ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2024 - Volume 14 - Número 2

Avaliação do neurodesenvolvimento em crianças com sífilis congênita através do teste de Denver II

Appraisal of neurodevelopment in children with congenital syphilis through denver II test

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o desempenho dos lactentes com sífilis congênita a partir do Teste de Denver II.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo epidemiológico e descritivo. Os dados foram coletados na Maternidade de Ensino de Aracaju, em 2022, através do Teste de Denver II, em crianças de 0 a 6 anos. Este é um teste de rastreamento de risco de desenvolvimento infantil, que inclui 125 itens que avaliam o comportamento social e pessoal, linguagem e habilidades motoras preconizadas.
RESULTADOS: Dentre os itens do instrumento, houve alteração de 4 marcos na avaliação pessoal-social, 3 marcos no motor fino adaptativo e 1 marco na linguagem. Já no motor grosseiro, não houve alterações relevantes. A prevalência de indivíduos que apresentaram um teste de risco no Denver II foi de 80,7%, sendo 54,5% do sexo masculino. Sobre o fator nutricional, 29,8% das crianças praticam a alimentação familiar. Ademais, as genitoras apresentaram uma média de 23,5 anos. A maioria das entrevistadas (61,4%) referiu não ter provedor e 98,2% relataram escolaridade materna, porém apenas 8,8% têm o ensino superior completo. Na estatística inferencial, constatou-se que quando há uma maior quantidade de filhos no contexto familiar, as crianças apresentavam marcos mais atrasados.
CONCLUSÃO: Ao realizar a estatística inferencial comparando a variável materna, quantidade de filhos, com o teste de Denver II, foi encontrado que com mais filhos o p-valor foi de 0,040, portanto estatisticamente significante para marcos atrasados do desenvolvimento. Logo, a escala de Denver II é extremamente importante para a triagem diagnóstica de atraso motor/pessoal-social nos pacientes com sífilis.

Palavras-chave: Criança, Transtornos do neurodesenvolvimento, Sífilis congênita, Deficiências do desenvolvimento, Desenvolvimento infantil.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the performance of infants with congenital syphilis from the Denver Test II.
METHODS: This is an epidemiological and descriptive study. Data were collected at the Aracaju Teaching Maternity in 2022 through the Denver II Test in children aged 0 to 6 years. This is a child developmental risk screening test, which includes 125 items that assess social and personal behavior, language and motor skills advocated.
RESULTS: Among the items of the instrument, there were alterations of 4 marks in the personal-social evaluation, 3 marks in the adaptive fine motor and 1 mark in language. On the other hand, there were no relevant changes in gross motor skills. The prevalence of individuals who presented a risk test on the Denver II was 80.7%, with 54.5% being male. Regarding the nutritional factor, 29.8% of the children practice family feeding. Moreover, the mothers had a mean age of 23.5 years. Most of the interviewees (61.4%) reported not having a provider and 98.2% reported maternal education, but only 8.8% had completed higher education. In the inferential statistics it was found that when there are more children in the family context the children presented later milestones.
CONCLUSION: When performing the inferential statistics comparing the maternal variable, number of children, with the Denver II test it was found that the more children the p-value was 0.040, therefore statistically significant for delayed developmental milestones. Therefore, the Denver II scale is extremely important for the diagnostic screening for motor/personal-social delay in patients with syphilis.

Keywords: Child, Development indicators, Syphilis, congenital, Developmental disabilities, Child development.


INTRODUÇÃO

A sífilis congênita (SC) é uma doença decorrente da disseminação hematogênica da bactéria Treponema pallidum por via transplacentária da gestante não tratada ou inadequadamente tratada para o seu concepto1. A transmissão pode ocorrer em qualquer estágio da gestação; entretanto, a probabilidade de sua ocorrência vai variar de acordo com dois principais fatores: o tempo de exposição do feto e o estágio clínico da doença em que a mãe se encontra. Em 2020, a taxa de detecção de sífilis em gestantes foi de 21,6/1.000 nascidos vivos; a taxa de incidência de sífilis congênita, de 7,7/1.000 nascidos vivos; e a taxa de mortalidade por sífilis congênita, de 6,5/100.000 nascidos vivos2.

O risco de transmissão vertical pode chegar a até 85%, sendo capaz de ser transmitida em qualquer fase da gestação ou até mesmo durante o parto3. Dessa forma, é indubitável a importância do diagnóstico e tratamento efetivo da SC para que o recém-nascido (RN) não apresente más consequências em seu desenvolvimento.

O desenvolvimento infantil envolve diversos aspectos, incluindo a maturação neurológica, comportamental, cognitiva, social e afetiva da criança. O padrão de crescimento infantil deve ser acompanhado, pois pode indicar transtornos clínicos e crônicos. As medidas antropométricas devem ser comparadas com os padrões estatísticos presentes nos gráficos de crescimento. Além da alteração do crescimento, crianças com sífilis congênita podem apresentar um atraso no neurodesenvolvimento, afetando a cognição, linguagem e comportamento4 e, em casos mais tardios, evoluir para neurossífilis ou sífilis terciária, que acarreta em alterações no líquido cefalorraquidiano (LCR), meninges e vasos do Sistema Nervoso Central, e, consequentemente, prejuízo neurológico, deterioração cognitiva e alteração do comportamento5.

O seguimento ambulatorial dos RNs expostos à sífilis materna é importante e deve ser realizado até, pelo menos, 2 anos de idade6. Contudo, crianças que obtiveram o diagnóstico de SC após os 18 meses de vida, deverão ser acompanhadas por, pelo menos, até os 5 anos de idade, pois faz-se necessária a avaliação da apresentação de manifestações tardias, como alterações do neurodesenvolvimento. A exemplo disso, o atraso no desaparecimento esperado dos reflexos primitivos que também deve justificar a avaliação do sistema nervoso central7.

O Denver II é o teste de rastreamento de risco de desenvolvimento infantil mais utilizado no Brasil, sendo empregado também em diversos países8. Esse instrumento inclui avaliação de comportamento social e pessoal, linguagem e habilidades motoras preconizadas como típicas do desenvolvimento. A cognição da criança é avaliada pela capacidade de compreensão de instruções, conceituação de palavras, nomeação de figuras e habilidades pessoal-social9.

A pesquisa foi motivada devido à alta prevalência e incidência de sífilis congênita no ambulatório de especialidades da Maternidade do estudo, como também a pouca literatura disponibilizada em relação ao neurodesenvolvimento em crianças com sífilis congênita. Dentro do exposto, objetivou-se realizar uma pesquisa para avaliar o neurodesenvolvimento de crianças com sífilis congênita a partir do Teste de Denver II, instrumento que inclui avaliação de setores pessoal-social, adaptativo, linguagem e motor, preconizados como típicas do desenvolvimento em Maternidade de referência de Aracaju/ SE no ano de 2022.


MÉTODOS

População e Amostra

Estudo epidemiológico e descritivo. Os critérios de inclusão para este estudo foram: crianças entre 0 a 6 anos, com sífilis congênita, tratadas ao nascer e fazem seguimento no ambulatório de sífilis congênita e cujas mães ou responsáveis assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e menores de 18 anos, o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).

Coleta de Dados

Os dados foram coletados na Maternidade de ensino de Aracaju, Sergipe, durante o ano de 2022. Os recém-nascidos diagnosticados e tratados na Maternidade do estudo para sífilis congênita são encaminhados para o respectivo ambulatório. Durante o atendimento desses pacientes, a equipe treinada, aplicava o questionário e o teste de Denver II, o qual incluiu crianças com diagnóstico de sífilis congênita seguindo os critérios de definição da doença do Ministério da Saúde (2019)1. A partir disso, os pacientes foram avaliados pelo teste de neurodesenvolvimento através da escala de Denver II. Crianças que apresentaram atraso no neurodesenvolvimento foram encaminhadas para avaliação com a neuropediatra e indicado seguimento com a fonoaudióloga e fisioterapeuta.

As mães ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e menores de 18 anos, o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Tiradentes, Aracaju, Sergipe, com o Parecer nº 5.292.272 e CAAE: 49705421.5.0000.5371.

Testes e questionários

A realização da pesquisa foi antecedida por treinamento das entrevistadoras (acadêmicas do curso de Medicina) por pediatra e fonoaudióloga com experiência na aplicação do teste de Denver II. Durante a coleta de dados, os participantes responderam a um questionário sociodemográfico. Desse modo, foram coletadas variáveis dependentes e independentes. A variável dependente foram os lactentes com sífilis congênita. As variáveis independentes, por sua vez, foram divididas em maternas idade, ocupação, escolaridade, quantidade de filhos, quantidade de filhos com o mesmo pai, cor da pele, local de moradia, bolsa-família, renda familiar, provedor, pessoa/renda —, paternas — idade, ocupação — e bebê — data de nascimento, APGAR, idade gestacional, peso, dieta nutricional, estatura e perímetro craniano ao nascer, reanimação neonatal, sinais e sintomas de sífilis (baixo peso; prematuro; icterícia; hepatomegalia; hepatoesplenomegalia; pênfigo palmo-plantar; pseudoparalisia de Parrot; rinorreia serossanguinolenta; sifílides; rágades periorais; outros).

Além disso, como já citado anteriormente, foi aplicado o teste de Denver II para rastrear alterações no neurodesenvolvimento das crianças com sífilis congênita, um instrumento de alta sensibilidade, inicialmente desenvolvido por Frankenburg e Dodds em 1967 e adaptado em 199210, que se caracteriza como teste de triagem e de rastreamento do risco de desenvolvimento neuropsicomotor infantil, no qual se incluem 125 itens que avaliam áreas distintas como: comportamento social e pessoal, linguagem e habilidades motoras preconizadas. Cada item se correlaciona com a idade e o percentual da população padronizada que o realizou, sendo classificados como normal: quando a criança executa a atividade prevista para a idade ou não executa uma atividade realizada por menos de 75% das crianças da mesma idade; cuidado: quando a criança não executa ou se recusa a realizar atividade que já é feita por 75 a 90% das crianças daquela idade; e atraso: quando a criança não executa ou se recusa a realizar atividade executada por mais de 90% das crianças que têm sua idade.

O teste é classificado como normal: quando a criança não apresenta nenhum “atraso” ou um cuidado no máximo; risco: quando apresenta dois ou mais “cuidados” e/ou um ou mais “atrasos”; não testável: quando “se recusa” a realizar a atividade em um ou mais itens realizados pela maioria das crianças ou em mais do que um item com a linha da idade na área em que 75 a 90% já o executam.


ANÁLISE DE DADOS

As variáveis categóricas foram descritas por meio de frequência absoluta e relativa percentual. As variáveis contínuas foram descritas por meio de mediana e intervalo interquartil. Ademais, consideramos como uma população sem alteração do neurodesenvolvimento específico para um dado teste aquela com proporção de pacientes que passaram nesse teste superior a 95%. Então, a hipótese de não inferioridade foi testada por meio do Teste Binomial Exato.

O nível de significância adotado em todo o estudo foi de 5% e o software utilizado foi o R Core Team 2022 (versão 4.2.0). Testes Qui-Quadrado de Pearson, Mann-Whitney e Teste Qui-Quadrado com simulações de Monte-Carlo foram aplicados para avaliar a hipótese de independência entre variáveis categóricas.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dentro da amostra, totalizam-se 57 crianças com histórico de sífilis congênita encaminhadas para avaliação do neurodesenvolvimento. Entre os pacientes avaliados, o sexo masculino foi o mais prevalente representando 31 (54,4%) crianças. Eram procedentes da capital (Aracaju) 39 (68,4%), a idade gestacional mediana das crianças avaliadas foi de 39 semanas. O intervalo interquartil de peso foi de 2695 a 3460 gramas, comprimento 46 a 49,5 cm e perímetro craniano 32,8 a 35 cm. Dentre eles, há boa vitalidade avaliada através do APGAR, e a reanimação neonatal ocorreu apenas em 6 (10,5%) dos pacientes avaliados (Tabela 1). Entretanto, a sífilis congênita é uma condição que pode ter como consequência a alta morbimortalidade, prematuridade e baixo peso ao nascer11 devido ao seu comprometimento com diversos órgãos do feto que, de forma tardia, afeta diretamente o sistema nervoso central e cardiovascular12.




De acordo com o Boletim epidemiológico de 2018 de Sífilis do Ministério da Saúde, no Brasil, entre 2005 e 2017, 52% das gestantes com sífilis encontravam-se na faixa etária de 20 a 29 anos e 53,1% das mulheres não tinham o ensino médio completo. No presente estudo, as genitoras estavam dentro da faixa etária média de 23,5 anos, entretanto, 33,3% das mulheres possuíam ensino médio completo, porém apenas 8,8% têm ensino superior completo e 24,6% se caracterizaram como pardas (Tabela 1). O baixo nível educacional está relacionado ao menor acesso à informação, 5ª a 8ª série incompleta do ensino fundamental é a mais predominante, seguida por ensino médio completo (11,3%)13, bem como ao restrito entendimento da importância das medidas de prevenção das ISTs14. Logo, fatores sociodemográficos maternos podem sinalizar o risco e a vulnerabilidade em adquirir sífilis congênita, bem como em outros estudos15,16. Na presente pesquisa, também foi observada como vulnerabilidade social a ausência de provedor, que foi numerada em 61,4% e a renda de 1 a 2 salários mínimos (40,4%).

Há consenso na literatura especializada de que o desenvolvimento da criança não depende apenas da maturação do sistema nervoso central (SNC), mas também de vários outros fatores: biológicos, relacionais, afetivos, simbólicos, contextuais e ambientais17. A aquisição dos marcos de desenvolvimento por crianças depende substancialmente da qualidade dos estímulos e das relações que a criança vivencia.

As mães afetadas pela sífilis geralmente apresentam desafios socioeconômicos e outros problemas de saúde que também podem impactar os resultados do neurodesenvolvimento. As condições de moradia, renda, escolaridade materna, acesso a cuidados de saúde e creche, entre outros, influenciam no desenvolvimento motor, o que poderia repercutir também em outros domínios do desenvolvimento, como o psicossocial, cognitivo e da linguagem18.

Avaliar o atraso do desenvolvimento exige habilidade de reconhecer que as trajetórias do desenvolvimento são invariavelmente individualizadas, havendo variações dentro do que pode ser aceito como “normal” e “não normal”19. Por isso, o atraso ocorre quando a criança não executa uma atividade que já é executada por grande parte das crianças de sua idade.

Os resultados dos testes foram avaliados sob subtítulos de desenvolvimento pessoal-social, motor fino-adaptativo, motor grosseiro e linguagem. Das 57 crianças avaliadas, 11 (19,3%) apresentaram desenvolvimento compatível à sua faixa etária, sendo que 46 (80,7%) apresentaram teste “de risco” (Tabela 2).




A conduta pessoal-social corresponde à avaliação do comportamento diante de estímulos culturais. Das crianças com algum atraso no desenvolvimento, quando avaliadas para esta categoria, destacam-se atrasos relevantes nos seguintes marcos: observar a própria mão, retirar uma vestimenta, alimentar uma boneca e jogar jogos de mesa. Estudo realizado por Beltrán (2015)20, e oito examinadores da versão espanhola do Denver II também identificou índices de atraso na área pessoal social (ICC=0.49) em uma amostra de crianças entre 0 e 72 meses. Entretanto, os examinadores agruparam as crianças em duas amostras (saudáveis/com atraso psicomotor) e rastrearam para verificar se sofriam de atraso psicomotor, diferentemente desse estudo que a população tem o diagnóstico de sífilis congênita20.

A conduta motora, por sua vez, está associada à maturação do sistema nervoso, correspondendo ao controle das aquisições motoras. Para avaliação dos pacientes por meio do teste de Denver II, dividimos em duas categorias: motor fino-adaptativo e motor grosseiro (Tabela 3).




Tancredo (2018)21 avaliou 17 lactentes com sífilis e 17 sem sífilis com idade de 3 meses e 9 com sífilis congênita e 9 sem sífilis congênita com 6 meses. Foi utilizada a Escala Motora Infantil Alberta, escala que também permite identificar atrasos no desenvolvimento psicomotor e o estudo confirmou que lactentes de 3 e 6 meses diagnosticados com sífilis congênita não apresentaram percentil de desenvolvimento menor do que os apresentados por lactentes sem esse diagnóstico.

No presente estudo, mais de 50% dos avaliados em cada marco apresentaram desenvolvimento motor normal ou esperado para a idade, tiveram escores acima do percentil 50, ou seja, passaram na avaliação do teste de Denver II. Na categoria motor fino-adaptativo, as crianças apresentaram atraso nas seguintes categorias: cópia com demonstração — de 3 crianças avaliadas, 2 não passaram —, desenha pessoa, 6 partes e copia um quadrado, ambos avaliaram 1 criança a qual não passou no teste (Tabela 3). Corroborando com o estudo, um relato de caso mostra uma criança de 4 meses com sífilis congênita, resultando em motor fino-adaptativo e pessoal social equivalente a criança de um mês21.

Na categoria motor-grosseiro, por sua vez, não houve atrasos significativos (Tabela 3). Não obstante, no mesmo relato dito anteriormente, a criança demonstrou a área motorgrosseiro compatível com dois meses apenas22.

Ao avaliar a categoria de linguagem (Tabela 2), que abrange as percepções de sons, imagens e as respostas dos pacientes, foi perceptível que apenas 1 marco apresentou atraso, B37- Contar 5 blocos. Três crianças foram avaliadas nesse marco, sendo que duas delas não obtiveram sucesso.

Há escassez de informações científicas sobre alterações de linguagem em crianças com sífilis congênita. As crianças com deficiência intelectual e atraso na linguagem geralmente têm associações com outros quadros clínicos, como distúrbios visuais, auditivos, ortopédicos, comportamentais e emocionais. Acredita-se que alterações neurais têm impactos importantes no desenvolvimento da linguagem da criança, com repercussões para sua inclusão educacional e social23.

Os documentos do Ministério da Saúde (2020)2 referem que uma possível manifestação tardia da sífilis congênita é a lesão de oitavo par craniano, isto é, envolvimento do processamento neural da informação pelo nervo vestibulococlear24. Verghese (2018)25, em seu estudo, mostrou que das 7 crianças sem a doença, filhos de mãe portadora de sífilis, 14,3% apresentaram perda de visão e imparidade no neurodesenvolvimento e 42,9% apresentaram atraso e distúrbio na fala.

Ademais, comparou-se os dados das crianças que não apresentaram nenhum marco atrasado, crianças que tiveram apenas um marco em atraso e que tiveram 2 ou mais marcos atrasados (Tabela 4). Dentre as crianças com mais de 2 marcos de atraso, o sexo masculino prevaleceu (57,1%), enquanto nas crianças que não têm nenhum atraso, o sexo feminino foi a maioria (54,5%). Não se mostrou relevância sobre a idade gestacional, bem como escore APGAR inferior das crianças avaliadas, uma vez que se dá de 7 a 1026. O Denver II apresenta bons índices de validade concorrente e índices satisfatórios de sensibilidade e especificidade na triagem de atrasos no desenvolvimento de crianças sob risco, principalmente entre 18 meses e 5 anos de idade26. Portanto, reforça-se a importância à assistência adequada com a finalidade de evitar a transmissão vertical e as consequências da sífilis congênita27.




Em estudo realizado por Ribeiro (2021)28, indivíduos com sífilis congênita apresentaram desempenho inferior na amplitude de resposta no exame de emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente (EOAT), sugerindo que, nesses indivíduos, a cóclea se mostrou mais fragilizada diante dessa condição. É possível inferir que há interdependência entre os processos auditivos e de linguagem e que o bom desempenho de um deles contribui para o adequado funcionamento do outro29. A perda auditiva vista na sífilis congênita tardia que se apresenta na infância é descrita como uma perda súbita, bilateral, simétrica e profunda que carece de sintomas vestibulares de acompanhamento30. É indubitável que a perda auditiva gera impacto no desenvolvimento da linguagem e, além dela, podemos observar, em menor porcentagem, correlação entre perda visual e distúrbios de linguagem.

O perímetro cefálico reflete o crescimento neural de um feto, porém são distintos de acordo com o sexo do paciente. O intervalo do perímetro cefálico dentro da normalidade foi estabelecido de acordo Ministério da Saúde (2016)4, nele, o menor valor atribuído para o perímetro cefálico normal é 31,5 cm em crianças do sexo feminino e o maior é 37 cm em crianças do sexo masculino. No presente estudo, a média desse parâmetro foi de 31,9 cm no sexo feminino e 34 no sexo masculino, o qual está abaixo da média para crianças que nasceram com idade gestacional entre 37 e 40 semanas e com peso adequado para a idade.

As condições socioeconômicas da população estudada revelaram situação de vulnerabilidade com renda familiar média de um salário mínimo com baixa escolaridade provocando viés para avaliar o atraso relacionado à sífilis congênita. Crianças pertencentes às classes socioeconômicas menos privilegiadas e residentes em domicílio em situação de insegurança alimentar grave apresentaram, aproximadamente, 40% menos chances de ter dieta de alta qualidade31. A dieta saudável composta de leguminosas, tubérculos, proteínas e hortaliças é fator essencial para um bom crescimento e desenvolvimento da criança como um todo27. No entanto, no presente estudo, vale ressaltar que a maioria das crianças que tiveram mais atraso, faziam a alimentação familiar (82,4%).

Na estatística inferencial, nas crianças com algum “atraso”, constatou-se que a maior quantidade de filhos no contexto familiar teve significância estatística para apresentarem marcos mais atrasados. O estímulo para o desenvolvimento pessoal-social, motor fino-adaptativo, motor grosseiro e linguagem é de extrema relevância para a criança alcançar seus marcos de neurodesenvolvimento.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na sífilis congênita,as alterações do neurodesenvolvimento podem surgir em percentual maior que a população geral, uma vez que as crianças com a doença podem apresentar atraso no desenvolvimento. A triagem de atraso nos setores pessoal-social, adaptativo, linguagem e motor é fundamental para uma intervenção precoce e com isso melhorar a qualidade de vida e inserção social dessas crianças. Por isso, é de extrema relevância que haja acompanhamento do neurodesenvolvimento através do Teste de Denver II em todas as consultas de puericultura das crianças com diagnóstico de sífilis como também daquelas consideradas expostas e não infectadas, principalmente nos pacientes de risco.

As crianças com diagnóstico de sífilis congênita da amostra foram de maioria masculina, nasceram a termo, com boa vitalidade, com peso adequado para a idade, porém a maioria com perímetro cefálico abaixo da média e no seguimento apresentaram fator de risco para o neurodesenvolvimento. Ademais, observou-se que a população estudada apresenta condições socioeconômicas revelando situação de vulnerabilidade com renda familiar média de um salário mínimo e com baixa escolaridade, o qual influencia em uma dieta de baixa qualidade para as crianças. Desse modo, ao realizar a estatística inferencial comparando a variável materna, quantidade de filhos, com o teste de Denver II, foi encontrado que com mais filhos o p-valor foi de 0,040, portanto estatisticamente significante para marcos atrasados do desenvolvimento.

Novas pesquisas precisam ser realizadas comparando o neurodesenvolvimento das crianças com sífilis e aquelas que não apresentam a doença nas mesmas condições socioeconômicas para redução dos vieses relacionados às influências extrínsecas e o neurodesenvolvimento. Na revisão bibliográfica, houve dificuldade de encontrar artigos sobre neurodesenvolvimento em crianças com sífilis congênita.


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1. Universidade Tiradentes, Curso de Medicina - Aracaju - Sergipe - Brasil
2. Hospital e Maternidade Santa Isabel, Mestre e Docente do Departamento de Pediatria e Neonatologia - Aracaju - Sergipe - Brasil
3. Hospital e Maternidade Santa Isabel, Residência em Pediatria - Aracaju - Sergipe - Brasil
4. Hospital e Maternidade Santa Isabel, Coordenadora do Serviço de Fonoaudiologia do Departamento de Neonatologia - Aracaju - Sergipe - Brasil

Endereço para correspondência:

Larissa de Araújo Correia Teixeir
Universidade Tiradentes, Curso de Medicina.
Av. Murilo Dantas, 300 - Farolândia
Aracaju/SE, Brasil - CEP 49032-490
E-mail: larissaactpf@gmail.com/ larissa.araujo99@souunit.com.br

Data de Submissão: 20/10/2022
Data de Aprovação: 13/03/2024