ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2015 - Volume 5 - Número 2

Histiocitose de células de Langerhans em lactente - Relato de caso e revisão da literatura

Langerhans histiocytosis cells in infant: Case report and literature review
Histiocitosis de células de langerhans en niño que mama - relato de caso y revisión de la literatura

RESUMO

A histiocitose de células de Langerhans é caracterizada por um distúrbio do sistema reticuloendotelial com proliferação de um tipo específico de células apresentadoras de antígenos, imaturas, as células dendríticas, associadas ou não à reação inflamatória de eosinófilos, neutrófilos e células mononucleares, que envolvem tegumento, ossos e vísceras. O presente trabalho relata um caso de um lactente, 1 ano e 10 meses, que apresentava tumoração em região de ângulo de mandíbula, bilateralmente, com alteração de partes moles da cavidade oral e dentes evoluindo com limitação da função mastigatória. No estudo tomográfico, sugere-se a hipótese de histiocitose de células de Langerhans. O mesmo é confirmado por biópsia e imunohistoquímica. Este estudo mostra achados clínicos, radiológicos e citológicos do caso e apresenta uma revisão da literatura com o objetivo de divulgar as características clínicas da doença, suscitar a mesma como uma provável hipótese diagnóstica para que seja descoberta e tratada precocemente.

Palavras-chave: células de Langerhans, histiocitose, histiocitose de células de Langerhans.

ABSTRACT

Langerhans cell histiocytosis is characterized by a disorder of the reticuloendothelial system with proliferation of a particular type of antigen presenting cells, immature dendritic cells, associated or not the inflammatory response of eosinophils, neutrophils and mononuclear cells, involving the integument, bones and guts. This paper reports a case of an infant, 1 year and 10 months, who had a tumor in the mandibular angle region bilaterally with abnormal soft tissues of the oral cavity and teeth evolved with limited mastigation. In the tomographic study suggests the hypothesis of Langerhans cell histiocytosis. The same is confirmed by biopsy and immunohistochemistry. This study shows clinical, radiologic and cytologic the case and presents a literature review with the objective of disseminating the clinical features of the disease, raising the same as a probable diagnosis to be discovered and treated early.

Keywords: histiocytosis, Langerhans-cell, Langerhans cells.

RESUMEN

La histiocitosis de células de Langerhans se caracteriza por un disturbio del sistema retículo endotelial con proliferación de un tipo específico de células presentadoras de antígenos, inmaduras, las células dendríticas, asociadas o no a la reacción inflamatoria de eosinófilos, neutrófilos y células mononucleares, que involucran tegumento, huesos y vísceras. El presente trabajo relata un caso de un niño que mama, 1 año y 10 meses, que presentaba tumoración en región de ángulo de mandíbula, bilateralmente, con alteración de partes blandas de la cavidad oral y dientes evolucionando con limitación de la función masticatoria. En el estudio tomográfico se sugiere la hipótesis de histiocitosis de células de Langerhans. El mismo se confirma por biopsia e inmunohistoquímica. Este estudio muestra hallazgos clínicos, radiológicos y citológicos del caso y presenta una revisión de la literatura con el objetivo de divulgar las características clínicas de la enfermedad, suscitar la misma como una probable hipótesis diagnóstica para que sea descubierta y tratada precozmente.

Palabras-clave: células de Langerhans, histiocitosis, histiocitosis de células de Langerhans.


INTRODUÇÃO

A histiocitose de células de Langerhans (HCL) foi descrita em 1953, por Lichteinstein, e é caracterizada por um distúrbio do sistema reticuloendotelial, com proliferação de um tipo específico de células apresentadoras de antígenos imaturas, as células dendríticas, associadas ou não a reação inflamatória, que envolvem tegumento, ossos e vísceras1.

A HCL é uma doença rara e não tem sido considerada doença neoplásica, podendo afetar sistema nervoso central, pulmão, fígado, pele e trato genital1,2. A etiologia da doença ainda é desconhecida, sem predileção por sexo, acometendo principalmente crianças2. Ainda não foi encontrada herança genética na gênese da doença2.

Apresentamos um caso de histiocitose de células de Langerhans, acometendo região facial de um lactente, associado à revisão da literatura.


RELATO DO CASO

M.A.B.S., 1 ano e 10 meses, masculino, branco, desenvolvimento pondero-estatural e neuropsicomotor dentro da normalidade pra idade, havia 2 meses com tumoração em região de ângulo de mandíbula, bilateralmente. Apresentou sangramento gengival desde o início da erupção dentária, aos 6 meses de vida, associado a hálito de odor fétido e dentes malformados e tortuosos, o que impedia a mastigação (alimentação restrita a alimentos líquidos e pastosos) (Figura 1). Era tratado em facultativo como possível processo infeccioso, até a idade de 1 ano e 6 meses, sem sucesso. Apresentava também persistência de lesões de pele, principalmente em tronco e couro cabeludo, tipo placas amareladas de aspecto descamativas e hiperemia local. Não apresentava qualquer queixa geniturinária ou gastrointestinal, história de febre e perda de peso importante.


Figura 1. Exposição da arcada dentária do paciente ao diagnóstico.



Ao exame, apresentava palato hipertrófico, edemaciado e com placas esbranquiçadas, gengivas hipertróficas, hiperemiadas, edemaciadas, friáveis, com dentes tortuosos, malformados e aspecto flutuante. Ausência de linfoadenomegalias. Abaulamento bilateral em região de mandíbulas.

Devido ao quadro arrastado, descartado quadro infeccioso e, na dúvida diagnóstica, foi submetido à biópsia de dente e partes moles da cavidade oral com diagnóstico histopatológico de histiocitose de células de Langerhans, confirmado por estudo imunohistoquímico positivo para CD1A e proteína S100.

A pesquisa de doença sistêmica, após o diagnóstico histopatológico, com radiografia e tomografia de tórax, abdome e pelve, e mielograma, não mostrou alterações. A cintilografia de corpo inteiro mostrou reação osteogênica. Biópsia de medula mostrou infiltração por histiocitose.

O paciente realizou tratamento com corticoterapia e quimioterapia com vimblastina, respondendo satisfatoriamente à terapêutica aplicada. No momento, realiza manutenção do tratamento com prednisona, metotrexato uma vez por semana e quimioterapia de 3 em 3 semanas.


DISCUSSÃO

A histiocitose de células de Langerhans, distúrbio do sistema reticulo endotelial, é caracterizada por uma proliferação de células dendríticas, envolvendo tegumento, ossos e vísceras1. Não tem sido considerada doença neoplásica, mas proliferação celular ou disfunção imune, visto que existe uma multiplicação desordenada de células, porém, estas apresentam uma diferenciação2.

A etiologia da doença ainda é desconhecida3. A incidência subestimada é superior a 1/100000 por ano em crianças menores de um ano de idade ou 0,2/100000 nos indivíduos com menos de 15 anos, sendo duas vezes mais prevalente no sexo masculino3. A idade de início das manifestações clínicas é variável, podendo inclusive surgir em adultos, mas o pico máximo ocorre entre 1 e 3 anos de idade2. Porém, no sexo feminino parece ser mais agressiva, assim levando à taxa de mortalidade similar entre os sexos, que varia de 46% nas formas com disfunção orgânica única até 92% nas formas com acometimento de dois ou mais orgãos1,4. O presente caso mostra exatamente uma criança do sexo masculino que iniciou com a doença no primeiro ano de vida. Ainda não foi encontrada herança genética na gênese da doença2.

O quadro clínico da doença é extremamente variável, podendo afetar todos os órgãos1. Apresenta-se na forma de três síndromes clínicas conhecidas: doença de Letterer-Siwe, granuloma eosinofílico e doença de Hand-Schuller-Christian1. Embora compartilhem o mesmo aspecto histopatológico, são clinicamente divergentes. Além disso, há apresentações clínicas que não se agrupam em nenhuma das três formas ou correspondem a superposições de duas ou mais1. Por esse motivo, recomenda-se que essas três entidades sejam classificadas como histiocitose de células de Langerhans ou histiocitose classe I, com a descrição da extensão do comprometimento da doença1,2.

O caso relatado apresenta sinais clínicos da primeira doença (Letterer-Siwe), a qual tem distribuição multifocal e multissistêmica, ocorre mais frequentemente em menores de 2 anos, mas pode afetar adultos1, porém, sem as manifestações pulmonares e ósseas características. Clinicamente, o aspecto dominante são lesões cutâneas parecendo erupção seborreica, principalmente em tronco e couro cabeludo1. Também há hepatoesplenomegalia, linfadenomegalia, lesões pulmonares e ósseas destrutivas1. Infiltração da medula óssea causa pancitopenia. Sem tratamento, é rapidamente fatal. Com quimioterapia intensiva, consegue-se sobrevida de 50% em 5 anos, porém, sem as manifestações ósseas e pulmonares características1. Chama a atenção a forma de apresentação clínica inicial em região de mandíbula e pele. A importância de relatar o caso está em suscitar nos médicos a suspeita diagnóstica para, então, iniciar o mais rapidamente possível a investigação e tratamento.

As lesões cutâneas da histiocitose de células de Langerhans são mais frequentes na forma disseminada2. Caracterizam-se por erupções papulosas ou papulovesiculosas, petequiais, hemorrágicas ou dermatite seborreica-símile, acometendo couro cabeludo e tronco predominantemente. Nódulos ulcerados, sobretudo em áreas intertriginosas e periorificiais, também podem ocorrer1,2.

A patogênese, pouco compreendida, tem sido causa de muita discussão, sendo a infecção viral, a disfunção imune e a malignidade postuladas como mecanismos possíveis para o desenvolvimento das histiocitoses de células de Langerhans1.

Mais de 50% dos pacientes se apresentam inicialmente com manifestações cutâneas da doença, fato justificado pela localização fisiológica das células de Langerhans na pele5. A síndrome de Letterer-Siwe é a forma mais comum e mais grave dessa enfermidade5.

A gravidade e prognóstico são variáveis, dependendo da idade de início, da presença de lesões uni ou multifocais e da resposta ao tratamento5. Pode ocorrer remissão completa da doença com ou sem o tratamento, deterioração progressiva e até o óbito em lactentes com comprometimento visceral ou que não obtêm resposta ao tratamento1,4. Geralmente, não costuma ser fatal, mas crônica e algumas vezes progressiva. Apresenta sobrevida média em cinco anos de 88% para doença unifocal. A falta de resposta terapêutica após 6 semanas de tratamento é sinal de pior prognóstico5. No caso relatado, a criança teve resposta dentro de poucas semanas de tratamento, porém, o diagnóstico foi retardado, visto que o mesmo foi várias vezes examinado por diferentes médicos que não suspeitaram do diagnóstico.

Os critérios diagnósticos da HCL são divididos em diagnóstico presuntivo, com base nas manifestações clínicas, exames laboratoriais e de imagem, e diagnóstico definitivo confirmado por biópsia e imunohistoquímica. Estas últimas mostram infiltrado inflamatório misto, com proliferação de histiócitos do tipo Langerhans, com presença de citoplasma ampla e com grânulos de Birbeck, e corados por CD1A e S1001. A biópsia e imunohistoquímica confirmaram a doença da criança, e a cintilografia óssea de corpo inteiro descartou doença sistêmica.

O tratamento sistêmico é realizado com prednisolona e vimblastina para pacientes de baixo risco e associa-se etoposide para pacientes de alto risco. Pode-se associar também methotrexate e mercaptopurina6. Neste relato, foi realizada pulsoterapia com vimblastina e prednisolona, como indicado convencionalmente, com rápida resposta, sem evidenciar complicações. Paciente encontra-se em acompanhamento fazendo uso de prednisolona, methotrexate de 3 em 3 semanas e quimioterapia mensal. Porém, a recidiva é possível, tanto a curto como a médio e longo prazo.


CONCLUSÃO

Conhecida anteriormente como histiocitose X, a histiocitose de células de Langerhans (HCL) é hoje classificada como histiocitose de classe I, que é um grupo de doenças clínicas caracterizadas por serem histiocitoses reativas nas quais o histiócito predominante é a célula de Langerhans6. É uma condição reativa na qual uma população de células com o fenótipo de células de Langerhans se acumula em diversos tecidos e causa dano1,3,5. Sua etiologia é desconhecida, porém, várias possibilidades têm sido consideradas, incluindo etiologia viral e imunológica1. Apesar de tratar-se de um processo clonal, a maioria dos autores a consideram como uma doença reativa e não neoplásica1,3.

No caso relatado, o lactente diagnosticado com histiocitose foi tratado com corticoterapia e vimblastina, obtendo resposta satisfatória em duas semanas de tratamento. Encontra-se em acompanhamento fazendo uso de prednisolona, methotrexate e quimioterapia. O caso chama a atenção pelo fato de existir uma alteração focal, em nível de ângulo de mandíbula, cavidade oral e dentes. Criança sem déficit pondero estatural e bom estado geral. No início, suspeitava-se de processo infeccioso, chegando ao diagnóstico apenas com procedimento invasivo. Foi diagnosticado por biópsia e imunohistoquímica. A cintilografia óssea de corpo inteiro e o mielograma mostraram doença localizada. Foi tratado com resposta satisfatória nas primeiras de duas semanas de tratamento.

Como a histiocitose de células de Langerhans é uma doença imprevisível, o paciente deverá ser submetido a reavaliações periódicas para acompanhamento inclusive de uma possível recidiva.


REFERÊNCIAS

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1. Médico - Médico residente em pediatria no Hospital de Clínica- UFTM
2. Médica - Médica pediatra no Hospital de Clínica- UFTM
3. Médico nefrologista pediátrico - médico pediatra no Hospital de Clínica- UFTM

Endereço para correspondência:
Murillo Afonso de Brito Tripode
Universidade Federal do Triangulo Mineiro Hospital de Clinicas - UFTM, Departamento de Pediatria
Getúlio Guaritá, nº 130, Bairro Abadia
Uberaba, MG, Brasil. CEP: 38025-440