recomendações apresentadas pela Academia Americana de Genética e Genômica Médica (ACMG) para utilização de Microarray na prática clínica17, o exame de SNP array, também empregado para identificação de alterações cromossômicas, é o mais indicado na avaliação inicial de indivíduos que apresentem sintomas como malformações congênitas, dismorfias, alterações do desenvolvimento neuropsicomotor e deficiência intelectual. Considerando que estes estão entre os sintomas mais frequentes (26,7%) na população estudada, é possível entender a prevalência deste tipo de exame também.

Com o desenvolvimento do Sequenciamento de Nova Geração (NGS) e o maior conhecimento adquirido sobre as funções de determinados genes, a realização de exames genéticos para avaliação de mutações gênicas tem se tornado possível. Os exames de sequenciamento podem envolver a pesquisa de alterações em um único gene, em um conjunto específico de genes ou em todo o exoma18. A determinação de quais genes serão cobertos pelo sequenciamento depende da suspeita diagnóstica e da prescrição médica.

Entre os exames mais conhecidos está a triagem neonatal genética, realizada a partir de uma amostra de swab da parte interna da bochecha. O exame foi desenvolvido por um laboratório brasileiro e é um painel genético que permite identificar alterações gênicas relacionadas a mais de 300 doenças tratáveis cujos sintomas podem se manifestar já na primeira infância19.

A porcentagem de exames alterados entre os pacientes incluídos neste estudo foi inferior à esperada, considerando que 80% das doenças raras são genéticas3. No entanto, isso pode estar relacionado ao fato de que nem todos os pacientes já possuem diagnóstico definido e, portanto, continuam em investigação de seu quadro clínico. Dessa forma, podem ser realizados novos exames futuramente que identifiquem alterações genéticas entre os pacientes que apresentaram exames sem alterações neste estudo.

Os exames de exoma permitem avaliar todo o DNA codificante por meio do sequenciamento. Dessa forma, alterações em um grande número de genes podem ser identificadas e analisadas conforme o conhecimento já disponível a respeito das funções gênicas18. O emprego destes exames para auxiliar na investigação de pacientes com possíveis doenças raras tem acelerado muito o diagnóstico, possibilitando que o tratamento se inicie também mais cedo20. No presente estudo, percebeu-se que os exomas foram os testes com maior proporção de exames alterados. Esse fato pode estar relacionado ao grande número de genes pesquisados, permitindo identificar alterações em genes não cobertos por outros painéis genéticos.

No entanto, é importante ressaltar que, ainda que apresentem maior probabilidade de identificarem alterações genéticas nos pacientes, os exames de exoma têm um custo muito elevado e, muitas vezes, não coberto por planos de saúde. Dessa forma, as equipes de saúde que prescrevem exames tendem a solicitar exames menos custosos para iniciar a investigação do paciente na tentativa de obter resultados conclusivos já nesta triagem. Esse aspecto também justifica o fato de que os exames de cariótipo, com apenas 4,3% de resultados alterados neste estudo, sejam os exames mais solicitados para triagem.

Em relação aos genes com maior frequência de alterações na população estudada, pode-se perceber que todos já tem sua função bem descrita na literatura. A sintomatologia apresentada pelos pacientes com alterações nestes genes no presente estudo vai ao encontro daquela descrita na literatura.

O gene PHKA2 é responsável pela codificação da subunidade alfa da enzima quinase fosforilase b hepática, enzima de fundamental importância na quebra do glicogênio21. Entre os sintomas de alterações neste gene, destacam-se hepatomegalia, retardo no crescimento, hipoglicemias, hiperlactatemia e cetonúria22,23, manifestações clínicas apresentadas pelos pacientes com alterações deste gene neste estudo.

O gene G6PC codifica a enzima glicose-6-fosfatase (G6PC), envolvida nos processos de glicogenólise e gliconeogênese. Mutações nesse gene podem desencadear hepatomegalia, hipoglicemias, elevação das dosagens de ácido úrico e triglicerídeos e acidose lática24. Neste estudo, identificou-se a presença de hepatomegalia e hipoglicemias como sintomas principais nos pacientes com alterações no gene G6PC (n=5).

Alterações patogênicas no gene FBP1 podem ocasionar deficiência ou perda de função da enzima frutose-1,6-bifosfatase (FBP1), que auxilia na regulação da gliconeogênese. Assim, os sintomas mais frequentemente observados em pacientes com estas alterações são crises agudas de acidose lática e hipoglicemia cetótica25. Todos os pacientes (n=4) com alterações no gene FBP1 apresentavam hipoglicemias como principal sintoma.

Alterações no gene CTNS desencadeiam a cistinose, em que o acúmulo de cistinosina pode levar à disfunção renal, poliúria e polidipsia, desidratação, alterações metabólicas e de eletrólitos e hipotireoidismo26,27. Neste estudo, observou-se que os pacientes com mutações neste gene apresentavam acidose metabólica, hipertensão, hipotireoidismo e disfunção renal.

É interessante notar que todos os genes mais frequentemente alterados nesta pesquisa estão relacionados a erros inatos do metabolismo, sendo este o tipo de doença rara genética mais comum no ambulatório de doenças raras do hospital de estudo.

No que diz respeito às alterações cromossômicas, pode-se perceber que, ainda que existam cromossomos com maior número de alterações entre os pacientes, as regiões de alterações nestes cromossomos variam. Cada cromossomo carrega um grande número de genes que codificam proteínas envolvidas em diferentes processos e tecidos. Dessa forma, para cada alteração cromossômica existem manifestações clínicas distintas que podem caracterizar determinadas doenças.

Entre os exames analisados, pode-se perceber a identificação de variantes classificadas como Variantes de Significado Incerto (VUS). Essas variantes recebem essa denominação quando os critérios para definição da patogenicidade ou benignidade desta alteração não estão bem definidos na literatura ou são contraditórios28.

Devido à evolução das técnicas empregadas e dos estudos de populações realizados, é possível que variantes previamente classificadas como VUS sejam reclassificadas, o que pode auxiliar na avaliação clínica, diagnóstico e tratamento do paciente. Dessa forma, é importante também que laboratórios que realizam testes genéticos, bem como os profissionais de saúde que atendem diretamente esse público, orientem os pacientes a respeito da possibilidade de reanálise de seus exames periodicamente a fim de que estes tenham acesso à informação atualizada28.

Em relação à quantidade de exames solicitados desde a consolidação do ambulatório, pôde-se perceber um aumento significativo do número de exames ao longo dos anos. Em 2018, a quantidade total de exames solicitados (n=207) foi 20,7 vezes maior que a do ano anterior (n=10). Em 2019, o aumento foi de 1,8 vezes em relação a 2018. Esse aumento está, provavelmente, relacionado à maior disponibilidade e popularização destes exames entre os profissionais de saúde e entre as famílias de pacientes. Cabe ressaltar que a queda no número de exames em 2020 deve-se à pandemia da infecção por SARS-CoV-2, a COVID-19. Com a adoção de medidas de prevenção da doença, o número de consultas presenciais reduziu significativamente e, consequentemente, a quantidade de exames solicitados também.

Assim, vê-se que os exames genético-moleculares podem ser fundamentais para o diagnóstico de doenças raras de etiologia genética. Na população de estudo, o número de exames alterados foi menor que o esperado, porém percebe-se sua relevância na realização do diagnóstico diferencial. A maior disponibilidade desses exames pode ser percebida pelo enorme aumento no número de exames coletados na instituição.

Foi possível identificar a prevalência de alterações gênicas, especialmente em genes relacionados a erros inatos do metabolismo, na população estudada.

A busca precoce pelo serviço oferecido na instituição de estudo é um aspecto muito positivo e que, aliada a um maior conhecimento das equipes de saúde, pode ser fundamental para a qualidade de vida do paciente.


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1. Faculdades Pequeno Príncipe, Residência Multiprofissional em Saúde da Criança e do Adolescente - Curitiba - Paraná - Brasil
2. Faculdades Pequeno Príncipe, Coordenação do Curso de Biomedicina - Curitiba - Paraná - Brasil
3. Hospital Pequeno Príncipe, Ambulatório de Doenças Raras - Curitiba - Paraná - Brasil

Endereço para correspondência:
Franciele Bona Verzeletti
Faculdades Pequeno Príncipe
Av. Iguaçu, 333 Bairro Rebouças
Curitiba/PR, Brazil. CEP: 80230-020
E-mail: franciele.verzeletti@fpp.edu.br

Data de Submissão: 12/03/2021
Data de Aprovação: 04/03/2022