ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2024 - Volume 14 - Número 1

Cutis marmorata telangiectásica congênita: um relato de caso

Cutis marmorata telangiectasic congenita: a case report

RESUMO

Este relato de caso refere-se ao diagnóstico de cútis marmorata congênita em um recém-nascido do sexo masculino, após observação de lesões cutâneas violáceas logo após o seu nascimento. Trata-se de patologia com poucos casos descritos na literatura, que pode cursar com anormalidades associadas, sendo a principal a assimetria de membros. O quadro demanda manejo multidisciplinar e seguimento do paciente com o objetivo de rastreamento das possíveis malformações associadas.

Palavras-chave: anormalidades congênitas, doenças vasculares, Telangiectasia.

ABSTRACT

This case report refers to the diagnosis of cutis marmorata congenita in a male newborn, after observing violaceous skin lesions shortly after birth. It is a pathology with few cases described in the literature, which may have associated abnormalities, the main one being limb asymmetry. The condition requires multidisciplinary management and patient follow-up with the aim of tracking possible associated malformations.

Keywords: congenital abnormalities, vascular diseases, Telangiectasis.


INTRODUÇÃO

A cútis marmorata teleangectásica congênita (CMTC) é uma malformação vascular benigna rara que acomete predominantemente capilares e vênulas, descrita inicialmente por Van Lohuizen em 1922.1 O principal diagnóstico diferencial é em relação à cútis marmorata fisiológica, patologia comum que pode contribuir para o subnotificação de casos de CMTC.2 Com pouco mais de 300 casos descritos na literatura, trata-se de uma patologia de causa desconhecida, presente ao ou logo após o nascimento, associada a diferentes anomalias em cerca de 42% dos casos, sendo a mais frequente a assimetria de membros.3,4 O presente relato apresenta o caso de um paciente do sexo masculino com idade de 18 meses, com lesões vasculares presentes ao nascimento e diagnóstico clínico de CMTC, em seguimento multidisciplinar na cidade de Lavras, Minas Gerais.


DESCRIÇÃO DO CASO

PLSG, sexo masculino, nascido a termo (38 semanas) de parto cesáreo, com Apgar 10/10, peso: 2.645g, altura: 47cm e perímetro cefálico: 31cm. Mãe, 21 anos, 3 gestações, 1 parto vaginal e 1 cesárea, fez pré-natal de inserção tardia, com apenas uma ultrassonografia realizada, sem exame de urina, relato de vaginose e piodermite na gestação. Exames de admissão: O positivo, glicemia de jejum: 84mg/dL, glicemia pós-dextrosol: 95mg/dL, sorologia não reagente. Negou alcoolismo e tabagismo, mas relatou dependência paterna de drogas.

Durante o exame primário do recém-nascido (RN), foram observadas máculas violáceas no hemicorpo direito, no trajeto dos vasos sanguíneos, poupando a face, associadas a hipotrofia tegumentar em algumas regiões. O caso foi discutido remotamente com a equipe médica, sendo levantada a hipótese de cútis marmorata teleangectásica congênita (CMTC). O RN evoluiu bem, recebendo alta após 48 horas de observação clínica. Encaminhado para acompanhamento de alto risco no Centro Estadual de Atenção Especializada, para acompanhamento, controle de lesões, avaliação oftalmológica, observação do desenvolvimento neurológico e necessidade de controle ortopédico.

Durante o seguimento, apresentou alterações relacionadas ao diagnóstico de CMTC, como assimetria de membros (coxa direita com circunferência 0,5 cm menor que a do lado contralateral), fraqueza no lado direito e postura viciosa com olhar desviado para a esquerda. Apresentou melhora desses sintomas após fisioterapia. As lesões telangiectásicas eram semelhantes ao nascimento no início do seguimento e, após 18 meses, evoluíram para aspecto mais claro que o inicial, associado a melhora dos sinais de hipotrofia cutânea. Não houve seguimento oftalmológico ou neurológico. Desenvolvimento neuropsicomotor adequado para a idade. Foi realizado novo ecocardiograma, que não apresentou alterações. Atualmente, segue uma rotina mensal de observação.

A Tabela 1 resume os principais exames realizados durante o seguimento do paciente. A Figura 1 exibe as lesões cutâneas apresentadas pelo RN ao nascimento e aos 18 meses de vida.







Figura 1: Comparação entre as lesões apresentadas ao nascimento (A) e após 18 meses de vida (B).
Fonte: Autores, 2022.



DISCUSSÃO

A CMTC é uma anomalia vascular congênita, classificada como uma malformação vascular simples, mais especificamente uma malformação capilar.5-9 Uma vez que afeta capilares e vênulas, trata-se de uma lesão vascular de fluxo lento, cuja principal manifestação cutânea é eritema reticulado marmorizado muito semelhante à cútis marmorata. Contudo, a CMTC é persistente e não desaparece com aquecimento, apesar de ficar descolorida à pressão digital.5,10

Além disso, crianças com CMTC podem apresentar atrofia cutânea nas áreas afetadas, hiperqueratose, ulceração e assimetria corporal. A condição é benigna, embora existam algumas anomalias frequentemente associadas, como glaucoma congênito, acometimento do sistema nervoso central, presença de outras marcas de nascença vasculares e assimetria de membros. Ocorrências de sindactilia, tendinite estenosante, displasia coxofemoral, pé torto e fenda palatina também foram descritas.5,6,9-11 Em nosso paciente foi observada presença de veias proeminentes, telangiectasias, atrofia cutânea e assimetria de membros.

Apesar de trazer o termo "congênito" no nome, a CMTC pode se manifestar até 2 anos após o nascimento. As manifestações cutâneas podem ser generalizadas ou localizadas, situação em que tendem a permanecer unilaterais, sem ultrapassar a linha média.5,10 Nessa forma, as áreas mais acometidas são os membros inferiores e o tronco. A forma generalizada geralmente poupa as mucosas, palmas das mãos e plantas dos pés.12

É controversa na literatura a maior prevalência da CMTC no sexo feminino, dado o pequeno número de casos relatados.6,9 A etiologia ainda é desconhecida e a maioria dos casos ocorre esporadicamente, embora algumas ocorrências raras tenham sido descritas em pessoas de uma mesma família.13 Uma teoria genética proposta em 2002 sugeriu que a CMTC poderia ser uma mutação autossômica letal, com pacientes sobrevivendo em função de mosaicismo ou penetrância incompleta. Existe também a possibilidade de sua ocorrência estar associada a teratógenos.5,13 Foi identificada uma mutação no gene GNA11 em biópsias de pele de áreas de pele afetadas por CMTC. Um estudo publicado em 2015 identificou o gene ARL61P6 como um possível candidato para uma forma sindrômica de CMTC associada a atraso no desenvolvimento, ataques isquêmicos transitórios e malformações cerebrovasculares.8,11

O diagnóstico é clínico e, em 2009, foram propostos critérios diagnósticos por Kienast e Hoeger, que não foram validados. Segundo os autores, seria necessária a presença de todos os três critérios maiores e de dois dos cinco critérios menores. Os critérios são descritos a seguir: eritema reticulado congênito (pele marmoreada), ausência de venectasia na região afetada a partir de 1 ano de idade e ausência de resposta a aquecimento local. Os critérios menores são desaparecimento do eritema dentro de 2 anos, telangiectasia na área afetada pela CMTC, mancha vinho do Porto fora das áreas afetadas pela CMTC, ulceração e atrofia cutânea.5,6 Vale ressaltar que muitos casos foram relatados na literatura sem comprovação do critério maior "ausência de venectasia", como é o caso do nosso paciente, que apresentou os outros dois critérios maiores associados à presença de telangiectasia e atrofia cutânea. A histopatologia não tem papel no diagnóstico da CMTC, pois seus achados são inespecíficos.5

O prognóstico é bom e está intimamente associado à presença de alterações extracutâneas, uma vez que as lesões dermatológicas regridem com a idade.7,10 As estratégias propostas para o tratamento da CMTC incluem evitar frio, vasodilatadores, aspirina, pentoxifilina e terapia fotodinâmica.6 Os pacientes necessitam de seguimento anual por pelo menos 3 anos, com atenção especial às medidas de circunferência e comprimento dos membros, uma vez que a assimetria geralmente persiste.10 Além disso, os pacientes podem necessitar de seguimento multidisciplinar com outras especialidades, como ortopedia, neurocirurgia, oftalmologia e cirurgia.5,6


CONCLUSÃO

A CMTC é uma patologia essencialmente benigna que pode causar morbidade significativa, estando associada a outras malformações que podem prejudicar a qualidade de vida dos pacientes acometidos. O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado principalmente no exame físico minucioso. O acometimento variado da doença exige uma abordagem longitudinal e multidisciplinar, com seguimento periódico dos pacientes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1. Universidade Federal de Viçosa, Departamento de medicina e enfermagem - Viçosa - Minas Gerais - Brasil
2. Universidade Federal de Lavras, Faculdade de Ciências da Saúde - Lavras - Minas Gerais - Brasil
3. Centro Viva Vida, Pediatria - Lavras - Minas Gerais - Brasil
4. Hospital Universitário Alzira Velano, Pediatria - Alfenas - Minas Gerais - Brasil

Endereço para correspondência:
Amanda de Oliveira Pereira
Universidade Federal de Lavras
Trevo Rotatório Professor Edmir Sá Santos
Lavras - MG, 37203-202
E-mail: amanda.pereira1@estudante.ufla.br

Data de Submissão: 13/07/2022
Data de Aprovação: 03/11/2022