ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2023 - Volume 13 - Número 2

Dependência de jogos eletrônicos em adolescentes na unidadepediátrica de um Hospital Universitário no Distrito Federal

Electronic games dependence in adolescents from the pediatrics unit of a university hospital in Distrito Federal

RESUMO

INTRODUÇÃO: Este estudo objetivou identificar a prevalência do vício e o risco de adição a jogos eletrônicos em adolescentes monitorados no Serviço de Pediatria de um hospital universitário do Distrito Federal.
MÉTODOS: Estudo observacional transversal, conduzido com adolescentes entre 10 e 19 anos de idade, usando um questionário com 10 questões de múltipla escolha, usado para avaliar a dependência em 5 dimensões, em relação à compulsão para com jogos eletrônicos. Também avaliamos: dados sociodemográficos (idade, sexo, educação e repetência escolar) e parâmetros de uso de jogos eletrônicos (frequência de jogos por semana e tempo diário gasto em jogos eletrônicos). O questionário foi aplicado durante 4 meses, e as análises estatísticas foram feitas usando o SAS 9.4. Um valor p <0.05 foi considerado significativo.
RESULTADOS: entrevistamos 114 adolescentes com idade média de 15 anos. A maioria (71%) relatou usar algum tipo de jogo eletrônico como meio de recreação, dos quais 62,1% eram meninos. A prevalência da dependência foi de 3,51% e o risco de dependência foi de 9.65%, com o item “restrição de tempo” sendo o mais frequente, com 42,9%. Somente o item escolaridade apresentou associação significativa com a ocorrência de risco de dependência (RD = 6,16, IC 95%: 1,48; 25,65; p = 0,0125).
DISCUSSÃO: Mesmo com algumas limitações, este estudo se destaca por ter sido capaz de demonstrar a prevalência de dependência de jogos eletrônicos em uma amostra semelhante àquela encontrada na literatura, assim como a elaboração de um perfil epidemiológico de fatores de risco associados à dependência dos pacientes entrevistados.

Palavras-chave: Adolescente, Jogos Eletrônicos, Saúde Mental.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The study aimed to identify the prevalence of addiction and the risk of addiction to electronic games in adolescents monitored at the Pediatric Service of a university hospital in Distrito Federal.
METHODS: Cross-sectional observational study carried out with adolescents aged 10 to 19 years, using a questionnaire of 10 multiple-choice questions, which aim to assess dependency in 5 dimensions in relation to “compulsive gaming”. Were also evaluated: sociodemographic data (age, sex, education and grade repetition) and game usage parameters (frequency of weekly gaming, daily game time). The questionnaire was applied in 4 months and the statistical analyzes were performed by the SAS 9.4 application. p <0.05 was considered significant.
RESULTS: 114 adolescents were interviewed, with a median age of 15 years. The majority (71%) reported using some type of electronic game as a recreation, of which 62.1% were boys. The prevalence of dependence was 3.51% and the risk of dependency was 9.65%, with the dimension “time restriction” being the most frequent with 42.9%. Only schooling showed a significant association with the occurrence of the risk of dependency (RP = 6,16, IC 95%: 1,48; 25,65; p = 0,0125).
DISCUSSION: Even with some limitations, the study stands out for being able to demonstrate a prevalence of dependence on electronic games in a convenience sample similar to the one found in the literature, as well as to draw an epidemiological profile of risk factors for the dependence of the interviewed patients.

Keywords: Adolescents, Video games, Mental health.


INTRODUÇÃO

Atualmente, o mundo vive uma transição tecnológica, com a exposição cada vez mais precoce de crianças e adolescentes aos meios eletrônicos. As repercussões dessa exposição ainda não estão totalmente elucidadas, pois também há pouco conhecimento sobre os efeitos nos circuitos cerebrais a médio e longo prazo.

Apesar dessa constatação, é inegável a importância da tecnologia e dos jogos eletrônicos para o desenvolvimento pessoal e aprendizagem, conforme demonstrado em diversos estudos, auxiliando, por exemplo, no desenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras, melhora da capacidade de orientação espacial e na facilitação de socialização.1-3

No entanto, embora jogar esse tipo de jogo tenha alguns benefícios em certas circunstâncias clínicas, há um crescente corpo de evidências destacando os aspectos mais negativos do jogo. Estes incluem risco de dependência e aumento da agressividade,4,5 bem como baixo desempenho escolar,6,7 transtornos de ansiedade, depressão e baixa autoestima.8,9

A adolescência representa um período crítico no desenvolvimento da personalidade, havendo maior risco de desenvolvimento de comportamentos aditivos nessa idade.10,11 Nesse sentido, o transtorno aditivo por jogos eletrônicos pode ser definido como o uso excessivo e compulsivo de jogos eletrônicos causando danos emocionais e/ou problemas sociais, e que apesar disso, o jogador não consegue controlar ou inibir sua conduta.12

Esse padrão de uso excessivo não é favorecido apenas pelas características presentes em muitos jogos, como senso de domínio, autodeterminação, estética fantástica e feedback de desempenho;13 mas também pela percepção, principalmente em crianças e adolescentes, de que os jogos são inofensivos, divertidos, desafiadores, além de permitir que evitem problemas reais quando estão envolvidos no ato de jogar.14 Além disso, estudos recentes têm sugerido uma possível base neurobiológica comum com a dependência de drogas, envolvendo o sistema mesolímbico e a liberação de dopamina.15,16

Considerando todos esses argumentos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu esse transtorno ao defini-lo na 11ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11), em 2018.17 Assim, além de atual e controverso, o transtorno viciante dos jogos eletrônicos é um tema que precisa ser cada vez mais abordado pela comunidade científica. Dada a importância e atualidade do tema e a escassez de estudos sobre o assunto no Brasil, este trabalho tem como objetivos avaliar a prevalência de dependência e risco para dependência de jogos eletrônicos em adolescentes acompanhados no Ambulatório de Pediatria de um hospital universitário de Distrito Federal e identificar fatores associados ao risco e dependência (sexo, idade, escolaridade e repetência), bem como a relação entre dependência e risco para dependência com o tempo de jogo referido pelos adolescentes entrevistados.


MÉTODOS

Trata-se de um estudo observacional transversal com amostra de conveniência no qual foram avaliados adolescentes acompanhados nas clínicas de Pediatria Geral e Saúde do Adolescente de um hospital universitário do Distrito Federal. A amostra foi recolhida durante um período de 4 meses (maio a agosto de 2019), através de um questionário - anexo, previamente validado por Young et al,18 com base no DSM-IV e composto por 10 questões de escolha múltipla, que visam avaliar a personalidade individual em 5 dimensões relacionadas com a dependência do jogo (saliência, alteração de humor, tolerância, conflito e restrições de tempo) em relação ao “jogo compulsivo”.

Essas dimensões foram consideradas pelos autores e formuladas em questões, conforme descrito abaixo e no Anexo:

- Saliência – quando a atividade de jogo se torna a coisa mais importante na vida da pessoa, podendo ser dividida em: cognitiva (quando o indivíduo pensa frequentemente na atividade) e comportamental (quando negligencia necessidades básicas como sono, alimentação ou higiene para realizar a atividade), esta dimensão pode ser avaliada por meio das questões 5.1 e 5.2 do questionário;

- Alteração do humor - refere-se a experiências subjetivas influenciadas pela atividade realizada, sendo avaliada nas questões 5.3 e 5.4;

- Tolerância - relacionada ao processo de necessidade de “dosagem” crescente da atividade para obtenção das sensações iniciais, portanto o jogador precisa jogar cada vez mais, dimensão avaliada nas questões 5.5 e 5.6;

- Conflito - entende-se como conflito interpessoal ou intrapessoal causado pela atividade exercida, acompanhado de deterioração dos resultados acadêmicos ou profissionais, abandono de antigos hobbies, dimensão avaliada nas questões 5.7 e 5.8;

- Restrições de tempo - são as tentativas de restrição de tempo, que podem estar associadas a possíveis recaídas, dimensão medida nas questões 5.9 e 5.10.18

Como respostas às 10 questões, o questionário apresenta as seguintes opções: (1) nunca, (2) raramente, (3) frequentemente e (4) muito frequentemente. A dimensão só está presente na vida do indivíduo se as respostas forem marcadas “frequentemente” ou “muito frequentemente” para pelo menos uma questão da dimensão.18

Ainda segundo Young et al,18 considera-se que o indivíduo tem “comportamento dependente” se todas as 5 dimensões estiverem presentes no questionário; e com “riscos para comportamento aditivo” se três dimensões, além do conflito, estiverem presentes.

Para avaliar os fatores relacionados ao transtorno, foram analisadas as seguintes variáveis:

- Dados sociodemográficos: idade, sexo, repetência e escolaridade;

- Parâmetros de uso do jogo eletrônico: frequência de jogo semanal, tempo de jogo diário durante a semana e/ou final de semana.

Como critérios de inclusão para a pesquisa, foram considerados adolescentes alfabetizados, na faixa etária de 10 a 19 anos acompanhados no serviço. Como critério de exclusão, foi considerado o adolescente com déficit cognitivo, neurológico ou sensorial, que prejudicasse a correta compreensão do questionário, e/ou qualquer pessoa que se recusasse a participar da pesquisa. Vale ressaltar que a pesquisa não especificou se os adolescentes jogavam online ou offline.

O questionário foi aplicado pela pesquisadora e alunos de graduação, treinados pela pesquisadora e seu orientador,durante consulta médica, após aprovação do Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) – CAAE: 09248918.1.0000.5558. Estimou-se uma amostra total de 120 pacientes, com base no número de adolescentes atendidos semanalmente no serviço. Todos os pacientes que concordaram em participar da pesquisa e seus respectivos responsáveis preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (FIAF) e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), respectivamente.

Modelos de regressão de Poisson com variância robusta foram utilizados para avaliar a associação das variáveis sexo, idade, escolaridade e repetência com o “risco de dependência” e com as dimensões do questionário (saliência, humor, conflito, tolerância e restrição de tempo). A regressão de Poisson fornece uma melhor estimativa das razões de prevalência, representando de forma mais significativa as medidas de efeito para estudos transversais.19

A associação da dependência de jogos com gênero, idade, escolaridade e repetência foi avaliada por meio do teste exato de Fisher. A associação entre dependência e “risco de dependência” com o tempo e a frequência do jogo foi calculada por meio do teste qui-quadrado, considerando-se significativo p < 0,05. As análises foram realizadas utilizando o aplicativo SAS 9.4.


RESULTADOS

Foram consultados 143 adolescentes, dos quais 29 (20%) não puderam participar da pesquisa por se enquadrarem nos critérios de exclusão. Dos 114 adolescentes entrevistados, 48,2% eram do sexo masculino e 51,75% do sexo feminino, conforme Tabela 1.

Com relação à idade, estabeleceram-se como variáveis adolescentes menores de 15 anos e maiores de 15 anos, segundo a mediana do estudo, com 63,16% dos entrevistados com idade menor ou igual a 15 anos. Em relação à escolaridade, 50,8% dos adolescentes cursavam o ensino fundamental e 40,1% o ensino médio. Em relação à repetência, observou-se que cerca de 73,6% não tiveram repetência até o momento na vida escolar.

Ao avaliar o uso de jogos, observou-se que 71% dos adolescentes entrevistados utilizavam algum tipo de jogo eletrônico, sendo 62,1% do sexo masculino. Dos que não usaram jogos, 87% são do sexo feminino. Observou-se também que a maioria dos adolescentes que utilizavam os jogos tinha idade igual ou inferior a 15 anos, diferentemente da escolaridade, em que havia pouca diferença de frequência entre o ensino fundamental e o ensino médio.

A prevalência de dependência destacada no estudo foi de 3,51% e o “risco de dependência” foi de 9,65%. Avaliando cada dimensão do estudo separadamente, observou-se que a dimensão “restrição de tempo” foi a mais presente nos questionários respondidos com 42,9%, seguida da dimensão “humor”, com 39,4%. As demais dimensões apresentaram a seguinte prevalência: tolerância - 29,8%, saliência - 21,9% e conflito - 12,28%.

Analisando as variáveis do estudo segundo as razões de prevalência para a ocorrência do “risco de dependência” (Tabela 2), seguindo o modelo de regressão de Poisson, observou-se que apenas a variável escolaridade apresentou associação significativa com a ocorrência do “risco de dependência ” (RD = 6,16, IC 95%: 1,48; 25,65; p = 0,0125). Ou seja, adolescentes que cursam o ensino fundamental apresentam prevalência de “risco de dependência” 6,16 vezes maior que os adolescentes que cursam o ensino médio. As variáveis sexo, idade e repetência não se mostraram fatores de risco associados ao “risco de dependência”.

Na avaliação das variáveis do estudo e da ocorrência de dependência, observou-se que nenhuma variável apresentou associação significativa. Para essa avaliação, foi analisada a associação de cada variável com a ocorrência de dependência - análise bivariada, pois devido ao pequeno número de adolescentes com dependência, não foi possível calcular as razões de prevalência segundo o modelo de regressão de Poisson.

Em relação às dimensões do questionário, seguindo o mesmo modelo de regressão de Poisson, observou-se que nenhuma variável apresentou associação significativa com a dimensão saliência - Tabela 3. Apenas a variável gênero apresentou associação significativa com as dimensões humor (RP = 2,78, 95 % CI: 1,64; 4,73; p = 0,0002), tolerância (RP = 3,95, 95%CI:1,79; 8,71; p = 0,0007) e restrição de tempo (RP = 3,04, 95%CI:1,81; 5,10; p <0,0001) . A variável escolaridade foi a única que apresentou associação significativa com a ocorrência de alteração de conflito (RP = 3,96, IC 95%: 1,36; 11,57; p = 0,0119).

Tabela 3 - Distribuição das variáveis do estudo segundo razões de prevalência segundo modelos de regressão múltipla de Poisson com variância robusta e seus respectivos intervalos de confiança de 95% para a ocorrência das dimensões de dependência do jogo.

Razões de prevalência obtidas por ajuste de modelos de regressão de Poisson pelas variáveis: sexo, idade, escolaridade, repetência.

Observou-se,na análise,quea associação entredependência e “risco de dependência” com a frequência do jogo Tabela 4. Quanto ao tempo em jogo, houve maior frequência de jogar até duas horas por dia entre adolescentes de risco, e não houve diferença entre adolescentes com dependência.

O estudo não mostrou associação significativa entre frequência de jogo e número de horas jogadas por dia com o “risco de dependência” (p = 0,9333 ep = 0,5674, respectivamente), nem com dependência (p = 0,9288 ep = 0,8110, respectivamente).


DISCUSSÃO

Neste estudo, a prevalência de dependência de jogos foi de 3,51%, semelhante à encontrada na literatura, que variou entre 2,7% e 37,5%, sendo a maioria dos estudos realizados com adolescentes.20,21 Essa variabilidade na prevalência pode ser explicada por diversos fatores, como o fato de se utilizar instrumentos adequados dos critérios diagnósticos para transtornos por uso de substâncias ou critérios de jogos de azar, geralmente pela troca da palavra “gambling” por “play”.20 Outro fator que dificulta uma análise mais homogênea é o fato que os itens avaliados são baseados em autorrelato, que podem ser facilmente manipulados e negados pelos adolescentes, comprometendo os resultados e a acurácia diagnóstica.

Também contribui para essa variabilidade o fato de serem estudos específicos, realizados em diferentes países, com diferentes populações e culturas, como demonstrado em estudo realizado com adolescentes coreanos, residentes na Coreia do Sul, e adolescentes imigrantes coreanos, residentes na Estados Unidos, onde foram observadas prevalências diferentes entre as duas populações, embora ambas sejam provenientes do mesmo país.22 O estudo conclui que morar nos Estados Unidos é um fator de proteção para os adolescentes coreanos entrevistados.

Vale ressaltar que no Brasil são escassos os estudos sobre o transtorno, sendo a maioria revisões de literatura ou estudos que avaliam o tempo de jogo, sem avaliar a existência de dependência, o que dificulta a comparação dos resultados em âmbito nacional.14,20,23 Chama atenção, no entanto, um estudo realizado na região Sul, no qual foi utilizado o mesmo questionário utilizado nesta análise, com 47 adolescentes de uma escola particular, com idade média de 12,98 anos e prevalência de dependência de 13%, com maior frequência em meninos.24 Foram encontradas semelhanças nesta análise e no estudo da região sul, com maior frequência nas dimensões “restrição de tempo” e “humor”, bem como sua relação com gênero, pois observaram que a maioria dos pacientes que apresentaram essas dimensões positivas era do sexo masculino, em ambos os estudos.

Em relação à associação entre dependência e gênero, estudos mostram que os meninos são mais vulneráveis ao desenvolvimento do vício em jogos, pois investem muito mais tempo em jogos eletrônicos do que as meninas.14,24-26 Uma explicação plausível para essa preferência seria a falta de interesse por jogos, uma vez que valorizam mais a cooperação do que a competição, estando mais interessadas em jogos de simulação e interações com personagens masculinos, características que raramente estão presentes na maioria dos jogos produzidos mundialmente.14

Apesar desses achados, a questão do gênero ainda é controversa, alguns estudos mostram associação significativa com o sexo masculino, mas outros não mostraram diferenças entre os gêneros.27,28 Em sua maioria, há maior frequência de meninos que jogam e que são dependentes, mas sem diferença estatisticamente significativa.

Seguindo o mesmo padrão mundial, este estudo encontrou maior frequência de adolescentes do sexo masculino que usam jogos eletrônicos como atividades de lazer (62,1%), mas não foi encontrada associação significativa com o sexo, nem para dependência nem para o risco, embora o sexo masculino seja mais frequente em essas duas condições.

Com relação ao tempo de jogo, alguns autores sugerem que a dependência ocorre devido ao tempo gasto nas atividades de jogos eletrônicos, com base na teoria da substituição de atividades sociais, segundo a qual o indivíduo que se dedica muitas horas por dia em determinada atividade, acaba negligenciando outras mais importantes, como estudar e dormir.20 No entanto, as pesquisas realizadas na tentativa de comprovar essa hipótese costumam apresentar viés de confusão, muitas vezes revelando resultados controversos.20 Apesar disso, a grande maioria dos estudos demonstra uma relação entre tempo de jogo e o vício.27,28

No presente estudo, foi evidenciada maior frequência de adolescentes com o transtorno de “jogar todos os dias” e “jogar até 2 horas por dia”, embora não tenha havido associação estatística, provavelmente influenciada pela pequena amostra. Esse resultado evidencia a teoria anterior de que o tempo dedicado ao jogo por dia não influencia necessariamente no diagnóstico de dependência.

Sabe-se que os problemas relacionados ao indivíduo com o transtorno se estendem a todos os aspectos de sua vida-saúde, família, escola e relações sociais, o que pode reduzir as relações interpessoais, alterar os padrões de sono, bem como reduzir o desempenho acadêmico e laboral.6,7 Assim, no estudo, a variável “repetência” foi utilizada como parâmetro para baixo desempenho escolar. No entanto, não houve associação significativa entre a variável dependência ou “risco de dependência”.

Merecem destaque também os resultados encontrados em relação ao “risco de dependência”. Na análise realizada no estudo, foi encontrada associação significativa com a variável “escolaridade” e “risco de dependência”, porém não foram encontrados estudos que avaliassem o “risco de dependência”. Outro ponto importante é que a maioria dos estudos realizados avaliando a dependência de jogos entre adolescentes não avaliou a “escolaridade” como fator de risco, sendo a maioria baseada na variável “gênero”. Apenas um estudo coreano realizou uma avaliação relacionada ao “tempo de estudo em anos” e que não demonstrou relevância significativa.22 Portanto, estudos mais abrangentes com amostras mais robustas serão necessários para melhor avaliar essa variável.

Quanto às limitações encontradas no estudo, elas se concentram principalmente no espaço amostral. Além do viés do entrevistado, que pode subestimar ou superestimar o diagnóstico, é importante ressaltar que o número amostral pode ter influenciado os resultados da pesquisa por ser relativamente pequeno, impossibilitando inclusive a análise multivariada de pacientes com dependência.

Vale ressaltar também que a pesquisa foi realizada com amostra de conveniência, em hospital terciário, sendo a grande maioria dos adolescentes em acompanhamento apresentando comorbidades, sejam elas orgânicas ou psiquiátricas. Nesse sentido, a amostra foi reduzida, ainda que a coleta tenha sido realizada em um período de quatro meses, visto que a maioria dos pacientes apresenta retornos frequentes à instituição, bem como o fato de grande parte dos pacientes que não puderam participar da pesquisa apresentou déficits cognitivos importantes que impossibilitaram a compreensão e o preenchimento adequado do questionário.

Apesar das limitações, o estudo se destaca por conseguir demonstrar uma prevalência de dependência de jogos eletrônicos em uma amostra de conveniência semelhante à encontrada na literatura, bem como traçar um perfil epidemiológico dos pacientes entrevistados. No entanto, ressalta-se a importância de se realizar novas pesquisas sobre o assunto no Brasil para melhor compreender as características clínicas, fatores de risco e relações com outros transtornos; propor medidas e estratégias de tratamento e prevenção, no âmbito das Políticas Públicas de Saúde do Adolescente.


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1. Universidade de Brasília, Departamento de Saúde da Criança e do Adolescente - Brasília - DF - Brasil
2. Universidade de Brasília, Faculdade de Estatística - Brasília - DF - Brasil

Endereço para correspondência:

Isadora de Oliveira Cavalcante
Universidade de Brasília
Asa Norte-Brasília
DF - Brasil. CEP: 70.910-900
E-mail: isadora.oc.med@gmail.com

Data de Submissão: 11/08/2021
Data de Aprovação: 25/10/2021



ANEXO

PESQUISA: DEPENDÊNCIA DE JOGOS ELETRÔNICOS EM ADOLESCENTES DA UNIDADE DE PEDIATRICA DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DO DISTRITO FEDERAL


1. Dados sociodemográfico:

Nome: __________________________________ Ficha médica: _______________
Idade: ____ DN: __________________ Sexo: ________
Área de convivência: ________________________Escola: ____________________
Repetência de ano: ______


2. Você usa jogos eletrônicos?

Sim

Não


3. Se sim, com que frequência?

1. Somente nos finais de semana

2. Todos os dias

3. Uma vez por semana

4. Duas ou mais vezes por semana


4. Quantas horas por dia você joga?

5. Até 2 horas por dia

6. 2 a 4 horaspor dia

7. 4 a 6 horaspor dia

8. 6 a 8 horaspor dia

9. Mais de 8 horas por dia


QUESTIONÁRIO DE DEPENDÊNCIA DE JOGOS ELETRÔNICOS (YOUNG, KS et al, 2011):18

5.1. Você já deixou de realizar atividades como comer ou dormir ou ir ao banheiro para ficar conectado à internet enquanto joga?

1. Nunca

2. Raramente

3. Frequentemente

4. Com muita frequência


5.2. Você às vezes se imagina no jogo quando não está?

1. Nunca

2. Raramente

3. Frequentemente

4. Com muita frequência


5.3. Você já se sentiu irritado ou desconfortável quando não pode estar no jogo?

1. Nunca

2. Raramente

3. Frequentemente

4. Com muita frequência


5.4. Você se sente mais feliz e satisfeito quando começa a jogar?

1. Nunca

2. Raramente

3. Frequentemente

4. Com muita frequência


5.5. Você sente que está gastando cada vez mais tempo no jogo online?

1. Nunca

2. Raramente

3. Frequentemente

4. Com muita frequência


5.6. Você começa a jogar sem estar realmente interessado?

1. Nunca

2. Raramente

3. Frequentemente

4. Com muita frequência


5.7. Você briga com seus familiares por causa do seu tempo de jogo?

1. Nunca

2. Raramente

3. Frequentemente

4. Com muita frequência


5.8. Sua família, amigos, escola sofrem com o tempo que você passa jogando na internet?

1. Nunca

2. Raramente

3. Frequentemente

4. Com muita frequência


5.9. Você já tentou limitar seu tempo de jogo e falhou?

1. Nunca

2. Raramente

3. Frequentemente

4. Com muita frequência


5.10. Por acaso você ficou no jogo por mais tempo do que planejou?

1. Nunca

2. Raramente

3. Frequentemente

4. Com muita frequência