ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2023 - Volume 13 - Número 3

Análise epidemiológica de pacientes com infecção latente tuberculosa atendidos em hospital pediátrico terciário de Florianópolis

Epidemiological analysis of patients with latent tuberculosis infection treated at a tertiary pediatric hospital in Florianópolis

RESUMO

OBJETIVO: Análise clínica e epidemiológica de pacientes pediátricos com ILTB.
MÉTODO: Pesquisa observacional, descritiva, analítica e retrospectiva, com coleta de dados de prontuário de pacientes com suspeita de ILTB atendidos em um hospital pediátrico terciário de Florianópolis de janeiro de 2011 até maio de 2020.
RESULTADOS: Dos 203 prontuários analisados, totalizaram-se 112 pacientes confirmados com ILTB. O caso-fonte predominante foi a mãe, e o contágio intradomiciliar foi predominante. O tempo de início de tratamento do caso-fonte até o diagnóstico da ILTB na criança foi inferior a 6 meses em 87% dos casos. Em 60% dos casos foi realizada a investigação dos demais contatos do caso fonte. Em relação ao tratamento, 84% receberam isoniazida e 15% receberam rifampicina, 2 pacientes apresentaram evento adverso à isoniazida. A frequência das consultas foi mensal em 51% dos casos. A análise da completude demonstrou que 50% terminaram o tratamento.
CONCLUSÕES: Constatou-se presença da ILTB em mais da metade dos pacientes investigados, podendo se tratar de mais casos ao considerar a perda de seguimento dos casos em análise inicial. Aproximadamente 10% apresentaram conversão tuberculínica. A transmissão intradomiciliar foi a predominante, e o caso-fonte principal foi a mãe. A investigação dos pacientes foi realizada precocemente, porém, em mais de um terço dos prontuários, não havia descrição de investigação dos demais contatos domiciliares. Metade dos pacientes perderam o seguimento ao longo do tratamento. A terapêutica utilizada foi segura e a análise socioeconômica foi prejudicada por não constarem dados no prontuário.

Palavras-chave: Tuberculose, Tuberculose latente, Pediatria, Perda de seguimento.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Clinical and epidemiological analysis of pediatric patients with LTBI (latent tuberculosis infection).
METHOD: Observational, descriptive, analytical and retrospective research, with data collection from medical records of patients suspected of having LTBI treated at a tertiary pediatric hospital in Florianópolis, Brazil from January 2011 to May 2020.
RESULTS: 203 medical records were analyzed. A total of 112 patients confirmed to have LTBI. The main source case was the mother and household infection was predominant. The treatment time from the source case to the diagnosis in the child was less than 6 months in 87% of the cases. An investigation of the other source case contacts was realized in 60% of the cases. 84% received isoniazid and 15% received rifampicin. Two patients had adverse event to isoniazid. There was a monthly consultations frequency in 51% of cases. 50% of the patients finished the treatment.
CONCLUSIONS: LTBI was found in more than half of the investigated patients, but the number could be even higher considering the frequent loss of follow-up regarding cases in the initial medical analysis. Approximately 10% had tuberculin conversion. Household transmission was the predominant one, and the main source case was the mother. The investigation of the patients was carried out early, but in more than a third of the medical records there was no description of investigation of other household contacts. Half of the patients lost follow-up throughout treatment. The therapy was safe and the socioeconomic analysis was impaired because there was no data in the medical record.

Keywords: Tuberculosis, Latent Tuberculosis, Pediatrics, Lost to Follow-Up.


INTRODUÇÃO

Aproximadamente um quarto da população mundial apresenta infecção latente tuberculosa (ILTB), significando possuir a infecção pela bactéria da tuberculose (TB), mas não apresenta sintomas como também não é capaz de transmitir a doença. Pessoas com ILTB possuem risco de evoluírem para TB ativa1. A faixa etária pediátrica é particularmente vulnerável a adoecer pela doença, crianças infectadas não tratadas têm chance de 40% a 50% de iniciarem com sintomas dentro de 6 a 9 meses após a exposição2,3. Contatos intradomiciliares de TB com menos de 5 anos de idade têm uma chance maior de progredir rapidamente para a doença ativa, com risco alto de morbimortalidade4. A TB é considerada a sexta principal causa de morte na faixa etária de 1 a 5 anos, constituindo um grave problema de saúde pública5.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou em 2014 a estratégia "END TB", com a visão de "um mundo livre da TB: zero morte, zero casos novos e zero sofrimento devido à TB". Entre as prioridades para o alcance da meta está o tratamento da ILTB, recomendado prioritariamente naqueles menores de 5 anos6.

Estudo dos contatos dos casos de TB é essencial para reduzir a cadeia de transmissão de doença e adoecimento desses contatos6. O tratamento da ILTB está em expansão, mas a maioria dos pacientes que tem o tratamento fortemente recomendado, ainda não tem acesso a esses cuidados. Segundo dados da OMS, apenas 27% das crianças menores de 5 anos elegíveis para o tratamento de ILTB iniciaram tratamento em 20181,6,7. Além disso, a perda de seguimento do tratamento ainda constitui um grave problema8.

Esta pesquisa tem como objetivo realizar uma análise epidemiológica de crianças com ILTB atendidas em um hospital pediátrico terciário, a fim de buscar dados que possam auxiliar em um diagnóstico mais precoce e tratamento mais efetivo, reduzindo a taxa de morbimortalidade.


MATERIAIS E MÉTODO

Pesquisa observacional, descritiva e retrospectiva. População avaliada são pacientes de 0 a 15 anos incompletos atendidos em ambulatório de infectologia de hospital pediátrico terciário em Florianópolis, Santa Catarina, com suspeita de ILTB, com busca pelo CID Z20.1 (contato com e exposição à TB) em pesquisa em prontuário eletrônico através do sistema Micromed®, de janeiro de 2011 até maio de 2020.

Conforme o Manual de Recomendações para o controle de TB no Brasil do Ministério da Saúde de 2011, para crianças vacinadas com BCG há menos de dois anos a prova tuberculínica (PT) era considerada reatora quando maior ou igual a 10mm9, porém essa recomendação mudou a partir de 2019, sendo considerado PT reatora maior ou igual a 5mm independente do tempo de vacinação da BCG10. Na presente pesquisa, o diagnóstico de ILTB foi feito nos participantes, contatos da doença e que apresentavam PT igual ou superior a 5mm. Foram excluídos do estudo pacientes que durante a investigação confirmaram TB ativa; pacientes com diagnóstico excluído de ILTB após realização de duas PT negativas com intervalo de 8 semanas, descartando conversão tuberculínica; pacientes que perderam o seguimento ambulatorial antes da confirmação do diagnóstico de ILTB; recém-nascidos que fizeram tratamento de profilaxia primária para TB devido a contato intradomiciliar com TB bacilífera.

Entre os dados analisados estão:

Demográficos - idade, sexo, cor/raça, nacionalidade, procedência;

Epidemiológicos - local do contágio, caso fonte, tempo de intervalo entre o início do tratamento do caso-fonte e o diagnóstico da ILTB, tipo de TB do caso fonte, se caso-fonte apresenta TB drogarresistente, realização da avaliação de outros contatos;

Diagnóstico - realização da BCG; realização dos seguintes exames e resultados: sorologia para HIV, PT, Interferon Gamma Release Assay (IGRA), radiografia de tórax;

Dados do tratamento - realização de isoniazida ou rifampicina e tempo de tratamento, evento adverso à medicação, identificação de quem administra a medicação;

Seguimento - tempo de retorno em consulta após início do tratamento, assiduidade às consultas;

Encerramento do caso - completude do tratamento, perda do seguimento. Foi considerado perda de seguimento o paciente que não retornou à consulta previamente agendada, com exceção daqueles que compareceram à consulta mensalmente, retornaram até o penúltimo mês de tratamento, e não retornaram no último mês após o término do tratamento.

As informações obtidas foram exportadas do sistema Micromed®, dispostas em planilha eletrônica (Software Microsoft Excel®) e exportados para análise estatística. Os dados foram organizados em tabelas descritivas. As variáveis foram descritas em média e desvio padrão em forma de intervalos com 95% de confiança, considerando-se frequência e porcentagem das variáveis.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob o número do parecer 3.851.341.


RESULTADOS

Foram analisados inicialmente 203 prontuários, após aplicados os critérios de exclusão, a amostra da presente pesquisa constitui-se em 112 prontuários. Segue Fluxograma 1 com a descrição dos casos incluídos e excluídos na pesquisa de forma detalhada (Fluxograma 1).





Predominou-se o sexo feminino em 52% dos casos (n=58). A faixa etária predominante foi dos 6 aos 10 anos de idade em 38% dos casos (n=43) seguida pelos de 3 a 5 anos de idade em 28% dos casos (n=27), 0 a 2 anos de idade em 21% dos casos (n=24) e por último dos 11 até 14 anos em 16% dos casos (n=18).

Um paciente era natural do Haiti. A grande maioria dos pacientes pertencia à macrorregião da Grande Florianópolis em 72% dos analisados (n=81), 24% pertenciam à cidade de Florianópolis (n=27) e 4% pertenciam a outras cidades catarinenses (n=4).

Dados socioeconômicas

Em 40 prontuários havia a informação de número de residentes por domicílio, predominando aqueles com 2 a 5 moradores em 73% dos casos (n=29), seguido por 28% dos casos com mais de 5 moradores na mesma casa (n=11).

Dados epidemiológicos

A descrição do caso-fonte estava presente em 111 prontuários. Em um caso não constava o registro de quem era o caso-fonte, mas apenas que havia um presente, portanto, não entrando na análise percentual. A mãe foi o caso-fonte em 38% dos casos (n =42), seguido pelo pai e pela categoria outros, ambos com 27% dos casos (n=30). Na categoria outros estavam inclusos: avô (7 casos), avó (2 casos), tio (8 casos), tia (5 casos), padrasto (2), madrasta (2), cunhado (1), babá (2 casos), professora (1 caso). Em 8% dos casos o irmão maior de 10 anos era o caso-fonte (n=9).

Em 92 casos (88%) o contágio foi intradomiciliar. Daqueles 12% que o local foi categorizado como outros (n=12) foi citado contato através de visitas na grande maioria dos casos, e um caso foi relatado na escola. Em 8 prontuários não foi citado onde foi o contato, não entrando no cálculo percentual.

Dos 112 prontuários analisados, 47 deles citavam o tipo de TB do caso-fonte, sendo a TB pulmonar prevalente com 91% dos casos (n=43), seguido pelos 9% com TB laríngea (n=4). A TB drogarresistente aos fármacos de primeira linha foi descrita em 4 casos-fonte.

O tempo de intervalo entre o início do tratamento do caso-fonte e o diagnóstico da ILTB na criança foi de menos de 6 meses em 87% dos casos (n=89), seguido por 13% dos casos em que ocorreu no período de 6 meses até 2 anos após o início do tratamento do caso-fonte (n=13). Em 10 casos esse dado não estava disponível em prontuário, sendo retirados da análise percentual.

Em 60% dos 112 prontuários analisados foi realizada a investigação para ILTB dos demais contatos do caso-fonte (n=67), em 40% não apresentava esse dado em prontuário (n=45).

Dados do diagnóstico

Havia registro de realização da BCG em 96% dos prontuários (n=107). Nos restantes não havia esse dado mencionado em prontuário.

Todos os pacientes realizaram a PT, sendo que 12 apresentaram conversão tuberculínica. O resultado da PT prevalente foi maior que 14mm em 50% dos casos (n=54), seguido por 10 a 14mm em 38% dos casos (n=41) e 5 a 9mm em 13% (n=14). Em 3 pacientes o resultado da PT não estava presente no prontuário, porém foram descritos como positivos. Inexistiram pacientes analisados antes do ano de 2019 com menos de 2 anos de vacinação da BCG e prova tuberculínica com resultado no intervalo entre 5 e 10mm. Nenhum dos pacientes realizou o IGRA.

Em 96% dos casos, a radiografia de tórax era normal (n=107) e 3% (n=3) apresentavam alteração, porém não sugestiva de TB. Em 2% (n=2) dos pacientes não constava registro no sistema da realização da radiografia de tórax ou do resultado.

Em relação ao HIV, 15% dos analisados realizaram o teste (n=17), sendo todos os testados negativos.

Dados do tratamento

Os dados da medicação de escolha para o tratamento da ILTB estão descritos na Tabela 1.





Eventos adversos foram descritos em 2 pacientes que utilizaram isoniazida, incluindo alteração de transaminases e dor abdominal. Não houve eventos adversos à rifampicina.

Dados do seguimento

Dos 112 prontuários analisados, 8 deles foram liberados do Ambulatório no início do tratamento para seguimento com a UBS da cidade de origem e 2 fizeram seguimento em rede privada. Esses pacientes não entraram na análise de dados de seguimento.

A frequência das consultas foi mensal em 51% dos casos (n=52), seguido por consultas bimestrais em 35% dos casos (n=35) e trimestrais em 14% dos casos (n=14). Um paciente não possuía esse dado relatado.

A análise da completude demonstrou que 50% terminaram o tratamento (n=51).

Na Tabela 2, está descrito detalhadamente o mês de perda de seguimento dos casos em tratamento para ILTB. A perda do seguimento foi em um mês desconhecido em 2 casos, não entrando na análise.





DISCUSSÃO

Contatos domiciliares de pacientes com TB bacilífera ativa têm alto risco de infecção. No presente estudo, os casos de ILTB confirmada superaram mais da metade dos casos expostos. Em pesquisa realizada na Bahia, em 2004, com 269 contatos domiciliares de casos fontes de TB, a prevalência da doença na população estudada foi de 3,7% e a prevalência de infecção foi de 63,9%, também superando mais de 50% dos expostos11. É importante salientar que no presente estudo o número de casos de ILTB pode ser ainda maior ao considerar que 13 casos foram excluídos por comparecerem a uma consulta inicial e não retornarem com o resultado da PT e 34 foram excluídos por negativarem a primeira PT, mas não realizarem a segunda após 8 semanas para descartar conversão tuberculínica. Os dados iniciais de perda de seguimento antes do diagnóstico são preocupantes, podendo se tratar de casos de ILTB não diagnosticados. A busca ativa dessas crianças possibilitaria uma forma de minimizar o problema. Inexistiram pacientes anteriores ao ano de 2019 (publicação da nova recomendação de valor de corte da PT para maior ou igual a 5mm independente do tempo de vacinação)10 que se encaixaram nos quesitos: menos de 2 anos de vacinação da BCG e PT com resultado no intervalo de 5-10mm, portanto não houve perdas de diagnóstico por esse motivo.

Em estudo realizado em 2012 com crianças da Indonésia que possuíam caso de TB com baciloscopia positiva intradomicílio, foram investigados os contatos pediátricos de 210 adultos com TB bacilífera. Dos casos analisados, 59% confirmaram ILTB positivando a PT e o IGRA. Crianças que o caso-fonte era um dos pais, principalmente a mãe, foram quatro vezes mais propensas a ser positivas para os testes12. A mãe foi o caso-fonte principal também no presente estudo. Essa relação também foi encontrada em estudo realizado em Botsuana, em 1999, onde se identificou a mãe como caso-fonte principal, e na Turquia, em 2005, onde os pais foram identificados como casos-fonte principal13,14. Outro dado que leva a favor da maior proximidade do caso-fonte com a criança é que, no presente estudo, disparadamente o contágio foi intradomiciliar. Em estudo realizado na Gambia em 2003, demonstrou-se que o risco de infecção por TB entre contatos domiciliares está associado à proximidade social dentro do domicílio, confirmando as conclusões anteriores. Além disso, foi sugerido que a genética pode desempenhar um papel importante na infecção, constatando-se que a ILTB tendia a se agregar em certas famílias15.

No estudo anteriormente citado, realizado em crianças da Indonésia, a vulnerabilidade econômica foi associada com aumento da positividade da PT. No presente estudo, houve uma limitação em relação aos dados socioeconômicos por não constar dados como posse de casa própria e renda familiar no prontuário. Outro achado do estudo da Indonésia foi que a aglomeração intradomiciliar não foi um fator de risco significativo12. Na presente pesquisa, o maior número de residentes por domicílio também não teve relação com um número maior de casos de ILTB, porém apenas 40 prontuários analisados apresentavam esse dado, podendo se tratar de uma limitação do estudo. Esses dados sugerem que mais do que o número de pessoas em contato com o caso em um ambiente limitado, é a proximidade do contato que são determinantes para a transmissão da doença15.

É recomendada a triagem de todas as pessoas que são contatos domiciliares de casos de TB bacilífera16. No boletim epidemiológico de TB no Brasil, publicado em março de 2019 referente ao ano de 2017 e 2018, a proporção de contatos examinados dos casos novos de TB pulmonar foi de 53,6%17. No presente estudo, em 60% dos casos analisados foi feita a investigação para ILTB dos demais contatos próximos do caso-fonte, nos demais não constavam esse dado em prontuário. Alguns pontos que podem estar relacionados a esse resultado consistem: não escrita da investigação dos demais contatos em prontuário, a dificuldade de acesso ao serviço de saúde, incluindo a dificuldade de transporte e a falta de uniformização dos serviços para encaminharem esses contatos. Na presente pesquisa, constata-se um dado positivo: em 87% dos casos, a investigação da criança foi feita nos primeiros 6 meses desde o início de tratamento do caso-fonte, portanto realizada precocemente.

Dos pacientes confirmados para ILTB, a metade terminou o tratamento. A alta taxa de perda de seguimento é uma alerta sobre a importância de maior atenção para essa doença, buscando resolver as barreiras envolvidas durante o tratamento. Em estudo realizado na Rocinha, no Rio de Janeiro, em 2008 e 2009, com crianças de 0 a 11 anos em tratamento para ILTB, foram investigadas as barreiras encontradas pelos pacientes e responsáveis em relação ao tratamento da ILTB. De 85 famílias, 50 delas relataram dificuldades no tratamento, incluindo falta de dinheiro para o transporte; distância da residência até o local de atendimento; deficiência de transporte público; dificuldades pessoais, econômica ou no próprio ambiente doméstico8. Nesta pesquisa não foi possível encontrar os motivos para perda de seguimento, trata-se de uma sugestão para trabalhos futuros, identificando as barreiras envolvidas no seguimento, torna-se mais fácil saber onde agir.

O MS orienta que o paciente com ILTB deve passar por consulta médica em intervalos regulares de 30 dias e naqueles pacientes que apresentam boa adesão e baixo risco de hepatotoxicidade podem consultar em até 60 dias10. A frequência das consultas na análise foi mensal na maioria, porém existiu uma limitação na análise da frequência de consulta por não ter uma uniformidade em relação aos retornos, para pesquisa, foi considerado o intervalo de retorno mais prevalente de cada caso. Um ponto que pode ser considerado para o não retorno mensal é a dificuldade de transporte dos pacientes. O mês mais frequente de perda de seguimento foi o 3º mês, um dos meses iniciais do tratamento. O retorno mensal de todas as crianças seria uma estratégia para tentar reduzir a perda de seguimento, através do fortalecimento da importância da adesão à terapêutica. Outra possibilidade é o seguimento de casos de menor complexidade de ILTB na atenção primária, possibilitando o acesso à UBS mais próxima da casa.

Em estudo realizado pelo New England em 2018, foi comparado o tratamento da ILTB com 9 meses de isoniazida versus 4 meses de rifampicina, em adultos. Demonstrou-se que o tratamento com rifampicina teve maior taxa de completude e menos efeitos colaterais18. Na presente pesquisa, a maioria foi tratada com isoniazida visto que a rifampicina entrou como primeira escolha para menores de 10 anos apenas em 2018, e os dados analisados foram coletados desde 201119. Não houve efeitos colaterais à rifampicina. Dois casos apresentaram eventos adversos à isoniazida, incluindo dor abdominal e aumento das transaminases, apresentando melhora após suspensão da medicação por um período. Cerca de 10% dos pacientes que fazem uso de isoniazida desenvolvem alteração de transaminases. Na maior parte dos casos são alterações com resolução espontânea mesmo com a manutenção da droga20.

Existiram algumas limitações no estudo, inerentes ao estudo retrospectivo. Informações não disponíveis e a não uniformização dos registros podem ter contribuído para as limitações. Algumas variáveis não entraram na análise percentual por não constarem no prontuário, como a cor/raça do paciente, escolaridade e posse de casa própria.

Constatou-se presença da ILTB em mais da metade dos pacientes investigados, podendo se tratar de mais casos ao considerar a perda de seguimento dos casos em análise inicial. Aproximadamente 10% apresentaram conversão tuberculínica. A transmissão intradomiciliar foi a predominante e o caso-fonte principal foi a mãe. A investigação dos pacientes foi realizada precocemente, porém em mais de um terço dos prontuários não havia descrição de investigação dos demais contatos intradomiciliares. Metade dos pacientes perdeu o seguimento ao longo do tratamento. A terapêutica utilizada foi segura e a análise socioeconômica foi prejudicada por não constarem dados no prontuário.

Como as crianças menores de 5 anos têm alta chance de desenvolverem formas graves da doença, são necessárias medidas para modificar esse cenário. O tratamento da ILTB é passo fundamental para impedir a progressão da doença. Ações como acolhimento, facilidade no atendimento, encaminhamento à assistência social e a divulgação de dados através de meios acessíveis para a população sobre os riscos envolvidos na perda de seguimento, a gravidade da doença, podem aumentar a adesão à terapêutica e minimizar a evolução para casos graves.


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1. Hospital Infantil Joana de Gusmão, Ambulatório de Infectologia - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil
2. Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Pediatria - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil

Endereço para correspondência:
Laís Dadan Perini
Hospital Infantil Joana de Gusmão
Rui Barbosa, nº 152, Agronômica
Florianópolis, SC, Brasil. CEP: 88025-301
E-mail: lais_dadan@hotmail.com

Data de Submissão: 24/01/2022
Data de Aprovação: 27/03/2022