ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2023 - Volume 13 - Número 1

Doença meningocócica em crianças: Panorama das hospitalizações e da morbimortalidade na Bahia e macrorregiões, de 2011 a 2020

Meningococcal disease in children: an overview of hospitalizations and morbimortality in the State of Bahia and macro-regions from 2011 to 2020

RESUMO

OBJETIVO: Descrever o perfil epidemiológico das internações de crianças por doença meningocócica, na Bahia e em suas macrorregiões, estimando a morbimortalidade pela doença.
MÉTODOS: Trata-se de estudo ecológico, de série temporal, realizado através do Sistema de Informação Hospitalares (SIH/DATASUS), no período de 2011 a 2020. As variáveis de interesse foram gênero, faixa etária, etnia, caráter e regime de atendimento, e desfecho, agrupados por ano e macrorregiões da Bahia.
RESULTADOS: Foram registradas 431 internações de crianças entre 0 e 14 anos por infecção meningocócica, com predominância da faixa etária de 0 a 4 anos, do sexo masculino, pardas, atendidas em caráter de urgência e em regime público de atendimento. Dos pacientes internados, 91,4% (n=394) obtiveram alta e 8,6% (n=37) foram a óbito. Houve maior mortalidade e letalidade entre pacientes de 0 a 4 anos. Dentre as macrorregiões baianas, o Leste e o Centro-Norte apresentaram o maior e o menor número de casos da doença, respectivamente; enquanto o Leste e o Extremo-Sul apresentaram as maiores mortalidades e letalidades.
CONCLUSÃO: O perfil epidemiológico da doença meningocócica na Bahia acompanha a tendência mundial e nacional, com predomínio entre meninos, pardos, de 0 a 4 anos, cuja prevalência, mortalidade e letalidade se destacam entre as faixas etárias estudadas. Levando em conta o quadro endêmico da doença meningocócica no estado, estes resultados podem subsidiar e direcionar estratégias específicas de combate ao meningococo, reforçando a necessidade de ações preventivas e de vigilância epidemiológica constantes, com fixação das estratégias de promoção da saúde e melhor aplicabilidade dos recursos para a erradicação da doença.

Palavras-chave: Infecções Meningocócicas, Epidemiologia, Indicadores de Morbimortalidade, Criança.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe the epidemiological profile of hospitalizations of children due to meningococcal disease in Bahia and its macro-regions, estimating morbidity and mortality due to the disease.
METHODS: This is an ecological, time-series study carried out through the Hospital Information System (SIH/DATASUS), from 2011 to 2020. The variables of interest were gender, age group, ethnicity, character and care regime, and outcome, grouped by year and macro-region in Bahia.
RESULTS: There were 431 hospitalizations of children between 0 and 14 years of age due to meningococcal infection, with a predominance of the age group of 0 to 4 years, male, mixed-race, attended on an emergency basis and in a public service regime. Of the hospitalized patients, 91.4% (n=394) were discharged and 8.6% (n=37) died. There was higher mortality and lethality among patients aged between 0 to 4 years. Among Bahia’s macro-regions, the East and Central-North had the highest and lowest number of cases of the disease, respectively, while the East and the Far South had the highest mortalities and fatalities.
CONCLUSION: The epidemiological profile of meningococcal disease in Bahia follows the global and national trend, with a predominance among boys, brown, aged between 0 to 4 years, whose prevalence, mortality and lethality stand out among the age groups studied. Taking into account the endemic status of meningococcal disease in the state, these results can support and direct specific strategies to combat meningococcus, reinforcing the need for constant preventive actions and epidemiological surveillance, with the establishment of health promotion strategies and better applicability of resources. for the eradication of the disease.

Keywords: Meningococcal Infections, Epidemiology, Indicators of Morbidity and Mortality, Child.


INTRODUÇÃO

A infecção causada pela bactéria Neisseria meningitidis representa um processo de curso clínico agudo e com grande potencial invasivo1. A doença meningocócica possui três formas clínicas principais - meningite meningocócica, meningococcemia ou a associação entre essas duas1, sendo estas também nomeadas como infecção meningocócica2. Dentre as formas clínicas, a meningite meningocócica destaca-se pela rápida evolução e alta taxa de morbimortalidade3,4. Já a meningococemia caracteriza-se por um quadro mais agudo com manifestações cutâneas típicas1. A partir da suspeita diagnóstica, é fundamental que seja feita investigação precoce e iniciado o tratamento imediato, evitando desfechos graves.

Os surtos epidêmicos de meningite bacteriana afetam mais de 400 milhões de indivíduos que vivem no chamado “cinturão de meningite africana”, composto por 26 países5. No Brasil, a doença meningocócica é endêmica, com ocorrência de surtos esporádicos. Desde a década de 1990, os sorogrupos circulantes mais frequentes foram C e B1. A doença pode acometer qualquer faixa etária, porém cerca de 30% dos casos notificados ocorrem em crianças menores de 5 anos de idade, sendo os maiores coeficientes de incidência encontrados em lactentes no primeiro ano de vida1. A taxa de mortalidade alcança 10% nos países desenvolvidos e pode chegar a 50% nos países em desenvolvimento6.

Na Bahia, percebe-se aumento da prevalência dos casos de meningite bacteriana em relação às outras etiologias7. Nota-se que, nos últimos anos, a doença meningocócica tem apresentado maior incidência com aumento da prevalência do meningococo tipo C e diminuição dos indicadores de mortalidade7. Apesar dessa retração da mortalidade no estado, a doença meningocócica ainda possui relevância significativa no cenário de saúde atual, principalmente pela sua considerável taxa de morbidade para o público infantil.

No ano de 2010, no Brasil, houve significativo incremento da circulação da Neisseria meningitidis sorotipo C, acompanhado de maior incidência da doença em crianças, levando à implantação da vacina meningocócica C conjugada (MenC)8 no calendário nacional de vacinação para menores de 1 ano de idade1. A partir de 2016, a vacina MenC passou a ser disponibilizada para as crianças com menos de 5 anos de idade, corroborando com a diminuição da prevalência da doença no país1.

Na Bahia, houve aumento dos casos de 2008 para 20099, levando a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB) a iniciar, em 2010, uma campanha de vacinação contra o meningococo em todo o estado, sendo esta vacina ofertada no calendário básico de vacinação para os menores de dois anos de idade9. Apesar dessas ações, entre 2011 e 2015, Salvador permaneceu como o município mais atingido pela infecção meningocócica9. Entretanto, nos últimos anos, nota-se diminuição de casos e, consequentemente, de óbitos, podendo este fato estar associado à maior efetividade da vacina MenC7.

É fundamental conhecer o perfil epidemiológico de uma doença para que sejam norteadas as ações preventivas e curativas, buscando diminuir as taxas de incidência, prevalência, morbidade e mortalidade. Nesse contexto, esse estudo se propõe a descrever o panorama epidemiológico das hospitalizações de crianças por infecção meningocócica na Bahia e em suas macrorregiões de saúde, no período de 2011 a 2020, estimando a morbimortalidade pela doença.


MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico, retrospectivo, de série temporal, realizado a partir de dados do Sistema de Informações Hospitalares do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (SIH/DATASUS) do Ministério da Saúde (MS).

O cenário de estudo é composto pelo estado da Bahia, que, segundo o último censo demográfico, possui aproximadamente 564,7 mil km² de área e uma população superior a 14 milhões de habitantes10. A Bahia é o quarto estado mais populoso do Brasil e o mais populoso da Região Nordeste, tendo como capital a cidade de Salvador. Considerando a distribuição por faixa etária, o estado possui 1.059.885 habitantes com idades entre 0-4 anos; 1.190.648 com 5-9 anos; e 1.339.561 com 10-14 anos10. Conforme proposto pela SESAB11, as macrorregiões de saúde foram estabelecidas em Norte, Nordeste, Centro-Norte, Leste, Centro-Leste, Oeste, Sudoeste, Sul e Extremo-Sul (Figura 1).


Figura 1. Macrorregiões de saúde do Estado da Bahia. NRS: Núcleo Regional de Saúde. Fonte: Adaptado de Governo do Estado da Bahia10 e Souza et al.12.



A população alvo foi composta pelas internações de crianças com idade entre 0-14 anos, segundo as áreas de residência, diagnosticadas com infecção meningocócica, representadas pelo código A39 da décima revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10)2, nos anos de 2011 a 2020. Por se tratar de um perfil epidemiológico, não foram utilizados critérios de exclusão nessa abordagem.

Foram analisados dados quanto à faixa etária (0-4 anos, 5-9 anos ou 10-14 anos), gênero (masculino ou feminino), etnia (branca, parda, preta, amarela, indígena, não informado), ano de atendimento (2011 a 2020), caráter do atendimento (eletivo ou emergência), regime de atendimento (ou seja, o tipo de vínculo que a unidade hospitalar possui com o SUS, sendo este classificado como público, privado ou não informado) e desfecho (alta ou óbito).

As variáveis de interesse, por serem categóricas, foram apresentadas em frequências absolutas (n) e relativas (porcentagem, %). A prevalência geral foi calculada considerando a divisão entre os casos notificados de internação pela doença e a população de crianças da Bahia para cada 100.000 habitantes na faixa etária de 0-14 anos. A mortalidade foi calculada considerando a divisão entre os óbitos pela doença e a população de crianças da Bahia, para cada 100.000 habitantes na faixa etária de 0-14 anos. Já a letalidade foi calculada pela divisão entre o número de óbitos pela doença e as internações totais de crianças, para cada 100 internações, ou seja, sendo apresentada em porcentagem. Os dados foram analisados através do programa Microsoft Excel® 2013.

Tendo em vista que se trata de estudo realizado a partir de dados secundários, sem a identificação dos participantes, através de um banco de dados público e gratuito, dispensa-se a apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, porém, este estudo respeita os critérios éticos descritos na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.


RESULTADOS

De 2011 a 2020, foram notificadas 431 internações por infecção meningocócica em pacientes de 0-14 anos no estado da Bahia. Ao analisar a faixa etária, observou-se maior prevalência entre crianças de 0 a 4 anos (Tabela 1).




Ao realizar a análise ano a ano, observou-se um comportamento decrescente de 2011 a 2016, sendo o ano de 2011 aquele com maior número de casos de doença meningocócica na última década, representando 25,8% do total. A partir de 2017 registra-se um comportamento oscilatório de aumento e diminuição de casos ano a ano, sendo 2020 o ano com menor número de casos nos últimos dez anos, representando 2,8% do total.

Ao analisar a distribuição das internações, de acordo com o gênero (Tabela 2), observou-se que a infecção meningocócica foi mais prevalente no sexo masculino em todas as faixas etárias e em todos os anos avaliados, representando 24,5% a mais de casos que o sexo feminino. Já com relação à etnia, observou-se maior prevalência de pacientes autodeclarados pardos (33,9% daqueles que declararam sua etnia). Entretanto, destaca-se a quantidade de dados não informados, correspondendo a 61,7% do total. Ao analisar a etnia de acordo com a idade, observou-se que o predomínio de pacientes autodeclarados pardos permanece nas três faixas etárias analisadas.




Com relação ao caráter do atendimento, foi verificado que a maioria dos pacientes (98,4%) deu entrada no serviço de saúde através das unidades de urgência. Esse comportamento se mantém ao analisar o caráter do atendimento de acordo com todas as faixas etárias estabelecidas. Além disso, constatou-se que, na última década, a maior parte das internações ocorreu sob regime público de atendimento (57,5% dos dados disponíveis no SIH/DATASUS). Entretanto, tem-se um quantitativo expressivo de dados não registrados para essa variável (33,4%). Ao analisar as três faixas etárias de interesse deste estudo, verificou-se que o predomínio das internações no regime público de atendimento se mantém.

Quanto ao desfecho hospitalar, constatou-se que 8,6% dos casos foram a óbito e 91,4% obtiveram alta após internação. Ao analisar os óbitos de acordo com a idade, foi verificado um maior número de ocorrências na faixa etária de 0 a 4 anos (48,7%). Ao analisar a mortalidade ano a ano, observou-se que em 2011 ocorreu o maior número de desfechos negativos (43,2%). Além disso, foi verificada uma estabilidade no número de óbitos a partir de 2016, mantendo-se, até o ano de 2019, dois óbitos por ano. Em 2020 não houve registro de óbitos de crianças internadas por doença meningocócica.

Quanto aos dados de morbimortalidade, a prevalência da doença meningocócica na população de crianças do estado da Bahia foi de 12 casos para cada 100.000 habitantes na faixa etária de 0 a 14 anos. Ao estratificar os dados por faixa etária, observou-se uma prevalência de 5,60 casos para cada 100.000 crianças de 0 a 4 anos e prevalências de 3,2 casos para cada 100.000 crianças nas demais faixas etárias (5 a 9 anos e 10 a 14 anos). Ao analisar a mortalidade na Bahia, verificou-se uma taxa de 1,0 óbito para cada 100.000 crianças de 0 a 14 anos. E, assim como na prevalência, dentre as faixas etárias, o maior índice de mortalidade foi observado entre 0 a 4 anos, seguido dos pacientes de 10 a 14 anos e 5 a 9 anos, respectivamente. Já a letalidade para a população de 0 a 14 anos do estado da Bahia foi de 8,6%. Ao estratificar os dados por faixa etária, observou-se menor letalidade em pacientes de 5 a 9 anos e maior letalidade entre pacientes de 0 a 4 anos.

Ao analisar as macrorregiões de saúde da Bahia (Tabela 3), observou-se que o Leste, macrorregião composta pela capital Salvador e região metropolitana, apresentou a maioria expressiva das internações por doença meningocócica na última década (27,6%). Já a macrorregião com a menor prevalência foi o Centro-Norte, que compreende a cidade de Jacobina e municípios adjacentes (2,3%). Quando verificadas as faixas etárias acometidas em cada macrorregião, observou-se comportamento semelhante ao do estado da Bahia, com maior prevalência em crianças de 0 a 4 anos, com exceção do Nordeste, onde a ocorrência foi maior e equitativa nas faixas etárias de 5 a 9 anos e de 10 a 14 anos, e do Oeste, com maior prevalência em crianças de 5 a 9 anos.




Com relação às taxas de mortalidade, destacaram-se as macrorregiões Leste e Extremo-Sul com as maiores taxas, totalizando 0,3 e 0,2 óbitos para cada 100.000 crianças entre 0 e 14 anos. Estas mesmas regiões apresentaram as maiores taxas de letalidade, com 2,1% e 1,9%, respectivamente (Tabela 4).




DISCUSSÃO

De 2011 a 2020, 431 crianças e adolescentes com idades entre 0 e 14 anos foram internadas em serviços públicos e privados por doença meningocócica na Bahia. Ao longo dos anos, observou-se uma diminuição no número de casos, entretanto, a prevalência se mantém mais elevada entre os infantes de 0 a 4 anos.

Os dados revelados neste estudo corroboram com as estatísticas nacionais descritas pelo MS, em que aproximadamente 30% dos casos notificados nesse público, no Brasil, ocorrem em crianças menores de 5 anos de idade, sendo ainda mais prevalente em lactentes, no primeiro ano de vida1. É possível que esse comportamento esteja associado a uma maior susceptibilidade a doenças, uma vez que crianças a partir de 3 meses de idade apresentam uma diminuição dos títulos de anticorpos recebidos passivamente da mãe, durante o período gestacional13. No entanto, a partir dos 12 meses de idade, passa-se a desenvolver, de forma natural, a imunidade adquirida, elevando os títulos de anticorpos, o que pode estar associado à queda da prevalência da doença naqueles acima do primeiro ano de vida13.

Ao analisar a distribuição dos casos, o ano de 2011 se destaca quanto ao número de internações, acompanhado de uma redução nos anos seguintes, principalmente no primeiro recorte etário avaliado. Essas internações assumem um comportamento decrescente ao longo dos últimos anos, reduzindo para cerca de 50% a partir de 2012. É possível que a queda das internações em crianças de 0 a 4 anos esteja associada à inclusão da vacina MenC no calendário nacional de vacinação, a partir de 2010, cobrindo crianças com até 5 anos. Além disso, a longo prazo, a implantação da vacina pode também ser responsável pela diminuição gradual nas demais faixas etárias.

É importante salientar que esse declínio do número de casos de doença meningocócica foi observado de forma semelhante no Reino Unido, Espanha, Irlanda, Holanda, Bélgica e outros países europeus, após a introdução da vacina MenC, sugerindo a efetividade dessa estratégia a longo prazo13. Estudo pioneiro realizado no Reino Unido avaliou a introdução desta vacina e evidenciou declínio de 81% da incidência dos casos, quando comparados os períodos anterior e posterior à sua implantação13.

O presente estudo registrou um aumento considerável de casos de 2018 para 2019, fato que ocorreu possivelmente devido a menor abrangência da cobertura vacinal, em 2018, para as crianças menores de 1 ano na Bahia, cuja taxa de 76,5% foi expressivamente inferior aos 95% preconizados pela SESAB7. Corroborando com esses dados, ao analisar a vacinação para combater a meningite no Brasil e regiões, estudo recente demonstrou redução de 19,8% na cobertura vacinal de 2011 para 2020, com diminuição progressiva ao longo dos anos em todas as regiões brasileiras13. Entretanto, apesar dessa redução, com exceção da Região Norte, as demais regiões do país mantiveram as taxas de cobertura vacinal dentro do preconizado pelo MS14.

Uma característica importante observada neste estudo é que, apesar de as demais idades não serem cobertas pela vacinação (acima de 5 anos de idade), não houve aumento da prevalência nesse público, o que pode estar associado à efetividade da imunização nos anos iniciais. Assim, diferentemente do que ocorre nos países europeus e da América do Norte, no Brasil, em época de endemias, não há presença de picos de incidência em adolescentes15.

Em relação à queda de casos no ano de 2020, vale ressaltar que este foi um ano atípico para as doenças infectocontagiosas e atendimentos pediátricos, uma vez que foi marcado pela pandemia de COVID-1916. É possível que o isolamento social, o fechamento de locais públicos e a intensificação de medidas de higiene e proteção impostos pela pandemia tenham interferido na redução da disseminação de doenças com transmissão fecal-oral ou por via aérea16,17.

Estudo realizado em emergências pediátricas de hospitais franceses comparou os registros de algumas doenças infectocontagiosas entre os anos de 2017 e 2020 e demonstrou redução de 68% dos atendimentos nas emergências e de 44,7% das internações15. Esse achado corrobora com a diminuição considerável de internações descritas neste estudo.

Ao traçar o perfil epidemiológico da última década, evidenciou-se que, na Bahia, a doença meningocócica possui maior prevalência em pacientes de 0 a 4 anos, do sexo masculino e pardos. É importante ressaltar que, apesar da maioria dos pacientes deste estudo não ter etnia declarada, o perfil étnico evidenciado nesta análise corrobora com o predomínio de pessoas pardas na população baiana, conforme descrito pelo IBGE10, e com outros estudos realizados no Nordeste do país. No Piauí também foi demonstrada maior prevalência da meningite bacteriana em pacientes menores de 4 anos, do sexo masculino e autodeclarados pardos18. Já outro estudo sobre meningite bacteriana na cidade de Salvador, Bahia, avaliando diversas faixas etárias nos anos de 2011 e 2015, demonstrou resultados semelhantes, com maior prevalência no sexo masculino e entre pardos, porém a faixa etária mais acometida foi de 20-39 anos9. Entretanto, é importante salientar que tal grupo etário não foi incluído no presente estudo.

Neste estudo, grande parte dos atendimentos foram realizados em caráter de urgência e isso deve-se à fisiopatologia da doença, que tem rápida evolução. Esses atendimentos na urgência são, em sua maioria, no regime público de atendimento, possivelmente porque grande parte dos baianos recorre ao Sistema Único de Saúde pelo baixo poder aquisitivo da população, o que dificulta o acesso aos serviços privados. Essa hipótese corrobora com o estudo de Silva et al.19, que demonstraram que, nas regiões brasileiras, a utilização dos serviços públicos de saúde foi inversamente proporcional à quantidade de pessoas que possuem planos privados de saúde. Entretanto, é importante salientar que, de forma geral, a busca pelos serviços públicos de saúde também é feita por usuários que possuem plano de saúde privado, representando 20% dessa procura19.

Com relação aos desfechos, observou-se que a grande maioria dos pacientes obteve alta hospitalar, o que corrobora o bom prognóstico quando instituído tratamento adequado e precoce. É importante salientar que a base de dados utilizada não fornece informações quanto à presença de sequelas. Estudos vêm relatando que as sequelas mais frequentes estão associadas à fala, audição, alteração de comportamento, cognição, motricidade e visão, como relatado em 62,5% dos casos registrados em pesquisa realizada em Jundiaí, São Paulo20. Entretanto, a verificação dessas condições não fazia parte do escopo do presente estudo.

Neste trabalho, observou-se maior taxa de mortalidade em 2011, com comportamento decrescente até alcançar uma constância de óbitos anuais de 2016 a 2019. A queda do quantitativo de óbitos a partir de 2012 também foi demonstrada em outros dois estudos realizados em Salvador, Bahia3,9. Novamente, é possível que a cobertura vacinal tenha interferido na diminuição da prevalência e morbimortalidade da doença meningocócica em crianças e jovens, na última década no estado.

Na Bahia, a letalidade encontrada acompanha o resultado nacional, que varia de 2% a 20%2,21, estando próxima da letalidade de países desenvolvidos, que é de aproximadamente 10%6. Estudos sugerem que o diagnóstico precoce e a imediata administração de antibióticos, não retardar a punção lombar, o controle agressivo do choque séptico e a disponibilidade de unidades de terapia intensiva podem contribuir para o melhor prognóstico da doença, interferindo na diminuição da mortalidade e letalidade21.

Com relação às macrorregiões de saúde da Bahia, a macrorregião Leste, que representa o Núcleo Regional de Saúde (NRS) com maior população no estado, apresentou as maiores taxas de prevalência, mortalidade e letalidade. É importante destacar que a doença meningocócica possui fatores de risco que influenciam em sua incidência e prevalência, como condições precárias de higiene, aglomerações, condições socioeconômicas, idade, imunossupressão, entre outros22. Além desses fatores, que variam em cada macrorregião, leva-se em consideração a maior distribuição populacional do Leste e o maior acesso de sua população aos serviços de saúde, quando comparado aos demais NRS. A situação de saúde, estrutura, disponibilidade de profissionais e medicamentos de cada macrorregião também são fatores que podem justificar a distribuição das internações.

Por fim, uma limitação deste estudo é não terem sido encontrados dados sobre o período de tempo em que o desfecho alta ou óbito foi mensurado, tanto na descrição da variável quanto nas notas técnicas disponíveis na base de dados utilizada (SIH/DATASUS). Outra potencial limitação é a possibilidade do viés ou falácia ecológica inerente ao delineamento metodológico escolhido. Como o banco de dados utilizado não disponibiliza informações sobre a doença e exposição do indivíduo, mas apenas do grupo populacional como um todo, não é possível garantir que o comportamento observado na população agregada seja, obrigatoriamente, o mesmo em nível de indivíduos. Entretanto, mesmo com essas potenciais limitações, este estudo contribuiu para o melhor conhecimento sobre a morbimortalidade da doença meningocócica na Bahia.

Em suma, verificou-se que o perfil epidemiológico da doença meningocócica em crianças no estado da Bahia acompanha a tendência mundial e nacional, com predominância entre meninos, pardos, de 0 a 4 anos. Os indicadores de morbimortalidade se concentram mais nesta faixa etária, reforçando a necessidade de potencialização das ações de imunoprevenção, principalmente na população pediátrica. Sendo assim, esses dados podem subsidiar o direcionamento de estratégias específicas voltadas para prevenção e controle da doença através de vigilância epidemiológica constante e estratégias de promoção da saúde, auxiliando na melhor aplicabilidade de recursos para o combate ao meningococo e buscando a erradicação da doença na Bahia.


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Centro Universitário UNIFTC, Curso de Medicina - Salvador - Bahia - Brasil

Endereço para correspondência:

Katia de Miranda Avena
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E-mail: katiaavena@hotmail.com

Data de Submissão: 26/07/2022
Data de Aprovação: 04/12/2022