ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2023 - Volume 13 - Número 1

Investigação citogenética e molecular de casos de autismo atendidos em um ambulatório universitário no sul do Brasil

Cytogenetic and molecular investigation of autism cases seen at a University outpatient ward in South Brazil

RESUMO

INTRODUÇÃO: O termo autismo sindrômico é utilizado para se referir aos casos de transtorno do espectro autista (TEA) que possuem uma causa definida. Um método de investigação complementar para a determinação etiológica do TEA é a investigação neurogenética, sendo que o autismo pode ter comportamento hereditário em até 90% dos casos.
OBJETIVO: Esse artigo teve como objetivo avaliar a ocorrência de autismo sindrômico e as características genéticas envolvidas em pacientes com TEA.
MÉTODOS: Um estudo observacional, transversal e retrospectivo foi realizado a partir de dados coletados no prontuário de 135 crianças entre 2 e 15 anos, que realizaram investigação genética e que foram diagnosticadas com TEA pelo Ambulatório Materno Infantil da UNISUL em Tubarão, SC, Brasil.
RESULTADOS: De acordo com os resultados dos exames genéticos, 20% dos pacientes que realizaram algum tipo de investigação genética tiveram alteração e foram incluídos no grupo de autistas atípicos. Entre os pacientes que realizaram o exame de CGH Array, 70,97% tiveram alguma alteração genética encontrada, entre os que realizaram cariótipo 5,26% tiveram alterações, seguidos de 2,31% de alterações nos pacientes que fizeram o PCR para X frágil. Verificou-se que a presença de dismorfismo e a microcefalia tiveram significância estatística na probabilidade de alteração na investigação genética.
CONCLUSÃO: Na avaliação etiológica do transtorno do espectro autista é importante a realização do teste genético. O cariótipo, o PCR para X frágil e o CGH Array detectaram a etiologia em 20% das crianças estudadas. Em pacientes com algum dismorfismo os testes parecem ser mais sensíveis.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista, Testes Genéticos, Criança.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The term syndromic autism is used to refer to cases of autism spectrum disorder (ASD) that have a defined cause. A complementary investigation method for the etiological determination of ASD is neurogenetic investigation, and autism can have a hereditary behavior in up to 90% of cases.
OBJECTIVE: The purpose of this article was to evaluate the occurrence of syndromic autism and the genetic characteristics involved in patients with ASD.
METHODS: An observational, cross-sectional and retrospective study was carried out using data collected from the medical records of 135 children, aged between 2 and 15, who underwent genetic investigation and were diagnosed with ASD by the UNISUL Maternal and Child Ambulatory in Tubarão, Santa Catarina Brazil.
RESULTS: According to the results of the genetic tests, 20% of the patients who underwent some type of genetic investigation changed and were included in the group of atypical autists. Among the patients who underwent the CGH Array exam 70.97% had some genetic alteration found, among those who underwent the karyotype 5.26% had changes, followed by 2.31% of the changes in the patients who underwent Fragile X DNA test. It was found that the presence of dysmorphism and microcephaly had statistical significance in the probability of alteration in the investigation.
CONCLUSION: In the etiological assessment of autism spectrum disorder is important to carry out the genetic test. The karyotype, Fragile X DNA test and CGH Array detected the etiology in 20% of the children studied. In patients with some dysmorphism, the tests appear to be more sensitive.

Keywords: Autism Spectrum Disorder, Genetic Testing, Child.


INTRODUÇÃO

O transtorno do espectro autista (TEA) é um transtorno evolutivo-comportamental caracterizado por comprometimento persistente na interação e reciprocidade social, aliado à presença de padrão restrito, repetitivo e estereotipado de comportamentos, interesses ou atividades1,2.

Segundo dados epidemiológicos, houve uma elevação nas taxas de prevalência do TEA ao longo dos anos. Se na década de 1970 falava-se em um caso para cada 5000 crianças, em 2004 a prevalência era de um caso em 125, aumentando para um caso em 110 em 2006, um caso em 88 em 2008, um caso em 68 no ano de 2012 e um caso a cada 59 em 20143. Finalmente, no ano de 2020, em seu último levantamento, com dados referentes de 2016, o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, encontrou uma prevalência de um caso para cada 54 crianças nos Estados Unidos, com uma relação de 4 indivíduos do sexo masculino afetados para cada caso feminino4.

Dentre os fatores etiológicos, a predisposição genética, características clínicas pré-natais, fatores obstétricos, bem como diversos fatores ambientais, já foram implicados como possíveis causas do autismo. Apesar dos avanços científicos, os mecanismos fisiopatológicos precisos ainda permanecem desconhecidos, não existindo até o momento nenhuma causa definida, nenhum meio preventivo ou tratamento curativo3.

Devido a essa enorme heterogeneidade clínica, presença de múltiplos sinais e sintomas e comorbidades associadas, o TEA pode ser considerado uma síndrome e não uma doença em si, podendo apresentar múltiplas etiologias. O termo autismo sindrômico ou autismo secundário é utilizado, então, para se referir aos casos de TEA que possuem uma causa definida, em oposição ao autismo idiopático, cuja causa ainda permanece desconhecida5.

Sob esse aspecto, um método de investigação complementar que tem se sobressaído para a determinação etiológica do TEA é a investigação neurogenética.

Do ponto de vista neurogenético, estima-se que o TEA possa ter influência hereditária em cerca de 50 a 90% dos casos, o que demonstra a importância dos fatores genéticos na patogênese da doença6. Estudos familiares e em gêmeos evidenciam a etiologia genética do autismo, mostrando um risco aumentado de recorrência da condição de aproximadamente 3 a 8% em famílias com uma criança autista e concordância para o diagnóstico de autismo em gêmeos monozigóticos de pelo menos 60% se forem usados critérios estritos para autismo, de 71% para o espectro autista e de até 92% quando se considera um quadro mais amplo de distúrbios de linguagem/socialização7.

Dessa forma, acredita-se que a caracterização clínica e genética dos pacientes com TEA seja de grande importância para a se obter um melhor planejamento terapêutico, oferecer a possibilidade de um aconselhamento genético aos familiares dos pacientes e também para o melhor entendimento fisiopatológico e etiológico do transtorno. Através desse estudo buscou-se avaliar a ocorrência de autismo sindrômico e suas alterações genéticas por meio da revisão de dados de prontuário médico, de pacientes com TEA atendidos no Ambulatório de Investigação Neurogenética do Materno-Infantil da Universidade do Sul de Santa Catarina.


MÉTODO

Foi realizado um estudo observacional, transversal e retrospectivo por meio da análise de prontuários médicos, com pacientes pediátricos na faixa etária de 2 a 15 anos, atendidos no Ambulatório de Investigação Neurogenética do Ambulatório Materno Infantil (AMI) da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), localizado no município de Tubarão, SC.

O presente trabalho, através de revisão de dados de prontuários, usou informações referentes a antecedentes familiares, gestacionais e clínicos de cada paciente, além de dados de exames de investigação genética, como cariótipo, pesquisa para o gene do X-frágil e hibridização genômica comparativa (CGH Array). A amostra foi do tipo censo, com pacientes selecionados através dos prontuários do Ambulatório de Investigação Neurogenética do AMI, o qual resultou um total de 135 crianças que preenchiam os critérios de inclusão.

Foram incluídos os prontuários de pacientes que preencheram critérios diagnósticos para TEA, de 2 a 15 anos de idade, de ambos os sexos, que realizaram algum exame de investigação genética complementar. Como critério de exclusão se enquadrariam os prontuários nos quais não se conseguiu comprovar a confiabilidade dos dados ou aqueles que não continham informações suficientes para atender os objetivos do estudo. Nenhum prontuário preencheu essas características.

O diagnóstico de TEA de cada paciente incluído no ambulatório foi realizado por médicos neuropediatras e se baseia nos critérios diagnósticos do DSM-5. Quanto à gravidade do autismo, a classificação foi realizada com emprego da escala Childhood Autism Rating Scale (CARS) em sua versão traduzida e validada para o português.

As variáveis deste estudo incluíram idade, sexo, presença de microcefalia, macrocrania, dismorfismo, idade dos pais ao conceberem, realização de tratamento para infertilidade ou fertilização in vitro, antecedentes familiares de atraso de fala, deficiência intelectual, transtorno psiquiátrico, transtorno do espectro autista, transtorno de humor bipolar e esquizofrenia, consumo de álcool, tabaco ou entorpecentes durante a gestação, uso de medicamentos em geral, antidepressivos e anticonvulsivantes gestacionais, ocorrência de infecção gestacional. Foram coletados também os resultados de exames de investigação complementar, sendo eles, ressonância magnética de crânio, cariótipo, hibridização genômica comparativa por Microarray (CGH Array) e reação de cadeia de polimerase (PCR) para X frágil.

Os exames genéticos foram avaliados de duas formas. Inicialmente quanto à presença ou ausência de alterações e, posteriormente, de forma qualitativa politômica na descrição de seus achados.

O programa Excel foi empregado para elaboração do banco de dados e o software Stata 16.0 para análise dos dados. Na descrição dos dados foram utilizadas medidas de tendência central e de dispersão, para variáveis quantitativas e porcentagens para variáveis qualitativas. A existência de associação entre a presença do desfecho de interesse segundo as demais variáveis de exposição foi avaliada por meio do teste de Qui-quadrado. Para a comparação dos valores médios relacionados à variável de desfecho primário com as demais variáveis de exposição, foi utilizado o teste T de Student. O nível de significância usado na pesquisa foi de 5% (p<0,05). A normalidade foi identificada pelo teste de Shapiro-Wilk.


RESULTADOS

Foram coletadas as informações de 135 crianças com diagnóstico de TEA e que realizaram algum exame genético, atendidas no Ambulatório de Investigação Neurogenética pertencente ao AMI da UNISUL, campus Tubarão. Os resultados mostraram predomínio de diagnósticos no sexo masculino (91,85%) em relação ao sexo feminino (8,15%) seguindo a tendência de prevalência masculina da doença.

Com relação à idade da primeira consulta, a mediana encontrada (p50%) foi de 6 anos, tendo variado entre 2 e 15 anos de idade. O valor de P25=3 anos e de P75=9 anos.

Em relação à história concepcional dos pacientes, o tratamento para infertilidade foi realizado por 5,19% das mães, sendo que, dessas, 2,96% realizaram fertilização in vitro.

Quanto à história familiar de antecedentes clínicos, o presente estudo verificou o percentual de ocorrência de antecedentes de transtornos neuropsiquiátricos entre os familiares dos pacientes estudados. Observou-se o predomínio de transtorno psiquiátrico familiar, com 70 casos (51,85%). A história familiar de atraso no desenvolvimento da fala também foi um achado significativo entre os dados revisados. Entre as 135 crianças avaliadas, 66 prontuários reportavam história familiar de atraso na fala, totalizando o percentual de 48,89%. A deficiência intelectual estava presente em 64 casos (47,41%) e o transtorno do espectro autista em 42 casos (31,11%). Os transtornos familiares de menor representatividade foram transtorno de humor bipolar, 28 casos (20,74%), e esquizofrenia familiar, 21 casos (15,56%).

Um dos critérios do estudo foi a seleção de prontuários de pacientes que haviam realizado alguma avaliação genética por meio de exames complementares. Os exames realizados foram: cariótipo, PCR para X frágil e CGH Array. O exame genético que se demonstrou com mais alterações foi o CGH Array, com 70,97% (n=22) dos exames alterados, seguido do cariótipo com um percentual bastante inferior 5,26% (n=7) e do PCR para X frágil 2,31% (n=3).

Posteriormente, foram selecionados todos os prontuários de pacientes com TEA que tiveram alterações nos exames de investigação genética: cariótipo, PCR para X frágil ou no CGH Array, foram excluídos do grupo pacientes que tiveram alterações genéticas consideradas normais na população geral. Dessa forma, conseguiu-se definir um grupo de autistas considerados atípicos, ou seja, aqueles que podem ser considerados com autismo de etiologia geneticamente determinada. De acordo com os resultados dos exames genéticos, 20% dos pacientes que realizaram algum tipo de investigação genética foram incluídos no grupo de autistas atípicos, conforme demonstra a Tabela 1.




A partir do grupo formado por pacientes com TEA geneticamente determinado, foram cruzados dados clínicos com o objetivo de se verificar se comparando os grupos com exames genéticos normais e anormais, seria possível verificar a existência de um padrão clínico.

Os dados de tratamento para infertilidade, fertilização in vitro, deficiência intelectual na família, transtorno psiquiátrico familiar, transtorno de humor bipolar familiar, transtorno do espetro autista familiar, atraso na fala, uso de álcool, tabagismo, medicamentos, antidepressivos, anticonvulsivantes e infecção gestacional não apresentaram associação significativa quando se comparou grupos de pacientes com autismo geneticamente determinado versus exames normais.

Quanto a alterações fenotípicas, algumas crianças foram classificadas no prontuário neuropediátrico como tendo algum tipo de dismorfismo, macrocrania ou microcefalia. O estudo verificou que 19,26% dos pacientes (n=26) possuíam algum dismorfismo, seguido de macrocrania, com 23,70% (n=32), e microcefalia, com 5,19% (n=7). Esses dados foram cruzados comparando os grupos com exames genéticos normais e anormais. O dismorfismo e a microcefalia tiveram significância estatística e estão representados na Tabela 2.




A Tabela 2 demonstra que 46,15% (n=12) dos pacientes com dismorfismo apresentaram alguma alteração em testes genéticos, a taxa dos pacientes sem dismorfismo que tiveram alguma alteração foi 13,76% (n=15). O teste Qui-quadrado de Pearson foi aplicado com valor de p=0,000, demonstrando a maior tendência de se detectar autismo genético em pacientes dismórficos. De forma semelhante, entre os pacientes com microcefalia, 57,14% (n=4) tiveram algum teste de investigação genética alterado, comparado a 17,97% (n=23) dos pacientes sem microcefalia que tiveram alguma alteração, o valor de p encontrado foi de p=0,012.

Após a avaliação quanto à presença ou ausência de alterações nos exames genéticos, foi aferida a descrição de seus achados. A Tabela 3 demonstra os resultados encontrados no exame de CGH Array.




DISCUSSÃO

Em nosso estudo, foi encontrada uma elevada predominância masculina na amostra, dados estes que corroboram outros estudos publicados. Assim como outros transtornos do neurocomportamento com causas multifatoriais, o TEA apresenta uma predominância tipicamente masculina, com uma relação que varia de 4 a 11 casos masculinos para cada caso feminino8.

Esta prevalência, com predomínio masculino para o TEA, pode representar uma diferença na apresentação clínica do autismo, levando a um viés de encaminhamento. De acordo com Mandy et al.9, indivíduos masculinos com TEA geralmente apresentam uma maior frequência de comportamentos externalizantes que as meninas, como hiperatividade e comportamento agressivo, enquanto as pacientes femininas tendem a apresentar uma maior frequência de sintomas internalizantes como depressão e isolamento social.

Excetuando-se o viés decorrente do processo de encaminhamento, estudos genéticos parecem demonstrar que indivíduos do sexo feminino apresentam um limiar genético maior, ou seja, genes exclusivamente femininos parecem oferecer um fator protetor para o autismo10.

Em nosso estudo, verificamos ainda que a idade da primeira consulta variou de dois a 15 anos de idade, com uma mediana de 6 anos. Um dos pilares fundamentais no manejo clínico do TEA é o diagnóstico precoce. Infelizmente, os dados encontrados parecem corroborar uma realidade tipicamente brasileira, em que, apesar dos sintomas aparecerem em geral antes dos 3 anos, a média de idade do diagnóstico encontra-se entre 6 e 8 anos de idade11.

Esse atraso no diagnóstico acarreta em uma maior morbidade e impede a instituição da intervenção precoce, um conjunto de modalidades terapêuticas interdisciplinares que visam aumentar o potencial do desenvolvimento social e de comunicação da criança, proteger o funcionamento intelectual reduzindo danos, melhorar a qualidade de vida e dirigir competências para sua futura autonomia12.

Em relação aos fatores de risco pré-concepcionais, verificamos em nossa amostra que cerca de 5% dos casos foram gerados após tratamento para infertilidade e cerca de 3% após fertilização in vitro. De acordo com metanálise realizada por Liu et al.13, o uso de tecnologia de reprodução assistida (definida como o uso de qualquer tecnologia ou medicação com o intuito de se atingir a gravidez) está associada a um risco maior de desenvolvimento de autismo na prole gerada.

Os dados deste estudo estão ainda, de acordo com o estudo publicado por Sandin et al.14, que após avaliar mais 6.5 mil crianças nascidas na Suécia entre 1982 e 2007 através de fertilização in vitro verificaram que 103 (1,5%) apresentaram autismo. Essa elevada prevalência de autismo, associada à tecnologia de reprodução assistida, parece estar relacionada a fatores epigenéticos induzidos pela exposição a elevadas doses de hormônios, preparação, manipulação e congelamento de gametas e embriões14.

Nos prontuários avaliados, foi verificada ainda relação entre o TEA e história familiar de transtornos neuropsiquiátricos como condições psiquiátricas em geral, deficiência intelectual, autismo, transtorno do humor bipolar e esquizofrenia. Em estudo de coorte populacional realizado por Xie et al.15 avaliando mais de 55 mil casos de TEA verificou-se que a presença de um parente de primeiro grau com deficiência intelectual, depressão, ansiedade, transtorno do humor bipolar ou esquizofrenia elevava em até 9 vezes o risco de TEA. Observou-se, ainda, que essa influência poderia se estender até parentes de quarto grau.

Finalmente, considerando os demais aspectos clínicos gestacionais, verificamos nos prontuários avaliados que infecção gestacional esteve presente em quase 26% dos casos, uso de antidepressivos em 7%, tabaco 6%, álcool em 4% e anticonvulsivantes em 2%. Em algum momento, todos esses fatores como infecção gestacional, uso de antidepressivos durante a gestação16, cigarro, álcool e anticonvulsivantes17 já foram implicados como fatores de risco para o TEA.

De acordo com os resultados dos exames genéticos encontrados no presente estudo, 20% dos pacientes que realizaram algum tipo de investigação genética apresentavam alguma alteração, sendo incluídos no grupo de autistas atípicos. Esses dados se assemelham a outros estudos que estimam que o autismo associado a alterações genéticas como variações cromossômica, variantes específicas do número de cópias e condições monogênicas esteja entre 15 e 25% dos casos18.

O exame genético que se demonstrou maior detecção de alguma alteração genética foi o CGH Array. Esse teste oferece sensibilidade significativa para a identificação de anormalidades cromossômicas submicroscópicas e é uma das técnicas mais utilizadas na prática diária19. Dos 31 paciente que realizaram o teste nesse estudo, 22 apresentaram algum tipo de alteração, seja ela já descrita na literatura como relacionada ao TEA ou não.

Comparativamente, a maior parte dos estudos avaliando o uso de técnicas de Microarray na investigação etiológica de pacientes com TEA encontrou menor porcentagem de alterações, de cerca de 10%20. É possível que essa diferença reflita o perfil do ambulatório universitário estudado. Por se tratar de um ambulatório público, vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS) as dificuldades financeiras dos pacientes constituem uma barreira para a realização de exames complementares. Outro fator parece ser a disponibilidade de uma médica geneticista para orientar a realização dos exames. Assim, ambos os fatos corroboram para uma indicação muito mais racional dos exames.

Em relação aos demais estudos genéticos, Çöp et al.21, investigando uma população de 96 crianças com TEA, verificaram alterações em 9,7% dos exames de cariótipo e 1,5% dos exames de PCR para síndrome do X frágil. Nossos dados mostraram resultados aproximados, com 5,3% de alterações nos exames de cariótipo e 2,3% nas pesquisas para detecção da síndrome do X frágil.

O atual estudo demonstrou uma maior tendência de se detectar autismo genético em pacientes dismórficos, com valor de p=0,000. Ao todo, 46,15% dos pacientes com dismorfismo apresentaram alguma alteração em testes genéticos em comparação com 13,76% dos pacientes sem dismorfismo. Um estudo de 2011 apresentou resultados concordantes. Nele, a aparência dismórfica e o QI mais baixo foram considerados fatores diretamente relacionados a alterações nos testes genéticos22.

De forma semelhante, os pacientes com microcefalia também demonstraram maior tendência à detecção de alterações nos exames genéticos. Um total de 57,14% dos pacientes microcefálicos tiveram algum teste de investigação genética alterado, comparado a 17,97% dos pacientes sem microcefalia, o valor de p encontrado foi de p=0,012. Foram encontradas na literatura alterações genéticas que predispõem ao autismo e alteram o fenótipo causando microcefalia. A variação no número de cópias em Del1q21.1, Del2q23.1, Dup16p11.2 e alterações cromossômicas em SYNGAP1(6p21.3), SCN2A(2q24.3) e DYRK1A (21q22.13) são exemplos de alterações genéticas que levam concomitantemente ao autismo e à microcefalia23.

Finalmente, através da investigação genética, em vários pacientes avaliados foi possível o diagnóstico de síndromes genéticas específicas que podem contribuir para o entendimento fisiopatológico do autismo (Tabela 4).




Apesar de indidualmente raras, cada uma dessas condições descritas pode fornecer pistas a respeito de regiões ou genes candidatos, relacionados à fisiopatologia do autismo. Estudos futuros permitirão, quem sabe, o melhor entendimento do autismo e a possibilidade de tratamentos mais promissores.

Como limitações do estudo, pontua-se que apenas uma pequena proporção de famílias com criança autista procura ou tem acesso ao aconselhamento genético, gerando um baixo numero de pacientes estudados. Além disso, a baixa renda, que é uma característica predominante nos pacientes avaliados no ambulatório público em questão, dificulta a realização de exames complementares. O exame que mais detectou alterações genéticas, o CGH Array, é também o de maior custo e foi realizado por apenas 31 dos 135 pacientes.


CONCLUSÃO

O aumento recente de diagnósticos de transtorno do espectro autista justifica a importância da busca pela etiologia da síndrome. Nesse contexto verificou-se que a investigação genética pode orientar famílias de crianças com TEA em cerca de 20% dos casos. Essa porcentagem pareceu ser mais relevante em crianças que possuem algum dismorfismo, especialmente microcefalia.

Foram encontrados diversos tipos de alterações genéticas nos pacientes estudados. De fato, outros estudos genéticos revelaram o envolvimento de centenas de variantes de genes no autismo, indicando que a heterogeneidade genética é característica do autismo.

Ressaltamos aqui, apesar das dificuldades técnicas e econômicas, a importância de uma adequada investigação de cada paciente dentro do espectro do autismo. Encontrar uma razão genética para o autismo parece ter diversos efeitos benéficos: permite que os familiares tenham acesso a um adequado aconselhamento genético permitindo um melhor planejamento familiar, permite se conhecer melhor a história natural da condição específica, possibilita o fornecimento serviços de saúde mais personalizados, identifica riscos médicos subjacentes associados ao diagnóstico específico e permite que os familiares tenham acesso a associações de apoio e auxílio, melhorando a sua qualidade de vida.

Os exames de investigaçao neurogênica de autismo deveriam ser oferecidos a todas as famílias, porém, pensando-se em um uso mais racional devido à dificuldade ao acesso, a investigação genética deve priorizar aqueles pacientes que apresentam algum tipo de dismorfismo e ser iniciada com exames mais simples como o cariótipo e posteriormente complementada conforme necessário.


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1. Universidade do Sul de Santa Catarina, Curso de Medicina - Ambulatório Materno Infantil - Tubarão - Santa Catarina - Brasil
2. Universidade do Extremo Sul Catarinense, Laboratório de Pesquisa em Autismo e Desenvolvimento - Criciúma - Santa Catarina - Brasil

Endereço para correspondência:

Fernanda Coan Antunes
Universidade do sul de santa Catarina
Av. José Acácio Moreira, 787
Dehon, Tubarão - SC, 88704-900
E-mail: fernandacoan@hotmail.com

Data de Submissão: 20/05/2020
Data de Aprovação: 07/06/2021