ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2023 - Volume 13 - Número 2

Penfigoide bolhoso no lactente e seu principal diagnóstico diferencial: dermatose bolhosa por IgA linear

Bullous pemphigoid in infants and linear IgA bullous dermatosis, the main condition considered in its differential diagnosis

RESUMO

O penfigoide bolhoso (PB) é uma dermatose subepidérmica e autoimune, indistinguível de outras dermatoses bolhosas, como a dermatose bolhosa por IgA linear, sendo raro o acometimento pediátrico (há menos de 15 casos descritos na literatura nessa faixa etária). Lactente de 3 meses e 24 dias compareceu em nosso serviço de urgência com lesões bolhosas em todo corpo. Aventada hipótese inicial de varicela, descartada após intensificação das características das lesões. Realizada biópsia de lesões que confirmaram o diagnóstico de penfigoide bolhoso, sendo então iniciada corticoterapia oral com remissão completa das lesões após 90 dias.

Palavras-chave: Dermatose linear bolhosa por IgA, Doenças autoimunes, Penfigoide, bolhoso.

ABSTRACT

Bullous pemphigoid is an autoimmune subepidermal dermatosis which is difficult to be differentiated from other bullous dermatosis, like the linear IgA bullous dermatosis, rarely seen in children (there are less than 15 cases reported in the literature). A 3 months and 24 days infant was admitted at our urgent care service due to bullous lesions all over the body. Initially managed as chickenpox, the hypothesis was discarded after injury progression. Skin biopsy of two lesions were performed, and the diagnosis of bullous pemphigoid was confirmed. Treated with oral corticotherapy, complete remission of injuries was noticed after 90 days.

Keywords: Linear IgA bullous dermatosis, Autoimmune diseases, Pemphigoid, Bullous.


INTRODUÇÃO

O penfigoide bolhoso (PB) é uma dermatose bolhosa subepidérmica e autoimune, rara na população pediátrica, acometendo geralmente idosos com mais de 70 anos, sem predileção étnica, racial ou sexual. Clinicamente é indistinguível de outras dermatoses bolhosas da infância, como a dermatose por IgA linear. O primeiro caso na infância foi relatado em 1970. A partir de então, poucos casos acometendo a população pediátrica foram observados. Na literatura são descritos menos de 15 casos nessa faixa etária¹-³.

Apresentamos o relato de um paciente de 3 meses e 24 dias de idade, que necessitou de internação hospitalar para investigar lesões bolhosas generalizadas, de início súbito, suspeitando-se de dermatose por IgA linear. Após resultado histopatológico e evolução do quadro, confirmou-se o diagnóstico de penfigoide bolhoso, com boa evolução após tratamento específico.


RELATO DE CASO

Lactente, sexo masculino, 3 meses e 24 dias de idade, admitido em serviço de urgência pediátrica em setembro de 2020 apresentando erupções com pápulas eritematosas em região de tronco e membros, associado a um episódio de febre, iniciados no dia anterior ao atendimento. Diagnosticado inicialmente como varicela, recebeu alta com tratamento sintomático e orientações. Retornou no dia seguinte por progressão das lesões cutâneas vesicobolhosas, principalmente em regiões acrais (Figura 1A). Optado por internação hospitalar, iniciada antibioticoterapia endovenosa (oxacilina 200mg/kg/dia) devido ao risco de infecção bacteriana secundária, e investigação diagnóstica, com suspeitas como dermatose bolhosa da infância por IgA linear, e penfigoide bolhoso.


Figura 1. Lesões cutâneas vesicobolhosas; A. Lesões bolhosas iniciais; B. Lesões bolhosas tensas com conteúdo hemorrágico.



Nos dias seguintes, as lesões disseminaram pelo corpo, principalmente em mãos e pés, com placas eritematosas e grandes bolhas tensas, algumas com conteúdo hemorrágico e poupando mucosas (Figura 1B).

O lactente encontrava-se em bom estado geral. Inexistiam evidências de infecções bacterianas ativas e não houve nenhum episódio febril durante a internação. Em exames laboratoriais, ausência de anormalidades metabólicas ou sinais de acometimento de outros órgãos. Pesquisa de COVID-19 por reação de cadeia de polimerase negativa.

Mãe, G2P2A0, com histórico obstétrico sem intercorrências. Lactente em aleitamento materno exclusivo até 3 meses e após estava em uso associado de fórmula infantil de 1º semestre.

Diante da hipótese de doenças de caráter autoimune como dermatose bolhosa da infância por IgA linear e penfigoide bolhoso, foi realizada biópsia de lesão ativa. Proteína C-reativa negativa, glicose-6-fosfato-desidrogenase e imunoglobulinas (IgA, IgE, IgM) dentro da normalidade. Iniciado então tratamento com prednisolona 1mg/kg/dia.

No resultado do estudo anatomopatológico, incluindo nova amostra coletada após oito dias de tratamento, foi visto clivagem subepidérmica com predomínio de eosinófilos, confirmando a hipótese de penfigoide bolhoso. A análise imunohistoquímica, do mesmo material, mostrou em membrana basal dermoepidérmica: anti-IgG, anti-IgM e anti-C3 positivos e anti-IgA e antifibrinogênio negativos, confirmando, também, a hipótese de penfigoide bolhoso e descartada dermatose bolhosa por IgA.

No nono dia de tratamento, o lactente apresentava melhora, cessando surgimento de novas lesões e com as antigas em processo de cicatrização. Recebeu alta com prednisolona para acompanhamento ambulatorial (Figura 2A). Em retorno após 20 dias da alta as lesões encontravam-se quase totalmente cicatrizadas, optando-se pela descontinuação do corticoide de forma gradual. Finalizou-se o tratamento com suspensão da prednisolona após 3 meses de uso, as lesões remitiram e cicatrizaram por completo (Figura 2B).


Figura 2. Lesões em cicatrização; A. Lesões bolhosas em fase de cicatrização; B. Remissão das lesões e conclusão do processo cicatricial.



DISCUSSÃO

Clinicamente, o penfigoide bolhoso pode ser indistinguível de outras dermatoses bolhosas na infância, como a dermatose por IgA linear, por isso a importância de realizar exames complementares para definir diagnóstico e tratamento, tendo como padrão-ouro a biópsia das lesões.

Na dermatose bolhosa por IgA linear, que também é uma doença autoimune e não hereditária, há formação subepidérmica de bolhas pelo depósito linear de imunoglobulina A (IgA) na zona da membrana basal. Observa-se acometimento cutâneo e mucoso, sendo comum doença prodrômica não específica de curta evolução, podendo ser acompanhada por sintomas sistêmicos como febre e anorexia. Além disso, tem como característica típica o surgimento abrupto de bolhas tensas na pele aparentemente normal ou ocasionalmente em placas urticariformes, podendo estar localizadas ou disseminadas, principalmente em face, extremidades, tronco e genitália. Diferente do relato apresentado, onde não houve acometimento de mucosas ou região genital, apesar das lesões cutâneas aparecerem de forma abrupta e disseminada4.

No PB, também há surgimento de lesões vesicobolhosas subdérmicas, que se assentam sobre a pele eritematosa ou normal. Há o acometimento frequente de mãos e pés, sendo geralmente a forma de apresentação inicial da doença, como observado no relato de caso, com aparecimento de lesões de forma disseminada, mas acometendo principalmente as extremidades. A ocorrência de lesões na face também é muito comum. Nos membros a distribuição das lesões é predominantemente flexural. As mucosas oral, nasal e conjuntival são atingidas em cerca de 30% dos casos e, durante todo o período de acompanhamento do caso, elas estiveram ausentes. Inicialmente, a doença pode se manifestar com prurido, placas eritematosas que evoluem para grandes bolhas tensas, por vezes com conteúdo hemorrágico5.

Geralmente são observados leucocitose, eosinofilia e o aumento da IgE sérica total. Alguns autores apontam peculiaridades clínicas do PB na infância que podem contribuir para o diagnóstico diferencial, como a resolução de bolhas sem cicatriz. Com a melhora das lesões, surgem mudanças pigmentares transitórias, geralmente evoluindo com resolução completa sem cicatrizes permanentes. O diagnóstico é feito através de biópsia cutânea e imunofluorescência direta6.

Na dermatose por IgA linear, a histologia é caracterizada por lesões bolhosas subepidérmicas com um infiltrado predominantemente neutrofílico na derme papilar, embora células mononucleares e eosinófilos ocasionais também possam ser vistos. O teste de imunofluorescência da pele perilesional é o padrão-ouro para diagnóstico e demonstra o depósito linear de IgA ao longo da zona da membrana basal. O objetivo do tratamento é obter o controle das lesões bolhosas evitando-se os efeitos adversos. A dapsona é considerada a droga de escolha com dose inicial baixa de 0,5mg/kg seguida por aumento lento da dose até controle dos sintomas e das lesões bolhosas (geralmente 2mg/kg/dia)³.

No penfigoide bolhoso, a biópsia revela bolha subepidérmica e a imunofluorescência direta da pele perilesional mostra deposição de IgG ao longo da zona da membrana basal em quase todos os pacientes. Depósitos de C3 também são encontrados em quase todos eles. O curso clínico do penfigoide bolhoso infantil é benigno e o tratamento de escolha é feito com corticosteroides sistêmicos (prednisona ou prednisolona 1 a 2mg/kg/dia). Sulfapiridina, dapsona e azatioprina podem ser usados como poupadores de corticoide. O transtorno regride dentro de 1 ano (média de cinco meses) e tem excelente prognóstico. As recorrências, de menor intensidade que o episódio inicial, são frequentes6.


CONCLUSÃO

O penfigoide bolhoso é uma doença rara, com difícil diagnóstico clínico, principalmente quando comparado com a dermotose bolhosa por IgA linear. A realização de exames complementares e a biópsia das lesões é fundamental para confirmar o diagnóstico. A corticoterapia é a base do tratamento, mas os cuidados com a limpeza local e tratamento de infecções bacterianas secundárias são de extrema importância para boa evolução do quadro. O presente caso mostra a importância de se considerar esse diagnóstico na população pediátrica, realizar a biópsia para confirmação diagnóstica e iniciar o tratamento precoce. Tendo, dessa forma, um prognóstico favorável com controle da doença.


REFERÊNCIAS

1. Fisler RE, Saeb MD, Liang M, Renee MD, Mckee PH. Childhood bullous pemphigoid: a clinicopathologic study and review of the literature. Am J Dermatopathol. 2003 Jun;25(3):183-9.

2. Zanella RR, Xavier TA, Tebcheranill AJ, Aokill V, Sanchez PG. Penfigoide bolhoso no adulto mais jovem: relato de três casos. An Bras Dermatol. 2011 Abr;86(2):355-8.

3. Quattino AL, Silveira JCG, Kawakubo AM, Xavier V, Rochael MC. Penfigoide bolhoso no lactente. An Bras Dermatol. 2007;82(1):87-9.

4. Gomes IRR, Lopes FTT, Ladeira AN, Ladeira MF. Dermatose bolhosa IgA linear: relato de caso. Rev Med Minas Gerais. 2019;29:e-2019.

5. Sousa B, Mota A, Morgado H, Lopes JM, Dias JA. Penfigoide bolhoso em lactente. Acta Med Port. 2005;18:159-62.

6. Sampaio B, Pacheco L, Grünewald S. Epidermólise bolhosa juncional congênita: relato de caso. Resid Pediatr. 2018;8(2):93-5.










1. Hospital Mário Palmério, Residente de Pediatria - Uberaba - Minas Gerais - Brasil
2. Hospital Mário Palmério, Pediatria - Preceptoras da Residência Médica - Uberaba - Minas Gerais - Brasil
3. Hospital Mário Palmério, Docente, Médica Dermatologista - Uberaba - Minas Gerais - Brasil
4. Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Docente, Médico Patologista - Uberaba - Minas Gerais - Brasil

Endereço para correspondência:

Luciana Silva de Godoy
Mário Palmério Hospital Universitário
Av. Nenê Sabino, nº 2477, Santos Dumont
Uberaba - MG. Brasil. CEP: 38050-501
E-mail: godoysluciana@gmail.com

Data de Submissão: 05/02/2021
Data de Aprovação: 01/03/2021