ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2024 - Volume 14 - Número 2

Hemangioendotelioma Kaposiforme: relato de caso

Kaposiform hemangioendothelioma: case report

RESUMO

O Hemangioendotelioma Kaposiforme é considerado um tumor vascular benigno, localmente invasivo e com similaridade histológica ao sarcoma de Kaposi. Está relacionado a complicações com graus variados de morbimortalidade. Tem diagnóstico definitivo através de exame histológico e opção de tratamento cirúrgico ou medicamentoso, que varia conforme indicação clínica do paciente. A pesquisa objetiva a publicação de um caso de Hemangioendotelioma Kaposiforme admitido em um hospital pediátrico de Santa Catarina em 2022. Por meio da consulta ao prontuário do paciente, foram levantados os dados clínicos, epidemiológicos e laboratoriais; os dados do caso relatado foram comparados com o que é descrito na literatura atual acerca do tema, discutindo-se suas similaridades e diferenças e, por fim, confirmando o diagnóstico de Hemagioendotelioma Kaposiforme, através do seu exame padrão-ouro — o exame histológico. Apesar de pouco conhecido entre médicos e pediatras, o Hemangioendotelioma Kaposiforme é uma doença de relevância na área médica, uma vez que tem como diagnósticos diferenciais os tumores vasculares mais comuns da infância, o hemangioma infantil e o hemangioma congênito. A finalidade do estudo é, portanto, descrever um caso da doença em questão, alertar os profissionais de saúde para o reconhecimento de seus sinais e sintomas e a necessidade de realização do diagnóstico diferencial em tais pacientes.

Palavras-chave: Neoplasias de tecido vascular, Pediatria, Hemangioendotelioma.

ABSTRACT

Kaposiform hemangioendothelioma is considered a benign vascular tumor, with locally invasive characteristics and histological similarity to Kaposi sarcoma. It is related to complications with varying degrees of morbidity and mortality. The definitive diagnosis is made by histological examination and the treatment course can be either surgical or drug therapy, which varies according to patients clinical indication. The aim of the research is to publish a case of Kaposiform Hemangioendothelioma admitted to a pediatric hospital in Santa Catarina, in 2022. Clinical, epidemiological and laboratory data were obtained by consulting the patients medical record; the reported case data were compared with what is described in the current literature about the disease, discussing their similarities and differences and, finally, confirming the diagnosis, through the anatomopathological exam. Despite the fact of little knowledge between physicians and pediatricians, Kaposiform Hemangioendothelioma is a disease of relevance in the medical field, since its differential diagnoses are the most common vascular tumors of childhood, infantile hemangioma and congenital hemangioma. The purpose of the study is to describe a Kaposiform Hemangioendothelioma case and alert health care professionals the recognition of diseases signs and symptoms and the need to carry out a differential diagnosis in such patients.

Keywords: Neoplasms,vascular tissue, Hemangioendothelioma, Pediatrics.


Descrito pela primeira vez em 1993 por Zukerberg e colaboradores, o Hemangioendotelioma Kaposiforme é um tumor vascular benigno que surge tipicamente nos primeiros anos de vida, caracteriza-se por massa eritematosa, crescimento localmente invasivo, curso agressivo e similaridades histológicas ao sarcoma de Kaposi1,2. Dados de literatura internacional sugerem uma prevalência de 0.91 casos a cada 100.000 crianças2.

Por sua patogênese agressiva, pode cursar com complicações, tais como Fenômeno de Kasabach-Merritt, desordens musculoesqueléticas, linfedema e compressão de estruturas vitais. Consiste em importante diagnóstico diferencial com Hemangioma Infantil e Hemangioma Congênito, principalmente pela similaridade fenotípica da lesão e faixa etária de acometimento2.

Quanto ao tratamento, a ressecção cirúrgica da lesão é considerada curativa; entretanto, quando esta não for possível de ser realizada, opta-se por tratamento medicamentoso3.

Este artigo descreve um caso de Hemangioendotelioma Kaposiforme acometendo um paciente de idade escolar em acompanhamento ambulatorial em um hospital terciário de Santa Catarina, com objetivo de alertar a profissionais de saúde sobre este diagnóstico, suas possíveis complicações e seus importantes diagnósticos diferenciais.


RELATO DE CASO

Escolar, masculino, de 9 anos, foi encaminhado para o ambulatório de Dermatologia Pediátrica por lesão em face, de crescimento progressivo há cerca de 2 anos. Inicialmente, a descrição da lesão era de mancha arroxeada, que gradualmente evoluiu para placa de aspecto irregular, com aumento de tamanho e volume, associado a dor, prurido e sangramento local recidivante de pequena monta e autolimitado. Outras duas lesões semelhantes surgiram meses após a primeira, a poucos centímetros de distância. O menor não apresentava outras queixas e no seu histórico de saúde não havia nada significativo.

Ao exame físico, a maior lesão foi descrita como aspecto verrucoso, coloração roxo-amarronzada, de 2.5 cm x 1.8 cm, em região malar esquerda; outras 2 lesões de aspecto semelhante, menores em volume e diâmetro, eram localizadas em região temporal e pavilhão auricular esquerdo (Figura 1).


Figura 1. Lesões localizadas em face, à esquerda.



Para investigação etiológica foi realizada uma biópsia com punch, cujo laudo foi sugestivo de hemangioma verrucoso; porém, não se podendo descartar Hemangioendotelioma Kaposiforme.

Com a persistência do sangramento intermitente em lesão da região malar esquerda, foi solicitada angiorressonância magnética para avaliação de extensão e planejamento de exérese dela. O exame evidenciou 3 nódulos em região esquerda da face, com intenso realce pelo meio de contraste, estendendo-se até plano subcutâneo. Foi realizado procedimento de ressecção completa das lesões, com retalho local, sem intercorrências.

O exame anatomopatológico exibiu células fusiforme atípicas, contendo glóbulos hialinos em seu citoplasma, estendendo-se até hipoderme (Figura 2); as margens periféricas da lesão estavam livres, porém com margens profundas comprometidas. À imuno-histoquímica, foi evidenciado positividade de marcadores CD31, CD34 e Ki-67, além de pesquisa negativa para Herpesvírus Humano 8 nas células avaliadas, confirmando o diagnóstico de Hemangioendotelioma Kaposiforme.


Figura 2. Hematoxilina&Eosina (H&E), 100x: células tumorais de aspecto fusiforme, dispostas em nódulos



O paciente mantém acompanhamento ambulatorial desde sua investigação diagnóstica no ano de 2022 até o momento da publicação deste artigo, com boa evolução pós-operatória e sem recidiva da lesão ou complicações associadas à doença relatada.


DISCUSSÃO

Em 1993, Zukerberg e colaboradores descreveram pela primeira vez o tumor vascular benigno que hoje é conhecido como Hemangioendotelioma Kaposiforme (HEK). Até sua descrição, o HEK era comumente classificado como Hemangioma Infantil; porém, ambas as patologias se diferem pelo crescimento localmente invasivo, curso agressivo e similaridade histológica ao sarcoma de Kaposi, característicos do HEK1-3.

Nos Estados Unidos, em um dos poucos estudos sobre epidemiologia da doença, encontrou-se prevalência 0.91 de casos a cada 100.000 crianças. Desses, 60% dos casos tiveram sua manifestação ainda no período neonatal e até 90% no primeiro ano de vida. Acredita-se, entretanto, que sua prevalência seja subestimada, pois lesões pequenas e assintomáticas de HEK podem ser erroneamente diagnosticadas como Hemangioma Infantil2,4.

Apesar de surgimento em paciente de idade escolar, a tumoração vascular do caso relatado apresenta-se em concordância com o que é descrito na literatura, uma vez que se caracteriza por lesões cutâneas nodulares, firmes e de crescimento progressivo.

Cerca de 88% dos casos encontrados são de envolvimento cutâneo, localizados principalmente em extremidades, cabeça e pescoço. Ainda que raras, também estão descritas tumorações profundas e múltiplas, localizadas em diversos locais, como retroperitônio, mediastino e ossos. Caso não tratadas, essas lesões raramente regridem espontaneamente2,3,5.

Tem o Hemangioma Infantil (HI) e o Hemangioma Congênito (HC) como importantes diagnósticos diferenciais, pela similaridade fenotípica das lesões ao exame físico. O HI é o tumor vascular mais prevalente em crianças e é marcado pelo crescimento expressivo e abrupto de uma desorganizada massa de vasos sanguíneos entre 3 e 5 meses de vida, além da involução espontânea iniciada ao fim do primeiro ano de vida. Já o HC caracteriza-se por tumoração vascular cutânea completamente formada ao nascimento — à semelhança de 60% dos casos de HEK, presentes ao nascimento ou no período neonatal —, podendo ser diferenciados pelo fato de HC potencialmente involuir no primeiro ano de vida. Raramente são necessários exames para definição diagnóstica; porém, ao exame imuno-histoquímico, o HI é positivo ao Glut-1 e o HC, ao WT-1, CD31 e CD342,5,6.

A investigação do HEK requer suspeição clínica, exame de imagem, análise histopatológica e imuno-histoquímica. O ultrassom é o exame inicial para lesões pequenas e superficiais, já a ressonância magnética é indicada para avaliação de lesões profundas ou não aparentes ao exame físico. Evidenciam nódulo de margens bem definidas, envolvimento de planos adjacentes e realce difuso ao meio de contraste2.

Mesmo com exame físico que pudesse sugerir uma tumoração vascular, o paciente relatado foi inicialmente investigado com biópsia com punch devido a sua apresentação não ser compatível com hemangioma infantil — o diagnóstico provável, por se tratar do tumor vascular mais comum da infância —; uma vez que a tumoração teve surgimento em escolar, apresentando crescimento progressivo por mais de 1 ano, sem involução e de aspecto invasivo. 

Sem definição etiológica clara com a biópsia inicial, foi ampliada sua investigação com angioressonância magnética e programado procedimento cirúrgico para ressecção completa da lesão e avaliação histopatológica — sendo esta considerada o exame diagnóstico padrão-ouro. São sugestivas de HEK as lesões: infiltrativas, margens bem definidas, compostas de células endoteliais atípicas fusiformes que se alinham para formar vasos sanguíneos e linfáticos disformes, favorecendo a formação de microtrombos plaquetários, acúmulo de glóbulos hialinos e extravasamento de depósitos de hemossiderina. À imuno-histoquímica, essas células são positivas para marcadores CD31, CD34, VEGFR-3, D2-40 e Proxy-1 e negativas para Glut-1 (marcador de hemangiomas) e coloração para Herpesvírus Humano 8 (relacionado ao sarcoma de Kaposi)2,6,7.

Dentre as possíveis complicações associadas ao HEK tem-se as desordens musculoesqueléticas e o linfedema, provocadas pela invasão de tecidos adjacentes pelo HEK2.

O fenômeno de Kasabach-Merritt (FKM) é outra complicação associada, ocorrendo em até 70% dos pacientes com HEK. Considerado uma coagulopatia, o fenômeno é caracterizado pelo aprisionamento de plaquetas nos vasos sanguíneos disformes, formação de microtrombos, anemia hemolítica microangiopática, consumo de fibrinogênio e fatores da coagulação. Está relacionado ao tamanho tumoral, sendo manifestação rara em tumores pequenos — a exemplo do caso relatado, sem descrição do fenômeno — e frequente em tumores que possuem mais de 8 cm de diâmetro3,8.

Clinicamente, o fenômeno pode se manifestar por um rápido aumento de volume, ingurgitamento, dor e escurecimento da coloração do tumor. É evidente ao exame físico nas lesões cutâneas, mas raramente diagnosticado de maneira clínica em lesões profundas. Os sinais vitais costumeiramente estão alterados pela coagulopatia, determinando quadro de instabilidade hemodinâmica. Ainda, quando em localizações profundas, o fenômeno pode levar a uma complicação secundária — compressão de estruturas vitais2,7,8.

A avaliação do FKM requer exames laboratoriais, evidencia trombocitopenia, aumento de tempo de atividade da protrombina, tempo de tromboplastina parcial ativada, hipofibrinogenemia e aumento de d-dímero. Considerado grave, pode levar à morte até 30% dos afetados. O tratamento é suportivo, utiliza-se transfusão de crioprecipitados em caso de sangramento ativo e transfusão de hemácias, na anemia sintomática2,7,8.

Quanto ao tratamento do HEK, em consonância com o que afirmam os artigos atuais, o paciente foi tratado com ressecção cirúrgica total da lesão — opção considerada curativa. Entretanto, nem sempre possível de ser realizada, uma vez que possui contraindicações rotineiramente encontradas nos portadores de HEK, como: lesões extensas, em locais nos quais a ressecção completa resultaria em mutilação ou prejuízo funcional, bem como lesões com FKM ativo3,8.

Em relação ao tratamento farmacológico — indicado na impossibilidade cirúrgica —, até o momento, não existem grandes ensaios clínicos que apontem para uma droga de escolha. Um grupo de especialistas de diversas áreas no manejo de HEK foi reunido em 2013 para debater esquemas farmacológicos costumeiramente empregados e elegeram as melhores opções farmacológicas. Para o HEK isolado ficou indicado o uso de corticosteroide em dose de imunossupressão; sendo que uma resposta clínica com diminuição do volume da lesão é esperada em período de 2 semanas. Já para o HEK associado ao FKM, é recomendada a associação de corticosteroide e vincristina; sendo este um quimioterápico com taxa de resposta superior a 70% no controle do FKM2,8,9.

Estudos mais recentes apontam o sirolimus como medicação efetiva para redução do tamanho tumoral, normalização do número de plaquetas e, em alguns casos, redução da dor musculoesquelética. É prescrito em terapia combinada com corticosteroide, na falência do tratamento combinado de corticosteroide e vincristina2.

Apesar de pouco conhecido entre médicos e pediatras, o Hemangioendotelioma Kaposiforme é uma doença de relevância na área médica em virtude do seu importante diagnóstico diferencial com Hemangioma Infantil e Hemangioma Congênito — tumores vasculares mais comuns da infância. Além da necessidade de um diagnóstico assertivo, é importante que se assegure acompanhamento clínico e tratamento adequado ao paciente portador de HEK, haja vista a possibilidade de curso agressivo e grande morbimortalidade, relativas a suas complicações clínicas.


REFERÊNCIAS

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1. Hospital Infantil Joana de Gusmão, Programa de Residência Médica - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil
2. Hospital Infantil Joana de Gusmão, Serviço de Dermatologia Pediátrica - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil

Endereço para correspondência:

Alessandra Geraldo
Hospital Infantil Joana de Gusmão
R. Rui Barbosa, 152 - Agronômica
Florianópolis/SC - CEP 88025-301
E-mail: alessandra.ger@hotmail.com

Data de Submissão: 28/02/2023
Data de Aprovação: 02/02/2024