Artigo Original
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Ano 2024 -
Volume 14 -
Número
3
Avaliação do Eletroencefalograma de Amplitude Integrada em recém-nascidos maiores que 35 semanas de idade gestacional expostos ao crack e/ou cocaína no pré-natal
Amplitude Integrated Electroencephalography assessment in newborns greater than 35 weeks of gestational age exposed to crack and/or cocaine prenatally
Mariana Menezes Azevedo Ginez1; Nathalie Sales Laguno2,3; Daniela Pereira Rodrigues2,3; Marcelo Jenné Mimica2,4; Rafaela Fabri Rodrigues Pietrobom1,4; Alexandre Netto1; Gabriel Fernando Todeschi Variane1,4; Mauricio Magalhães2,4
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar os achados da monitorização cerebral com vídeo aEEG/EEG em recém-nascidos de mães que usaram cocaína e/ou crack durante a gestação e descrever o perfil epidemiológico dessas mães e bebês.
MÉTODOS: Estudo prospectivo descritivo realizado entre agosto de 2019 e fevereiro de 2020. Foram incluídos recém-nascidos com idade gestacional = 35 semanas e com histórico de uso materno de crack e/ou cocaína durante a gestação. Os recém-nascidos foram submetidos à videomonitorização de aEEG/EEG por 24 horas nas primeiras 48 horas de vida. A avaliação da síndrome de abstinência neonatal foi realizada por meio do Finnegan Score. ??Dados demográficos e clínicos foram analisados. A curva Intergrowth-21 foi utilizada para classificar as medidas antropométricas descritas. Os métodos de Capurro e New-Ballard foram padronizados para a determinação da idade gestacional em recém-nascidos.
RESULTADOS: 12 recém-nascidos foram incluídos de acordo com os critérios, todos tiveram pontuação de 0 a 7 segundo o score de Finnigan nas primeiras 6h de vida. Na 30ª hora de vida, 10 (91%) tiveram pontuação entre 0 e 7 e 1 neonato entre 8 e 11, considerados alterados com necessidade de tratamento. Às 72 horas de vida, os 12 recém-nascidos avaliados apresentaram pontuação entre 0 e 7. O padrão de atividade eletroencefalográfica de base nas primeiras 48 horas de vida foi contínuo com a presença de ciclo sono-vigília em todos os casos.
CONCLUSÕES: Recém-nascidos de mães usuárias de drogas podem ter padrão de maturação precoce na avaliação eletroencefalográfica. Mais estudos são necessários para melhor avaliar essa relação.
Palavras-chave:
Recém-Nascido, Usuários de Drogas, Unidades de Terapia Intensiva Neonatal
ABSTRACT
OBJECTIVE: To evaluate the findings of video aEEG/EEG brain monitoring in newborns of mothers who used cocaine and/or crack during pregnancy and to describe the epidemiological profile of these mothers and infants.
METHODS: Descriptive prospective study carried out from August 2019 to February 2020. We included newborns with a gestational age = 35 weeks and a history of maternal use of crack or cocaine during pregnancy. Newborns underwent video aEEG/EEG monitoring for 24 hours in the first 48 hours of life. The assessment of neonatal abstinence syndrome was performed using the Finnegan Score. Demographic and clinical data were analyzed. The Intergrowth-21 curve was used to classify the anthropometric measurements described. Capurro and New-Ballard methods were standardized for determining gestational age in newborns.
RESULTS: 12 newborns met the criteria; all scored from 0 to 7 according to the Finnigan score in the first 6 hours of life. In the 30th hour of life, 10 (91%) scored between 0 and 7 and 1 neonate between 8 and 11, considered altered with the need for treatment. At 72 hours of life, the 12 newborns evaluated had scores between 0 and 7. The background electroencephalographic activity pattern in the first 48 hours of life was continuous, with the presence of a sleep-wake cycle in all cases.
CONCLUSIONS: Newborns of drug-using mothers may have an early maturation pattern on electroencephalographic assessment. More studies are needed to assess this relationship better.
Keywords:
Infant, newborn, diseases, Drug users, Intensive Care Units, neonatal.
INTRODUÇÃO
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o uso de drogas lícitas e ilícitas figura atualmente entre os 20 maiores fatores de risco para problemas de saúde, com enormes impactos físicos, sociais e psicológicos1.O Brasil é o segundo maior mercado mundial de cocaína e/ou crack em número absoluto de usuários2.
A cocaína e o crack atravessam a barreira hematoencefálica e atingem concentrações cerebrais até quatro vezes superiores às plasmáticas. Ambas afetam o sistema nervoso central (SNC) e potencialmente causam impactos significativos ao desenvolvimento neuronal cortical e anomalias morfológicas em diversas estruturas3.Distúrbios do desenvolvimento das funções cognitivas e executivas estão particularmente relacionados à cocaína e incluem manifestações como alterações na postura, reflexos e movimentos, redução da capacidade interativa e da resposta a estímulos ambientais e alterações da reatividade emocional em contextos de socialização4.
A atividade das enzimas que metabolizam a cocaína se encontra reduzida em mulheres grávidas e recém-nascidos5. Além disso, a cocaína é rapidamente transportada através da placenta. O líquido amniótico funciona como reservatório, expondo continuamente o feto à droga mesmo que a gestante interrompa o seu uso6.Os efeitos indiretos da cocaína sobre a gestante incluem vasoconstrição, taquicardia, irritabilidade uterina e desnutrição materna, o que aumenta a probabilidade de trabalho de parto prematuro, descolamento prematuro da placenta, restrição de crescimento intrauterino e diminuição do perímetro cefálico (PC) do recém-nascido7.Outras alterações como atresia intestinal e anomalias genitourinárias como criptorquidismo, hidronefrose e síndrome de Prune Belly foram associadas à exposição fetal à cocaína8.
A ação dos metabólitos da cocaína, que são quelantes do cálcio, aumenta a excitabilidade celular cerebral, que é um dos fatores que contribuem para a ocorrência de convulsões e alterações da atividade cerebral evidenciadas no eletroencefalograma (EEG) como maior irritabilidade do sistema nervoso central, com traçados agudos com picos9-10.
Apesar do conhecimento sobre os efeitos das duas drogas sobre os recém-nascidos, pouco se sabe a respeito de seus impactos na atividade elétrica cerebral desses pacientes.
O eletroencefalograma de amplitude integrada (aEEG) é uma ferramenta clínica validada que possibilita o monitoramento contínuo, não invasivo e simplificado à beira do leito utilizada na UTIN para avaliar a função cerebral a partir da atividade elétrica cerebral, do ciclo sono-vigília e da detecção de crises epilépticas11.O interesse por esse método tem aumentado em função da demanda por intervenções para recém-nascidos de alto risco para lesão cerebral que proporcionem uma redução das sequelas neurológicas decorrentes do período neonatal12.
A associação do aEEG com as imagens brutas do vídeo EEG (vídeo aEEG/EEG) é um método alternativo para monitoramento à beira do leito que aprimora a precisão da detecção de crises epilépticas com maior sensibilidade13. O vídeo aEEG/EEG atua no direcionamento diagnóstico e terapêutico com bom valor preditivo para desfechos neurológicos13. Vale mencionar que a precisão é altamente dependente da experiência do usuário e que a telessaúde pode desempenhar um papel importante no monitoramento por vídeo aEEG/EEG.
O presente estudo tem como objetivo avaliar os achados do monitoramento cerebral com vídeo aEEG/EEG em recém-nascidos filhos de mães usuárias de cocaína e/ou crack durante a gestação e descrever o perfil epidemiológico dessas mães e de seus bebês durante o período de internação hospitalar.
MÉTODOS
O presente estudo descritivo prospectivo foi realizado no período de agosto de 2019 a fevereiro de 2020 no Departamento de Obstetrícia e Ginecologia e no Serviço de Neonatologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital sob o protocolo 3.853.199.
O estudo foi realizado com amostra de conveniência e os recém-nascidos foram recrutados apenas durante o período pré-determinado do estudo.
Foram incluídos recém-nascidos com idade gestacional (IG) igual ou superior a 35 semanas, com histórico de uso materno de crack ou cocaína durante a gestação, relatado pela própria mãe em questionário aplicado após o parto (Anexo 1). O ponto de corte para IG seguiu o protocolo institucional para seguimento de prematuros tardios e a termo com histórico materno de uso de crack ou cocaína durante a gestação.
A rotina para mães com relato de uso de drogas inclui testes confirmatórios para presença de metabólitos da cocaína na urina dos recém-nascidos. Para tal, foi utilizado o imunoensaio rápido por cromatografia em papel do Inlab Confiança para a detecção qualitativa do metabolito da cocaína na urina humana, com ponto de corte de 300 ng/ml baseado na ligação competitiva por anticorpos entre o entorpecente conjugado imobilizado na membrana e o entorpecente ou seu metabólito. A amostra de urina coletada pode ser utilizada a qualquer hora do dia.
Os recém-nascidos foram submetidos a monitoramento por vídeo aEEG/EEG por 24 horas nas primeiras 48 horas de vida. A avaliação para síndrome de abstinência neonatal foi realizada por meio do Escore de Finnegan na sexta, trigésima e septuagésima segunda horas de vida em todos os bebês elegíveis.
Os dados demográficos analisados nos filhos de mães usuárias de crack e/ou cocaína foram sexo, peso ao nascimento (PN), comprimento e perímetro cefálico (PC) ao nascimento e escala de Apgar. Os bebês foram classificados em padrões de crescimento fetal como pequenos para a IG (PIG), simétricos ou assimétricos e adequados para IG (AIG). A curva Intergrowth-21st foi utilizada para classificar as medidas antropométricas descritas em AIG, se o percentil ponderal para idade gestacional estiver entre 10 e 90, PIG se estiver abaixo do percentil 10, simétrico se PC < p10 e assimétrico se PC ≥ p10. De acordo com a tabela do Intergrowth, microcefalia foi definida como perímetro cefálico menor que dois desvios-padrão, considerando IG ao nascimento e sexo14.Os métodos Capurro ou New-Ballard foram padronizados para a determinação da IG nos recém-nascidos a termo e prematuros, respectivamente.
Também foram analisadas a presença de infecção durante a internação, incluindo tratamento de sífilis congênita, além da presença de malformações congênitas.
A avaliação pré-natal foi realizada por meio da análise do questionário e do cartão da gestante. O pré-natal foi considerado adequado quando a mãe compareceu a seis consultas ou mais a partir do primeiro trimestre de gestação.
Todos os recém-nascidos foram monitorados com vídeo aEEG/EEG de três canais (C3-P3, C4-P4 e P3-P4)15.Os traçados do vídeo aEEG/EEG foram analisados em tempo real por três leitores experientes em um centro de monitoramento remoto. Os padrões de atividade basal e o ciclo sono-vigília foram classificados de acordo com a classificação de Hellström-Westas16.
Atividade convulsiva foi definida como aumento abrupto nas amplitudes mínimas e máximas associado a padrão de traçado evolutivo, estereotipado e rítmico, com formas repetidas com picos ou traçados agudos no EEG bruto, com duração mínima de 10 segundos17.Crises convulsivas isoladas foram definidas como uma convulsão eletrográfica por temporada; crises repetitivas foram definidas como mais de uma crise eletrográfica por temporada, mas menos de uma crise eletrográfica em um período de 10 minutos; estado de mal epiléptico foi definido como (a) atividade convulsiva contínua por pelo menos 30 minutos ou (b) convulsões recorrentes por mais de 50% do tempo de registro, variando de uma a três horas13.
RESULTADOS
No período avaliado nasceram 744 crianças na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Em relação aos nascidos vivos neste período, 14 (1,9%) preencheram os critérios de entrada no estudo, mas devido à indisponibilidade do aparelho de vídeo aEEG/EEG, apenas 12 foram monitorados.
A Tabela 1 apresenta os dados sociodemográficos e obstétricos das mulheres que usaram crack e/ou cocaína durante a gestação.
A Tabela 2 apresenta a frequência do uso de drogas ilícitas por usuárias de crack e/ou cocaína durante a gestação.
A Tabela 3 apresenta os dados relativos ao perfil epidemiológico dos recém-nascidos.
Nas primeiras seis horas de vida todos os recém-nascidos obtiveram pontuação de 0 a 7 na escala de Finnegan. Na 30ª hora de vida, 10 (91%) recém-nascidos pontuaram entre 0 e 7 e um (9%) entre 8 e 11, resultado considerado alterado e com necessidade de tratamento. Às 72 horas de vida, os 11 recém-nascidos avaliados pontuaram entre 0 e 7.
O padrão de atividade eletroencefalográfica de fundo evidenciado por vídeo aEEG/EEG no monitoramento ininterrupto durante as primeiras 48 horas de vida foi contínuo com CSV nos 12 casos avaliados (100% dos recém-nascidos). Não foram identificadas convulsões em nenhum dos recém-nascidos.
DISCUSSÃO
O presente estudo exibe os resultados do seguimento de bebês nascidos de usuárias de crack e/ou cocaína atendidas em um hospital da cidade de São Paulo. Verificou-se padrão contínuo na atividade de fundo com CSV em todos os casos. Um terço dos recém-nascidos apresentou IG entre 35 e 37 semanas, sendo considerados prematuros tardios. Tal constatação pode denotar a integridade e a capacidade da coordenação cerebral, e sua ocorrência crescente em prematuros indica maturidade cerebral. Segundo a literatura, variações cíclicas do aEEG sugestivas de CSV imaturo podem ser observadas em recém-nascidos entre 26 e 27 semanas de gestação. O CSV também se desenvolve com o desenvolvimento da maturidade. Entre 31 e 32 semanas de gestação, períodos de sono tranquilo são discerníveis no aEEG como períodos com largura aumentada entre as bandas de amplitude18.
Poucos estudos relatam achados de EEG na população avaliada e não há dados na literatura sobre estudos com aEEG. Doberczak et al. realizaram avaliação eletroencefalográfica em bebês expostos apenas à cocaína durante a vida intrauterina e relataram anomalias em 45% dos indivíduos avaliados na semana de vida. As anomalias eletroencefalográficas persistiram após três meses em apenas um caso19. Em outro estudo conduzido por Doberczak et al., com foco nos padrões eletroencefalográficos, 90% das crianças com exposição pré-natal à cocaína apresentaram déficits no comportamento neurofisiológico e mais de 50% apresentaram EEGs anormais. Na segunda semana de vida, apenas 20% dos bebês apresentavam EEGs anormais e, entre três e 12 meses de idade, apenas uma em cada 10 crianças apresentava padrões de EEG anormais. Estes resultados indicam que a função cerebral anormal aparece logo após a exposição pré-natal à cocaína20.
Outro estudo indica que bebês expostos ao metabólito da cocaína e/ou crack durante a vida intrauterina adquirem precocemente um padrão maduro de sono tranquilo, sugerido pela presença de CSV com maior frequência, quando comparados aos não expostos. A maturação precoce do sono tranquilo pode indicar desenvolvimento biológico acelerado. Um dos possíveis mecanismos seria através da alteração do metabolismo da noradrenalina no locus coeruleus, local de fundamental importância para a modulação e início do sono e manutenção do sono REM8.
Sobre o perfil epidemiológico, as mães apresentavam baixo nível de escolaridade. A evasão escolar pode estar relacionada ao baixo desempenho acadêmico devido a dificuldades de aprendizagem e comprometimento cognitivo causado pelo uso crônico de substâncias psicoativas21.Nenhuma das mães relatou ter emprego formal. O estudo realizado por Ribeiro et al. revelou que em muitos casos os usuários de cocaína e/ou crack ficam desempregados após alguns meses de início do uso das drogas, em decorrência da perda de interesse pelo trabalho ou dificuldade em obedecer às regras18.
Destaca-se o elevado percentual de gestantes (66,7%) com diagnóstico presumido de sífilis. Na população avaliada, o autocuidado deficiente devido à condição de usuário de drogas e a falta de acesso a informações gerais de saúde podem culminar em cuidado pré-natal incipiente. Ausência ou irregularidade do acompanhamento pré-natal foi observado em 91,7% da população estudada, conforme identificado em estudos realizados por Klein et al22. O aumento da frequência de sífilis relacionada à transmissão vertical nesse grupo de gestantes também foi descrito por Bauer e Shankaran et al23. Tal realidade representa um grande problema de saúde pública, dado que, além dos efeitos negativos causados pelos entorpecentes no organismo materno, o consumo dessas substâncias facilita a disseminação de doenças transmissíveis que comprometem a saúde fetal18. Conforme demonstrado por Soares et al. em 2016, a multiparidade é um fator predominante24.
Conforme descrito por Botelho et al., a associação do consumo de outras drogas, como álcool, tabaco e cocaína, é comum nesta população25. Tal foi verificado no presente estudo, com associação entre cocaína e/ou crack e tabagismo em 83,3% das gestantes.
No presente estudo, 33,3% dos recém-nascidos eram prematuros e mais da metade apresentavam distúrbios do crescimento intrauterino, conforme destacado na literatura22. Dois terços dos recém-nascidos apresentaram redução do PC, abaixo do percentil 10, e um terço apresentou microcefalia. Como fator predisponente destaca-se a insuficiência vascular uteroplacentária que, associada à anorexia materna, prejudica a transferência de nutrientes e oxigênio ao feto. Concomitantemente, o aumento de catecolaminas induzido pela cocaína pode aumentar o metabolismo fetal, levando a maior consumo de nutrientes26.
Em estudo longitudinal, Covington et al. revelaram que, além do peso, o comprimento ao nascer é significativamente afetado pelo uso de cocaína durante a gravidez, mesmo após o controle para fatores de confusão como IG, peso pré-gestacional e consumo de álcool ou tabagismo27. Tais achados foram corroborados por nosso estudo, em que 58,3% dos recém-nascidos tinham comprimento inferior ao percentil 10, e destes, 33,3% tinham comprimento menor que o percentil 3. Um caso de malformação fetal (mielomeningocele) pode ser explicado pelo possível efeito teratogênico de substâncias psicoativas no sistema nervoso central, causando defeitos do tubo neural28. Evidências de mielomeningocele também foram descritas por Alencar et al29.
Em relação à análise de metabólitos da cocaína na urina, as vantagens do método são a fácil coleta e a identificação de metabólitos no teste, geralmente em altas concentrações. Uma limitação é que há relatos de casos de falsos negativos, o que não ocorreu no presente estudo, além da positividade estar normalmente relacionada ao uso recente da droga6. Contudo, White et al. encontraram evidências de redução da atividade das enzimas que metabolizam a droga (colinesterases hepática e plasmática) em lactentes e gestantes, o que pode justificar a presença do metabólito na urina de recém-nascidos por mais tempo5. Alguns estudos indicam permanência de níveis detectáveis por até 7 a 10 dias30.
O EEG convencional é o padrão ouro de atendimento como exame pontual ou ferramenta de monitoramento de recém-nascidos com alto risco de lesão cerebral. O exame permite a avaliação da função e atividade cerebral, bem como a detecção de crises convulsivas. Uma limitação do presente estudo é que o EEG convencional não foi realizado nos recém-nascidos recrutados por não estar disponível no serviço durante o período de avaliação.
Em conclusão, recém-nascidos de mães usuárias de cocaína/crack podem apresentar padrão de maturação precoce na avaliação eletroencefalográfica e repercussões no crescimento e no neurodesenvolvimento. Mais estudos são necessários, preferencialmente em recém-nascidos muito prematuros, para melhor avaliar a relação entre a presença do metabólito da cocaína e/ou crack e a aquisição precoce de padrão maduro no aEEG, o que implicaria em maior presença de CSV nesta população. A avaliação de longo prazo dessas implicações para o neurodesenvolvimento dos pacientes e a abordagem do tema sob uma perspectiva multidisciplinar são essenciais para o aprimoramento do seguimento das gestantes desde o pré-natal até a necessidade de reabilitação.
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Endereço para correspondência:
Daniela Pereira Rodrigues
Protecting Brains and Saving Futures Organization, Departamento de Pesquisa Clínica - São Paulo - São Paulo - Brasil /Escola Paulista de Enfermagem - Universidade Federal de São Paulo, Departamento de Enfermagem Pediátrica - São Paulo - São Paulo - Brasil
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E-mail: daniela.rodrigues@pbsf.com.br
Data de Submissão: 04/01/2023
Data de Aprovação: 21/05/2024