ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2024 - Volume 14 - Número 2

Relato de caso: síndrome de Klippel-Trenaunay

Case report: klippel-trenaunay syndrome

RESUMO

INTRODUÇÃO: A síndrome de Klippel-Trenaunay (SKT) é uma doença congênita rara, caracterizada pela tríade: malformações capilares que se manifestam como mancha vinho do Porto, varicosidades tipicamente venosas, hipertrofia óssea e de tecidos moles.
RELATO DE CASO: LFRR, recém-nascido a termo com 3360 g, sexo masculino, parto cesárea por iminência de eclâmpsia (G3P2C0). Apgar 9/9 com exame físico evidenciando membro inferior esquerdo com mancha vinho do Porto, aumento de volume e lesões violáceas difusas se estendendo dos pododáctilos até glúteos, pulsos periféricos palpáveis e simétricos.
DISCUSSÃO: O manejo da SKT não possui um consenso bem estabelecido, podendo ser realizado tratamento conservador utilizando medidas não invasivas (meias compressivas elásticas ou não elásticas) associadas ou não a suporte psicológico, elevação do membro acometido e fisioterapia. Condutas ativas como escleroterapia podem ser utilizadas em pequenas áreas, assim como a utilização de laserterapia na mancha vinho do Porto e nas ulcerações. O Sirolimus pode ser uma opção terapêutica promissora para o manejo de malformações venosas, incluindo a SKT, levando à melhora de sintomas como a dor e diminuição do tamanho das lesões.
CONCLUSÃO: A SKT, por ser uma síndrome rara, possui uma literatura escassa. O manejo principal se baseia no uso de terapias conservadoras, outras relativas às complicações apresentadas e agora se inicia a fase de uso de medicamentos off-label (Sirolimus) que diminuem a progressão da doença.

Palavras-chave: Hemangioma, Síndrome, Malformações vasculares.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Klippel-Trenaunay syndrome (KTS) is a rare congenital disease, characterized by the triad: capillary malformations that manifest as port wine stain, typically venous varicosities, bone and soft tissue hypertrophy.
CASE REPORT: LFRR, term newborn weighing 3360g, male, cesarean delivery due to imminent eclampsia (G3P2C0). Apgar score 9/9 with physical examination showing left lower limb with port wine stain, increased volume and diffuse violaceous lesions extending from the toes to the buttocks, palpable and symmetrical peripheral pulses.
DISCUSSION: KTS management does not have a well-established consensus, and conservative treatment can be performed using non-invasive measures (elastic or non-elastic compressive stockings) associated or not with psychological support, elevation of the affected limb and physiotherapy. Active conducts such as sclerotherapy can be used in small areas, as well as the use of laser therapy on port wine stains and ulcerations. Sirolimus may be a promising therapeutic option for the management of venous malformations, including KTS, leading to an improvement in symptoms such as pain and a decrease in the size of the lesions.
CONCLUSION: KTS, as a rare syndrome, has scarce literature. The main management is based on the use of conservative therapies, others related to the complications presented and now begins the phase of using off-label drugs (Sirolimus) that slow down the progression of the disease.

Keywords: Hemangioma, Syndrome, Vascular malformations.


INTRODUÇÃO

A síndrome de Klippel-Trenaunay (SKT) é uma doença congênita rara que acomete aproximadamente 2-5 pessoas a cada 100.000 habitantes. Essa síndrome é caracterizada pela tríade: malformações capilares que se manifestam como mancha vinho do Porto, varicosidades tipicamente venosas, hipertrofia óssea e de tecidos moles1.

O diagnóstico é essencialmente clínico e pode ser feito com duas das três características supracitadas2. Tal síndrome não manifesta predileção por sexo e sua apresentação clínica inclui sintomas como dor, linfedema, tromboflebite superficial, trombose venosa, ulcerações, sangramento, embolia pulmonar, dermatite de estase, descalcificação dos ossos envolvidos, reparo deficiente de feridas, espinha bífida, entre outros3.

A SKT acomete principalmente o membro inferior (80 a 85% dos casos), sendo bilateral somente em 12,5%; e em menos de 1% dos casos acomete outros membros. A hipertrofia de ossos e tecidos moles também é evidente nos primeiros anos de vida, progredindo aproximadamente até os 12 anos de idade4.

Uma hipótese levantada para as características vasculares sugere que alterações generalizadas na mesoderme durante o desenvolvimento embrionário resultariam de uma mutação somática em células primitivas no gene PIK3CA. Essa mutação gera um atraso na regressão do retículo vascular da área afetada no embrião, levando à maior exposição a fatores de crescimento, o que propicia a hipertrofia e hiperplasia das veias, além do aumento do crescimento ósseo5.


RELATO DE CASO

LFRR, recém-nascido a termo com 3360 g, sexo masculino, parto cesárea por iminência de eclâmpsia (G3P2C1). Apgar 9/9 com exame físico evidenciando membro inferior esquerdo com mancha vinho do Porto, aumento de volume e lesões violáceas difusas se estendendo dos pododáctilos até glúteos (Figura 1), pulsos periféricos palpáveis e simétricos. Demais aparelhos sem alterações.


Figura 1. Hipertrofia de membro inferior esquerdo com presença de varizes na Síndrome Klippel-Trenaunay.



Foi admitido em unidade de terapia intensiva neonatal, sendo interrogadas síndrome de Klippel-Trenaunay e síndrome de Parkes-Weber. Após avaliação do cirurgião vascular e da dermatopediatra, foi orientada hidratação do membro com DersaniÒ e proteção contra traumas locais.

Exames laboratoriais normais. Ecocardiograma indicando Forame Oval Pérvio de aproximadamente 3,5 mm com fluxo da esquerda para a direita. Ultrassonografia (US) transfontanela normal e US de abdome total normal.

Histórico obstétrico com US de 24 sem e 6 dias apresentando formações anecoicas agrupadas em partes moles (planos supra-aponeuróticos) preservando estruturas musculares e ósseas, estendendo-se desde a região sacrococcígea posterior e pélvica anteriormente até membro inferior esquerdo afetando a coxa até a metade proximal da perna, com leve deformidade e flexão de joelho esquerdo. Laudo de malformação multicística superficial em região pélvica, sacroccocígea e do membro inferior esquerdo podendo admitir a possibilidade de linfangiomatose multicística.

Recebeu alta com 9 dias de vida em uso de vitamina A+D oral e DersaniÒ loção oleosa para uso tópico. O paciente retornou em consulta no ambulatório de dermatopediatria com 50 dias de vida apresentando mancha vinho do Porto em membro inferior esquerdo com tumoração extensa acometendo glúteo e coxa (Figura 2). Aumento de volume em perna esquerda com edema no pé e proliferação de vasos linfáticos sobre a mancha vinho do Porto, sendo diagnosticado como SKT.


Figura 2. Hipertrofia de membro inferior esquerdo com mancha vinho do Porto e proliferação linfática.



Em consulta ambulatorial com cirurgião vascular, foi indicado o uso de diosmina hesperidina, bandagem elástica e solicitado angiorressonância, com negativa dos pais por receio da sedação.

No seguimento, apresentou episódios de sangramento em membro inferior esquerdo, geralmente após trauma local, tendo necessitado de 6 transfusões até 1 ano e 11 meses, além de internações para uso de antibiótico endovenoso e tratamento de úlcera profunda (Figura 3). Diante da grave evolução do paciente, os pais foram informados pela dermatopediatra sobre a existência de estudos off-label utilizando Sirolimus oral com bons resultados6. Houve concordância quanto a essa abordagem, sendo emitido laudo para liberação da medicação pela Casa da Saúde de Mato Grosso do Sul.


Figura 3. Presença de úlcera profunda com sinais de infecção em membro inferior esquerdo.


No dia 27/03/2021, iniciou Sirolimus 1 mg (RapamuneÒ), meio cp. de 12/12 horas por via oral com boa aceitação, sendo possível identificar redução da proliferação linfática em pododáctilos esquerdos após pouco mais de 2 meses de tratamento (Figuras 4 e 5).


Figuras 4 e 5. Proliferação linfática em pododáctilos esquerdos antes e após o início do tratamento, evidenciado regressão das lesões.


Aos 2 anos e 9 meses, foi realizada angiotomografia da pelve e de membros inferiores, que evidenciou varizes calibrosas na cavidade abdominal e pélvica, de permeio à musculatura da bacia à esquerda e em todo membro inferior esquerdo; linfedema em hemiabdome esquerdo, bacia, membro inferior esquerdo, bolsa testicular e linfangioma em cavidade abdominal esquerda (Figura 6).


Figura 6. Linfedema em hemiabdome esquerdo, bacia, membro inferior esquerdo e bolsa testicular.



DISCUSSÃO

O manejo da SKT não possui um consenso bem estabelecido, podendo ser realizado tratamento conservador utilizando medidas não invasivas (meias compressivas elásticas ou não elásticas) associadas ou não a suporte psicológico, elevação do membro acometido e fisioterapia7.

O uso de analgésicos, antibióticos e corticoides está comumente associado a complicações da doença como celulite e tromboflebite8. Anticoagulantes podem ser indicados profilaticamente antes de procedimentos cirúrgicos e em casos de trombose aguda9.

A escleroterapia pode ser utilizada em pequenas áreas. A realização de procedimentos cirúrgicos é reservada aos casos sintomáticos, pois há relatos na literatura de piora clínica após ligaduras elásticas e decapagem. Outra estratégia utilizada no manejo dessa síndrome é a utilização de laserterapia na mancha vinho do Porto e nas ulcerações10.

Quando o manejo cirúrgico é necessário, nos casos sintomáticos, o uso de técnicas minimamente invasivas é recomendado devido ao risco de sangramento intenso11. Avaliações pré-operatórias são necessárias pela possibilidade de perda sanguínea no intra-operatório, risco elevado de trombose venosa e tromboembolismo pulmonar12.

Atualmente, com a investigação do gene mutante e da sua via de sinalização, a utilização de um inibidor da atividade mTOR (conhecido como Sirolimus) tem sido uma opção terapêutica promissora com supressão da proliferação celular e diminuição na progressão da doença13.

Estudos demonstram que o Sirolimus pode ser uma opção terapêutica no manejo de malformações venosas, incluindo a SKT, levando à melhora da dor e diminuição do tamanho das lesões14. A medicação também possui impacto na hemostasia com diminuição dos níveis de d-dímero sérico após o tratamento15.


CONCLUSÃO

A SKT, por ser uma síndrome rara, possui literatura escassa. O manejo principal se baseia no uso de terapias conservadoras, outras relativas às complicações apresentadas e agora se inicia a fase de uso de medicamentos off-label (Sirolimus) que diminuem a progressão da doença. O foco principal é a melhora da qualidade de vida do paciente com redução do número de complicações e internações hospitalares. No caso relatado, observamos redução considerável da proliferação linfática com poucos meses de tratamento com Sirolimus, além da diminuição dos episódios de sangramento e infecção.


REFERÊNCIAS

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4. Villela ALC, Guedes LGS, Paschoa VVA, David AB, Tenório TM, Lamego Junior HP, et al. Perfil epidemiológico de 58 portadores de síndrome de Klippel-Trénaunay-Weber acompanhados no Ambulatório da Santa Casa de São Paulo. J Vasc Bras. Set 2009;8(3):219-24. DOI: https://doi.org/10.1590/S1677-54492009000300006.

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Hospital Regional do Mato Grosso do Sul, Pediatria - Campo Grande - Mato Grosso do Sul - Brasil

Endereço para correspondência:

Nathalya Gonçalves dos Santos
Hospital Regional de Mato Grosso do Sul
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E-mail: natalia.ufmt@gmail.com

Data de Submissão: 05/02/2023
Data de Aprovação: 14/04/2023