Relato de Caso
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Ano 2015 -
Volume 5 -
Número
2
Esclerose tuberosa: relato de caso e revisão de literatura
Tuberous sclerosis: case report and literature review
Esclerosis tuberosa: relato de caso y revisión de literatura
Ana Carla Souza Maciel1; Valéria Cardoso Alves Cunali2
RESUMO
Relato de caso de esclerose tuberosa em uma paciente de 8 anos. O caso é particularmente interessante, pois a escolar apresenta a tríade clássica: epilepsia, deficiência mental e adenoma sebáceo. Foram descritos os critérios diagnósticos da paciente segundo o Comitê Nacional da Associação de Esclerose Tuberosa dos Estados Unidos, comparando os achados com a literatura médica atual.
Palavras-chave:
epilepsia, esclerose tuberosa, manifestações neurocomportamentais.
ABSTRACT
An 8-year-old patient report case of tuberous sclerosis, It is a particular interesting case as the child has the classic triad: epilepsy, mental deficiency and sebaceous adenoma. It was described the patient's diagnostic criteria according to the National Committee of the United States comparing the findings with the current medical literature.
Keywords:
epilepsy, neurobehavioral manifestations, tuberous sclerosis.
RESUMEN
Relato de caso de Esclerosis Tuberosa en una paciente de 8 años. El caso es particularmente interesante pues la escolar presenta la tríade clásica: epilepsia, deficiencia mental y adenoma sebáceo. Se describieron los criterios diagnósticos de la paciente según el Comité Nacional de la Asociación de Esclerosis Tuberosa de los Estados Unidos, comparando los hallazgos con la literatura médica actual.
Palabras-clave:
esclerosis tuberosa, epilepsia, manifestaciones neuroconductuales.
INTRODUÇÃO
A esclerose tuberosa (ET) é a uma doença genética de transmissão autossômica dominante com incidência estimada em 1/10.000, na qual há o comprometimento do sistema nervoso central associado a sintomas cutâneos, oculares e de outros órgãos internos1-4.
Friedrich Daniel von Recklinghausen relatou a doença em 1862, porém, a descrição minuciosa da síndrome deve-se ao neurologista francês Désiré-Magloire Bourneville (1840-1909) e ao dermatologista inglês John James Pringle (1855-1922)2-4.
Sua fisiopatologia caracteriza-se por proliferação e diferenciação celular anormal e clinicamente pela tríade epilepsia, deficiência mental e adenoma sebáceo1-4. No cotidiano da Pediatria, devemos nos atentar aos pacientes cuja queixa seja crise convulsiva, buscando os mais variados diagnósticos diferenciais.
Na doença pode-se ter acometimento neurológico levando a déficit cognitivo de graus variados, renal de leve até insuficiência renal grave, cardiológico como distúrbios de ritmo e até insuficiência cardíaca, ocular com déficits até cegueira. Não há tratamento específico. O tratamento é direcionado à melhora da qualidade de vida e específico em relação ao quadro apresentado. O aconselhamento genético deve ser feito aos pais, por se tratar de doença autossômica dominante5.
Este artigo tem como objetivo relatar caso de uma criança em idade escolar portadora de ET. Esta paciente apresenta a tríade clássica da doença, amaurose à esquerda e atraso cognitivo. Não apresentava alterações cardíacas ao ecocardiograma, nem alterações nos órgãos intra-abdominais à ultrassonografia de abdome total.
DESCRIÇÃO DO CASO
Escolar, hoje com 8 anos, apresentou crise convulsiva tônico-clônica pela primeira vez, então com 4 anos, e atraso desenvolvimento cognitivo. Prescrita carbamazepina, solicitada investigação complementar com eletroencefalograma e tomografia de crânio. O eletroencefalograma apresentou resultado normal e tomografia de crânio computadorizada evidenciou nódulos subependimários e lesões corticais e subcorticais compatíveis com esclerose tuberosa, porém, não houve seguimento do caso na ocasião.
Com 7 anos, retorna ao pronto-socorro da Oftalmologia com queixa de perda da visão do olho esquerdo.
A avaliação de fundo de olho evidenciou duas lesões nodulares na retina esquerda; tomografia de crânio e órbita, naquela ocasião, evidenciaram duas lesões retinianas em olho esquerdo e lesões periventriculares.
Na sequência da propedêutica, realizou RNM (20/12/13): Lesões córtico-subcorticais com hipersinal em T2 e Flair que não restringem a difusão nem realçam após contraste localizadas em ambos os hemisférios cerebrais. Duas lesões ovalares subcentimétricas com realce nodular pós contraste adjacentes ao corpo do ventrículo lateral esquerdo (Figura 1) linha média centrada, sistema ventricular sem alterações. Lesão infracentimétrica com marcado hipossinal na sequência T2, sem realce com contraste, localizada adjacente ao forame de Monro direito, que corresponde à lesão calcificada na tomografia.
Figura 1. Lesões ovalares adjacentes ao corpo do ventrículo lateral esquerdo.
Realizou ainda: ecocardiograma, raio x de tórax e ultrassonografia abdominal, todos normais.
O exame dermatológico mostrou adenomas sebáceos que, segundo a mãe, iniciaram há menos de 2 anos, compondo a tríade clássica da ET.
Nota-se atraso cognitivo, sendo queixa da mãe e professores falta de atenção e dificuldade de aprendizado.
Visto não haver cura para tal doença, a criança é acompanhada por equipe multidisciplinar. Recebe medicação anticonvulsivante Oxcarbazepina, acompanhamento com neurologista e oftalmologista.
Além disso, foi explicado à família a respeito do caráter genético da doença e encaminhado irmão mais velho à neurologia para investigação, pois apresenta também atraso cognitivo.
DISCUSSÃO
O Comitê Nacional da Associação de Esclerose Tuberosa dos Estados Unidos (NTSA - National Tuberous Sclerosis Association) estabeleceu, em 1992 (critérios revisados em 2000), os critérios para o diagnóstico definitivo, provável e suspeito da doença.
São considerados critérios diagnósticos maiores: adenoma sebáceo (angiofibroma facial), fibroma periungueal, mais de três manchas cutâneas acrômicas, placa de Shagreen, hamartoma retiniano, angiolipoma renal, linfangiomiomatose, astrocitoma subependimário de células gigantes, rabdomioma cardíaco, túber cortical, nódulo subependimário.São considerados critérios diagnósticos menores: mancha hipocrômica no esmalte dentário, hamartomas retais (pólipos), cistos renais múltiplos, mancha acrômica em retina, hamartoma não renal, cisto ósseo, linhas de migração radial na substância branca cerebral (mínimo de três linhas) e fibroma gengival.
Considera-se:
diagnóstico definitivo na presença de pelo menos dois critérios maiores ou um critério maior e dois menores;diagnóstico provável na presença de um critério maior e um menor; ediagnóstico suspeito na presença de um critério maior ou dois ou mais critérios menores5,6.
Na paciente deste relato comprovou-se diagnóstico definitivo por apresentar quatro critérios maiores a seguir enumerados:
1. Apresenta angiofibromas faciais - manchas avermelhadas no nariz e em região malar com distribuição em asa de borboleta com aspecto semelhante à acne - adenomas sebáceos;
2. Máculas hipomelanocíticas em região de mento à esquerda, abdome região periumbilical à direita;
3. Placa de Shagreen - placa cutânea em casca de laranja pequena em região torácica anterior inframamária à esquerda;
4. Harmatoma retiniano.
O diagnóstico desta criança, a princípio, era de crises convulsivas sem causa definida. Sabe-se que qualquer tipo de crise epiléptica pode acometer pacientes com ET, sendo as tônico-clônicas generalizadas e os espasmos as manifestações mais frequentes, correspondendo à metade dos casos7.
Após entrada no pronto-socorro com queixa de amaurose em olho esquerdo, sendo evidenciado harmatoma de retina esquerda, comprovado com tomografia.
No seguimento da neurologia pediátrica, além das crises convulsivas e atraso cognitivo, o achado dos harmatomas retinianos causando amaurose e o exame físico dermatológico fizeram suspeitar fortemente que se tratava de ET.
O adenoma sebáceo (angiobribroma facial - forma de nódulos de cor vermelha ou cereja geralmente na região facial) é considerado um critério maior no diagnóstico da síndrome, no entanto, raramente é manifestação inicial. Costuma surgir após a primeira infância até o sexto ano de vida. Durante a puberdade, podem aumentar e se distribuem por toda a face, particularmente nas bochechas, nariz e fronte. Após a adolescência, constituem a manifestação cutânea mais comum7.
Manchas hipomelanocíticas costumam ser as manifestações clínicas iniciais na maioria dos pacientes com ET, podendo estar presentes desde o nascimento. Apresentam distribuição em tronco e membros, aumentam em número e tamanho no decorrer da vida8.
O hamartoma retiniano é considerado critério maior para o diagnóstico de ET. Segundo López Rodríguez9, 10% dos indivíduos com ET apresentam alterações oftalmológicas.
Dessa forma, a suspeição clínica baseada na tríade clássica da ET associada a exames complementares de imagem do encéfalo e conhecimento a respeito dos outros critérios para inclusão no diagnóstico de ET permitem um diagnóstico e abordagem terapêutica precoces, garantindo melhor qualidade de vida ao paciente e à família, e dando a possibilidade de aconselhamento genético aos pais.
Como não há cura para essa síndrome, apenas tratamento para seus sintomas, deve-se visar melhorar a qualidade de vida do portador. O tratamento visa melhorar o quadro clínico e normalmente é feita a prescrição de anticonvulsivantes para controle das crises convulsivas presentes na maioria dos casos. Terapias como a Fisioterapia e a Terapia Ocupacional têm sido um ganho enorme junto aos pacientes portadores da doença.
O profissional de saúde deve estar preparado para uma abordagem de cuidado em saúde visando à autonomia do paciente e ao conforto do ambiente familiar, tendo em vista que o tratamento não é curativo.
REFERÊNCIAS
1. Franz DN, Glauser TA. Tuberous sclerosis [Internet]. New York: Amy Kao [atualizado em 2014 Oct 06; citado em 2015 July 15]. Disponível em: http://www.emedicine.com/neuro/topic386.htm
2. Nambi R. Dermatologic Manifestations of Tuberous Sclerosis [Internet]. New York: Dirk M Elston [atualizado em 2014 Aug 01; citado em 2015 July 15]. Disponível em: http://www.emedicine.com/derm/topic438.htm
3. Schwartz RA, Johnson C. Genetics of Tuberous Sclerosis [Internet]. New York: Luis O Rohena [atualizado em 2015 Mar 27; citado em 2015 July 15]. Disponível em: http://www.emedicine.com/ped/topic2796.htm
4. Jóźwiak S, Schwartz RA, Janniger CK, Michałowicz R, Chmielik J. Skin lesions in children with tuberous sclerosis complex: their prevalence, natural course, and diagnostic significance. Int J Dermatol. 1998;37(12):911-7. PMID: 9888331
5. Hyman MH, Whittemore VH. National Institutes of Health consensus conference: tuberous sclerosis complex. Arch Neurol. 2000;57(5):662-5. PMID: 10815131
6. Roach ES, Smith M, Huttenlocher P, Bhat M, Alcorn D, Hawley L. Diagnostic criteria: tuberous sclerosis complex. Report of the Diagnostic Criteria Committee of the National Tuberous Sclerosis Association. J Child Neurol. 1992;7(2):221-4.
7. Chou PC, Chang YJ. Prognostic factors for mental retardation in patients with tuberous sclerosis complex. Acta Neurol Taiwan. 2004;13(1):10-3.
8. Ferreira VEJA, Diament A. Síndromes neurocutâneas ou facomatosas. In: Diament A, Cypel S, eds. Neurologia infantil. 4 a ed. São Paulo: Atheneu; 2005. p.641-54.
9. López Rodriguez E, Fernández Alvarez H, Ordaz Favila JC. Manifestaciones oftalmológicas de las facomatosis en niños. Rev Mex Oftalmol. 1998;72(6):302-6.
1. Médica - Residente de segundo ano de Pediatria da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
2. Doutora em Pediatria - Professora adjunta da Disciplina de Pediatria da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Endereço para correspondência:
Ana Carla Souza Maciel
Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Av. Olímpio Jacinto da Silva, nº 1400, Casa 62, Jardim Eldorado
Uberaba, Minas Gerais, Brasil. CEP: 38.071-660