ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2023 - Volume 13 - Número 3

Perfil epidemiológico da prematuridade e comorbidades associadas em recém-nascidos prematuros de muito baixo peso

Epidemiology of prematurity and related comorbidities in very low birth weight preterm newborns

RESUMO

OBJETIVO: Descrever as principais características epidemiológicas da prematuridade, fatores de risco, prevalência de comorbidades e perfil de sobrevida e óbito em neonatos de muito baixo peso.
MÉTODOS: Estudo transversal, com análise retrospectiva de dados coletados de prontuários de 616 recém-nascidos (RN) prematuros de muito baixo peso internados no Complexo Hospital de Clínicas da UFPR (CHC-UFPR), de agosto de 2008 a agosto de 2018. Foram estudadas prevalência de comorbidades, taxas de sobrevida e fatores associados à mortalidade. Para todos os testes estatísticos, considerou-se o nível de significância de 5%.
RESULTADOS: A média de idade gestacional (IG) foi de 28,2 ± 2,9 semanas e de peso de nascimento (PN) 997,4 ± 279,9 gramas. A população com IG < 28 semanas (42,5%) apresentou maior necessidade de reanimação neonatal e suporte ventilatório e obteve maior prevalência das seguintes doenças: síndrome do desconforto respiratório (SDR), displasia broncopulmonar (DBP), hipertensão pulmonar, hemorragia pulmonar, hemorragia peri-intraventricular (HPIV), retinopatia da prematuridade (ROP), persistência do canal arterial (PCA) e sepse neonatal precoce. As principais comorbidades associadas a aumento da chance de óbito foram (p < 0,05): SDR (OR: 4,04), hemorragia pulmonar (OR: 5,21) e HPIV graus III e IV (OR: 3,32). A redução da sobrevida foi associada a valores menores de IG e PN, além da presença de comorbidades respiratórias e neurológicas.
CONCLUSÃO: Recém-nascidos extremo prematuros apresentam maior prevalência de comorbidades e complicações neonatais. Baixo peso de nascimento, morbidades dos sistemas respiratório e neurológico foram os principais fatores associados ao aumento da mortalidade.

Palavras-chave: Recém-Nascido Prematuro, Recém-Nascido de muito Baixo Peso, Sobrevida, Mortalidade.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe the major epidemiological features of prematurity, risk factors, prevalence of comorbidities, death and survival rates in very low birth weight newborns.
METHODS: Transversal study with rectrospective data collection from medical charts of 616 premature and very low birth weight newborns admitted to Complexo Hospital de Clínicas da UFPR (CHC-UFPR) between August 2008 and August 2018. It was studied comorbidities prevalence, survival rate and factors related to mortality. For all statistical tests, it was considered a 5% level of significance.
RESULTS: The average gestational age (GA) was 28.2 ± 2.9 weeks and the average birth weight (BW) was 997.4 ± 279.9 grams. The population with GA < 28 weeks (42.5%) had a greater need for neonatal resuscitation and ventilatory support and a higher prevalence of the following diseases: respiratory distress syndrome (RDS), bronchopulmonary dysplasia (BPD), pulmonary hypertension, pulmonary hemorrhage, peri-intraventricular hemorrhage (PIVH), retinopathy of prematurity (ROP), patent ductus arteriosus (PDA) and early-onset neonatal sepsis. The main comorbidities associated with an increased risk of death were (p <0.05): RDS (OR: 4,04), pulmonary hemorrhage (OR: 5,21) and PIVH (OR: 3,32). The reduction in survival rate was associated with lower values ??of GA and BW, as well as the presence of respiratory and neurological comorbidities.
CONCLUSIONS: Extremely premature newborns have a higher prevalence of comorbidities and neonatal complications. Low birth weight, morbidities of the respiratory and neurological systems were the main factors associated with increased mortality.

Keywords: Infant, Premature, Infant, Very Low Birth Weight, Survival Mortality.


INTRODUÇÃO

A prematuridade representa a principal causa de óbito neonatal e em crianças abaixo de cinco anos de idade e suas complicações determinam a morte de mais de um milhão de recém-nascidos (RN) todos os anos1,2. Estima-se que anualmente mais de uma em cada dez crianças nasçam prematuramente ao redor do mundo, sendo que tal incidência tem aumentado na maior parte dos países nas últimas décadas1,3. A maior parcela da prematuridade ocorre em regiões subdesenvolvidas do planeta, principalmente na África subsaariana e no sul da Ásia3,4. A América Latina e o Caribe apresentam prevalências pouco menores que a tendência global, com 9,8% de nascimentos prematuros por ano, embora o Brasil apresente taxa de 11,2% ao ano, ocupando a nona posição entre os países com maiores valores absolutos de nascimentos pré-termo3.

Além de resultar em maior taxa de óbito infantil, a prematuridade também está associada à maior incidência de diversas comorbidades neonatais, que, além de impactarem a sobrevida, aumentam o risco de complicações e de suas consequências em longo prazo para a saúde e qualidade de vida do RN pré-termo e de sua família5. Dentre as principais comorbidades associadas, encontram-se doenças respiratórias, como a síndrome do desconforto respiratório (SDR) e displasia broncopulmonar (DBP); alterações cardíacas, como persistência do canal arterial (PCA); neurológicas, como a hemorragia peri-intraventricular (HPIV); e infecciosas, como sepse neonatal e enterocolite necrosante (ENC).

Pela alta complexidade e morbidade, o nascimento prematuro também gera aumento dos custos em cuidados com a saúde. Nos Estados Unidos da América, estima-se que o custo da assistência à prematuridade seja de pelo menos 26.2 bilhões por ano, uma vez que o RN prematuro requer, em média, nove vezes mais dias de internamento e demanda custo médico no primeiro ano de vida dez vezes maior que uma criança nascida a termo6.

Em RN com peso de nascimento (PN) inferior a 1500g, a prematuridade resulta em taxas de mortalidade e morbidade ainda maiores, requerendo atenção em saúde mais especializada7,8. O estudo epidemiológico das características maternas, neonatais e de assistência à saúde relacionadas à prematuridade e ao baixo peso de nascimento permite a melhor compressão de fatores de risco relacionados a essas condições clínicas, promovendo o aprimoramento do cuidado em saúde a essas crianças.

Dessa forma, o objetivo deste estudo foi descrever as principais características epidemiológicas da prematuridade em crianças de muito baixo peso atendidas em um serviço hospitalar terciário ao longo de dez anos, bem como os fatores de risco associados, prevalência de comorbidades e perfil de sobrevida e óbito relacionados a cada uma delas.


MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal com análise retrospectiva de dados de prontuários de RN prematuros de muito baixo peso internados na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) do Complexo do Hospital de Clínicas da UFPR (CHC-UFPR) entre agosto de 2008 e agosto de 2018. Foram considerados como critérios de inclusão: idade gestacional (IG) <32 semanas e PN <1500g. Foram excluídos do estudo pacientes que apresentaram malformações congênitas, síndromes genéticas incompatíveis com a vida e aqueles que evoluíram para óbito nas primeiras 24 horas de vida.

Foram identificados 880 neonatos assistidos na UTIN no intervalo definido para o estudo, sendo que 773 preencheram os critérios de inclusão. Desses, 117 foram excluídos: 38 por apresentarem alguma malformação congênita e/ou síndrome genética incompatível com a vida e 79 por apresentarem óbito nas primeiras 24 horas de vida. Dessa forma, a amostra final incluída no estudo foi de 616 RN.

Os dados coletados foram organizados em planilhas Microsoft Excel®. Na análise estatística, foram aplicados o teste t de Student, Anova, teste de Mann-Whitney, Anova de Kruskal-Wallis e teste qui-quadrado de Pearson. A probabilidade acumulada de sobrevida com 120 dias foi determinada pelo métodos de Kaplan-Meier e teste de Gehan. O modelo de regressão logística multivariada foi aplicado para estimar os fatores associados à mortalidade. Para todos os testes foi considerado o nível de significância de 5% (Statistica v.10.0 - Statsoft).

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do CHC-UFPR e aprovado sob o registro CAAE: 01372318.9.0000.0096.


RESULTADOS

Dos 616 recém-nascidos prematuros de muito baixo peso incluídos no estudo, 285 eram do sexo masculino (46,3%) e 331 do sexo feminino (53,7%). A média de IG da população estudada foi de 28,2±2,9 semanas e a média de PN foi de 997,4±279,9 gramas, sendo 262 (42,5%) com IG inferior a 28 semanas e 354 (57,5%) com IG entre 28 a 32 semanas. Uma pequena parcela da amostra teve PN inferior a 500 gramas (2,1%), 130 com peso de nascimento entre 500 e 749,9g (21,1%), 171 entre 750 e 999g (27,7%), 158 entre 1000 e 1249g (25,6%) e 144 com peso de nascimento > 1250g (23,4%). Tanto o grupo de RN com IG <28 como o grupo de RN com IG ≥28 semanas teve predominância da classificação adequado para a IG (AIG) (81,3% em ambos os grupos). Poucos RN foram classificados como grandes para IG (GIG), sendo a maior frequência de 6,5% encontrada entre neonatos com <28 semanas, e apenas 0,6% no grupo com IG superior.

No 1o minuto, a distribuição de frequência de escore de Apgar <4 foi de 48,6% para RN com IG <28 semanas e de 27,5% para RN com IG ≥ 28 semanas (p<0,001) e no 5º minuto de 8,1 vs 2,8% (p < 0,001). A necessidade de reanimação neonatal (89,6% vs 71,3%, p<0,0101) e a média do tempo de internamento (68 dias vs 45 dias; p<0,001) foram maiores nos RN com menor IG. A temperatura na primeira hora de admissão na UTIN foi registrada em 506 RN, sendo que a média correspondeu a 35,3ºC e 442 (87,3%) crianças obtiveram temperatura <36,5ºC, dos quais, 341 tiveram valores <36ºC (77,1%), não havendo diferença na prevalência de hipotermia entre os grupos com IG menor e maior que 28 semanas. As principais características maternas, de sala de parto, internação e comorbidades neonatais estão presentes na Tabela 1.





Nas crianças que desenvolveram sepse tardia e obtiveram hemocultura positiva, o Staphylococcus coagulase-negativa foi isolado em 151 (85,8%) pacientes. Na análise por IG, esse agente etiológico foi isolado em 84,1% dos casos entre os RN <28 semanas e em 88,9% nos RN com ≥28 semanas (p=0,38).

Do total de pacientes incluídos, 117 (19,0%) foram a óbito, sendo que, desses, 88 (75,2%) apresentaram IG <28 semanas ao nascimento.

Observou-se que os RN <500g apresentaram chance de óbito cerca de 4 vezes maior que os RN de 500-749,9g [Odds Ratio (OR): 4,16, Intervalo de Confiança (IC): 1,09-15,86, p = 0,02], os de 500-749,9g, 3 vezes maior que os RN de 750-999g (OR: 3,15, IC: 1,88-5,27, p<0,01) e estes 3 vezes maior que os RN de 1000-1249g (OR: 3,02, IC: 1,46-6,21, p<0,01). Não se observou diferença significativa na chance de óbito entre os RN de 1000-1249g e as crianças >1249g (p=0,44).

Na análise univariada para determinar as morbidades preditivas de óbito, DBP, enterocolite necrosante, PCA e PCA com tratamento cirúrgico não obtiveram valor de p significativo, enquanto SDR, hipertensão pulmonar, hemorragia pulmonar, HPIV, HPIV graus III-IV e pneumonia congênita apresentaram significância estatística (Tabela 2). Na Tabela 3, estão descritas as variáveis preditivas para o óbito identificadas pelo modelo de regressão logística multivariada.








A Tabela 4 reúne as taxas de sobrevida pós-natal com 120 dias calculadas melo método de Kaplan-Meier considerando as variáveis de IG, PN e morbidades. Na população estudada, observou-se diminuição da sobrevida a partir do quinto dia de vida, atingindo cerca de 90% no décimo dia e cerca de 85% no trigésimo, chegando a 80% no sexagésimo e nonagésimo dia de vida, respectivamente. A taxa de sobrevida geral com 120 dias pós-natal foi de 75,3%. Observou-se menor taxa de sobrevida entre os RN mais prematuros (p<0,001), bem como entre os que apresentaram menor PN (p<0,001). As principais doenças associadas com a redução na sobrevida foram: SDR (p < 0,001), HPIV (p<0,01), hemorragia pulmonar (p<0,001) e hipertensão pulmonar (p<0,001).





DISCUSSÃO

A população estudada apresentou predominância de neonatos classificados como muito prematuros e de muito baixo peso. A frequência de crianças nascidas com menos de 500 gramas foi pequena, o que pode estar relacionado à menor prevalência de nascimentos nas IG consideradas limítrofes para viabilidade ou à exclusão dos casos de óbito nas primeiras 24 horas de vida - uma vez que crianças de extremo baixo peso apresentam elevada mortalidade nas primeiras 24 horas9,10. O estudo francês EPIPAGE-2, publicado em 2015, corrobora esses achados ao evidenciar média de sobrevida de um dia para prematuros extremos com IG entre 22 e 24 semanas9.

Aproximadamente um quarto dos pacientes incluídos no estudo nasceram extremos prematuros. Essa população está submetida a condições mais graves de nascimento, a maiores taxas de óbito e a piores prognósticos na internação. A maior prevalência de escore de Apgar de 1º e 5º minutos <4 nesses RN revela as condições piores de nascimento e de resposta à reanimação neonatal em comparação às crianças de maior IG. No entanto, os valores encontrados neste estudo são menores do que os encontrados em outros estudos. Stensvold et al. (2017)11, em estudo norueguês com prematuros extremos, obtiveram prevalência de Apgar de 5º minuto <4 de 17,8%, mais que o dobro do encontrado no presente estudo. Essa diferença pode estar relacionada à população incluída no estudo norueguês, que limitou a amostra a neonatos com IG entre 22 e 26 semanas11.

No que tange aos fatores maternos, a prevalência de corioamnionite foi maior em neonatos com IG <28 semanas, causa importante de parto prematuro extremo. O presente estudo encontrou valores de corioaminionite maiores comparados com estudos em países desenvolvidos. Anderson et al. (2016)12, em estudo com prematuros extremos na Califórnia, Estados Unidos da América, observaram prevalência de 13,7% para corioamnionite nesssa população12.

Observou-se maior necessidade de reanimação e intubação orotraqueal na sala de parto em neonatos com menos de 28 semanas, o que pode ser relacionado à extrema prematuridade. A média da temperatura corporal dos neonatos na primeira hora de admissão na UTIN foi inferior ao adequado, que seria entre 36,5 e 37,5ºC, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que classifica a temperatura na admissão como um indicador de qualidade do atendimento13. Estudos mostram que a hipotermia na admissão na UTIN é fator preditor de mortalidade em RN prematuros14,15. Um estudo realizado no Nordeste brasileiro, que avaliou a ocorrência de óbito nas primeiras 24 horas de vida em prematuros de muito baixo peso, obteve resultados semelhantes ao do presente estudo, identificando que mais de 80% dos RN apresentavam hipotermia à admissão na unidade neonatal, sendo superior a 90% nos que evoluíram para óbito neste período10.

Conforme consenso da literatura, quanto menor a idade gestacional e o peso de nascimento, maior a prevalência de comorbidades associadas à prematuridade16-19. No presente estudo, as prevalências de todas as doenças analisadas foram maiores em RN <28 semanas, com exceção de ECN, que predominou no grupo >28 semanas. Um fator que poderia justificar esse achado é a proporção de neonatos classificados como PIG no grupo >28 semanas, que foi aproximadamente o dobro em relação ao grupo <28 semanas. A relação entre neonatos classificados como PIG e maior risco de mortalidade e morbidades, inclusive ECN, é bem estabelecida na literatura20.

A sobrevida geral foi 75,3%, com diminuição mais acentuada nos primeiros dias de vida. Esse valor foi inferior à sobrevida identificada em pesquisas envolvendo redes neonatais internacionais. Um estudo internacional de 2017 envolvendo 10 redes neonatais com 88.327 prematuros de muito baixo peso e IG entre 24 e 29 semanas indicou sobrevida geral de 87%21. Outro estudo alemão publicado em 2019, que incluiu 8.222 prematuros de muito baixo peso e IG entre 22 e 28 semanas, apontou sobrevida geral de 86,6%22.

Observou-se associação significativa de redução da sobrevida com a redução do PN e da IG. Migoto et al. (2018)8 analisaram todos os nascidos vivos do ano de 2014 no estado do Paraná (Brasil) em um estudo que também apontou PN inferior a 1000 gramas e IG inferior a 32 semanas como fatores de risco para óbito neonatal8. Manuck et al. (2016)5 observaram igualmente aumento da sobrevida com o acréscimo de IG ao nascimento em crianças muito prematuras5. Em extremos prematuros, estudos em outros países apontam que à medida que a IG aumenta, o PN médio e a sobrevida também se elevam11,12,23,24.

Comorbidades respiratórias e neurológicas foram as principais identificadas como preditivas de mortalidade. Em concordância com esses dados, a taxa de sobrevida foi significativamente reduzida nas seguintes comorbidades: SDR, hemorragia pulmonar, hipertensão pulmonar e HPIV. Resultados semelhantes são encontrados em outros estudos. Humberg et al. (2020)22, na Alemanha, identificaram como responsáveis por 71% dos casos de óbito, em ordem decrescente de prevalência, os seguintes fatores: distúrbios respiratórios (incluindo SDR, DBP e hemorragia pulmonar), sepse, HPIV e ECN ou perfuração intestinal focal22. Manuck et al. (2016)5 encontraram padrão semelhante, observando que as suspeitas de etiologia mais prevalentes na população de prematuros que evoluíram para óbito foram complicações respiratórias, encefalopatia isquêmica hipóxica ou HPIV grave e infecção5.

A relação direta entre SDR e aumento da mortalidade, entretanto, é controversa, uma vez que diversas opções terapêuticas comprovadamente eficazes no tratamento da SDR estão disponíveis para o manejo dessa morbidade, incluindo suporte ventilatório e administração de surfactante pulmonar. Além disso, grande parte dos casos que apresentaram SDR e evoluíram para óbito também desenvolveram outras morbidades, como sepse neonatal (84,2%), persistência do canal arterial (47,2%), HPIV (38,9%), hemorragia pulmonar (33,3%) e ECN (8,3%), o que dificulta identificar a SDR como um fator comprovadamente relevante quanto ao aumento do risco de morte. Estudos demonstram que, em países desenvolvidos, neonatos de muito baixo peso apresentam outras morbidades, como a hipoplasia pulmonar, HPIV grave e NEC, como causas majoritárias de óbito em relação à SDR25.

O Staphylococus coagulase-negativo foi o principal agente identificado na sepse neonatal tardia. Esse achado corrobora dados da literatura que o apontam como um dos agentes mais relacionados à sepse neonatal. A sepse neonatal tardia ocorre predominantemente em crianças prematuras e de muito baixo peso, sendo as bactérias Gram-positivas os principais agentes, e Staphylococcus coagulase-negativo isolado em aproximadamente metade dos casos26. Estudo brasileiro em um grande hospital terciário nacional identificou também Staphylococcus coagulase-negativo como o principal agente de sepse neonatal tardia, com destaque para S. epidermidis27.

O recente estudo da German Neonatal Network levantou a hipótese de que a participação de centros em redes de cuidados perinatais é capaz de elevar a sobrevida, principalmente nos locais onde a taxa inicial de sobrevida dos neonatos é baixa. Lui et al. (2019)28, a partir de uma coorte internacional, também destacaram a importância de estudos que descrevam a epidemiologia e fatores relacionados à prematuridade e seus desfechos28. Esse estudo analisou os desfechos de neonatos muito prematuros e de muito baixo peso em 11 países e concluiu que houve aumento significativo de morbidades, principalmente DBP, em quase todos os países incluídos, exceto Canadá e Finlândia. A redução da morbidade observada no Canadá foi superior a todos os outros e o estudo sugere possível relação com a implementação de um protocolo de práticas clínicas baseado em evidências que visava a melhora da qualidade assistencial. Nesse caso, o estudo sugere possível associação entre as práticas assistenciais adotadas em unidades neonatais e redução de morbidades da prematuridade, indicando como um foco importante para novos estudos28.

Esta pesquisa permitiu estudar a relação entre a mortalidade de neonatos prematuros de muito baixo peso com fatores gestacionais, perinatais e neonatais, especialmente as comorbidades decorrentes do nascimento pré-termo que afetam o sistema respiratório, as infecciosas e a HPIV. Estudos epidemiológicos que identificam estes fatores são importantes para direcionar a implementação de medidas com embasamento científico que propiciem redução, não apenas da mortalidade, mas também das morbidades decorrentes da prematuridade, que tendem a aumentar com a melhora da sobrevida dos extremos prematuros.

Conclui-se que a população estudada ao longo de dez anos na UTIN do CHC-UFPR foi, predominantemente, composta de muitos prematuros, sendo 50,9% deles de extremo baixo peso. A sobrevida geral foi de 75,3%, sendo significativamente maior no grupo de RN com IG ≥28 semanas (88,5%). As principais comorbidades que apresentaram associação com aumento da mortalidade foram doenças pulmonares e neurológicas. Menores valores de IG e PN reduziram significativamente a sobrevida. A baixa média de temperatura corporal dos neonatos à admissão na unidade neonatal pode representar um risco adicional nessa população, por ser um fator bem estabelecido na literatura associado ao aumento da mortalidade.

O estudo apresenta como principais limitações: a coleta de dados retrospectiva com análise de prontuários, possuir uma amostra relativamente pequena em comparação com estudos multicêntricos maiores, e estar restrito a apenas um centro assistencial. No entanto, o estudo reúne dados de todos os pacientes internados na UTIN de um hospital terciário que preencheram os critérios de inclusão e exclusão no intervalo de dez anos. Por esse motivo, é capaz de fornecer evidências do impacto da prematuridade, do baixo PN e das principais comorbidades neonatais na sobrevida do RN, reforçando a importância de estudos epidemiológicos na determinação de fatores de risco e da qualidade assistencial.


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Universidade Federal do Paraná, - Curitiba - Paraná - Brasil

Endereço para correspondência:
Regina Paula Guimarães Vieira Cavalcante da Silva
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E-mail: reginavcs@uol.com.br

Data de Submissão: 17/05/2022
Data de Aprovação: 12/06/2023