ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2023 - Volume 13 - Número 4

Xantogranuloma juvenil: a benignidade por trás de uma lesão atípica

Juvenile Xanthogranuloma: the benignity behind an atypical lesion

RESUMO

OBJETIVO: Descrever um caso raro de Xantogranuloma Juvenil (XGJ) em um lactente no intuito de informar mais sobre essa patologia pouco descrita no meio acadêmico, evitando-se assim, tratamentos e abordagens desnecessárias.
DESCRIÇÃO DO CASO: Trata-se de um lactente de 4 meses de idade com uma lesão nodular única em abdome de evolução progressiva desde o nascimento. Lesão de aspecto crostoso com pequenas nodulações adjacentes, ulceração central e bordas imprecisas, de aproximadamente 3 centímetros de diâmetro. Aventada hipótese diagnóstica de impetigo, fez uso de antibióticos tópicos e orais, sem sucesso. Em seguida, suspeitado de dermatofitose, fez uso de antifúngicos, sem melhora. Devido à persistência da lesão, solicitado ultrassom da lesão e encaminhado para dermatologista. Somente após a biópsia, foi confirmado o diagnóstico de XGJ.
COMENTÁRIOS: O XGJ é uma patologia rara e benigna, pertencente ao grupo das histiocitoses não Langerhans que surge tipicamente em idade pediátrica. As lesões ocorrem mais comumente na pele e apresentam uma morfologia característica. São geralmente assintomáticas e espera-se a regressão espontânea em aproximadamente cinco anos. Entretanto a doença pode levar a acometimento extracutâneo e outras patologias importantes podem estar relacionadas ao quadro necessitando, portanto, extensão de propedêutica para prevenir sequelas irreversíveis ao paciente.

Palavras-chave: Xantogranuloma juvenil, Histiocitose de células não Langerhans, Xantomatose, Dermatomicoses, Impetigo.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe a rare case of Juvenile Xanthogranuloma (JXG) in an infant in order to inform more about this pathology little described in academia, thus avoiding unnecessary treatments and approaches.
CASE DESCRIPTION: This is a 4-month-old infant with a single nodular lesion in the abdomen that has progressively evolved since birth. A crusty-looking lesion with small adjacent nodules, central ulceration and blurred borders, approximately 3 centimeters in diameter. With the diagnostic hypothesis of impetigo raised, he used topical and oral antibiotics, without success. Then, suspected of dermatophytosis, he used antifungal agents, without improvement. Due to the persistence of the lesion, an ultrasound of the lesion was requested and referred to a dermatologist. Only after the biopsy was the diagnosis of JXG confirmed.
COMMENTS: JXG is a rare and benign pathology, belonging to the group of non-Langerhans histiocytosis that typically appears in pediatric age. Lesions most commonly occur on the skin and have a characteristic morphology. They are usually asymptomatic and spontaneous regression is expected in approximately five years. However, the disease can lead to extracutaneous involvement and other important pathologies may be related to the condition, thus requiring an extension of workup to prevent irreversible sequelae to the patient.

Keywords: Xanthogranuloma, juvenile, Histiocytosis, non-Langerhans-Cell, Xanthomatosis, Tinea, Impetigo.


INTRODUÇÃO

O Xantogranuloma Juvenil (XGJ) é um distúrbio histiocítico raro, de etiologia desconhecida1-3, que afeta crianças até dois anos de idade2. É a forma mais comum das histiocitoses não Langerhans, e sua real incidência na população é desconhecida3. Manifesta-se clinicamente como uma pápula ou nódulo amarelo-avermelhada que regride espontaneamente entre 3 e 5 anos de idade1,4. O diagnóstico é baseado em achados clínicos e histológicos3,4. Entretanto uma pequena parcela dos casos pode evoluir com acometimento extracutâneo com sequelas irreversíveis, caso não diagnosticadas e abordadas precocemente2,3.

O objetivo deste relato de caso é descrever um caso raro de Xantogranuloma Juvenil em um lactente no intuito de informar a população acadêmica sobre essa patologia pouco descrita, auxiliando, assim, no diagnóstico e condução dos casos.

DESCRIÇÃO DO CASO

Lactente D.S.M., sexo masculino, história prévia de prematuridade (29 semanas de gestação), sem causa aparente, com boa evolução pós-natal. Em consulta de rotina com pediatra aos quatro meses de idade (idade corrigida de 53 semanas), foi evidenciada lesão única em flanco direito, nodular, com bordas imprecisas, aspecto crostoso e ulceração central de aproximadamente 3,0 cm em seu maior diâmetro (Figura 1, imagem à esquerda). Segundo os pais, a lesão foi observada desde o nascimento, com evolução gradual.


Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 1. Aspecto mascroscópico da lesão
Legenda: Lesão inicial, à esquerda, e evolução da lesão após 4 meses, à direta.




Inicialmente diagnosticado como impetigo, fez uso de antibiótico tópico local (mupirocina) e, posteriormente, fez uso de antibioticoterapia oral com cefalexina em dose habitual, sem alteração da lesão. Aventada hipótese de dermatofitose e iniciado antifúngico tópico, também sem melhora. Durante esse período, a lesão evoluiu em dimensão, ficando mais delimitada, com aspecto liquenificado e coloração levemente amarelada (Figura 1, imagem à direita). Lactente evoluiu com bom desenvolvimento, manteve-se assintomático e afebril. Encaminhado para avaliação com dermatologista e solicitadas ultrassonografia e biópsia da lesão.

A ultrassonografia da lesão descreveu como lesão ovalada em contato íntimo com a musculatura regional, limites parcialmente definidos, apresentando área anecoica superficial circundada por área hiperecoica, sem calcificações evidentes, medindo 3,8x0,5x2,9cm e apresentando escassa vascularização periférica ao Doppler.

A biópsia do fragmento da lesão (Figura 2) evidenciou uma proliferação de células histiocíticas, algumas xantomizadas, juntamente com algumas células fusiforme, formando ninhos/feixes. Coexistindo células gigantes multinucleadas tipo Touton e infiltrado infamatório de permeio, incluindo linfócitos e eosinófilos. Diagnóstico histológico de XGJ.


Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 2. Aspecto microscópico da lesão
Legenda: Fragmento da lesão à esquerda com aumento 100x e, à direita, com aumento 400x.




Após o diagnóstico da lesão, foi realizada investigação de manifestações extracutâneas, a qual foi negativa. Criança segue assintomática e com boa evolução clínica.


COMENTÁRIOS

O Xantogranuloma Juvenil pode estar presente ao nascimento, 5-17% dos casos, ou pode surgir no primeiro ano de vida, 40-70% dos casos4. Na infância, há predomínio no sexo masculino na proporção de 1,4:12-5. Embora seja utilizado o termo Xantogranuloma Juvenil, a patologia pode ocorrer em adultos, principalmente entre 20 e 30 anos de idade, sem predileção por sexo e com regressão espontânea5. A causa da doença não é ainda bem definida, no entanto, há autores que sugerem ser uma doença reacionária que possivelmente responde a estímulos traumáticos ou infecciosos5.

Ocorre mais comumente na pele e apresentam uma morfologia característica. A manifestação clínica se apresenta com uma pápula, placa ou nódulo avermelhado ou amarelado a marrom de aproximadamente 0,5 a 2 cm3,6. As localizações mais comuns são na cabeça, pescoço e parte superior do tronco, entretanto podem ocorrer em qualquer outra parte do corpo, com exceção das mucosas, que raramente são acometidas3,4,6. As lesões iniciais tendem a ser mais vermelhas e elevadas, mas à medida que amadurecem e tornam-se progressivamente mais lipidizadas (amareladas), frequentemente, se achatam3.

Sua histologia é caracterizada pela proliferação bem demarcada e densa de histiócitos na derme superficial, com um infiltrado misto de células mononucleares, células gigantes multinucleadas com ou sem as características de células gigantes de Touton (caracterizadas por um anel de núcleos circundados por um citoplasma espumoso) e células fusiformes4,5. A célula de Touton é observada em 85% dos xantogranulomas juvenis, e está presente nos estágios maduros da doença7. No estágio final da lesão, os fibroblastos estão aumentados e a fibrose substitui a infiltração4,7. Nas histiocitoses de células de Langerhans (HCL), há predominância de células CD1a +, langerina + e S100 +; nas histiocitoses de células não Langerhans (não HCL), há um predomínio de histiócitos que não se enquadram nesse perfil fenotípico3,5-7. O XGJ é a variante mais comum de não HCL, classicamente cora com os seguintes marcadores: CD68 ou Ki-M1P e anti F XIIIa, vimentina anti-CD43,5.

O diagnóstico diferencial deve ser feito com as outras histiocitoses de células Langerhans ou não Langerhans, em especial a histiocitose cefálica benigna e histiocitoma eruptivo generalizado. Através das características clínicas, histopatologia e pelo uso de imunomarcadores, pode-se diferenciar o XGJ e a histiocitose de células de Langerhans8.

As lesões cutâneas são geralmente assintomáticas e a regressão espontânea é o esperado em aproximadamente de um a cinco anos2,3,5,6. Pode ocorrer uma cicatriz atrófica ou hiperpigmentada no local7.

Em 5-10% dos casos ocorre envolvimento extracutâneo, sendo o olho o local mais comumente afetado4,7,9. Entretanto fígado, pulmão, baço, nódulos linfáticos e outros órgãos também podem estar envolvidos3,4,6,7. A lesão na íris é a mais comum e complicações podem ocorrer, desde hemorragia intraocular espontânea, glaucoma e até cegueira3,5-7. Normalmente, essa lesão ocorre em lactentes menores de 1 ano de idade5. Cabe ressaltar que a ocorrência de hifema ocular, com ou sem aumento da pressão intraocular, é um sinal comum de XGJ5,7, devendo essa doença ser considerada caso a lesão esteja presente em lactentes.

O Xantogranuloma Juvenil também pode estar associado a outras patologias. Em pacientes com neurofibromatose tipo 1 (NF1), 5-10% possuem XGJ associado, e, destes, aproximadamente 30% dos pacientes com NF1 possuem menos de dois anos de idade3,6. Ainda, a associação de XGJ, NF1 e leucemia mielomonocítica juvenil foi descrita em alguns relatos de casos. A associação entre XGJ e doença de Niemann-Pick, urticária pigmentosa ou infeção por citomegalovírus necessita maiores esclarecimentos6. Ao contrário de outras doenças xantomatosas, XGJ não está associado a outras doenças metabólicas ou lipídicas6.

O diagnóstico do XGJ é clínico, baseado no aspecto físico das lesões. Por se tratarem de lesões típicas de evolução benigna e autocurativa, não se faz necessária a biópsia para confirmação dos casos, apenas em casos duvidosos3,4,6. A dermatoscopia é uma técnica não invasiva que auxilia na caracterização da lesão, em que pode ser visualizado o setting sun (sol poente), padrão dermatoscópico do Xantogranuloma Juvenil, que consiste em uma base amarelo-alaranjada com halo eritematoso (setting sun), nuvens amarelo-pálidas que correspondem ao infiltrado xantogranulomatoso dérmico e vasos arboriformes da periferia para o centro da lesão3,10.

Devido à natureza benigna da doença e a tendência à regressão espontânea, o tratamento conservador da lesão cutânea é o mais indicado3,6,10.

Não é recomendado avaliação oftalmológica de rotina para os pacientes com XGJ cutâneo assintomático2,3,5,9. O envolvimento assintomático ocular é raro, sendo importante encaminhar apenas aqueles com queixas agudas. Não há estudos prospectivos sobre os benefícios da avaliação oftalmológica de rotina para crianças com XGJ cutânea5,9. Pacientes menores de 2 anos que apresentam XGJ micronodular múltiplo e menores de 10mm possuem maior risco de envolvimento oftalmológico e estes se beneficiam de um acompanhamento de rotina com especialista9.

Pacientes com acometimento sistêmico e sintomático devem ser avaliados individualmente. O tratamento nesses casos pode incluir excisão, radioterapia e/ou quimioterapia, imunossupressão3,6.

Em geral, o prognóstico do XGJ é excelente, com resolução espontânea das lesões em até cinco anos3,5,6, não necessitando de tratamento intervencionista, mantendo-se apenas o acompanhamento da lesão3,6.


CONCLUSÃO

O Xantogranuloma Juvenil é uma patologia pouco abordada na literatura, provavelmente devido à sua evolução benigna e baixa confirmação histológica na população suspeita3. Apesar de ser uma doença benigna e autolimitada, em alguns casos pode ocorrer envolvimento sistêmico, com sequelas graves e preveníveis. Ainda, o XGJ pode estar associado a outras patologias que devem ser investigadas. Nesdes casos, nota-se a importância do reconhecimento e encaminhamento aos especialistas para melhor manejo e acompanhamento da criança.


REFERÊNCIAS

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10. Palmer A, Bowling J. Dermoscopic appearance of juvenile xanthogranuloma. Dermatology. 2007;215(3):259.










1. Instituto Materno-Infantil de Minas Gerais, Residência em Pediatria - Nova Lima - Minas Gerais - Brasil
2. Prefeitura de Nova Lima, Secretaria Municipal de Saúde - Nova Lima - Minas Gerais - Brasil
3. Centro de Medicina Especializada, Dermatologia Cínica - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil

Endereço para correspondência:

Roberta Leão Bassi
Instituto Materno Infantil de Minas Gerais
R. da Paisagem - Vale do Sereno
Nova Lima - MG, 34000-000
E-mail: robertalbassi@gmail.com

Data de Submissão: 08/09/2021
Data de Aprovação: 01/11/2021