ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2023 - Volume 13 - Número 4

Aspectos clínicos, laboratoriais e radiológicos de pacientes internados com suspeita de coqueluche

Clinical, laboratorial and radiological aspects of patients admited with suspected pertussis

RESUMO

OBJETIVO: Descrever o perfil de pacientes com suspeita de coqueluche, destacando as diferenças entre casos confirmados e seus diagnósticos diferenciais.
MÉTODOS: Estudo retrospectivo realizado em hospital de referência através de prontuários de pacientes internados entre 2015 e 2019 por suspeita de coqueluche, entre 0 e 2 anos. Foram verificadas variáveis epidemiológicas, clínicas, laboratoriais e radiológicas. Os dados foram analisados descritivamente e através de associações.
RESULTADOS: Incluíram-se 211 pacientes, sendo 81,1% com idade de até 6 meses e 49,3% do sexo masculino. À admissão, percebeu-se elevada frequência de tosse (99,1%), tosse paroxística (60,2%), cianose (78,7%) e dispneia (70,1%). Observou-se que 8,4% dos pacientes que realizaram leucograma evidenciaram leucocitose linfocítica e 57,5% que se submeteram à radiografia de tórax desenvolveram alterações. O diagnóstico laboratorial foi confirmado somente em 37 casos. Verificou-se associação significativa (p<0,05) entre a coqueluche e as variáveis cianose; vômito pós-tosse; guincho inspiratório; taquipneia; alterações de ausculta respiratória; leucocitose. Ademais, 72,9% dos pacientes infetados apresentavam vacinação ausente ou incompleta.
CONCLUSÕES: A apresentação da coqueluche ocorre, em geral, de modo semelhante a outras infecções respiratórias, tornando fundamental manter a vigilância epidemiológica para colaborar com o diagnóstico, minimizar o uso de macrolídeos e adequar medidas preventivas.

Palavras-chave: Bordetella pertussis, Coqueluche, Infecções bacterianas, Hospitalização, Perfil de saúde.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Describe the profile of patients admitted with signs of pertussis, emphasizing the differences between confirmed cases and its differential diagnosis.
METHODS: Retrospective study realized by the analysis of medical charts of patients from 0 to 2 years old, admitted between 2015 to 2019 with suspected pertussis. Epidemiological, clinical, laboratorial, and radiological variables were verified. The data was analyzed descriptively and through associations.
RESULTS: 211 patients were included, being 81,1% levss than 6 months old and 49,3% male. At the admission, high frequency of coughing (99.1%), paroxysmal coughing (60,2%), cyanosis (78,7%) and dyspnea (70,1%) was observed. Data showed that 8,4% of the patients who underwent leukogram presented lymphocytic leukocytosis, and 57,5% of the patients submitted to chest X-ray presented abnormalities. The pertussis diagnosis was confirmed in only 37 patients. There was significative association (p<0,005) between pertussis and the variables: cyanosis, post-cough vomiting, inspiratory squeak, tachypnea, respiratory auscultation abnormalities and leukocytosis. Furthermore, 72,9% of the patients did not get the vaccine or the schedule was incomplete.
CONCLUSIONS: The presentation of pertussis, in general, is similar to other respiratory infections, being fundamental the maintenance of the epidemiological surveillance to collaborate with the diagnosis, reduce use of macrolides and adequate the prophylactic measures.

Keywords: Bordetella pertussis, Whooping Cough, Infections, Hospitalization, Health Profile.


INTRODUÇÃO

As infecções respiratórias agudas constituem um problema de saúde pública na faixa etária pediátrica, especialmente nos países em desenvolvimento1. As manifestações clínicas relacionadas à ação dos agentes etiológicos responsáveis por tais patologias são semelhantes, em sua maioria, tornando difícil sua identificação somente através da clínica e trazendo à tona um desafio dentre as variadas possibilidades diagnósticas2.

Nesse contexto, destaca-se a coqueluche como doença respiratória aguda causada pela bactéria Bordetella pertussis, a qual é considerada uma importante causa de morbimortalidade infantil. No Brasil, o cenário epidemiológico dessa doença apresentou redução progressiva na incidência desde a década de 1990 devido à ampliação das coberturas vacinais. Em contrapartida, a partir de 2011, observou-se um aumento súbito de casos no país, sendo registrado o maior pico de incidência em 2014. Embora tenham sido registrados decréscimos no número de casos entre 2014 e 2019, o Ministério da Saúde recomendou o fortalecimento da vigilância epidemiológica com o objetivo de monitorar a tendência temporal da doença para detecção precoce de casos e instituição de ações pertinentes para o seu controle3,4.

No que tange ao cenário clínico, a coqueluche se caracteriza por paroxismos de tosse seca, possivelmente seguidos de cianose, apneia, vômito e guincho inspiratório4. Em contrapartida, tais manifestações tendem a ser distintas e mais graves nos neonatos e lactentes, nos quais as infecções virais respiratórias são frequentes e constituem um relevante diagnóstico diferencial. Os patógenos capazes de mimetizar a coqueluche frequentemente se apresentam como crises de sibilância, bronquiolite e pneumonia. Diante disso, faz-se necessário que os pacientes com suspeita de coqueluche sejam submetidos à investigação laboratorial, a fim de confirmar o diagnóstico e possibilitar adequada assistência5,6.

Ademais, embora a coqueluche tenha como manifestações semelhantes às de outras infecções respiratórias agudas, sabe-se que os pacientes acometidos devem ser manejados de maneira distinta, especialmente no que tange ao uso de macrolídeos e a prevenção intra-hospitalar7. Dessa forma, conhecer as principais características dos pacientes suspeitos, bem como as particularidades entre os casos confirmados e os diagnósticos diferenciais, torna-se fundamental para a caracterização clínica, diagnóstico oportuno e adequadas abordagens terapêuticas e preventivas da doença. Com isso, o presente estudo objetiva descrever o perfil epidemiológico, clínico, laboratorial e radiológico de neonatos e lactentes internados por suspeita de coqueluche, bem como verificar os aspectos que distinguem a infecção por Bordetella pertussis das outras infecções respiratórias agudas.


MÉTODO

Estudo transversal, descritivo e analítico, realizado em um hospital de referência em saúde materno-infantil de Pernambuco. Incluíram-se os pacientes de 0 a 2 anos de idade admitidos entre 2015 e 2019 por suspeita de coqueluche, os quais foram submetidos à confirmação laboratorial através da cultura. Foram excluídos os prontuários com páginas faltantes ou registros com grafia ilegível. A amostragem se deu através do Núcleo de Epidemiologia do serviço, o qual disponibilizou o registro dos pacientes notificados que realizaram a cultura para fins diagnósticos.

A coleta de dados foi realizada entre os meses de maio e agosto de 2021 através de prontuários disponíveis no arquivo médico, sendo organizados em formulários padronizados. Dentre as variáveis epidemiológicas, constavam ano do internamento, idade, sexo e antecedentes vacinais. Quanto à clínica, incluíram-se os sinais e sintomas típicos da coqueluche e de seus diagnósticos diferenciais, sendo registradas a presença ou ausência de tosse, tosse paroxística, cianose, vômito pós-tosse, guincho inspiratório, febre, obstrução nasal, dispneia, taquipneia, gemência, pletora facial, tempo expiratório prolongado e alterações de ausculta respiratória. Em relação aos aspectos laboratoriais, verificaram-se o leucograma ao internamento, a dosagem de proteína C-reativa, a hemocultura e a cultura para Bordetella pertussis. Acerca dos dados radiográficos, observou-se a realização da radiografia de tórax, bem como a presença ou ausência de alterações. Ademais, foi registrado o diagnóstico obtido na alta hospitalar. Por fim, para aqueles com diagnóstico de coqueluche, percebeu-se o estado vacinal da criança quanto à aplicação das vacinas pentavalente (DTP + Hepatite B + Haemophilus influenzae tipo b) e trípice bacteriana (DTP), bem como de sua genitora no que se refere à aplicação da vacina difteria-tétano-pertussis acelular (dTpa) no curso da gestação.

Os dados coletados foram tabulados em planilha Excel e a análise estatística foi realizada através do software IBM SPSS 25.0. Os resultados descritivos foram obtidos por meio de frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas e de medidas de tendência central e dispersão para as variáveis numéricas. A fim de avaliar associação entre duas variáveis categóricas, foi utilizado o teste Qui-Quadrado de Pearson e o teste exato de Fisher. A margem de erro na decisão dos testes estatísticos foi de 5% e os intervalos foram obtidos com confiabilidade de 95%.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da instituição (CAAE 35992620.3.0000.5201). No decorrer do estudo, foi respeitada a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.


RESULTADOS

O estudo foi constituído por 234 pacientes, dentre os quais 23 foram excluídos. Em relação aos 211 participantes, no que concerne à idade, obteve-se uma média de 4,11 meses (± 4,65) e mediana de 3,00 meses. Nesse sentido, observou-se que 25 (11,9%) tinham idade menor que 1 mês; 146 (69,2%) entre 1 mês e 6 meses; 26 (12,3%) entre 7 e 12 meses; e 14 (6,6%) entre 13 e 24 meses. Foi verificado que 104 (49,3%) eram do sexo masculino e 107 (50,7%) do sexo feminino. A respeito do número de pacientes com diagnóstico suspeito e confirmado de coqueluche, registrou-se um aumento da frequência de casos por ano, conforme explicita a Tabela 1.




No que tange ao quadro clínico sugestivo de coqueluche, foi evidenciada a tosse como principal manifestação, a qual esteve presente em 209 (99,1%) pacientes e ocorreu em paroxismos em 127 (60,2%) casos. Além disso, verificou-se cianose em 166 (78,7%) casos, vômito pós-tosse em 67 (31,8%) casos e guincho inspiratório em 26 (12,3%) casos. Em relação a outros sinais e sintomas possivelmente presentes nas infecções respiratórias agudas, foi demonstrado que 148 (70,1%) desenvolveram dispneia, 100 (47,4%) alterações de ausculta respiratória, 93 (44,1%) febre, 49 (23,2%) taquipneia, 32 (15,2%) obstrução nasal, 20 (9,5%) tempo expiratório prolongado, 10 (4,7%) pletora facial e 5 (2,4%) gemência.

Acerca das variáveis laboratoriais, registrou-se que 178 (84,4%) pacientes realizaram leucograma, sendo evidenciadas as medidas de tendência central e dispersão do valor de leucócitos totais na Tabela 2. Tem-se que o referido exame indicou leucocitose linfocítica em 15 (8,4%) casos e leucocitose neutrofílica em 10 (5,6%) casos. No que concerne à dosagem de proteína C-reativa, 48 (22,7%) pacientes foram submetidos ao exame e, dentre esses, 17 (35,4%) apresentaram dosagem elevada. Além disso, dos 51 (24,2%) pacientes que realizaram hemocultura, 37 (72,5%) possuíam resultado negativo registrado em prontuário. Por fim, a respeito da cultura para Bordetella pertussis, foram verificados 174 (82,5%) resultados negativos e 37 (17,5%) positivos.




Quanto aos dados radiográficos, observou-se a realização de radiografia de tórax em 163 (77,3%) pacientes, cujo resultado foi descrito no prontuário em 120 (73,6%) casos, tendo sido identificada uma ou mais alterações em 69 (57,5%) casos. Nesse sentido, constataram-se os achados a seguir: 41 (59,4%) pacientes apresentaram infiltrado pulmonar, 12 (17,4%) condensação pulmonar, 6 (8,7%) hipotransparência pulmonar, 2 (2,9%) atelectasia, 4 (5,8%) aumento da área cardíaca e 21 (30,4%) retificação dos arcos costais.

Em relação ao diagnóstico no momento da alta, tal como demonstrado através da cultura, somente 37 (17,5%) dos pacientes obtiveram diagnóstico laboratorial confirmado de coqueluche. No que tange ao restante dos casos, verificou-se o seguinte: 105 (49,8%) receberam alta com diagnóstico de síndrome coqueluchoide, 24 (11,4%) de bronquiolite viral aguda, 19 (9,0%) de pneumonia adquirida na comunidade e 20 (9,5%) de infecção do trato respiratório não especificada.

Diante disso, percebeu-se a relação entre o diagnóstico final de coqueluche em neonatos e lactentes e os aspectos clínicos, laboratoriais e radiográficos. Acerca dos sinais e sintomas à admissão, percebeu-se associação significativa entre essa doença e a ocorrência de cianose (p=0,031), vômito pós-tosse (p=0,015), guincho inspiratório (p=0,025), taquipneia (p=0,049) e alterações de ausculta respiratória (p=0,045), conforme demonstra a Tabela 3. Nesse contexto, ressalta-se: o percentual de pacientes com cianose que foram diagnosticados com coqueluche foi mais elevado em comparação aos que não obtiveram esse diagnóstico (91,9% x 75,9%); o percentual dos que apresentaram vômito pós-tosse foi mais elevado entre os infectados pela Bordetella pertussis do que entre aqueles não infectados (48,6% x 28,2%); o percentual de pacientes que manifestaram guincho inspiratório foi mais elevado nos pacientes com coqueluche quando comparado aos que receberam outros diagnósticos (24,3% x 9,8%); o percentual dos que desenvolveram taquipneia foi mais elevado entre os que não foram diagnosticados com coqueluche do que os que obtiveram esse diagnóstico (25,9% x 10,8%); o percentual de pacientes com alterações de ausculta respiratória foi mais elevado entre os pacientes com outras infecções do trato respiratório em comparação àqueles com coqueluche (50,6% x 32,4%).




A respeito das alterações laboratoriais, ocorreu associação significativa entre os casos confirmados de coqueluche e a presença de leucocitose (p=0,007), tal como esclarece a Tabela 4. Nesse sentido, enfatiza-se que o percentual de pacientes com leucocitose foi mais elevado naqueles infectados pela Bordetella pertussis em comparação aos não infectados (81,8% x 34,8%). Quanto às alterações na radiografia simples de tórax, não foram identificadas associações significativas em relação ao diagnóstico de coqueluche.




Por fim, acerca do estado vacinal dos pacientes diagnosticados com coqueluche, observou-se que 10 (27,0%) não foram vacinados, 17 (45,9%) apresentaram vacinação incompleta e 10 (27,0%) não foram interrogados a esse respeito durante a consulta, de forma que o dado esteve ausente em prontuário. No que tange à vacinação da genitora durante a gestação, obtiveram-se resultados limitados, tendo em vista a ausência de descrição da variável em 34 (91,9%) casos.


DISCUSSÃO

A respeito do perfil epidemiológico, o presente estudo verificou que 81,1% dos participantes tinham até 6 meses de vida, resultado ratificado por um corte transversal semelhante realizado com 80 pacientes internados por suspeita de coqueluche, o qual evidenciou que 81,2% tinham idade de até 6 meses8. Ao ampliar o intervalo da faixa etária, registra-se que 93,4% dos pacientes foram admitidos por suspeita de coqueluche com até 1 ano de vida, o que corrobora com a alta incidência da doença neste grupo9. Além disso, quanto à caracterização do sexo, não se observou predileção significativa, um dado que concorda com perfis traçados anteriormente10,11.

No que tange à frequência de pacientes com diagnóstico suspeito e confirmado de coqueluche, foi evidenciado o aumento significativo do número casos por ano. Esse resultado possivelmente se relaciona com o fato de o estudo ter sido realizado em Pernambuco, estado no qual houve aumento superior a 20% no número de casos suspeitos e confirmados de infecção por Bordetella pertussis entre 2018 e 2019, embora a incidência da doença se encontre em curva descendente em âmbito nacional3.

Acerca dos resultados puramente descritivos que abrangem os aspectos clínicos à admissão dos pacientes com suspeita de coqueluche, há a escassez de pesquisas comparativas, de forma que os dados obtidos se constituem como um diferencial deste estudo. Ressalta-se que a literatura atual indica a dificuldade de realizar o diagnóstico clínico das infecções agudas do trato respiratório, tendo em vista o fato de os sinais e sintomas serem comuns a vários agentes etiológicos2. Nesse sentido, ao verificar a presença dos sinais e sintomas típicos da coqueluche nos 211 pacientes analisados, percebeu-se que 209 apresentaram tosse, 127 tosse em paroxismos, 166 cianose e 67 vômito pós-tosse, manifestações que são descritas como as mais prevalentes da doença4. Em contrapartida, somente 37 dos participantes obtiveram cultura positiva para Bordetella pertussis, um fato que corrobora a inespecificidade das manifestações clínicas.

Quanto aos exames laboratoriais, sabe-se que o leucograma pode ser utilizado para auxiliar na confirmação ou descarte dos casos suspeitos, tendo em vista que a presença de leucocitose e linfocitose confere forte suspeita clínica da doença. Embora indicado pelo Ministério da Saúde, no intuito de favorecer a investigação de coqueluche, enfatiza-se que a ausência de alterações não exclui o diagnóstico4. Em consonância, esse perfil verificou que apenas 8,4% dos pacientes que realizaram o leucograma desenvolveram leucocitose à custa do aumento do número de linfócitos. Ademais, constatou-se que 22,7% dos pacientes internados foram submetidos à dosagem de proteína C e 24,2% realizaram hemocultura. Contudo tem-se como relevante destacar que não há indicação formal para realização desses exames em pacientes com suspeita clínica de infecção por Bordetella pertussis, de forma que sua realização deve estar atrelada a outras hipóteses diagnósticas, no intuito de reduzir as investigações laboratoriais desnecessárias e alcançar maiores benefícios ao paciente e à saúde pública4,12.

Em relação aos aspectos radiográficos, sabe-se que o Ministério da Saúde solicita a realização de radiografia de tórax em todos os pacientes menores de 4 anos com suspeita clínica de coqueluche, a fim de auxiliar o diagnóstico e detectar complicações4. Houve, portanto, indicação clínico-epidemiológica para todos os participantes deste estudo. Todavia, percebeu-se que aproximadamente 20% dos pacientes não foram submetidos ao exame, um fato possivelmente relacionado ao desconhecimento do profissional de saúde acerca dessa recomendação. De toda forma, dentre os pacientes que obtiveram a radiografia de tórax descrita em prontuário, foram verificadas alterações em 57,5% dos casos, sendo o infiltrado pulmonar e a retificação de arcos costais o achado mais frequente. São escassos os estudos que descrevem alterações radiográficas em pacientes com suspeita de coqueluche, sendo este também um dado que diferencia o presente estudo. No entanto, ao analisar uma pesquisa acerca das alterações em radiografia de tórax nos pacientes com infecções respiratórias agudas, observou-se como anormalidades comuns o infiltrado pulmonar, a retificação de arcos costais e as consolidações, dados compatíveis aos encontrados neste perfil13.

No que concerne ao diagnóstico de coqueluche, apenas 17,5% dos pacientes apresentaram confirmação laboratorial pela cultura. Os principais diagnósticos diferenciais encontrados foram a bronquiolite viral aguda e a pneumonia adquirida na comunidade, infecções causadas por agentes sabidamente relacionados à síndrome coqueluchoide. Nesse contexto, em um estudo realizado com pacientes internados por doença respiratória aguda, uma porcentagem semelhante (24,7%) dos casos apresentou diagnóstico laboratorial de coqueluche, apesar da confirmação ter sido realizada por reação de cadeia de polimerase. Além disso, uma pesquisa feita com pacientes clinicamente suspeitos de bronquiolite verificou que a infecção por Bordetella pertussis foi encontrada em 8,5% dos casos, o que reafirma a possível semelhança entre as duas patologias6,14,15.

Considera-se relevante discorrer, ainda, que este estudo verificou associações significativas entre o diagnóstico de coqueluche e os aspectos clínicos e laboratoriais. Nesse sentido, percebeu-se que os pacientes infectados pela Bordetella pertussis apresentam com maior frequência cianose (p=0,031), vômito pós-tosse (p=0,015) e guincho inspiratório (p=0,025) em comparação aos pacientes com outras infecções. A esse respeito, um estudo realizado com crianças internadas por infecção respiratória aguda demonstrou que o percentual de pacientes com cianose foi mais elevado entre os diagnosticados com coqueluche em comparação aos que obtiveram diagnóstico de bronquiolite viral aguda (p<0,006 e p<0,005, respectivamente)16. Também concorda com este resultado uma pesquisa semelhante, realizada em 2013, a qual demonstrou valores preditivos positivos acima de 80% no que tange à presença de cianose e guincho inspiratório e o diagnóstico clínico da coqueluche5.

No que tange às alterações laboratoriais, verificou-se associação significativa entre o diagnóstico de coqueluche e a presença de leucocitose (p=0,007). Esse resultado foi semelhante ao contido em uma pesquisa referente às infecções respiratórias em pacientes clinicamente suspeitos de coqueluche, a qual demonstrou que a presença de leucocitose significativa foi útil na diferenciação entre os casos confirmados e outras infecções de vias respiratórias. Nesse sentido, evidências indicam que a presença de leucocitose maior do que 20.000/mm3 aumentou a chance do diagnóstico de coqueluche5,6. Além disso, quanto às alterações na radiografia de tórax, embora não encontradas associações significativas em relação ao diagnóstico de coqueluche nesse perfil, sabe-se que o estado de conhecimento atual sobre a doença indica o infiltrado pulmonar como alteração mais frequente, tal como percebido nos resultados acerca dos achados radiográficos em pacientes com suspeita de coqueluche17.

Acerca da cobertura vacinal dos pacientes com coqueluche, verificou-se ausência de registros na maioria dos prontuários, dificuldade encontrada em outros perfis epidemiológicos traçados anteriormente9,18. Assim, ratifica-se a importância do adequado preenchimento desse documento, o qual se caracteriza como ferramenta fundamental na avaliação da qualidade da assistência em saúde19. De toda forma, considerando os dados registrados, observou-se que 27,0% dos pacientes não foram vacinados, bem como 45,9% não completaram o número de doses para imunização plena. Em comparação, um estudo que incluiu 1.209 pacientes com coqueluche revelou que 32,2% apresentaram vacinação ausente e 44,1% vacinação incompleta9.

O Ministério da Saúde indica que o indivíduo se torna imune através da aplicação de três doses da vacina pentavalente e dois reforços da vacina DTP, uma situação que ocorre com, no mínimo, 4 anos de idade20. A esse respeito, evidências concordam com o fato de que a maioria dos casos de coqueluche ocorre em pacientes não completamente imunizados3,9. No entanto, o presente perfil apresenta limitação para ratificar tal dado, tendo em vista que foram incluídos somente os neonatos e lactentes, os quais não atingiram idade para alcançar a imunização plena através da vacinação.

Diante da descrição acerca do perfil dos neonatos e lactentes internados por suspeita de infecção por Bordella pertussis, bem como das associações obtidas com relação ao diagnóstico final, percebe-se que a coqueluche, em geral, apresenta-se de modo semelhante a outras infecções respiratórias agudas. Nesse sentido, tendo em vista o impacto da doença na morbimortalidade infantil, ratifica-se a necessidade de manter a vigilância epidemiológica, especialmente através da disseminação de evidências a respeito das principais características dos pacientes suspeitos, bem como as particularidades entre os diagnósticos diferenciais, a fim de aumentar o percentual de isolamento em cultura e de aprimorar os estudos moleculares e de resistência bacteriana, conforme recomenda o Ministério da Saúde. Além disso, tem-se como benefício evidente a contribuição desses estudos no diagnóstico oportuno da doença, o qual é capaz de minimizar o uso disseminado de macrolídeos e de adequar as medidas preventivas.


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1. Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Hospital Geral de Pediatria - Recife - Pernambuco - Brasil
2. Faculdade Pernambucana de Saúde, Medicina - Recife - Pernambuco - Brasil
3. Universidade Católica de Pernambuco, Medicina - Recife - Pernambuco - Brasil

Endereço para correspondência:

Gabriela Barreto Almeida Vasconcelos
Faculdade Pernambucana de Saúde
Av. Mal. Mascarenhas de Morais, 4861 - Imbiribeira
Recife - PE, 51150-000
E-mail: gabrielavasconcelos.fps@gmail.com

Data de Submissão: 08/08/2022
Data de Aprovação: 24/08/2022