ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2024 - Volume 14 - Número 1

Análise do perfil de mães e crianças expostas intraútero ao HIV nascidas em uma maternidade de hospital público terciário do sul do Brasil

Analysis of the profile of mothers and children with intrauterine exposure to HIV born in a maternity of tertiary public hospital in southern Brazil

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar o perfil das crianças expostas intraútero ao HIV, nascidas em hospital terciário do Sul do Brasil, descrever a prevalência de crianças classificadas como alto risco e a taxa de transmissão vertical nessa população.
METODOLOGIA: estudo analítico-observacional transversal. Incluídas todas as crianças expostas ao HIV, nascidas em 2019 e 2020, no Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Dados foram coletados nos sistemas operacionais do hospital, prontuários físicos e SISCEL. Estudo aprovado pelo comitê de ética do hospital.
RESULTADOS: 142 pacientes foram incluídos no estudo. Dentre as progenitoras, 26,06% possuíam carga viral detectável no último trimestre de gestação, das quais 54,05% se encontravam acima de 1.000 cópias; 37,32% realizaram o diagnóstico durante a gestação; 40% das mulheres que receberam diagnóstico na gestação possuíam carga viral detectável no 3º trimestre (p=0,01). Das que possuíam carga viral detectável no 3º trimestre, 88,89% usaram de forma irregular ou não utilizaram TARV (p<0,01); 44,37% dos recém-nascidos foram enquadrados como de alto risco pelo protocolo vigente no período, enquanto seriam 63,38% pelo protocolo atual. A taxa de transmissão vertical foi de 1,41%. Houve 42,26% de perda de seguimento.
CONCLUSÃO: a prevalência de transmissão vertical foi baixa, comparável à de países desenvolvidos. Pré-natal de qualidade, diagnóstico precoce e adesão à TARV são fatores modificadores dos índices de transmissão vertical do HIV pela redução da carga viral materna no 3º trimestre.

Palavras-chave: Transmissão vertical de doenças infecciosas, HIV, Prevenção de doenças.

ABSTRACT

OBJECTIVES: evaluate the profile of children exposed intrauterine to HIV born in a tertiary hospital in southern Brazil, describe the prevalence of children classified as high risk and the rate of vertical transmission in this population.
METODOLOGY: cross-sectional analytical-observational study. All HIV-exposed children born in 2019 and 2020 at the Clinical Hospital of the Federal University of Paraná were included. Data were collected from the hospitals operating systems, physical records and SISCEL. Study approved by the hospital ethics committee.
RESULTS: 142 patients were included. Among the mothers, 26.06% had a detectable viral load in the last trimester, of which 54.05% were above 1000 copies; 37.32% were diagnosed during pregnancy; 40% of women who were diagnosed during pregnancy had a detectable viral load in the 3rd trimester (p=0.01). Of those who had a detectable viral load in the third trimester, 88.89% used ART irregularly or did not use (p < 0.01); 44.37% of newborns were classified as high risk by the current protocol in the period, while with the current new protocol would be 63.38%. The vertical transmission rate was 1.41%. There was 42.26% of loss of follow-up.
CONCLUSION: the prevalence of vertical transmission was low, comparable to developed countries. Quality prenatal care, early diagnosis and adherence to ART are factors that modify the rates of vertical transmission of HIV due to the reduction of maternal viral load in the third trimester.

Keywords: Infectious disease transmission vertical, HIV infections, Primary prevention.


INTRODUÇÃO

Cerca de 37,6 milhões de pessoas no mundo viviam com o vírus da imunodeficiência humana (HIV) em 2020, das quais, 1,7 milhão era composto por crianças de 0 a 14 anos e 690 mil pessoas morreram de doenças relacionadas à síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Mais de 90% das crianças infectadas no mundo adquiriram o vírus de forma vertical1-4.

Historicamente, os primeiros casos de transmissão vertical no Brasil foram relatados em 1985. Em 2020, foram identificadas 7.814 gestantes infectadas com HIV, das quais 25,8% residiam na região Sul, região com maior taxa de detecção. De 2010 a 2020, houve um aumento de 30,3% na taxa de detecção de HIV nessa população específica. Aumento esse que pode ser explicado tanto pela ampliação do diagnóstico no pré-natal quanto pela melhoria da vigilância na prevenção da transmissão vertical do HIV ou devido ao aumento do número de casos nessa população. Na região Sul, a taxa de expostos foi de 5,2 casos por mil nascidos vivos, duas vezes superior à nacional3,5.

Apesar de os números serem alarmantes pela própria morbimortalidade da infecção, obteve-se evolução em relação à prevenção e ao tratamento, visto que a taxa de detecção de AIDS em menores de cinco anos, a qual tem sido utilizada como indicador para o monitoramento da transmissão vertical do HIV, apresentou queda significativa no Brasil nos últimos dez anos, passando de 4,0 para 1,2 casos por 100 mil habitantes em 2020, o que corresponde a uma redução de 69,7%3,5.

No Brasil, a nota informativa nº 2/2021 – DCCI/SVS/ MS6 (Quadro 1) dispõe sobre a nova classificação de risco de exposição ao HIV e mudança do protocolo de profilaxia pós natal. Com exceção dos recém-nascidos (RN) de mães com uso regular da terapia antirretroviral (TARV), iniciada antes da primeira metade da gestação e com carga viral (CV) indetectável ao fim da gestação, todos os demais são considerados de alto risco. A presença de infecção sexualmente transmissível (IST) associada também deixou de ser considerada um critério para classificação de risco do RN. O esquema profilático do grupo de alto risco mudou devido à alta prevalência de resistência aos inibidores de transcriptase reversa não análogos de nucleosídeo (ITRNN) em genotipagens de crianças com idade inferior a 18 meses. O novo protocolo é composto por três antirretrovirais: zidovudina (AZT), lamivudina (3TC) e raltegravir (RAL), os quais devem ser administrados por 28 dias. O RAL não é recomendado em crianças com idade gestacional abaixo de 37 semanas. Nesse caso, o esquema será modificado para AZT e 3TC por 28 dias, além de nevirapina (NVP) por 14 dias. Crianças com idade gestacional abaixo de 34 semanas, por sua vez, deverão realizar a profilaxia apenas com AZT durante 28 dias, independentemente da classificação de risco. Crianças do grupo de baixo risco permanecem com a profilaxia contendo apenas AZT por 28 dias6-8.




Em relação ao diagnóstico, atualmente recomendamse mais duas cargas virais: ao nascimento e com 14 dias de vida, além das coletas com 2 e 8 semanas após a suspensão da profilaxia (Quadro 2)6-8.




Um estudo com abordagem acerca da transmissão vertical do HIV continua sendo de extrema relevância na atualidade. Dessa forma, desenhou-se este estudo com o objetivo de avaliar o perfil das progenitoras e crianças expostas intraútero ao HIV, nascidas em hospital terciário no Sul do Brasil; de descrever a prevalência de crianças que seriam classificadas como de alto risco com a mudança do novo protocolo de profilaxia de crianças expostas ao HIV5 e a taxa de transmissão vertical nessa população.


METODOLOGIA

Trata-se de um estudo analítico-observacional com corte transversal realizado com dados secundários, de forma retrospectiva, obtidos nos sistemas operacionais do hospital, prontuários físicos e informações do Sistema de Controle de Exames Laboratoriais da Rede Nacional de Contagem de Linfócitos CD4+/CD8+ e Carga Viral do HIV (SISCEL).

Foram incluídas todas as crianças expostas ao HIV nascidas no hospital em 2019 e 2020 e suas mães.

A análise estatística foi realizada com software STATA (versão 12.0), por meio de cálculos de frequências e comparação de proporções. Admitiu-se como significância estatística o intervalo de confiança de 95% e p-valor≤0,05, calculado por teste Exato de Fisher. Para análise de concordância, foi utilizado o índice kappa de Landis e Koch (ano)x.

Considerou-se como criança infectada aquela com presença de duas cargas virais (CVs) acima de 5000 cópias/ ml. O diagnóstico de exclusão foi baseado na presença de sorologia anti-HIV não reagente realizada após 12 meses de idade; enquanto o diagnóstico de exclusão presumível foi considerado com duas CVs não detectáveis com, pelo menos, 2 e 8 semanas após o término da profilaxia. Consideramos como perda de seguimento aqueles pacientes que possuíam indicação de realizar o exame, mas não o realizaram em, pelo menos, 4 meses após a solicitação.

O presente estudo foi submetido e aprovado peloComitê de Ética do referido hospital – número do protocolo CAAE 53303121.8.0000.0096; número do Parecer 5.157.783.


RESULTADOS

No período do estudo, foram incluídos 142 pacientes, 53,52% eram do sexo feminino. A média de idade gestacional (IG) encontrada foi de 38,56 (± 2,3 semanas). Em relação à classificação da idade gestacional: 2,11% enquadraram-se em muito prematuros (28-31+6 semanas), 2,82% em prematuros moderados (32-33+6 semanas), 11,97% em prematuros tardios (34-36+6 semanas), 82,39% em RN a termo (37-41+6 semanas) e 0,7% em pós-termo (≥42 semanas).

Em 47,89%, havia registro sobre as progenitoras possuírem alguma comorbidade, sendo que dessas, 41,18% possuíam duas ou mais. Das comorbidades: 17,65% eram relacionadas à questão social (drogadição ou moradia nas ruas); 8,82% possuíam diagnóstico psiquiátrico; 35,29% eram portadoras de alguma infecção sexualmente transmissível (IST) — sífilis com 66,67%, hepatites com 8,33% e herpes com 8,33%; 48,53% com doenças obstétricas (incluindo diabetes mellitus gestacional – DMG – e doença hipertensiva específica da gravidez – DHEG). Parto cesárea ocorreu em 60,56%, sendo o HIV como a indicação de 28,16%.

Dentre as mães, 26,06% possuíam CV detectável no último trimestre de gestação, das quais 54,05% encontravamse acima de 1.000 cópias; 2,11% possuíam CV desconhecida no último trimestre gestacional e 37,32% realizaram o diagnóstico durante a gestação. Comparando-se os dados entre realizar o diagnóstico na gestação e indetectar CV no último trimestre, 19,10% das gestantes que já possuíam o diagnóstico prévio à gestação não conseguiram indetectar a CV, enquanto 40,00% das mulheres que realizaram o diagnóstico de HIV na gestação possuíam CV detectável no 3º trimestre (p=0,01) (Tabela 1).




Em 63,77% dos casos, as gestantes realizaram tratamento com antirretrovirais de forma regular, enquanto 34,06% realizaram de forma irregular e 2,17% não utilizaram. Das progenitoras com CV detectável no 3º trimestre de gestação, 88,89% usaram de forma irregular ou não utilizaram TARV em comparação a 17,65% que, apesar do uso irregular, conseguiram indetectar a CV (p<0,01). Excluindo-se as gestantes que fizeram uso regular da medicação e avaliandose apenas as que não usaram ou usaram de forma irregular em relação a ter negativado ou não a CV, não houve diferença entre os grupos (p=0,54) (Tabela 1).

O início precoce da TARV foi significativo para negativar a CV, 83,24% iniciaram na 1ª metade da gestação, sendo que dessas genitoras 14,43% não conseguiram negativar a CV a tempo do parto, enquanto 26,76% iniciaram a TARV na 2ª metade da gestação e 50% delas não conseguiu negativar a CV (p<0,01). De 36 gestantes que necessitariam realizar a profilaxia intraparto, apenas dois não realizaram de forma completa a zidovudina por falta de tempo, visto já terem chegado em trabalho de parto ativo (Tabela 1).

Um RN não recebeu profilaxia com AZT via oral devido ao padrão de resistência materno, fazendo então uso de lopinavir/ritonavir + lamivudina; 51,41% utilizaram nevirapina no esquema, além do AZT e 1,41% não utilizou nevirapina, apesar da indicação, por possuir peso de nascimento menor que 1500 gramas.

Classificando-se os RNs conforme a norma do Ministério da Saúde (MS) vigente no período dos nascimentos, 44,37% dos casos foram enquadrados como de alto risco para infecção pelo HIV, enquanto, caso considerássemos o novo protocolo, 63,38% seriam de alto risco, um aumento de 42,84% no percentual de casos com maior risco. Comparando as classificações, houve uma concordância substancial (kappa 0,71). Em relação ao uso da nevirapina como parte do esquema de profilaxia pós-parto, comparando-se o novo protocolo ao antigo, 7,04% manteriam o uso, 47,89% continuariam não usando e 0,07% passariam a usar (p=0,01). Caso os pacientes fossem classificados de acordo com o novo protocolo, 59,15% passariam a usar lamivudina como parte da profilaxia e 51,41% usariam o raltegravir (Tabela 1).

Em relação à 1ª CV, 1,41% positivou, 96,48% foram não detectadas e 2,11% não foram realizadas (mediana de idade da coleta foi de 45,5 dias – variando de 1 a 438 dias). Quanto à 2ª CV, os dois (1,41%) pacientes com 1ª CV detectável mantiveram a positivação, 85,21% permaneceram não detectadas, enquanto 13,38% não realizaram o exame. Os dois casos que positivaram para o HIV não realizaram a genotipagem pré-tratamento (um por indisponibilidade do exame no período e o outro por ausência de amplificação do material genético viral), ambos nasceram a termo por cesárea, tendo sido realizado de forma adequada o AZT intraparto e os antirretrovirais para os RN, as genitoras haviam sido diagnosticadas com HIV uma semana antes do parto, não tendo recebido profilaxia antirretroviral na gestação. Uma delas ainda apresentava histórico de sífilis adequadamente tratada durante a gestação.

Dos 142 pacientes do estudo, 55,63% tiverem sorologia final não reagente para o HIV, de 1,41% não foi solicitada por já apresentarem as CVs positivas, 0,70% por óbito precoce do paciente e os 42,26% restantes não realizaram por perda de seguimento. Dos 60 pacientes considerados como perda do seguimento, 83,33% já possuíam o diagnóstico presumidamente excluído pelas duas CV negativas, 13,33% possuíam pelo menos uma CV negativa e 3,33% não realizaram nenhuma CV.

Durante o acompanhamento, a presença de anti-HIV positivo foi detectada em 14 (16,86%) crianças, todas as quais apresentaram duas cargas virais negativas, sugerindo ser anticorpo materno. Dez, desses pacientes, obtiveram anti-HIV posterior não reagente e quatro ainda estão com os exames requisitados no sistema. Cinco crianças apresentaram mais de um anti-HIV positivo, sempre com valores decrescentes. Dentre os positivos, a mediana da coleta foi de 12,3 meses de vida (variando entre 1 e 17,4). Dentre aqueles com o 2º resultado reagente, a mediana de idade foi de 17,6 meses (variando entre 13,1 e 19,1). O valor de referência utilizado pelo laboratório para positividade do anti-HIV foi de 1. A mediana dos valores da densidade óptica aferida dos exames positivos nos maiores de 1 ano foi de 2,75 (variando de 1,55 a 15,51). As únicas crianças com valores elevados (411,41 e 577,18) coletaram esses exames na primeira semana de vida.

A criança que foi a óbito nasceu prematura de 28+3 semanas, a mãe já possuía o diagnóstico do HIV pré-gestação, porém fazia uso irregular da medicação e apresentava herpes genital no momento do parto. Essa criança não chegou a realizar CV. O óbito foi secundário a causas associadas à prematuridade.

A classificação final dos casos acompanhados em relação ao HIV foi: 1,41% infectado; 55,33% não infectados, 35,21% presumidamente não infectados e 8,05% ignorados (0,70% óbito + 7,04% perda de seguimento).


DISCUSSÃO

Com a nova classificação do MS, na nossa população houve um aumento de 42,84% para casos com maior risco de aquisição do HIV. Essa modificação representa a utilização de uma terapia antirretroviral mais potente para o concepto de risco, com o intuito de iniciar uma TARV efetiva no caso de a criança ser já infectada. Por isso, a introdução de CVs ao parto e com 15 dias de vida. Com o diagnóstico precoce, a terapia adequada pode ser introduzida ao nascimento, alcançando um melhor prognóstico para as crianças infectadas6,9,10.

Com relação aos achados do nosso estudo,observamos uma prevalência de 1,4% de transmissão vertical do vírus na população avaliada, similar à taxa de 2,4%, encontrada em estudo realizado em Santa Maria/RS, estudo esse de características similares ao nosso3. Porém quando vamos para locais com condições epidemiológicas e características dos protocolos diversas, a taxa de transmissão vertical pode mudar drasticamente. Como foi demonstrado em uma metaanálise realizada na Etiópia em 2018, que a prevalência da transmissão vertical foi de 11,4%11. As características que poderiam justificar menores valores na nossa casuística são: TARV materna disponível gratuitamente pelo sistema único de saúde, testes diagnósticos gestacionais, bom acompanhamento pré e pós-natal, difusão de conhecimentos acerca da contraindicação da amamentação. As crianças infectadas nesse último estudo decorreram da não realização do protocolo recomendado. Nossa taxa de transmissão pode ser comparada à de países desenvolvidos, que varia de 1 a 2%.

O mesmo estudo, realizado na Etiópia, evidencia uma maior chance de haver transmissão vertical naquelas mães que realizaram o diagnóstico durante a gestação em relação àquelas com diagnóstico prévio, naquelas que não realizaram TARV e nas crianças que não realizaram profilaxia com antirretrovirais. Segundo nossos achados, 40% das mulheres que receberam diagnóstico na gestação possuíam CV detectável no 3º trimestre gestacional; das progenitoras que possuíam CV detectável no 3º trimestre de gestação, 88,89% usaram de forma irregular ou não utilizaram a TARV. As duas situações acima citadas resultam, pois, em um fator de risco importante para a transmissão viral (a CV materna no 3º trimestre)11.

Um estudo realizado no Brasil em 2007 observou risco de transmissão vertical 5 vezes maior em gestantes que não usaram TARV em relação às que realizaram o esquema ACTG 076 completo12. No nosso caso, os dois infectados foram provenientes de gestantes que não realizaram o tratamento, reafirmando a importância da profilaxia completa e adequada.

Em investigações científicas no Reino Unido e na Irlanda, a CV materna no período próximo ao parto é um preditor importante de risco de transmissão, sendo demonstrado que, nas gestantes com CV abaixo de 50 cópias, houve taxa de transmissão de 0,09% contra 1 e 2,6% em CV entre 50-399 e 400 e 999 respectivamente13. Dos nossos resultados, 26,06% possuíam CV detectável no último trimestre de gestação, das quais 54,05% encontravam-se acima de 1000 cópias e 2,11% possuíam CV desconhecida, o que são números expressivos para a atualidade, onde há distribuição de TARV de forma gratuita e possibilidade de realização adequada de pré-natal. No entanto, devemos lembrar que tais dados podem ser justificados pela dificuldade em manter padrões adequados de pré-natal devido à pandemia de covid-1914.

Semelhante a um estudo realizado nos Estados Unidos da América (EUA) em 2021, que encontrou taxa de realização de profilaxia intraparto com zidovudina de 65,5%15, o nosso identificou taxa de 64,08%, mesmo tendo apenas 25,71% de gestantes com indicação para realização de tal procedimento. Essa ocorrência se deve, muito provavelmente, por insegurança dos médicos assistentes em relação às orientações protocolares que indicam os casos específicos de profilaxia.

Semelhante a uma metanálise de 201815, com 39% de perda de seguimento dos pacientes aos 18 meses de vida, o nosso demostrou perda de 42,26%, enquanto, em outro estudo realizado nos EUA em 2021, a taxa foi de 11,4%16. Tamanha perda de seguimento poderia ser justificada por mudanças de cidades de moradia ou falta de informação por parte das famílias, o que acarretaria um falso julgamento de que, após uma ou duas CVs negativas, não haveria necessidade de seguimento.


CONCLUSÃO

O novo protocolo estabelecido pelo MS mudou a estratificação de risco, aumentando o número de RNs classificados como expostos de alto risco, incorrendo em terapêuticas mais invasivas e focadas em tratar mais precocemente aqueles que são doentes.

Possuímos uma baixa taxa de prevalência de transmissão vertical do HIV, porém o objetivo é zerar esse número por se tratar de uma doença evitável, principalmente, no que tange a essa via de transmissão. Os casos aqui identificados, para exemplificação, foram por fatores controláveis e tendem a diminuir a cada ano à medida que focarmos em um pré-natal de boa qualidade, evitando o diagnóstico tardio das gestantes, a falta de adesão à TARV e a precariedade de informações. No entanto, as condições sociais, como a drogadição, são um dos fatores que dificultam o processo e possuem um cerne mais complexo de resolução.

Independente da causa da realização inadequada da TARV durante a gestação ou do diagnóstico materno tardio, esses fatores constituem risco importante para uma alta CV materna no 3º trimestre gestacional, considerada o pilar primário para a transmissão vertical do vírus.

Outro ponto de interesse evidenciado pelo nosso estudo foi a alta taxa de perda de seguimento das crianças expostas, algumas, inclusive, sem realização de qualquer CV. Tal dado pode ser considerado alarmante, visto que se perde uma janela de oportunidade terapêutica para modificação da história natural da doença.


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1. Complexo do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Pediatria - Curitiba - Paraná - Brasil
2. Complexo do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Pediatria - Curitiba - Paraná - Brasil

Endereço para correspondência:

NATHALIA VENTURA STEFLI
Complexo do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Pediatria – Curitiba/PR - Brasil
R. Gen. Carneiro, 181 - Alto da Glória, Curitiba - PR, 80060-900
E-mail: natventuras28@gmail.com

Data de Submissão: 23/08/2022
Data de Aprovação: 10/07/2023