Artigo Original
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Ano 2024 -
Volume 14 -
Número
4
Dermatoses na síndrome de down
Dermatosis in down syndrome
Beatriz Elizabeth Bagatin Veleda Bermudez1; Charles da Silva Gomes1; Iolanda Maria Novadzki1; Susana Giraldi2
RESUMO
A síndrome de Down é o distúrbio cromossômico mais comum, afetando 1 em 700 nascidos vivos. Possui características físicas típicas e anomalias multissistêmicas que incluem a pele. Este estudo tem como objetivo determinar as características dermatológicas de pacientes atendidos em um ambulatório de síndrome de Down. Estudo transversal realizado por meio da revisão de prontuários de pacientes em 2018. Os dados foram submetidos à análise descritiva por meio do software Statistica®. Os dermatologistas trabalhavam no ambulatório de síndrome de Down um dia por semana. Avaliaram 838 pacientes, sendo 474 (56,6%) do sexo masculino e 364 (43,4%) do sexo feminino. As dermatoses mais frequentes foram xerose (57,6%), queratose folicular (26,3%), urticária papulosa (17,6%), hiperceratose palmoplantar (11,9%) e sudamina (9,1%). Diagnosticar e tratar dermatoses em pacientes com síndrome de Down é parte integrante do acompanhamento clínico dessa população e o autocuidado com a pele deve ser estimulado desde a infância.
Palavras-chave:
Dermatopatias. Síndrome de Down. Assistência Ambulatorial
ABSTRACT
Down syndrome is the most common chromosomal disorder, affecting 1 in 700 live births. It has typical physical features and multisystem anomalies that include the skin. This study aims determine the dermatological characteristics among patients attended at a Down syndrome outpatient clinic. Cross-sectional study conducted by the review of medical records of patients attended in 2018. Data were submitted to descriptive analysis using Statistica® software. Dermatologists worked at the Down syndrome outpatient clinic one day per week. They evaluated 838 patients, of which 474 (56.6%) were male and 364 (43.4%) were female. The most frequent dermatoses were xerosis (57.6%), follicular keratosis (26.3%), papular urticaria (17.6%), palmoplantar hyperkeratosis (11.9%) and sudammine (9.1%). Diagnosing and treating dermatoses in Down syndrome patients are an integral part of the clinical follow-up of this population, and skin self-care should be encouraged from childhood.
Keywords:
Skin diseases, Down syndrome, Outpatient clinics, Hospital.
INTRODUÇÃO
A síndrome de Down (SD) é o distúrbio cromossômico mais comum, caracterizado em 95% dos casos por trissomia regular do cromossomo 21 e em 5% por translocação e mosaicismo.1 Devido à presença de material genético extra do cromossomo 21, crianças com síndrome de Down apresentam várias malformações, manifestações clínicas e comprometimento cognitivo.1,2 Doenças cardíacas congênitas estão presentes em 50% dos pacientes com SD, e destes 24,8% necessitam de cirurgia cardíaca corretiva. Tratamentos clínicos e cirúrgicos estenderam a sobrevida das pessoas com SD. Nas últimas décadas, a expectativa de vida aumentou de 25 anos em 1983 para 49 em 1997 e 65 em 2010.1,3
As condições dermatológicas mais frequentes na SD estão listadas na Tabela 1.4
A SD está associada a vários problemas dermatológicos. O envelhecimento prematuro é uma das características fenotípicas da SD, manifestada por via de alterações cutâneas dependentes da idade, incluindo envelhecimento prematuro dos cabelos, queda de cabelo e enrugamento da pele. Os distúrbios cutâneos são mais prevalentes na SD do que na população em geral, e incluem alopecia areata (frequentemente grave), vitiligo (frequentemente associado a distúrbios endócrinos), calcinose cutânea semelhante a milium, siringoma (principalmente na adolescência) e onicomicose. Dermatite atópica, por outro lado, não é a patologia mais frequente na população em geral.1
A pele do recém-nascido com SD é macia, fina e semelhante à da população em geral. No entanto, indivíduos com SD podem apresentar pele marmoreada, eritema malar e nevo simples na região lombossacral, todos considerados sinais clínicos de SD que permanecem inalterados com a idade. Durante a infância, devido às alterações na queratina, a pele torna-se espessa, seca e áspera, com maior frequência de xerose, ceratose pilar e palmoplantar.5,6
MÉTODOS
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (Plataforma Brasil nº 04542712.3.0000.0096). Foram incluídos indivíduos com síndrome de Down atendidos em um centro público de referência criado em 1997 em Curitiba. O objetivo da equipe interdisciplinar deste ambulatório é garantir assistência integral à saúde para os pacientes e prestar suporte às suas famílias.
Os prontuários de 838 dos 4.500 pacientes atendidos no ambulatório foram incluídos. Pacientes adultos foram excluídos. Os pacientes incluídos foram atendidos e avaliados pela dermatologia em 2018.
RESULTADOS
A distribuição etária dos 838 pacientes incluídos é exibida na Tabela 2.
A amostra incluiu 463 (55,3%) pacientes do sexo masculino e 375 (44,7%) do sexo feminino. Em média, a primeira consulta dermatológica ocorreu aos dois meses de idade. Os pais tinham uma idade média de 32 anos, variando de 26 a 40 anos. Sessenta por cento tinham ensino fundamental e médio e renda mensal de 1 a 2 salários mínimos. A renda média das famílias era de 2,5 salários mínimos.
Em relação às características perinatais, observamos maior prevalência de mulheres com gestação anterior. A maioria realizou pré-natal e as taxas de parto vaginal e cirúrgico foram semelhantes. Histórico de aborto espontâneo foi documentado em 21% das mães. Os pacientes nasceram majoritariamente a termo e foram amamentados em 75% dos casos. Trissomia simples foi observada em 94,6%, translocação em 3,1% e mosaicismo em 2,3% dos casos.
DISCUSSÃO
Os 838 pacientes com SD foram avaliados e nossas contatações comparadas às de outros estudos (Tabela 3).1,7,9 As dermatoses mais frequentes foram xerose (57,6%), ceratose folicular (26,3%), urticária papular (17,6%), hiperceratose palmoplantar (11,9%) e sudamina (9,1%).
Revisões de outros estudos relatam variações na frequência de dermatoses em pacientes com SD.1,8,9 (Tabela 4) As dermatoses mais comuns em pacientes em seguimento foram semelhantes às descritas por El Achkar et al. (2007), com diferença significativa apenas para xerose e eritema malar.7 Rork et al. (2020) incluíram adultos jovens em seu estudo e, por esse motivo, identificaram maior frequência de foliculite, dermatite seborreica e hidradenite supurativa.10
A frequência de distúrbios cutâneos em pacientes com SD varia com a idade. A Com a idade, as ocorrências de xerose, ceratose pilar e hiperceratose palmoplantar se elevam.5,7
Anomalias cromossômicas, como vistas na SD, têm características dermatológicas específicas. A pele do recém-nascido com SD é macia e fina, mas a hiperceratose palmoplantar tem início já na infância. Durante a infância, a pele se torna espessa, seca e áspera, com xerose generalizada comumente associada a ceratose pilar. Nas mucosas, podem ser observadas macroglossia, extrusão da língua, língua fissurada e queilite angular.7
Livedo reticular (ou pele marmoreada), nevo telangiectásico da região lombar e eritema malar são considerados dermatoses fenotípicas da SD.5,6
O aparecimento de inúmeras dermatoses autoimunes, inflamatórias e infecciosas é facilitado por alterações na imunidade celular e humoral, com redução do número e função dos linfócitos B e T e distúrbios da fagocitose. A SD ocorre mais comumente com anomalias da queratina, como ceratose pilar e xerose.6
Envelhecimento precoce da pele e fotossensibilidade são características comuns da síndrome. Os mecanismos ainda não são bem compreendidos, mas podem estar relacionados aos efeitos dos radicais livres.7
As dermatoses mais frequentemente descritas na SD são pele marmoreada (livedo reticular), xerose, hiperceratose palmoplantar, queilite, dermatite seborreica, foliculite, tinea pedis, onicomicose, escabiose (sarna norueguesa), dermatite atópica, alopecia areata, vitiligo, psoríase (forma grave), pitiríase rubra pilar, siringoma, elastose perfurante serpiginosa e cútis verticis gyrata.4,5,7,10-14 Várias imagens de dermatoses em indivíduos com SD podem ser vistas no artigo de Ryan et al. (2020).15
Nevos vasculares telangiectásicos mediais são malformações vasculares capilares frequentemente observadas ao nascimento. Ocorrem principalmente na face ou pescoço como lesão única ou como múltiplas máculas que afetam mais de um local simultaneamente.13 Em 1990, Metzker e Shamir descreveram um caso de nevo vascular telangiectásico medial na região sacral ao longo da linha média, e se referiram a essa variedade específica como "forma de borboleta", frequente em cromossomopatias. Podem também ocorrer occipitalmente e persistem na infância e na idade adulta.10
O diagnóstico e o tratamento das dermatoses em pacientes com SD são parte integrante do seguimento clínico dessa população. O autocuidado com a pele deve ser incentivado desde a infância.
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1. Universidade Federal do Paraná, Ambulatório da Síndrome de Down - Curitiba - Paraná - Brasil
2. Universidade Federal do Paraná, Dermatopediatria - Curitiba - Paraná - Brasil.
Endereço para correspondência:
Beatriz Elizabeth Bagatin Veleda Bermudez
Universidade Federal do Paraná
R. Gen. Carneiro, 181 - Alto da Glória
Curitiba - PR, 80060-900
E-mail: beatriz_bvb@hotmail.com
Data de Submissão: 02/04/2023
Data de Aprovação: 13/06/2023