ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2015 - Volume 5 - Número 2

Tétano neonatal

Neonatal tetanus

RESUMO

INTRODUÇÃO: O tétano neonatal é uma doença subnotificada que continua existindo como uma grande causa de mortalidade neonatal e infantil em muitos países em desenvolvimento.
OBJETIVOS: Relatar um caso de tétano neonatal relembrando os sintomas da doença e alertar sobre a possibilidade de novos casos no futuro.
MÉTODOS: Os dados contidos no trabalho foram obtidos por meio da anamnese, exame físico do paciente, exames complementares, revisão do prontuário, verificação do perfil epidemiológico do tétano neonatal no Brasil e no mundo, consulta por meio de periódicos e pesquisa nas bases de dados PubMed e Scielo.
RELATO DO CASO: Recém-nascido de 10 dias de vida com história de choro intenso, irritabilidade, dificuldade de sucção e desconforto respiratório. Deu entrada à Unidade Hospitalar apresentando abalos musculares, hipertonia de membros a diferentes estímulos. Após 37 dias de ventilação mecânica e 2 meses de internação hospitalar, paciente recebeu alta em boas condições e encaminhado para acompanhamento ambulatorial multidisciplinar.
CONCLUSÃO: No passado, o tétano foi uma afecção de grande prevalência em todo o mundo. Com o surgimento da vacina antitetânica e com os cuidados de assepsia durante o parto, houve diminuição de sua incidência, porém, continua existindo como uma grande causa de mortalidade neonatal e infantil em muitos países subdesenvolvidos.

Palavras-chave: Fatores de Risco, Mortalidade Infantil, Tétano.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Neonatal tetanus is an underreported disease that continues to exist as a major cause of neonatal and infant mortality in many developing countries.
OBJECTIVES: To report a case of Neonatal Tetanus recalling the symptoms of the disease and warn about the possibility of new cases in the future.
METHODS: The data contained in this article were obtained through anamnesis, physical examination, laboratory tests, review of medical records, check the epidemiology of neonatal tetanus in Brazil and worldwide, through periodic consultation and research in the databases PubMed, SciELO.
CASE REPORT: Newborn to 10 days of life with a history of intense crying, irritability, poor sucking, and respiratory distress. Was admitted to the Hospital Unit as muscular tremors, stiffness of limbs to different stimuli. After 37 days of mechanical ventilation and two months of hospitalization, the patient was discharged in good condition and referred to a multidisciplinary outpatient.
CONCLUSION: In the past, tetanus has a disease highly prevalent worldwide. With the emergence of tetanus vaccine and with aseptic precautions during childbirth decreased in incidence, but continues to exist as a major cause of neonatal and infant mortality in many underdeveloped countries.

Keywords: Infant Mortality, Risk Factors, Tetanus.


INTRODUÇÃO

Tétano neonatal (TN) já foi considerado uma das maiores causas de mortes neonatais1. Atualmente, é uma doença subnotificada que continua existindo como uma grande causa de mortalidade neonatal e infantil em muitos países em desenvolvimento2,3.

As maiores taxas de mortalidade de TN estão no continente africano e sudeste asiático4. Dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram ainda que, em 2011, 38 países da África e Ásia não foram bem sucedidos na eliminação do TN5. O tétano incide pouco nos países desenvolvidos, como na Europa e América do Norte, tendo em vista ações ligadas à prevenção, como aumento de coberturas vacinais na infância e ações educacionais e sociais6.

Com a implementação de uma política de eliminação do TN, sua incidência tem sido reduzida sensivelmente, principalmente nas Américas. De acordo com a OMS, essa meta equivale a alcançar uma taxa de incidência de menos de 1 caso/1.000 nascidos vivos, por distrito ou município, em cada país4. As principais estratégias de eliminação são: promowção de assepsia no parto, a imunização com vacina antitetânica e uma vigilância eficaz7,8.

No Brasil, em 1992 ocorreram 233 casos de tétano neonatal. Após 10 anos, em 2002, foram 34 casos confirmados, sendo 50% na região Nordeste, em seguida o Norte com 29,4%, Sudeste 8,8% e regiões Sul e Centro-Oeste, com 5,8% cada. No ano de 2012, foram confirmados apenas 2 casos de tétano neonatal, sendo 1 em Minas Gerais e 1 no Pará9 (Tabela 1).




A seguir, relatamos um caso clínico de TN, em que a mãe era natural do estado do Maranhão e morava há 1 mês em Santa Juliana-MG e o recém-nascido foi atendido e tratado no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (HCUFTM), na cidade de Uberaba-MG no ano de 2014. Este caso relembra os sintomas da doença e alerta sobre a possibilidade novos casos no futuro.


RELATO DO CASO

Identificação


J.V.C.M., feminino, 10 dias de vida, natural e procedente de Santa Juliana/MG.

Recém-nascido (RN) em aleitamento materno exclusivo iniciou há 1 dia com choro intenso, irritabilidade, dificuldade de sucção e desconforto respiratório evoluindo com cianose periférica. Foi levado a uma Unidade Hospitalar na cidade de Santa Juliana/MG e, em sua admissão, verificou-se que RN apresentava choro contínuo, gemente, rigidez generalizada, dispneico, cianose periférica, congestão nasal intensa e dificuldade de sucção. Ao exame físico, foi visto presença de fumo em cicatriz umbilical. O paciente foi transferido para o HCUFTM, Uberaba/MG apresentando abalos musculares, hipertonia de membros a diferentes estímulos e saída de secreção amarelada abundante pela boca. RN foi admitido no Pronto Socorro Infantil com rigidez generalizada e em posição de opistótono. Realizados exames laboratoriais seriados, submetido à intubação orotraqueal e encaminhado à Unidade de Terapia Intensiva (UTI). RN encontrava-se em anasarca, peso de 4575 gramas, sedado, corado, hidratado com hipertonia em flexão dos quatro membros à mínima manipulação, som e qualquer outro estímulo.

Antecedentes

Mãe de 19 anos, G2P2N2A0, pai de 23 anos; hígidos, natural de Lagoa Grande do Maranhão/MA e procedente de Santa Juliana/MG há 1 mês. RN nascido a termo de parto vaginal. Realizadas 3 consultas de pré-natal (Exames: ABO-RH: O positivo, teste rápido HIV: negativo, VDRL: negativo. Vacinas: dT: 2 doses, hepatite B: 2 doses).

Cartão de Vacinas

Atualizado (hepatite B, BCG).

Exames realizados no Pronto Socorro Infantil

Gasometria arterial sem alterações metabólicas, hemograma sem alterações; CPK: 2626,0; líquor de aspecto límpido, células: 1/mm3, hemácias: 4/mm3, linfócitos: 99%, plasmócitos: 1%, glicose: 282, proteína: 76, Cl: 576, cultura negativa.

RN admitido na UTI, mantido em ambiente livre de estímulos sensoriais, com ventilação assistida, dieta zero, hidratação, iniciado esquema de antibioticoterapia com Ampicilina (400 mg/Kg/dia 8/8h), Gentamicina (4 mg/Kg/dia 24/24h) e Metronidazol (7,5 mg/Kg/dose de 8/8h), Fenobarbital (5 mg/Kg/dia), Fenitoína (5 mg/Kg/dose), Midazolam (0,4 mg/Kg/h), Furosemida (0,5 mg/Kg/dose), Dobutamina (5), limpeza de região umbilical com clorexidine alcoólica. Foi ainda realizada imunoglobulina antitetânica (1000 UI, IM, dose única) e preenchido impresso de notificação compulsória. O RN evoluiu com choque misto refratário e insuficiência cardíaca, esteve em ventilação mecânica por 37 dias e cateter nasal de oxigênio por 5 dias. No 16º dia de internação hospitalar, iniciou-se o uso de Diazepam (0,3 mg/Kg/dose de 6/6h) mantendo por 17 dias e após reavaliação da neuropediatra foi reduzida a dose para 0,2 mg/Kg 8/8h. RN realizou exame de eletroencefalograma demonstrando atividade epileptiforme, desorganização difusa do traçado e tomografia evidenciando atrofia cortical difusa e aumento ventricular discreto compensatório. Após 1 mês, RN foi encaminhado para a enfermaria em bom estado geral, em ar ambiente com peso de 4295 gramas, usando Diazepam, Fenobarbital e polivitamínicos. Evoluiu sem intercorrências, tendo alta hospitalar com boa aceitação da dieta oral, presença de hipertonia de membros e hipotonia axial, redução da movimentação de hemicorpo esquerdo, ausência de crises convulsivas e abalos musculares, em uso de Captopril (0,7 mg/ Kg/dia), Furosemida (0,5 mg/Kg/dia), Oxcarbamazepina (9,8 mg/Kg/dia) e Diazepam (0,4 mg/Kg/dia). Foi encaminhado para acompanhamento ambulatorial com a fonoaudiologia, cardiopediatria, neuropediatria e pediatria geral.


DISCUSSÃO

O TN é uma doença aguda do sistema nervoso causada pela contaminação do coto umbilical por esporos do bacilo Clostridium tetani, no momento do nascimento ou nos primeiros dias de vida, iniciando o quadro clínico entre 4 e 14 dias após o nascimento10.

Considera-se que os fatores de risco para o TN estão associados aos aspectos ambientais, econômicos, sociais e culturais, tais como costumes e hábitos anti-higiênicos que incluem a aplicação de poeira, cinzas ou esterco animal para feridas; uso de instrumentos não esterilizados para cortar o do cordão umbilical; falta de serviços de cuidados primários de saúde, entre outros11,12. No presente caso, detectamos a presença do fumo e as condições sociais da família como fatores de risco para doença.

Geralmente, o primeiro sintoma da doença é o choro excessivo, que progride com a incapacidade para sugar devido a espasmos do músculo masseter. O recém-nascido evolui rapidamente com rigidez e espasmos generalizados, que podem ser espontâneos ou muitas vezes provocados por qualquer estímulo, como o ruído e a luz. É importante ressaltar que, durante o espasmo, a respiração é prejudicada e a criança pode apresentar apneia, tornando-se cianótica ou pálida13. Esses dados corroboram com o quadro clínico do RN que se iniciou no 9º dia de vida, sendo o diagnóstico da doença eminentemente clínico4. Tais manifestações clínicas podem ser confundidas com crise convulsiva. O principal fator de diferenciação é que, ao contrário da convulsão, a consciência é mantida no tétano13. O tétano deve ser diferenciado também com outras neuropatologias como meningite, hipocalcemia e hipoglicemia, que podem apresentar manifestações clínicas semelhantes.

O tratamento dessa afecção consiste na neutralização das toxinas circulantes no sangue com imunoglobulina antitetânica, antibioticoterapia e suporte intensivo para controle da hipertonia e dos espasmos musculares10,13. Neste caso, o paciente foi encaminhado à UTI, mantido em ambiente livre de estímulos sensoriais, sob ventilação mecânica assistida, administrado Midazolam, Fenitoína, Fenobarbital, iniciado Ampicilina, Gentamicina, Metronidazol e realizada imunoglobulina antitetânica (1000 UI, via intramuscular, dose única).


CONCLUSÃO

No passado, o tétano foi uma afecção de grande prevalência em todo o mundo. Com a aplicação da vacina antitetânica e dos cuidados de assepsia durante o parto, houve diminuição da incidência do tétano neonatal, porém, é uma doença que continua sendo uma das principais causas de mortalidade em recém-nascidos, especialmente em países subdesenvolvidos2,3,14.


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1. Médico - Médica Residente de Pediatria do Hospital de Clínicas da UFTM
2. Mestrado - Professora substituta do Departamento de Pediatria, Médica na UTI Infantil do Hospital de Clínicas da UFTM, Preceptora de Pediatria no 5º ano de Medicina na Universidade de Uberaba
3. Professora Doutora adjunto IV da disciplina de Pediatria da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Supervisora da Residência de UTI Pediátrica do Hospital de Clínicas da UFTM - Supervisora da UTI Pediátrica do Hospital de Clínicas da UFTM
4. Preceptora da Residência de Medicina Intensiva Pediátrica do Hospital de Clínicas da UFTM - Médica na UTI Pediátrica do Hospital de Clínicas da UFTM
5. Médico - Médico Residente de Medicina Intensiva Pediátrica do Hospital de Clínicas da UFTM

Endereço para correspondência:
Alessandra Karolina Borges Pereira
Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)
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