Editorial - Ano 2011 - Volume 1 - Número 2
Residência Pediátrica: quantos seguidores teria hoje @william_osler?
Residência Pediátrica: quantos seguidores teria hoje @william_osler?
William Osler1
O pai da residência médica, William Osler, proferiu essa pérola em 236 caracteres com espaços – o que pode ser verboso demais para uma tuitada –, mas sintetizou de maneira luminosa a essência dessa fase crucial da formação do jovem médico. Cento e tantos anos depois, quantos de nós estamos dispostos a dar a ele um follow?
O fato é que o dito do grande educador, traduzido para o nosso contexto contemporâneo, enfatiza que a tarefa principal do preceptor de jovens médicos residentes não é passar-lhes conhecimentos ou mostrar como fazer procedimentos, mas fazêlos assimilar de verdade a noção de que esses dois ou três anos – por mais custosos e atribulados que possam parecer – são o mero aquecimento de um curso de vida de estudo sistemático.
O médico residente lê pouco (ainda que se trate de informação de fora2, tudo leva a crer que não seja muito diferente entre nós) e costuma buscar recursos online fáceis e rápidos, como o UpToDate (www.uptodate.com), geralmente no contexto do cuidado de pacientes. Essa leitura dirigida, embora seja útil e até sugerida como uma das linhas mestras da educação durante a residência médica3, acaba se mostrando rasa e limitante no âmbito do conceito atual de desenvolvimento profissional continuado, que tem tudo a ver com a noção original de Osler4,5. Por outro lado, é estimulante ver iniciativas inovadoras que alargam os horizontes de aquisição de conhecimento dos jovens médicos, aproveitando sua intimidade com meios eletrônicos de comunicação, como certo programa de estudos via pendrive6 ou o Twitter Journal Club (http://twitter.com/#!/TwitJournalClub)7, cujo espírito bem que deveria ter o mais amplo contágio.
O médico residente pesquisa de modo ainda mais bissexto; em que pesem diretrizes contemplando o papel da residência médica na formação de clínicos acadêmicos8, as publicações de pesquisas clínicas desenvolvidas por residentes de pediatria – bem como as mais costumeiras apresentações de pôsteres em congressos – giram quase sempre em torno de casos e fatos do dia a dia da prática hospitalar ou ambulatorial9-12. De toda sorte, considerando que o atendimento pediátrico, tanto quanto a atenção primária como um todo, deve se apoiar em evidências científicas, já há movimentos pela divulgação concertada da pesquisa promovida a partir do trabalho dos residentes e levado a cabo por eles13,14.
Por tudo isso, são altamente bem-vindas quaisquer publicações e iniciativas do meio acadêmico ou associativo que deem prioridade equilibrada à promoção da leitura e à produção de conhecimento entre os médicos residentes. Embora residência médica seja um tema bem constante nas publicações pediátricas4,15-18, depois da extinção do precário periódico Resident & Staff Physician19 não se tem conhecimento de uma publicação voltada especificamente ao médico residente. Assim, em muito boa hora, a Sociedade Brasileira de Pediatria lança este periódico online Residência Pediátrica. Agregando-se às suas demais publicações técnicas já consagradas, o Jornal de Pediatria (www.jped.com.br) – dedicado à melhor pesquisa clínica e à produção da pediatria acadêmica brasileira, reconhecido e citado mundialmente pela sua qualidade – e o SBP Ciência (http://www.sbp.com.br/sbpciencia) – o portal ágil e variado de atualização do pediatra geral –, Residência Pediátrica chega para frisar o reconhecimento de que a residência médica não é um estágio, muito menos uma fonte de mão-de-obra, mas um período-chave da educação médica em que se burila a capacitação do profissional iniciante para o autoaprendizado continuado e para enfrentar sozinho as demandas que virão. Feita essencialmente pelos residentes de pediatria – com uma mãozinha dos preceptores –, traz a especial singularidade de ser a única publicação para o residente. Está plenamente acessível online, bem ao feitio dos jovens, com muitos temas básicos do seu interesse (tópicos obrigatórios, revisões oportunas, temas éticos específicos e a seção “Fique alerta!”), mas, sobretudo, abre oportunidade para que eles próprios escrevam, o que contribui para a sua formação mais interativa, dinâmica, producente e – por que não? – bem curtida.
No número inaugural da Residência Pediátrica, o conselheiro editorial Gil Simões Batista ressaltou que ela vem para envolver o pediatra jovem na construção de uma medicina de qualidade técnica sólida, pela participação associativa; mas também sublinhou seus principais meios pragmáticos: estimular o raciocínio clínico do médico residente, instigá-lo a participar mais ativamente da produção acadêmica e, sobretudo, mostrar-lhe o caminho para o acesso permanente às informações científicas20. Isso tudo vai bem ao encontro do que comentei acima sobre a mensagem de William Osler. Que assim seja!
Como Diretor de Publicações da SBP, só posso dar alvíssaras à chegada da nossa revista eletrônica Residência Pediátrica. Espero, sinceramente, que os nossos médicos residentes de pediatria – e também seus preceptores, é claro, e quem mais se interessar – a leiam, discutam, digiram, apliquem, colaborem e interfiram positivamente nos seus rumos. Dos colaboradores, espero a dose certa de equilíbrio entre criatividade, minúcia, circunspecção e bom humor. Espero especialmente que saibam imprimir a seus escritos um estilo ligeiro e moderno – vital nas publicações online –, mas sem nunca deixar de lado o apoio forte nas fontes bibliográficas, que, atuais e relevantes, tragam nas citações o caminho (mastigadinho) a ser seguido*, como é a humilde tentativa deste editorial.
Dos preceptores, por fim, espero uma resposta positiva à questão estampada no título acima; melhor ainda, que não só se proponham seguir o fictício (mas emblemático) @william_osler, mas retuitem espraiadamente que a mais firme convicção a ser metida na cachola dos médicos principiantes é que a educação em que eles estão engajados não é um curso de Medicina – que esse se encerra com a formatura –, mas um curso de vida, para o qual esses poucos anos sob supervisão são só a preparação.
Parafraseando um clássico da literatura acadêmica devotada à residência médica21, vale dizer que para resistir à tendência de que os seus objetivos educacionais sejam sufocados pelo trabalho assistencial aos pacientes, é necessária uma programação ativa e concentrada de pesquisa científica e aplicação acadêmica, com seu inegável benefício na formação de pediatras excelentes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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p. 418. Disponível em: http://www.archive.org/stream/aequanimitaswit04oslegoog#page/n8/mode/2up.
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4. Roberts KB. The past decade in pediatric education: progress, concerns, and questions. Adv Pediatr. 2011;58(1):123-51. Disponível em: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0065310111000089?showall=true.
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6. Chahla M, Eberlein M, Wright S. The effect of providing a USB syllabus on resident reading of landmark articles. Medical Education Online. 2010;15:4639. Disponível em: http://med-ed-online.net/index.php/meo/article/view/4639.
7. Twitter Journal Club. Acesso: Jul 17, 2011. Disponível em: http://twitjc.wordpress.com/.
8. Hebert RS, Levine RB, Smith CG, Wright SM. A Systematic review of resident research curricula. Acad Med. 2003;78(1):61-8. Disponível em: http://journals.lww.com/academicmedicine/Fulltext/2003/01000/A_Systematic_Review_of_Resident_Research_Curricula.12.aspx.
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20. Batista GS. O jovem pediatra e a publicação científica. Resid Pediatr. 2011;1(1):4. Disponível em: http://www.residenciapediatrica.com.br/detalhe_artigo.asp?id=4.
21. Residency education. Br Med J. 1967;1(5532):65-6. Disponível em: http://www.bmj.com/content/1/5532/65.full.pdf.
Diretor de Publicações da Sociedade Brasileira de Pediatria; Preceptor de residentes no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas.
Sob o nosso olhar de hoje, mais de cem anos depois, pode até parecer meio esquisita uma das grandes sacadas desse incansável educador canadense – que insistia em que os alunos aprendessem vendo e falando com os pacientes –, ao assumir, em 1889, a direção do Johns Hopkins Hospital, em Baltimore: a residência médica. O sistema idealizado por Osler, que incluía dedicação exclusiva e efetivamente dormir no hospital, não tinha prazo pré-estabelecido; os jovens médicos (residentes) permaneciam até oito anos levando uma vida restrita de estudos, quase monástica.
*Repare bem o leitor que todas as referências bibliográficas deste texto – artigos de periódicos, livros ou websites – exibem as respectivas URLs, todas testadas e funcionantes.