ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2024 - Volume 14 - Número 3

Osteomielite de Garrè em Pediatria: relato de um caso raro

Garrè’s osteomyelitis in Pediatrics: report of a rare case

RESUMO

INTRODUÇÃO: A Osteomielite de Garrè (OG) é uma doença rara, de origem inflamatória, crônica, caracterizada por reação periosteal com
neoformação óssea secundária a infecções bacterianas de origem odontogênica. A mandíbula é a estrutura óssea mais acometida. A OG é mais prevalente na primeira e segunda décadas de vida, com discreta predominância no sexo masculino.
OBJETIVO: Descrever caso clínico em paciente pediátrico com quadro de OG, evidenciando pontos do diagnóstico para o pediatra e sua evolução clínica.
RELATO DE CASO: Paciente masculino, 12 anos, previamente hígido, iniciou quadro de dor em arcada dentária inferior, associada à extensa lesão cariosa em primeiro molar inferior direito, evoluiu com surgimento de tumoração em topografia mandibular homolateral, indolor e endurecida. Realizada tomografia computadorizada (TC) de face que evidenciou comprometimento lítico periapical junto ao primeiro e segundo pré-molares inferiores à direita, com comprometimento da cortical óssea externa em adjacência, associado à reação periosteal. Aventada a hipótese de OG, foi realizada a exodontia do dente acometido com biópsia de tecido ósseo, estudo histológico apresentou presença de tecido fibroso, vasos sanguíneos dilatados e infiltrado inflamatório intertrabecular. Realizada antibioticoterapia com clindamicina venosa por sete dias. Evoluiu com regressão progressiva da lesão, sendo mantido por via oral por seis semanas, suspenso após regressão completa do quadro.
CONCLUSÃO: Este caso reforça a importância dessa condição para pediatras. Deve sempre ser suspeitada quando há existência de doença dentária associada. A evolução tende a ser favorável, quando instituído tratamento adequado, sendo a retirada do foco infeccioso e a antibioticoterapia adjuvante.

Palavras-chave: Osteomielite, Mandíbula, Pediatria.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Garrè’s osteomyelitis (GO) is a rare inflammatory chronic disease, characterized by a periosteal reaction with bone neoformation secondary to bacterial infections of odontogenic origin. The mandible is the most affected bone structure. Most prevalent in the first and second decades of life, a little more prevalent in males.
OBJECTIVE: To describe a clinical case in a pediatric patient with GO, showing diagnostic keys for the pediatrician and its clinical evolution.
CASE REPORT: A 12-year-old male patient, previously healthy, started with pain in the lower dental arch, associated with an extensive carious lesion in the lower right first molar, progressing with the appearance of a tumor in the homolateral mandibular topography, it was painless and hardened. A computed tomography was performed on the face, which showed periapical lytic involvement along the lower right first and second premolars, and the adjacent external cortical bone, associated with periosteal reaction. Having raised the hypothesis of GO, the extraction of the affected tooth was realized with bone tissue biopsy, the histological study showed the presence of fibrous tissue, dilated blood vessels and intertrabecular inflammatory infiltrate. Antibiotic therapy with intravenous clindamycin for seven days. It evolved with progressive regression of the lesion, being maintained orally therapy for six weeks, suspended after complete regression.
CONCLUSION: This case reinforces the importance of this condition for pediatricians. It should always be suspected when there is a dental disease. The evolution tends to be favorable, when appropriate treatment is instituted, removing the infectious focus and prescribing adjuvant antibiotic therapy.

Keywords: Osteomyelitis, Mandible, Pediatrics.


INTRODUÇÃO

A Osteomielite de Garrè (OG) é uma doença rara, de origem inflamatória, crônica, caracterizada por reação periosteal com neoformação óssea secundária a infecções bacterianas de origem odontogênica1,2. A mandíbula é a estrutura óssea mais acometida na OG3.

A fisiopatologia dessa condição ainda não é bem definida. É notável, porém, o papel da infecção odontogênica na evolução e disseminação local, até a perfuração da cortical óssea. Esta estimula a formação de novo osso pelo periósteo4. Existem algumas correntes relacionadas à fisiopatologia da OG, principalmente pela característica de indivíduos jovens apresentarem tecido ósseo dinâmico, com alta atividade do periósteo, que associado a uma infecção de baixa virulência resultaria em desequilíbrio entre as atividades osteoblásticas e osteoclásticas5.

As infecções bacterianas de origem odontogênica, na forma de abscesso periapical ou periodontal, pericoronite, ferida de extração infectada ou ferida por fratura podem ser consideradas como fator predisponente para essa condição6.

É descrito na literatura que a faixa etária mais prevalente da OG é a primeira e segunda décadas de vida, com discreta preferência pelo sexo masculino. Também é observada maior incidência relacionada aos dentes molares inferiores3.

O diagnóstico da OG é iminentemente clínico e radiológico. Clinicamente, é observado aumento do volume lateral da borda posterior do corpo da mandíbula de consistência endurecida, ocasionando assimetria facial, associada ou não à alteração cutânea local e linfadenopatia regional. É notada a presença de lesão periapical associada a um dente cariado. A radiografia evidencia osso expandido com esclerose generalizada7. Na biópsia, a neoformação óssea sob a camada periosteal é característica da doença4,5.

O tratamento mais comumente aceito para a OG é a extração do dente acometido associado à antibioticoterapia. Os diagnósticos diferenciais incluem sarcoma de Ewing, displasia fibrosa, sarcoma osteogênico, hiperostose cortical, exostose óssea e osteoma6. O objetivo é descrever um caso em paciente pediátrico com quadro de Osteomielite de Garrè, evidenciando pontos do diagnóstico para o pediatra e sua evolução clínica.


RELATO DE CASO

Paciente masculino, 12 anos, previamente hígido, iniciou quadro de dor em arcada dentária inferior com evolução de um mês, observado primeiro molar inferior direito com extensa lesão cariosa. Evoluiu com surgimento de tumoração em topografia mandibular à direita (Figura 1 A), indolor e endurecida à palpação, sem histórico de dor no local ou durante mastigação. Negava febre, queixas respiratórias ou gastrintestinais.





Realizada tomografia computadorizada (TC) de face sem contraste que evidenciou comprometimento lítico periapical junto ao primeiro e segundo pré-molares inferiores à direita, com comprometimento da cortical óssea externa em adjacência, associado à reação periosteal (Figura 2 A). Aventada a hipótese de OG, paciente encaminhado a serviço de odontologia para avaliação dentária.





Foi realizada a exodontia de primeiro molar inferior direito (dente 46) e biópsia de tecido ósseo. Realizado estudo histológico de biopsia óssea da mandíbula em hematoxilina-eosina (HE) com presença de tecido fibroso, vasos sanguíneos dilatados em entremeio às trabéculas ósseas, infiltrado inflamatório intertrabecular rico em plasmócitos, linfócitos, histiócitos e neutrófilos, indicativos de OG. Enviado fragmento ósseo para cultura e não houve crescimento bacteriano.

Foi submetido à antibioticoterapia com clindamicina venosa por sete dias. Evoluiu com regressão progressiva da lesão, sendo mantido o mesmo fármaco via oral por seis semanas, suspenso após regressão completa do quadro (Figura 1 B).


DISCUSSÃO

Em 1893, Carl Garrè publicou um artigo com as manifestações das osteomielites, relatou uma formação periférica de osso reacional secundária a uma infecção ou inflamação. Desde então, tal condição passou a ser conhecida como Osteomielite de Garrè (OG)1,2.

No caso relatado, é descrito diagnóstico de OG em paciente pediátrico de 12 anos de idade, do sexo masculino, segundo Fukuda et al. (2017)7, tal condição acomete pacientes de aproximadamente 13 anos, não havendo importante diferença de incidência por gênero, mas existe predileção pelo gênero masculino, assim como o do paciente.

Segundo Akgül et al. (2018)3, é observado que os pacientes apresentam como queixa a assimetria facial, uma vez que a lesão se expande unilateralmente. Queixas álgicas não são achados frequentes, assim como observado no paciente deste caso. Fístula cutânea é uma complicação possível, mesmo sendo caracterizada como não supurativa. Outros sintomas descritos são febre e linfadenopatia.

Na literatura, é marcante a presença de infecção odontogênica na gênese da OG. No paciente em questão, foi observada extensa lesão cariosa em primeiro molar inferior direito. Segundo Nogueira et al. (2018)4, atinge com maior frequência o primeiro molar inferior com infecção periapical associada. Também são descritas outras causas não infecciosas, como cistos odontogênicos e trauma.

Os exames complementares, radiográficos e laboratoriais não são patognomônicos. Nos achados de imagem, é notado aumento ósseo com esclerose generalizada associado à hiperplasia e destruição óssea. A osteomielite de Garrè também se manifesta como espessamento periosteal e nova formação óssea. A maioria das lesões está localizada ao redor do córtex vestibular dos dentes, de onde se origina a periostite8,9. Taxa de ocorrência de uma cultura bacteriana positiva é baixa, como também observado neste caso clínico.

O diagnóstico diferencial inclui entidades benignas e malignas. Eversole et al. (ano) descreveram as principais características da OG: assimetria facial por edema ósseo, achados histopatológicos com características benignas, lesão secundária à infecção ou trauma e capacidade de remodelamento completo ou parcial do osso após a remoção do fator infeccioso7,9-11.

Os diagnósticos diferenciais incluem displasia fibrosa, sífilis, acne, pustulose, hiperostose e osteíte, doença de Paget, osteoma osteooide, doença de Ewing, osteossarcoma e granuloma eosinofílico12.

O estudo histopatológico, em geral, restringe-se aos casos de dúvida diagnóstica, ou quando em exames de imagem não se observam lesões características. Na biópsia a neoformação óssea sob a camada periosteal é característica da doença. Também são observados trabéculas ósseas perpendiculares circundadas por osteoblastos, infiltrado de células inflamatórias e sinais característicos de osteomielite crônica2,9,10. Devido à raridade do caso, foi optado pela realização de biópsia da lesão para auxiliar no diagnóstico diferencial.

Para a resolução completa do quadro, é descrito na literatura a combinação de terapia antimicrobiana e eliminação total do tecido infectado e necrótico. Conduta adotada no caso deste paciente. Sendo escolhida a clindamicina por apresentar bom espectro para bactérias relacionadas às infecções odontogênicas. Também é descrita a técnica de oxigenoterapia hiperbárica com resultados bem-sucedidos quando associado à combinação3,6.

O prognóstico da OG é de caráter benigno, a partir da remoção do foco infeccioso que na maioria dos casos é o fator causal, associado à antibioticoterapia adjuvante cursa favoravelmente na evolução do quadro2.


CONCLUSÃO

A Osteomielite de Garrè é uma doença inflamatória crônica e rara na população pediátrica. Este caso destaca a relevância da doença tanto para dentistas quanto para pediatras. Deve sempre ser suspeita quando há existência de doença dentária associada. Tem importância o diagnóstico clínico e de imagem dessa condição, o estudo histológico é reservado para os casos duvidosos. A evolução tende a ser favorável, quando instituído tratamento adequado, sendo a retirada do foco infeccioso e a antibioticoterapia adjuvante.


REFERÊNCIAS

1. Wood RE, Nortje CJ, Grotepass F, Schmidt S, Harris AM. Periostitis ossificans versus Garrè's osteomyelitis. Part I. What did Garrè really say. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1988;65(6):773-7.

2. Barros JSM, Barra SG, Wanzeler AMV, Manzi FR. Osteomielite de Garré: Relato de caso clínico. Rev Fac Odontol Lins. 2015;25(1):79-83.

3. Akgül HM, Çağlayan F, Yılmaz SG, Derindağ G. Garre's Osteomyelitis of the Mandible Caused by Infected Tooth. Case Rep Dent. 2018;1(1):1-4.

4. Nogueira PTBC, Pereira JPLD, Rodrigues LR, Costa VS, Nemezio MA, Silva AA. Osteomielite crônica com periostite proliferativa em mandíbula: relato de caso. Braz J Surg Clin Res. 2018;23(1):89-92.

5. Silva MM, Castro AL, Castro EVFL, Coclete GA. Osteomielite de Garré: atualização do tema e relato de dois novos casos clínicos. Rev Bras Odontol. 2009;66(1):8-11.

6. Park J, Myoung H. Chronic suppurative osteomyelitis with proliferative periostitis related to a fully impacted third molar germ: a report of two cases. J Korean Assoc Oral and Maxillofac Surg. 2016;42(4):215-20.

7. Fukuda M, Inoue K, Sakashita H. Periostitis Ossificans arising in the mandibular bone of a young patient: report of an unusual case and review of the literature. J Oral Maxillofac Surg. 2017;75(9):1834-e1–e8.

8. Nikomarov D, Zaidman M, Katzman A, Keren Y, Eidelman M. New treatment option for sclerosing osteomyelitis of Garré. J Pediatr Orthop B. 2013;22(6):577-82.

9. Liu D, Zhang J, Li C, Liu X, Zheng J. Chronic osteomyelitis with proliferative periostitis of the mandibular body: report of a case and review of the literature. Ann R Coll Surg Engl. 2019;101(5):328-32.

10. Eversole LR, Leider AS, Corwin JO et al. Periostite proliferativa de Garre: sua diferenciação de outras neoperiostoses. J Oral Surg 1979; 37(10): 725–731.

11. Shah KM, Karagir A, Adaki S. Chronic non-suppurative osteomyelitis with proliferative periostitis or Garre's osteomyelitis. BMJ Case Rep. 2013;1(2):1-2.

12. Song S, Jeong HJ, Shin HK, Kim E, Park SJ. Sclerosing osteomyelitis of Garré: A confusing clinical diagnosis. J Orthop Surg. 2019;27(3):1-4.










1. Hospital Materno Infantil de Brasília, Pediatria - Brasília - Distrito Federal - Brasil
2. Faculdade Ceres, Patologia - São José do Rio Preto - São Paulo - Brasil

Endereço para correspondência:
Aldo Roberto Ferrini-Filho
Hospital Materno Infantil de Brasília, Pediatria - Brasília - Distrito Federal - Brasil
L2 SUL Quadra 608 Módulo A, Asa Sul
Brasília, DF, Brasil. CEP: 70.203-900
E-mail: aldo_rf10@hotmail.com

Data de Submissão: 06/07/2021
Data de Aprovação: 06/05/2024