Relato de Caso
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Ano 2023 -
Volume 13 -
Número
2
Linfangiectasia pulmonar congênita unilateral: um relato de caso
Unilateral congenital pulmonary lymphangiectasia: case report
Allan Zarpelon1; Rodrigo Soares1; Adriana Jasper1,2; Ana Laura Schumacher3; Silmara Aparecida Possas2; Luisa Oliveira2
RESUMO
A linfangiectasia pulmonar é um distúrbio de desenvolvimento raro no qual se observa proliferação e dilatação dos vasos linfáticos. Com base na patogênese e no fenótipo clínico, pode ser classificada como: linfangiectasia pulmonar primária ou congênita, e secundária. O diagnóstico é feito através da clínica, exames de imagem e histopatológicos. A biopsia a céu aberto é considerada o padrão-ouro e também é útil na diferenciação de doenças pulmonares intersticiais ou outras formas de dilatação linfática pulmonar. O tratamento definitivo da forma isolada é curativo com ressecção da área afetada. Já em sua forma difusa, o tratamento é paliativo e busca limitar a produção e o acúmulo de linfa nas serosas pulmonares. Atualmente, preconiza-se o tratamento conservador para correção do quilotórax. O presente artigo tem por objetivo relatar o caso de um paciente com diagnóstico de linfangiectasia pulmonar congênita de boa evolução, ressaltando a importância do diagnóstico precoce e abordagem terapêutica, e comparar com o que há descrito na literatura.
Palavras-chave:
Linfangectasia pulmonar, Recém-nascido, Vasos linfáticos, Criança.
ABSTRACT
Pulmonary lymphangiectasia is a rare developmental disorder in which lymphatic vessels proliferate and dilate. Based on pathogenesis and clinical phenotype, it can be classified as: primary or congenital pulmonary lymphangiectasia (CPL), or secondary. The diagnosis is made by clinical characteristic and imaging and histopathological exams features. Lung biopsy is considered the gold standard for the diagnosis of CPL and is also useful to distinguish between interstitial lung diseases or other forms of pulmonary lymphatic dilation. The definitive treatment of the isolated form can be curative with resection of the affected area. In diffuse form, the treatment is palliative and aims to limit the production and accumulation of lymph in the pulmonary serosa. Currently, the conservative treatment is recommended for chylothorax correction. This article aims to report the case of a patient with a diagnosis of congenital pulmonary lymphangiectasia with good evolution, emphasizing the importance of early diagnosis and therapeutic approach, and to compare with what has been described in the literature.
Keywords:
Pulmonary lymphangietasia, Newborn, Lymphatic vessels, Child.
INTRODUÇÃO
A linfangiectasia pulmonar (LP) é um distúrbio de desenvolvimento raro no qual se observa proliferação e dilatação dos vasos linfáticos. Com base na patogênese e no fenótipo clínico, pode ser classificada como: linfangiectasia pulmonar primária ou congênita (LPC), e secundária1.
A LP foi descrita pela primeira vez por Virchow em 1856, no entanto o número exato de casos é desconhecido. Estudos de autópsia sugerem que aproximadamente 0,5% a 1% dos bebês nascidos mortos ou que morreram no período neonatal têm LP, e em dois relatos de séries de natimortos, 5 de 451 casos e 11 de 2.514 casos foram identificados LP como causa do óbito. A ocorrência familiar é rara2,3.
A etiologia da LP não é conhecida. Finegold et al. propõem que a LP decorre devido a um erro no desenvolvimento em que a regressão fisiológica do tecido conjuntivo não ocorre até a vigésima semana de vida e, portanto, há uma persistência dos grandes vasos linfáticos4.
Os recém-nascidos (RN) com complicações graves podem necessitar de uso de pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP), intubação orotraqueal (IOT) e drenagem imediata do excesso de líquido na cavidade torácica3. Após estabilização clínica, o tratamento da forma isolada pode ser curativo com ressecção da área afetada. Já na forma difusa, ele é paliativo e tem por objetivo limitar a produção e o acúmulo de linfa nas serosas5.
Atualmente, o tratamento inicial preconizado para quilotórax é conversador com toracocentese, drenagem em selo d’água e suporte ventilatório. A nutrição enteral com triglicerídeos de cadeia média e nutrição parenteral total tem sido empregada com sucesso, pois a absorção ocorre pelo sistema portal, com diminuição na formação de linfa. Além disso, pode-se tentar estratégias com uso de octreotide e somatostatina, deixando o tratamento cirúrgico para casos sem resposta a essas terapias6.
O presente artigo tem por objetivo relatar o caso de um paciente com diagnóstico de linfangiectasia pulmonar congênita de boa evolução, ressaltando a importância do diagnóstico precoce e a abordagem terapêutica, e comparar com o que há descrito na literatura.
RELATO DE CASO
Paciente D.L.O.P, masculino, nasceu na maternidade de Toledo com 31 semanas e 3 dias por parto cesáreo, gestação materna interrompida por doença hipertensiva gestacional e insuficiência renal aguda (IRA), com APGAR de primeiro e quinto minutos 8/9, respectivamente, peso 1.235 g, estatura 37 cm e perímetro cefálico 28 cm. Necessitou de IOT por desconforto respiratório, sem relato de utilização de surfactante. No 2º dia de vida, foi encaminhado para Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) de Ivaiporã, permanecendo internado por 34 dias em ventilação mecânica, não tolerando desmame dos parâmetros ventilatórios.
A radiografia (RX) de tórax mostrava imagem persistente de múltiplos cistos em hemitórax esquerdo (Figura 1A). Paciente transferido, deu entrada no Hospital Pequeno Príncipe (HPP) em Curitiba com 34 dias de vida para avaliação da cirurgia pediátrica com hipótese diagnóstica inicial de Malformação Adenomatosa Cística (MAC).
Figura 1. A. Radiografia de tórax e abdome na admissão 14/05/19; B. Após ressecção cirúrgica do lobo pulmonar afetado 16/05/19.
Na admissão, o exame físico mostrava: frequência cardíaca 145 bpm, frequência respiratória (FR) 55 irpm, Saturação O2 84%, regular estado geral (REG), hipoativo, hidratado, anictérico, murmúrio vesicular presente, porém diminuídos em ápice pulmonar esquerdo e presença de tiragem intercostal e subdiafragmática. Restante do exame sem alterações.
Na investigação complementar, os exames laboratoriais eram normais exceto hiponatremia (Na = 123 mmol/L) que foi corrigida com solução salina 3%. O RX evidenciou a mesma imagem cística em hemitórax esquerdo, tomografia computadorizada (TC) de tórax mostrou múltiplas malformações císticas em todo lobo superior esquerdo, desvio de estruturas mediastinais para a direita e atelectasia com broncogramas aéreos do lobo inferior esquerdo, aumento da atenuação perenquimatosa direita e pequena área cística isolada em lobo médio (Figura 2). A principal hipótese diagnóstica ainda era MAC.
Figura 2. Tomografia axial computadorizada (TAC) na admissão 14/05/19.
Após avaliação pela equipe de Cirurgia Pediátrica do HPP, foi optado por cirurgia realizada com 36 dias de vida, sendo realizada Ibextomia e dreno de tórax que permaneceu por 6 dias. O paciente recebeu antibiticoterapia profilática com vancomicina e amicacina por 24 horas para cirurgia.
Peça cirúrgica enviada para avaliação anatomo-patológica, compatível com LPC, apesar da suspeita inicial de MAC. Avaliação imuno-histoquímica apresentou positividade para CD34, D2-40, ACTINA 1 A4 e CK AE1/AE3, condizente com patologia linfática.
Na evolução, o paciente permaneceu intubado no pós-operatório com RX evidenciando boa expansibilidade pulmonar — inclusive no pulmão esquerdo (Figura 1B). Recebeu dexametasona por 7 dias e foi extubado para ventilação não invasiva (VNI) no 11º dia pós-operatório, com 47 dias de vida.
No 27º dia pós-operatório passou a alternar CPAP com Oxigenoterapia por capacete (OXY HOOD) e 3 dias depois tolerou uso de cateter nasal a 1L/min. Nesse momento o paciente apresentava discreta diminuição do murmúrio vesicular em ápice esquerdo e tiragem subcostal leve que se manteve até a alta hospitalar.
Recebeu alta da UTI para a enfermaria após 43 dias de internamento (2 meses e 17 dias de vida) com bom padrão respiratório e saturometria maior que 90%. Desmame do cateter nasal foi realizado sem intercorrências no 4º dia de enfermaria.
Com 3 meses e 23 dias de vida e em ganho de peso (3 kg), o paciente recebeu alta para domicílio respirando confortavelmente em ar ambiente e aceitando dieta via oral. Agendado encaminhamento multidisciplinar para seguimento ambulatorial com pediatria, cirurgia pediátrica, neurologia, oftalmologia, pneumologia e suporte nutricional.
DISCUSSÃO
A linfangiectasia pulmonar é caracterizada por apresentar sintomas tanto na forma precoce quanto tardiamente. Na precoce, como o caso descrito, o RN manifesta-se com um quadro de desconforto respiratório agudo, acompanhado de taquipneia e cianose2.
O padrão radiológico clássico na LP é um infiltrado reticulonodular difuso sem melhora com uso de antibiótico ou diurético — diferente de processos infecciosos pulmonares e cardiopatias congênitas congestivas. Além disso, podem ser encontradas opacidade intersticial difusa, Linhas B de Kerley, derrame pleural e hiperinsuflação no período neonatal. Na tomografia os achados normalmente incluem espessamento de septos interlobulares, opacidade em vidro fosco e derrame pleural1,7.
Na investigação, o exame radiográfico do RN evidenciava imagens persistentes de múltiplos cistos em hemitórax esquerdo. Esse achado, junto com a clínica apresentada, sugeriu a MAC como hipótese diagnóstica, que, de acordo com a literatura, pode se apresentar na radiografia como um cisto único, múltiplos cistos ou uma massa sólida7.
Após discussão com equipe de Cirurgia Pediátrica, a abordagem terapêutica escolhida foi a ressecção cirúrgica da área comprometida, de acordo com a literatura que recomenda esse procedimento nos casos de MAC sintomáticas7.
O anatomopatológico classificou a anomalia como LPC (Linfangectasia Pulmonar Congênita). Mesmo na ausência dos sinais radiológicos clássicos da LPC, sabe-se que a biópsia pulmonar a céu aberto seguida pela imuno-histoquímica é considerada o padrão ouro para esse diagnóstico. O exame revela dilatação dos vasos linfáticos subpleurais, interlobares, perivasculares e peribrônquicos e, microscopicamente, geralmente apresenta imunopositividade para CD31, CD34, e D2-402,5,8.
A LPC muitas vezes não é considerada no diagnóstico diferencial de insuficiências respiratórias neonatais por ser uma anomalia rara e até pouco tempo incompatível com a vida na maioria dos casos, segundo a literatura. Ela deve ser diferenciada de patologias como: enfisema lobar congênito (ELC), enfisema pulmonar intersticial (EPI), linfangiomatose pulmonar difusa (LPD) e doenças cardíacas congestivas5,9.
A abordagem cirúrgica na LPC não é usual no período neonatal, optando-se por tratamento de suporte conservador como tratamento inicial. O primeiro caso descrito de intervenção cirúrgica neonatal nessa anomalia foi publicado em 2014, considerando resolutiva com o paciente apresentando desenvolvimento normal aos 2 anos de idade. Atualmente, são utilizados pleurectomia com pleurodese química associado ou não à ligadura de ducto torácico para tratamento de quilotórax em caso de falha no tratamento conservador3,10.
No relato apresentado, apesar da indicação cirúrgica não ter sido LPC, o paciente se beneficiou do procedimento, pois nos casos de linfangiectasia restrita aos pulmões, como é o caso do RN relatado, essa conduta é resolutiva.
O quadro de LP precoce geralmente está associado a uma taxa de mortalidade alta em poucas horas após o nascimento. Contudo, os avanços no atendimento perinatal, principalmente no controle respiratório, permitiram o aumento da sobrevida em pacientes com LP, como no RN relatado. Atualmente, o que era considerada uma patologia incompatível com a vida, apresenta um bom prognóstico, de acordo com a gravidade da doença e da assistência ministrada1,2.
REFERÊNCIAS
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3. Stevenson DA, Pysher TJ, Ward RM, Carey JC. Familial congenital non-immune hydrops, chylothorax, and pulmonary lymphangiectasia. Am J Med Genet. 2006;140(4):368-72. DOI:
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https://doi.org/10.1002/ppul.21008
10. Hwang JH, Kim JH, Hwang JJ, Kim KS, Kim SY. Pneumonectomy caseina newborn with congenital pulmonary lymphangiectasia. J Korean Med Sci. 2014:609-13.
1. Universidade Positivo, Curso Medicina - Curitiba - Paraná - Brasil
2. Hospital Pequeno Príncipe, Unidade de Terapia Intensiva Neonatal - Curitiba - Paraná - Brasil
3. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curso Medicina - Curitiba - Paraná - Brasil
Endereço para correspondência:
Allan Zarpelon
Universidade Positivo
Cidade Industrial de Curitiba
Curitiba - PR, Brasil. CEP: 81290-000
E-mail: alan_gz6@icloud.com
Data de Submissão: 05/11/2020
Data de Aprovação: 25/03/2021