ISSN-Online: 2236-6814

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Relato de Caso - Ano 2023 - Volume 13 - Número 2

Síndrome opsoclonus-mioclonus-ataxia: relato de caso

Opsoclonus-myoclonus-ataxia syndrome: case report

RESUMO

A síndrome de opsoclonus-mioclonus-ataxia (OMA), também conhecida como síndrome de Kinsbourne, é uma doença neurológica rara na infância, caracterizada clinicamente por movimentos oculares rápidos, irregulares e multidirecionais, movimentos mioclônicos em tronco, face e /ou extremidades e ataxia. Pode-se observar irritabilidade e distúrbios do ciclo do sono. Existem casos idiopáticos que foram correlacionados com infecções virais ou com a presença de neuroblastoma. Como o diagnóstico é clínico e existe uma grande variabilidade e heterogeneidade na forma de apresentação dos casos, considera-se como melhor opção uma abordagem terapêutica individualizada. Este artigo tem como objetivo apresentar o caso de uma lactente, com diagnóstico de síndrome OMA após episódio prodrômico de infecção viral de vias aéreas superiores. Para afastar a presença de um neuroblastoma oculto associado, foram realizados exames de imagem, estudo do líquido cefalorraquidiano (LCR) e dosagem do ácido vanilmandélico (VMA). O tratamento imunológico tem comprovada eficácia e consistiu na administração de corticosteroide, imunoglobulina intravenosa (IgIV) e no anticorpo monoclonal rituximabe.

Palavras-chave: Opsoclonia, Mioclonia, Ataxia, Rituximabe, Corticosteroides, Imunoglobulinas.

ABSTRACT

Opsoclonus-myoclonus-ataxia syndrome (AOM), also known as Kinsbourne syndrome, is a rare neurological disease in childhood, clinically characterized by rapid, irregular and multidirectional eye movements, myoclonic movements in the trunk, face and / or extremities and ataxia. Irritability and disturbances in the sleep cycle can be observed. There are idiopathic cases that have been correlated with viral infections or with the presence of neuroblastoma. As the diagnosis is clinical and there is great variability and heterogeneity in the presentation of cases, an individualized therapeutic approach is considered the best option. This article aims to present the case of an infant, diagnosed with AOM syndrome after a prodromal episode of viral infection of the upper airways. To rule out the presence of an associated hidden neuroblastoma, imaging exams, a study of cerebrospinal fluid and measurement of vanillmandelic acid were performed. The immunological treatment has proven to be effective and consisted of the administration of corticosteroids, intravenous immunoglobulin and monoclonal antibody rituximab.

Keywords: Opsoclonus, Myoclonus, Ataxia, Rituximab, Adrenal cortex hormones, Immunoglobulins.


INTRODUÇÃO

A síndrome de opsoclonus-mioclonus-ataxia (OMA), também denominada síndrome de Kinsbourne, é uma doença neurológica inflamatória pouco frequente, que pode apresentar curso agudo ou crônico e com amplo espectro de manifestações. Caracteristicamente, o paciente apresenta opsoclonus, mioclonia, ataxia cerebelar, além de alteração no comportamento e sono1-3. O opsoclonus é definido pela ocorrência de movimentos oculares, com movimentos rápidos, involuntários, multidirecionais e imprevisíveis que persistem durante o sono. A mioclonia é a contração involuntária e súbita de grupamentos musculares, principalmente de tronco, face e/ou membros1,3.

Acomete principalmente crianças hígidas, com idade entre 6 meses e 3 anos, sendo o pico aos 18 meses3. No Reino Unido, Pang et al. (2010)4, por meio de questionário prospectivo envolvendo 20 centros de neurologia pediátrica entre 2003 e 2005, registraram 19 casos de OMA, com uma incidência de 0,18 casos/ano/milhão da população total.

Do ponto de vista etiológico, são descritos casos idiopáticos, parainfecciosos, metabólicos ou tóxicos. Há associação com doenças autoimunes e, em 50% dos casos, a OMA pode ser considerada uma síndrome paraneoplásica, sendo neuroblastoma o mais citado pela literatura2,3,5,6. Aproximadamente 1% das crianças com esta neoplasia desenvolvem essa alteração neurológica5. Mioclonia, ataxia e, menos frequentemente, opsoclonia podem ser características de encefalopatia tóxica-metabólica, especialmente coma hiperosmolar não cetótico, doença hepática e intoxicações (piperazina), drogas antiepilépticas (fenitoína, fenobarbital, primidona, carbamazepina), ansiolíticos (benzodiazepínicos, tálio, tolueno, organofosforados, lítio, cocaína)2,5,7.

Anormalidades de quimiocinas foram descritas em vários estudos5,8, como no de Pranzatelli et al. (2013)8, onde relatam que os níveis do ligante de receptor de quimiocina CCL21 estão elevados em pacientes com síndrome de OMA pediátrica, retornando aos níveis de controle após tratamento com corticoesteroides ou hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), mas não com outros agentes imunossupressores8. Os autores concluíram que o nível de CCL21 esteve positivamente correlacionado com a gravidade e a duração da anormalidade neurológica, mas estas descobertas carecem de validação por mais estudos5,8.

Krasenbrink et al. (2007)9 avaliaram a suscetibilidade genética para esta síndrome e seus resultados sugeriram que os pais de crianças com síndrome OMA eram mais propensos a ter doenças autoimunes e maior positividade de autoanticorpos em comparação com os pais de controles saudáveis (16% versus 2%, 43% versus 8%, respectivamente), (p<0,001)9. Contudo, em coorte retrospectiva (105 crianças – 61 com tumor e 44 sem tumor), Tate et al. (2005)10 não identificaram a ocorrência da OMA entre gêmeos.

Em relação à patogenicidade, acredita-se que a autoimunidade esteja por trás da síndrome OMA tanto paraneoplásica como não paraneoplásica em crianças, sem a identificação de autoanticorpos patogênicos específicos até o momento5,6,9.Os principais achados clínicos desta síndrome incluem ataxia e quedas de início subagudo, progredindo para mioclonia dos membros e tronco, tremor e hipotonia, alterações comportamentais como irritabilidade e distúrbios moderados a graves do sono ao longo de dias ou semanas5.

O diagnóstico da síndrome OMA é clínico e em 50% dos pacientes há associação com neuroblastoma, portanto, a exploração diagnóstica deve incluir intensa pesquisa desse tumor através de triagem por ressonância magnética (RM) torácica, abdominal e pélvica; medição do ácido vanilmandélico urinário (VMA), e cintigrafia corporal com 123I-MIBG (123-I-metaiodobenzilguanidina) para pesquisa de metástases5. Se os resultados da RM forem negativos, uma reavaliação deve ser realizada após um período variável de alguns meses, de acordo com a evolução clínica da doença em cada paciente5,11-13. Como a síndrome OMA é idiopática, seu diagnóstico é de exclusão, ou seja, é necessário descartar a presença de lesões estruturais do sistema nervoso central (SNC)5. Além disso, devem ser excluídas as encefalopatias tóxico-metabólicas e as infecções, incluindo teste para detecção de infecção pelo HIV14. A análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) pode ser realizada se houver suspeita de infecção do SNC, sendo tipicamente normal em casos de síndrome OMA, mas podendo haver uma pleocitose linfocítica inespecífica5,13.Não há ensaios clínicos controlados para o tratamento de crianças com síndrome OMA5,13, mas estudos observacionais sugerem bons resultados com uso de corticosteroides, ACTH, plasmaférese, imunoglobulina intravenosa (IgIV), azatioprina, ciclofosfamida ou micofenolato de mofetil, usados em diversas combinações e escalonamentos12-14,15,16. O rituximabe adicionado a outras terapias foi relatado como eficaz em séries de casos2,3,5,6,11,13,17.Sendo a síndrome OMA um evento raro em crianças, o objetivo deste trabalho foi relatar o caso de um lactente com a síndrome descrevendo a condução da investigação e o tratamento oferecido.


RELATO DE CASO

Lactente feminino, de dois anos e oito meses, branca, natural do Rio de Janeiro, previamente hígida, avaliada aos 14 meses de idade por infecção viral de vias aéreas superiores tratada com sintomáticos em domicílio. Após 15 dias, iniciou movimento ocular errático seguido por dificuldade para deambular, marcha atáxica e irritabilidade. Diante do quadro compatível com síndrome OMA, a paciente foi hospitalizada para realizar exames de imagem. A RM do crânio, TC do tórax, abdome e pelve estavam normais, mas a pesquisa de ácido vanilmandélico (VMA) (4,9mg/24h com VR: <2,3mg/24h) mostrou-se alterada na primeira coleta. Optou-se por iniciar tratamento com dexametasona IV, por 4 dias, enquanto aguardava confirmação de alteração dos níveis de VMA em nova amostra de urina. Recebeu alta hospitalar com prednisolona 2mg/kg/dia, sendo reinternada devido à persistência dos sintomas na semana seguinte. Foi administrada imunoglobulina intravenosa (IgIV) na dose de 1g/kg/dia por 2 dias com melhora clínica dos sintomas. Recebeu alta com prednisolona oral. A segunda dosagem de VMA foi normal.

Após 10 meses de tratamento, durante retirada da corticoterapia, apresentou recidiva dos sintomas sendo reinternada para novo ciclo de IgIV por 5 dias (400mg/kg/dia). Exames coletados na ocasião não mostravam alterações. Como não houve melhora dos sintomas, iniciou-se dexametasona em doses elevadas (6,5mg/kg/dia) oral por três dias em sete ciclos mensais, observando melhora da irritabilidade, redução da intensidade, mas com persistência da mioclonia e ataxia.

Face à condição refratária, optou-se pelo tratamento com rituximabe endovenoso na dose de (375mg/m²/semana) durante quatro semanas consecutivas (quatro doses). O tratamento foi suspenso após a 3ª dose devido a um quadro de neutropenia febril. A paciente apresentou melhora progressiva com remissão dos sintomas e boa evolução clínica logo após a primeira dose do anticorpo monoclonal.


DISCUSSÃO

A síndrome OMA ou de Kinsbourne possui uma incidência variável, mais frequentemente registrada em adultos do que em crianças1,2,6. Devido à raridade da síndrome e à inexistência de um teste marcador diagnóstico, encontra-se um cenário de dificuldade de caracterização da epidemiologia e de reconhecimento da história natural dessa doença2. A suspeita diagnóstica foi precoce em nosso caso, pois, logo após o surgimento dos sintomas, houve a avaliação neurológica.

Um dos pontos-chaves na investigação da nossa paciente foi a realização de RM de encéfalo, TC de tórax, abdome e pelve, que afastaram a presença de neuroblastoma, uma vez que 50% dos casos de síndrome OMA estão associados a este tumor. Dessa forma, em pacientes com suspeita da síndrome, justifica-se o rastreio extenso para a neoplasia5. Quando o tumor não é identificado, e outras causas da síndrome são descartadas, realiza-se rastreio periódico do neuroblastoma através de método de imagem (RM abdominal, pélvica e cintilografia com MIBG, caso os resultados anteriores não sejam reveladores) e dosagem urinária do VMA2-5,13. Não há consenso na literatura sobre até quando realizar esse rastreio, variando de acordo com a percepção clínica de cada médico13. Ante a recidiva clínica da nossa paciente, foi realizado novo rastreio através de exames de imagem e VMA que permaneceram normais, sem indícios de neuroblastoma, totalizando três rastreamentos para essa neoplasia.

Exemplos de regimes de tratamento incluem a prednisona 2mg/kg por dia, ao longo de vários meses, terapia pulsada com dexametasona utilizando 20mg/m2 durante três dias, mensalmente por 6 a 60 meses até atingir resposta necessária, IgIV 1-2g/kg uma vez por mês e durante as recidivas, e o rituximabe na dose padrão estabelecida em 375mg/m2 IV semanalmente por 4 semanas consecutivas. Dentro do arsenal terapêutico também estão o ACTH, a plasmaférese, a azatioprina, a ciclofosfamida e o micofenolato de mofetil, sendo a escolha de um ou outro medicamento dependente da resposta clínica de cada paciente15-17. Embora o caso relatado tenha permanecido estável por um tempo em uso de dexametasona em conjunto com IgIV, a piora com a redução da dose terapêutica do corticoide indicou a necessidade de nova intervenção terapêutica. Apesar da ausência de consenso e das diversas opções descritas anteriormente, nossa escolha pela associação do rituximabe se deu pela disponibilidade da medicação e pela maior experiência da equipe com este fármaco. Além disso, apresenta maior segurança, pois não apresenta os efeitos adversos produzidos pelo uso crônico de corticoide5,6,13.

O tratamento medicamentoso da síndrome tem como meta a melhora dos sintomas, distúrbios de aprendizado e comportamento, assim como a prevenção de deficiência mental. No entanto, aproximadamente 60% a 80% dos pacientes apresentam anormalidades comportamentais residuais, cognitivos, de linguagem e aprendizagem, alterações de sono e retardo psicomotor2,3,5,6,10-13. No caso relatado, a paciente apresenta no momento atraso do desenvolvimento da linguagem.

Vale ressaltar que a associação significativa entre neuroblastoma e OMA torna mandatória uma intensiva investigação desse tumor pelos pediatras e médicos responsáveis e que a ausência da neoplasia na investigação inicial não afasta definitivamente sua presença, por isso a importância de um seguimento adequado.


AGRADECIMENTOS

À paciente e à responsável, por sua colaboração e autorização para disseminar em forma de letras nossa experiência, para um contínuo aprendizado, e às residentes de neurologia pediátrica, Julia Webber, Thyara Boechat e Nayra Mazolli que estiveram presentes no acompanhamento hospitalar e ambulatorial da paciente.


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Universidade Federal Fluminense, Departamento Materno-Infantil - Niterói - RJ - Brasil

Endereço para correspondência:

Rosiane Souza Rosse
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E-mail: rosianesouzarosse16@hotmail.com

Data de Submissão: 17/11/2020
Data de Aprovação: 06/12/2020