ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2024 - Volume 14 - Número 4

Perfil clínico e epidemiológico da hanseníase em menores de 15 anos no estado do Maranhão, 2011 a 2021

Clinical and epidemiological profile of leprosy in children under 15 years old in the state of Maranhão, 2011 to 2021

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer o comportamento epidemiológico e o perfil clínico dos casos de hanseníase em menores de 15 anos, no estado do Maranhão no Brasil, entre os anos de 2011 e 2021.
METODOLOGIA: Estudo epidemiológico, descritivo e abordagem quantitativa, baseado em dados retrospectivos registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação /Ministério da Saúde do Brasil.
RESULTADOS: Constatou-se que no período entre 2011 e 2021 foram registrados 3.918 casos de hanseníase na faixa etária de 1 a 14 anos no estado do Maranhão no Brasil, dos quais 53,9% eram do sexo masculino; 45,4% cursaram da 5ª a 8ª série do ensino fundamental; 69,6% eram da cor parda. A forma clínica dimorfa se apresentou em 45,7% dos casos e 69,6% não tiveram episódio reacional. Os casos multibacilares representaram 59,9%; 71,7% não tinham incapacidades enquanto 12% tinham incapacidade Grau I. Após alta por cura, 46,5% não apresentavam incapacidade; variável em branco representaram 35,9% dos casos. Sendo o esquema poliquimioterápico, PQT/MB/12 doses, utilizado em 59,7% dos participantes.
CONCLUSÃO: Há necessidade de implementação de ações educativas sobre a doença, para que a população saiba sobre a transmissão, prevenção e tratamento, onde cabe ao Estado mobilizar recursos que possam ser investidos em políticas públicas voltadas para a educação em saúde, e assim promover o acesso ao diagnóstico e tratamento adequados.

Palavras-chave: Hanseníase, Mycobacterium leprae, Epidemiologia, Hanseníase multibacilar, Hanseníase paucibacilar.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To understand the epidemiological behavior and clinical profile of leprosy cases in children under 15 years of age, in the state of Maranhão in Brazil, between 2011 and 2021.
METHODOLOGY: Epidemiological, descriptive study with a quantitative approach, based on retrospective data recorded in the Notifiable Diseases Information System / Ministry of Health of Brazil.
RESULTS: It was found that in the period between 2011 and 2021, 3,918 cases of leprosy were registered in the age group of 1 to 14 years in the state of Maranhão in Brazil, of which 53.9% were male; 45.4% attended the 5th to 8th grade of elementary school; 69.6% were brown. The dimorphic clinical form was present in 45.7% of cases and 69.6% did not have a reactional episode. Multibacillary cases represented 59.9%; 71.7% had no disabilities while 12% had a Grade I disability. After discharge due to cure, 46.5% had no disability; blank variable represented 35.9% of cases. The polychemotherapy regimen MDT/MB/12 doses was used in 59.7% of participants.
CONCLUSION: There is a need to implement educational actions about the disease, so that the population knows about transmission, prevention and treatment, where it is up to the State to mobilize resources that can be invested in public policies aimed at health education, and thus promote the access to adequate diagnosis and treatment.

Keywords: Leprosy, Leprosy, multibacillary., Leprosy, paucibacillary, Mycobacterium leprae, Epidemiology.


INTRODUÇÃO

A hanseníase é uma doença infectocontagiosa, causada pelo Mycobacterium leprae, que acomete principalmente pele e/ou nervos periféricos1. Essa patologia é uma das mais antigas que atinge o homem, com referências mais remotas que datam de 600 a.C. e procedem da Ásia, que, juntamente com a África, podem ser consideradas o berço da doença. A melhoria das condições de vida e o avanço do conhecimento científico modificaram significativamente seu quadro, fazendo com que atualmente essa doença tenha tratamento e cura2.

O Mycobacterium leprae é um bacilo álcool-ácido-resistente, Gram-positivo, que tem um formato de bastonete. É considerado um parasita intracelular obrigatório de macrófagos, apresentando tropismo pelas células de Schwann. É uma espécie de micobactéria que infecta nervos periféricos, porém esse bacilo não cresce em meios de cultura artificiais (in vitro). Destaca-se ainda que o alto potencial incapacitante da hanseníase está diretamente relacionado ao poder imunogênico do M. leprae3.

A predileção do bacilo por nervos periféricos é responsável por desordens neurológicas que podem resultar em incapacidades físicas e deformidades4. Todavia, essa doença pode afetar praticamente todos os órgãos e sistemas em que existam macrófagos, exceto o sistema nervoso central. A doença atinge pessoas de qualquer sexo ou faixa etária, apresentando evolução lenta e progressiva5.

A evolução dessa enfermidade, caso não seja tratada, é crônica. Ela pode apresentar períodos de agudização, denominadas reações. É potencialmente incapacitante e, embora curável, seu diagnóstico causa grande impacto psicossocial, por causa dos preconceitos e estigmas que a envolvem desde a antiguidade6.

Em nível internacional, o quadro da hanseníase é preocupante, pois de acordo com os relatos oficiais internacionais, em torno de 20 países no mundo incidem mais de mil casos anuais6,7.

Em 2021, o Brasil contou com um total de 625 (4,1%) em menores de 15 anos, dentre os casos novos diagnosticados, sendo o estado do Maranhão o que possui o maior número, com 126 casos registrados. Em segundo lugar, no ranking tem-se o Estado do Pará (82 casos) e, em seguida, Mato Grosso, com 74 casos8.

É importante mencionar que a hanseníase é uma doença que precisa ser enfrentada como qualquer outra patologia curável, e o preconceito histórico deve ser desvinculado desse agravo. É possível a erradicação do bacilo, desde que haja a desmistificação do preconceito que rodeia esta moléstia9.

A fim de minimizar o preconceito em relação à hanseníase e melhorar a aceitação da pessoa ao diagnóstico e tratamento, é necessário investir na educação e divulgação de informações que sejam capazes de conscientizar as pessoas sobre a doença10. Dessa forma, promover o conhecimento claro e acessível a toda sociedade é essencial, para que seja possível a compreensão de que a doença tem cura, não havendo a necessidade do medo, eliminando, assim, os danos emocionais e facilitando o tratamento11.

A hanseníase faz parte da Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças (Portaria de Consolidação MS/GM n. 4, de 28 de setembro de 2017), e é obrigatório que os profissionais de saúde reportem os casos do agravo no Sistema de Informações Agravos de Notificação (SINAN). A produção e divulgação de informação são importantes na medida em que permitem orientar a tomada de decisão e trazer um olhar mais crítico ao sistema, de forma a identificar inconsistências que interfiram na qualidade da informação8.

Conhecendo os impactos gerados em virtude da hanseníase, surgiu o seguinte questionamento: qual será o perfil clínico e epidemiológico dos casos de hanseníase em menores de 15 anos, no estado do Maranhão, no período de 2011 a 2021?

Portanto, mediante magnitude e complexidade dos casos de hanseníase no Brasil, justifica-se o interesse de um estudo nesse seguimento para investigar a realidade no estado do Maranhão.


METODOLOGIA

Tratou-se de um estudo epidemiológico, de cunho descritivo, retrospectivo e de abordagem quantitativa. Foi baseado em dados provenientes do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e disponibilizados no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) pelo Ministério da Saúde.

A pesquisa foi desenvolvida de acordo com a resolução 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde nos seus aspectos éticos legais e científicos. Não foi necessária submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), uma vez que não se utilizou a abordagem e identificação de pacientes, apenas informações coletadas diretamente do SINAN, por meio do DATASUS.

A amostra foi constituída pelos pacientes com hanseníase, no estado do Maranhão, menores de 15 anos de idade. A coleta das informações dos casos notificados de hanseníase no estado do Maranhão ocorreu por meio de buscas no SINAN-DATASUS, no período compreendido de 2011 a 2021, através do site https://datasus.saude.gov.br/. Inicialmente, foi acessado o portal TABNET e em seguida elegeu-se a opção casos de hanseníase – desde 2011 (SINAN). Selecionou-se o estado do Maranhão e logo o portal apresentou todas as variáveis necessárias para a construção do estudo. Após a exposição dessas variáveis, foi selecionado no portal o período de notificação de 2011 a 2021 e os casos em menores de 15 anos.

Foram incluídos todos os pacientes menores de 15 anos, independente do sexo ou cor, notificados entre os anos de 2011 e 2021, no estado do Maranhão, sendo utilizadas apenas as variáveis de interesse deste estudo. Foram excluídos registros de casos da hanseníase fora do período indicado e em maiores de 15 anos.

Os dados do estudo foram obtidos através da identificação e correlação de variáveis, tais como: número de casos por ano de ocorrência, forma de entrada e saída dos casos, faixa etária (em anos), sexo, escolaridade, se estavam gestantes ou não, cor, forma clínica, classificação operacional (paucibacilar ou multibacilar), episódio reacional, grau de incapacidade física no momento do diagnóstico e após a cura e esquema terapêutico. Os dados foram organizados e tabulados utilizando-se do programa Microsoft Excel versão 2020 para Windows.





Para o cálculo da incidência dos casos foi utilizada a seguinte fórmula:





Para o cálculo da prevalência dos casos foi utilizada a seguinte fórmula:





Para se identificar a população do Maranhão, foi utilizado o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, o qual mostrou que o Maranhão possui 2.034.076 habitantes menores de 15 anos.

Os dados coletados foram acomodados em uma planilha do software Excel, versão 2020, que possibilitou a análise dos dados por meio de estatística descritiva básica e cálculo de incidência e prevalência. Em posse dos resultados, foram confeccionados, nesse mesmo software, gráficos e tabelas.


RESULTADOS

No período entre 2011 e 2021, o Estado do Maranhão notificou 45.261 casos de hanseníase, resultando em uma média de 4.526,1 casos por ano. Na faixa etária de 1 a 14 anos, foram notificados 3.918 casos nesse intervalo de tempo, com média de 391,8 casos por ano no período analisado. Dentre a faixa etária em menores de 15 anos, a incidência foi de 171,57 e uma prevalência de 192,61 por 100 mil habitantes.

De acordo com a forma de entrada nos serviços de saúde, constatou-se que 89% (n=3.490) trata-se de casos novos, seguido por transferência do mesmo município (n=108), transferência de outro município (mesmo UF) (n=114) e outros ingressos (n=114%), ambos representando 3% dos casos.

Quanto à faixa etária, observou-se que a maioria, 64,2% (n=2.517), possui 10 a 14 anos e 3,4% (n=134) de um a 4 anos. Com relação ao gênero, 53,9% (n=2.111) são do sexo masculino, conforme demonstrado na Tabela 1.





Em relação à gestação, 11 meninas estavam gestantes, o que corresponde a 0,2% dos casos. Já em relação ao grau de escolaridade, os resultados deste estudo demonstram o predomínio dos investigados com 5ª a 8ª série incompleta do ensino fundamental, correspondendo a 45,4% (n=1.779) dos casos, seguidos de 1ª a 4ª série incompleta, com 27,2% dos casos, como mostra a Tabela 1.

Outra variável presente na Tabela 1 é a cor, que mostrou um predomínio da cor parda com 69,6% (n=2.728), seguida da preta com 14,9% (n=583).

Na Tabela 2, pode-se inferir que a forma clínica prevalente foi a dimorfa, correspondendo a 45,7% (n=1.791) dos casos. Quanto à classificação operacional, 59,9% (n=2.349) foram multibacilar, sendo que a maior parte dos investigados não apresentaram reação, 69,6% (n=2.727) dos casos. Vale salientar que, embora uma amostra significativa não tenha apresentado episódio reacional, identificaram-se 229 casos com reação do tipo 1, o que equivale a 5,8% da amostra.





Os graus de incapacidade dos casos de hanseníase foram analisados em dois momentos. No momento do diagnóstico, foi mais prevalente o grau zero com 71,7% (n=2.808) dos casos seguido pelo grau I com 12,0% (n=470). O grau zero com 46,5% (n=1.822) dos casos também se destacou quando se levou em consideração o grau de incapacidade após alta por cura (Tabela 2).

O esquema poliquimioterápico mais utilizado foi o PQT/MB/12 doses (59,7%), seguindo a tendência esperada de acordo com a maior quantidade de casos multibacilar registrados. O esquema PQT/PB/6 doses correspondeu a 39,8% das abordagens terapêuticas, como mostra o Gráfico 2.





DISCUSSÃO

O Brasil mantém-se na lista dos 23 países prioritários para o controle da Hanseníase, em conjunto com a Índia e a Indonésia, foi responsável por cerca de 80% dos casos novos registrados em 20188. Ademais, permanece ocupando o primeiro lugar das Américas, contribuindo para 93% dos casos novos registrados em 2018, com prevalência de 1,48 casos por 10 mil habitantes. Nos últimos cinco anos, a maior concentração dos casos ocorreu nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.

Desde 2016, a região Nordeste vem sendo responsável por uma boa parte dos casos de hanseníase diagnosticados no Brasil. No ano de 2019, dos cinco primeiros estados com maior número de casos, três eram da Região Nordeste, com destaque para o estado do Maranhão, que ficou em segundo lugar com 3.972 novos casos, ficando atrás apenas do estado do Mato Grosso, que somou 5.233 casos12.

Em se tratando das unidades federativas endêmicas, destaca-se o Maranhão (MA), localizado na região Nordeste do Brasil, que apresentou, entre 2014 e 2018, taxa média de detecção de casos novos de 79,7 por 100 mil habitantes e prevalência média de 4,33 casos por 10 mil habitantes13.

Estudos sugerem que o aumento dos casos de hanseníase se deve às melhorias operacionais do controle da doença, que aumentou a realização de diagnósticos14.

A expansão da rede de diagnóstico e do acesso ao tratamento, oportunizada pela descentralização das atividades de controle da hanseníase com ações integradas à Atenção Primária a Saúde, por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF), em território brasileiro, é essencial para o controle da doença e tem demonstrado sua relevância em cenários do Sul e Sudeste do país, que têm atingido a meta preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no tocante ao indicador de prevalência da doença1.

Na região Nordeste, um estudo realizado em municípios da Paraíba indicou que o aumento da cobertura da ESF contribuiu significativamente para o incremento na taxa de detecção da doença, reforçando que serviços baseados na Atenção Primária de Saúde são fundamentais para o diagnóstico precoce e o tratamento oportuno15.

De acordo com Alves et al. (2017)16, o número de casos novos detectados em uma área pode ser afetado pela realização de ações educativas, pela cobertura populacional das ações de controle da doença e pela capacidade dos profissionais de saúde em realizar diagnósticos precisos e precoces. Esses indicativos variam nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste, com altos coeficientes de detecção e coeficientes de prevalência médios. Por outro lado, nas regiões Sul e Sudeste, esses índices são estimados em médio e baixo, respectivamente.

Segundo Silva et al. (2020)2, um quadro novo de hanseníase caracteriza- se por uma pessoa que apresenta os sinais e sintomas característicos da doença e que nunca recebeu um tratamento específico para ela. O autor acrescenta que uma elevada taxa de casos novos em comparação com as outras variáveis reforça que a cadeia de transmissão está ativa na região. O diagnóstico tardio, a subnotificação de casos e a não realização do esquema terapêutico adequado podem explicar essa situação, já que pessoas com hanseníase que se enquadram nesses itens estão transmitindo o bacilo favorecendo a permanência na cadeia de transmissão da doença.

Dados similares foram demonstrados no estudo de Freitas, Cortela e Ferreira (2017)17, realizado no Estado do Mato Grosso, entre 2001 e 2013, pois 51% estavam na faixa etária de 10 a 14 anos, 62% eram do gênero masculino e 80% residiam na capital do estado. A pesquisa realizada por Loiola et al. (2016)18 no Estado do Maranhão, compreendendo o período de 2003 a 2013, corroborou o presente estudo, em que 40% dos casos estavam presentes na faixa etária de 12 a 14 anos; 55% eram do gênero masculino e 42% dos casos também foram registrados na Capital do Estado.

Silva, Toledo e Gelatti (2015)19, em seu estudo no Estado de Goiás, apresentaram dados diferentes em relação a casos de hanseníase do ano de 2009 a 2013, sendo maior a ocorrência em crianças de 5 a 9 anos de idade (43%) e de 10 a 14 anos (38%), mesmo assim manteve a prevalência no sexo masculino.

Em Juazeiro-BA, no período de 2001 a 2010, foram encontrados resultados divergentes em relação ao gênero, com predominância no sexo feminino, 55,86%; porém assemelhou-se em relação à faixa etária, com predominância de 58,62% dos casos entre 10 e 14 anos. Em relação à maior quantidade de casos que foram notificados na Capital do Estado, sugere-se uma relação direta com a oferta de recursos diagnósticos e de acompanhamento com mais opções15.

A baixa escolaridade observada nesta pesquisa foi relatada também em um estudo ecológico realizado entre 2003 e 2013, em Igarapé-Açu no Pará, o qual abordou a faixa etária de menores de 15 anos. Esses achados denotam que as condições de vida da população e o nível de escolaridade influenciam a prevalência de doenças endêmicas como a hanseníase20.

A maior parte dos casos foi registrada em indivíduos pardos. Esse achado se relaciona com a composição étnica do Estado. Segundo Barbosa, Almeida e Santos (2014)21, esse achado reproduz um processo histórico de colonização, mistura de cores, migração e organização espacial no espaço urbano.

Os dados obtidos diferem dos evidenciados no Estado do Mato Grosso, onde 65% dos casos eram multibacilares, 34% com forma clínica dimorfa e 54% com incapacidade física grau 2 no momento do diagnóstico da doença17. Loiola et al. (2016)18, em um estudo realizado no Estado do Maranhão, também demonstraram resultados diferentes, pois 37,5% das crianças apresentaram a forma clínica dimorfa, de classificação operacional multibacilar (55,0%). Quanto ao grau de incapacidade no diagnóstico, 22 crianças (55,0%) apresentavam grau 0.

Segundo Gama et al. (2020)22, a forma dimorfa da hanseníase é caracterizada por múltiplas lesões cutâneas, na forma de manchas, de coloração avermelhada ou esbranquiçada, com bordas elevadas. O envolvimento dos nervos periféricos já se encontra avançado, podendo ocorrer de forma assimétrica, com perda total ou parcial da sensibilidade e disfunção autonômica.

O predomínio das formas clínicas multibacilares (dimorfas e virchowianas) indica um diagnóstico tardio, o que leva a inferir que as Redes de Atenção Primária à Saúde ainda apresentam dificuldades em encontrar os casos na forma inicial da doença. As formas avançadas e os processos reacionais da hanseníase estão relacionados ao desenvolvimento de incapacidades físicas, conforme descrito no estudo de Basso e Silva (2017)23 que encontrou uma grande parcela de indivíduos com incapacidades físicas.

Com relação à forma clínica virchowiana, foi identificada uma baixa ocorrência de casos, resultado esse que reforça os achados de Rangel24, que apontam que a doença tem se manifestado com baixo poder de incapacidade, visto que as deformidades e as incapacidades físicas se apresentam como principal problema da hanseníase, e tem importante impacto na Sociedade.

Algumas pessoas acometidas pela hanseníase não apresentam lesões que possam ser totalmente visíveis, por isso o Ministério da Saúde também usa outra ferramenta de classificação para auxiliar o diagnóstico: a classificação de Madri. Essa ferramenta avalia a forma clínica da doença, sendo a dimorfa a mais comum, as formas clínicas paucibacilar (indeterminada e tuberculoide) são as que apresentam menor gravidade, enquanto as formas multibacilares (dimorfa e virchowiana) são as mais graves e que podem causar incapacidades físicas1.

Correlacionar as formas clínicas e os estados reacionais é extremamente importante, pois esses episódios constituem intercorrências no curso da doença e são as principais causas de incapacidades nesses pacientes. Para evitar as complicações clínicas decorrentes dessas intercorrências, é necessário reforçar a importância da prevenção, aliada à PQT específica, a qual proporciona novas perspectivas de cura para a hanseníase, sem necessidade de reiniciá-la, bem como não a contraindicam1,8.

Verificou-se nos dados o não preenchimento, o preenchimento em branco ou preenchimento ignorado dos episódios reacionais. Costa et al. (2017)14 também demonstraram atitudes semelhantes dos profissionais da saúde em Mato Grosso, pois deixaram esses mesmos itens sem preenchimento, sugerindo comprometimento do diagnóstico da doença ou incompletude dos dados pelo despreparo ou por falta de compromisso profissional.

Outros estudos também observaram aumento no número de campos ignorados no sistema de vigilância epidemiológica brasileiro, não identificando avanços significativos referentes à completude, o que gera dados deficientes e não confiáveis, além de interferir no conhecimento do processo saúde-doença19.

O grau 0 (zero) é quando a hanseníase não causou comprometimento nos olhos, nas mãos ou pés, o grau I (um) é quando existe a diminuição ou perda da sensibilidade e o grau II (dois) é quando existe incapacidade e/ou deformidades dos olhos (lagoftalmo e/ou ectrópio, triquíase, opacidade corneana, acuidade visual < 0,1), das mãos e dos pés (lesões tróficas, garras, mãos e/ou pés caídos, mutilações e contraturas dos tornozelos), entre outros. Se levarmos em consideração apenas a avaliação em relação ao grau, observa-se que a maioria dos pacientes evoluiu sem nenhuma incapacidade, essa informação vai de encontro com estudos de Sarmento et. al. (2015)25.

Para Alves et al. (2017)16, avaliar o grau de incapacidade é uma ferramenta eficiente para auxiliar os estudos da situação epidemiológica da hanseníase, assim como é um indicador do seu controle.

Em relação ao tratamento, observou-se que a escolha do esquema terapêutico está adequada em virtude da similaridade entre o número de casos paucibacilares e multibacilares. Dados semelhantes foram evidenciados na pesquisa de Costa et al. (2017)14.

A PQT é uma multidroga utilizada desde a década de 80 que inclui três medicamentos (dapsona, rifampicina e clofazimina). Esses medicamentos são fornecidos de forma gratuita pelo Sistema Único de Saúde, não gerando custos efetivos para os pacientes em tratamento. Os pacientes classificados em paucibacilar (PB) realizam tratamento de pelo menos seis meses, já os classificados em multibacilar (MB), fazem uso da medicação por pelo menos 12 meses26.

Inicialmente o tratamento de hanseníase era por meio da administração supervisionada mensal de rifampicina nas duas classificações operacionais, tanto PB quanto MB, na qual os PB usavam doses diárias de dapsona por seis meses enquanto os MB faziam doses combinadas diárias de dapsona e clofazimina por 12 meses. Existiam cartelas específicas para a hanseníase MB e PB, assim como para adultos e crianças. Sendo que o descumprimento do tratamento prescrito contribuía para a continuação da cadeia de transmissão da doença e o aparecimento de incapacidades, além de favorecer resistência antimicrobiana27.

Como as diretrizes da OMS27, ocorreu uma unificação do tratamento da hanseníase e a implementação da Poliquimioterapia Uniforme (PQT-U), contendo as três medicações (dapsona, rifampicina e clofazimina), mantendo o tempo de duração do tratamento de 6 e 12 meses, para PB e MB, respectivamente. Essa mudança trouxe vantagens, uma vez que passou a usar a mesma cartela/blister medicamentosa tanto para os PB quanto para os MB, reduzindo o erro na classificação dos MB.

Em 2020, a pandemia da COVID-19 acarretou dificuldade em manter os estoques da PQT multibacilar e atrasou a implementação do novo esquema terapêutico com a adição da droga clofazimina para os pacientes PB8. Em 2021, a OMS conseguiu atender à demanda brasileira e o tratamento passou a ser a PQT-U. A partir de 1º de julho de 2021, todos os pacientes que foram diagnosticados, independente da classificação operacional, se PB ou MB, passaram a ser tratados com a PQT-U, atendendo à Nota Técnica do Ministério da Saúde de 2018.

Esses achados expõem que o tratamento e o processo da cura são demorados, onde através da administração dos esquemas de tratamento PQT com obediência aos prazos estabelecidos leva-se aproximadamente de 6 a 9 meses para os casos PB e de 12 a 18 meses para os casos MB28.

Quanto maior a demora em procurar atendimento ou, ainda, de acordo com a gravidade da doença, há maiores chances de desenvolver sequelas permanentes decorrentes da hanseníase. Nesse aspecto, o número de lesões e o tratamento escolhido podem interferir29. Visto isso, o tratamento deve ser centrado no ser humano e suas particularidades, promovendo, assim, maior aceitação e melhor enfrentamento da doença30.


CONCLUSÃO

A Hanseníase no Maranhão, no recorte temporal estudado, apresentou 3.490 novos casos, seguidos de 108 transferidos do mesmo município e 114 de outros ingressos, representando uma incidência de 171,57 e prevalência de 192,61 por 100 mil habitantes.

A forma clínica que se destacou foi a dimorfa, multibacilar, sem episódio reacional, com grau de incapacidade 0 no diagnóstico e na cura. Esse tipo caracteriza um diagnóstico tardio, o que leva a inferir que as redes de atenção primária à saúde mantêm dificuldade em encontrar os casos na forma inicial da doença.

O esquema terapêutico mais utilizado foi PQT/MB/12, uma vez que a maioria de casos registrados foi multibacilares, porém vale ressaltar que o esquema atualmente usado é o PQT-U, sendo o mesmo blister/cartela para MB e PB diferindo apenas no tempo de tratamento.

Verificou-se uma redução significativa no número de notificações nos anos de 2020 e 2021, achados esses que culminam com o período no qual o Brasil enfrentou a pandemia do COVID-19 e muitos setores de Saúde Pública foram fechados ao atendimento público e direcionados ao combate da pandemia.

A partir desta análise, percebe-se a necessidade de ações educativas sobre a doença, para que a população conheça a forma de transmissão, prevenção e tratamento. Cabe ao estado viabilizar recursos para serem investidos em políticas públicas voltadas para a educação em saúde, assim como promover o diagnóstico precoce e tratamento adequado, garantindo uma melhor qualidade de vida para este público-alvo.


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1. Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão, Departamento da Neonatologia - São Luís - Maranhão - Brasil
2. Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão, Residência Médica em Pediatria - São Luís - Maranhão - Brasil
3. Universidade Federal do Maranhão, Curso de Medicina - São Luís - Maranhão - Brasil
4. Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão, Dermatologia - São Luís - Maranhão - Brasil
5. Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão, Departamento de Infectologia - São Luis - Maranhão - Brasil

Endereço para correspondência:
Valéria de Jesus Menezes de Menezes
Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão, Departamento da Neonatologia - São Luís - Maranhão - Brasil
R. Barão de Itapari, 227 - Centro
São Luís - MA, 65020-070
E-mail: valmmenezes@hotmail.com; valeria.menezes@ebserh.gov.br

Data de Submissão: 18/04/2023
Data de Aprovação: 16/08/2024