Artigo de Revisao
-
Ano 2024 -
Volume 14 -
Número
4
Como as intervenções parentais atuam no desenvolvimento infantil na primeira infância: revisão de literatura
How parenting interventions affect early childhood development: a literature review
Karine Saraiva da Silva1; Virna da Costa e Silva1; Roseny Marinho Mesquita Pereira1; Renata de B. Bruno Ximenes2
RESUMO
OBJETIVO: Descrever e avaliar os principais modelos de intervenção parental.
METODOLOGIA: Foi realizada busca de ensaios clínicos randomizados em duas bases de dados eletrônicas: PUBMED e Embase, durante o período de 2018 a 2022. Foram incluídos artigos com desfecho primário sobre desenvolvimento infantil em crianças durante a primeira infância com desenvolvimento típico, sendo incluídos 19 artigos.
RESULTADOS: Obtivemos como resultado 3 modelos principais de intervenção: modelo de feedback da interação criança-cuidador, modelo com entrega de instruções presenciais e modelo de entrega remoto por aplicativo, sendo os domínios de linguagem e comportamento os mais avaliados, principalmente em crianças pré-escolares. A estratégia que apresentou maior eficácia no desenvolvimento infantil foi o modelo com maior interação entre cuidador-criança e com a equipe do treinamento, com tempo mínimo de um ano de intervenção para efeito sustentado sobre os domínios avaliados.
CONCLUSÃO: A heterogeneidade dos modelos dificulta avaliações mais detalhadas, sendo necessárias novas avaliações com parâmetros mais homogêneos a fim de permitir resultados mais consistentes. Não há conflito de interesse.
Palavras-chave:
Desenvolvimento infantil, Comportamento infantil, Educação não profissionalizante.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To describe and evaluate the main models of parental intervention.
METHODOLOGY: A search was carried out for randomized clinical trials in two electronic databases: PUBMED and Embase, during the period from 2018 to 2022. Articles with a primary outcome on child development in children during early childhood with typical development were included, including 19 articles.
RESULTS: As a result, we obtained 3 main intervention models: feedback model of the child-caregiver interaction, model with face-to-face delivery of instructions and model of remote delivery by application, with language and behavior domains being the most evaluated, mainly in pre-school children. school. The strategy that was most effective in child development was the model with greater interaction between caregiver-child and with the training team, with a minimum intervention time of one year for a sustained effect on the evaluated domains.
CONCLUSION: The heterogeneity of the models makes more detailed evaluations difficult, requiring new evaluations with more homogeneous parameters in order to allow more consistent results. There is no conflict of interest.
Keywords:
Child development, Child behavior, Education, nonprofessional.
INTRODUÇÃO
Desenvolvimento infantil é um conceito amplo composto por definição biológica e psicossocial. Do ponto de vista neurobiológico, o neurodesenvolvimento tem seu início na quarta semana do período pré-natal, concluindo o processo de maturação neurológica por volta da segunda década de vida, ocorrendo de modo constante e sequencial1,2. Integrado ao desenvolvimento biológico, segundo teorias construtivas, o desenvolvimento infantil ocorre através de estágios de desenvolvimento que são progressivos, que avançam conforme a idade e que necessitam da interação do sujeito com meio para gerar o aprendizado de habilidades e de comportamentos. Dessa forma, portanto, é caracterizado como um processo ativo da criança3.
Como o desenvolvimento é individual e possui ampla variação por idade, a avaliação do desenvolvimento com base nos marcos medianos esperados para cada faixa etária pode ser realizada com testes padronizados associados a impressões clínicas. Dessa forma, a avaliação é capaz de identificar e intervir de modo precoce em alterações do neurodesenvolvimento através da avaliação sistemática dos domínios do desenvolvimento infantil: motor (fino e grosso), linguagem (receptiva e expressiva), cognitivo, socioemocional e adaptativo1,4,5.
Embora a base genética defina o desenvolvimento potencial de um indivíduo, tem-se visto que a influência de fatores ambientais a essa base é um importante determinante do pleno desenvolvimento do ser humano1,6.
As influências do ambiente à base genética ocorrem de forma dinâmica, podendo ter consequências prejudiciais, tais como doenças do período pré-natal, complicações perinatais e experiência pós-natais tóxicas, com maior prejuízo quando acumuladas. Contudo, os fatores ambientais podem ter influência benéfica através de resposta positiva ao estresse, ambiente seguro e relacionamentos estáveis4,6.
Durante a primeira infância, período compreendido desde a concepção aos 6 anos de idade, há maior impacto imediato do efeito ambiental tóxico sobre o desenvolvimento infantil1,7. Além do efeito imediato, consequências de longo prazo também têm sido associadas, como dificuldades de aprendizado, transtornos mentais (depressivos e ansiosos) e problemas comportamentais (internalizantes e externalizantes)6,8.
Estratégias de melhoria no suporte nutricional e melhorias na saúde infantil são fatores importantes no alcance do pleno desenvolvimento infantil. Entretanto, evidências sugerem que intervenções parentais são as mais eficazes para melhorar as habilidades motoras, de linguagem, cognitivas e socioemocionais, promovendo o desenvolvimento ideal da primeira infância9.
As intervenções parentais tiveram seu início na década de 60 com a compreensão de que os pais, além de terapeutas e pedagogos, são importantes agentes na modificação de comportamentos indesejáveis de crianças e adolescentes através da modificação de comportamento dos pais. Dessa forma, programas para pais se proliferaram ao longo do tempo, expandindo seu campo de atuação em outras áreas do desenvolvimento infantil para além do desenvolvimento comportamental10.
As intervenções parentais são programas heterogêneos desenvolvidos com o objetivo de melhorar o desenvolvimento infantil, principalmente na primeira infância, através da capacitação dos principais cuidadores. Os programas possuem componentes variados, podendo atuar na educação parental em desenvolvimento infantil, no fortalecimento da relação pais-filhos, em práticas parentais de brincadeiras e de leitura, no ensino de habilidades socioemocionais e comportamentais e na avaliação da saúde mental dos pais10,11.
Há grande variedade de modelos de intervenção, os quais podem conter diferentes componentes entre si, avaliando um ou mais domínios do desenvolvimento infantil9. De modo geral, há a aplicação de questionários para avaliar o desenvolvimento e as queixas parentais, podendo, nesse momento inicial, associar à avaliação prática da criança. O conteúdo abordado com os pais é entregue através de sessões de acompanhamento com encontros semanais, sendo realizada nova avaliação dos pais e das crianças ao final do treinamento8,10.
Os modelos existentes são bastante variados, divergindo quanto aos componentes avaliados, as faixas etárias, os perfis econômicos dos pais, o modo de coleta de dados, as estratégias de entrega de conteúdo prático e as formas de mensurar resultados imediatos e durante o seguimento. Dessa forma, há dificuldade em avaliar a eficácia entre os diferentes modelos de intervenção9,10. Somado a isso, existem diferenças culturais quanto às práticas parentais tornando um desafio a aplicação em grande escala de um modelo testado em uma comunidade local9.
Abordagens econômicas com foco no desenvolvimento da primeira infância têm sido pauta de medidas de saúde pública com o objetivo de melhorar indicadores de saúde no curto e longo prazo, através da criação de programas que apoiam a primeira infância. Tais práticas têm por base a maior eficácia de reduzir significativamente as doenças crônicas, atuando prioritariamente no pré-natal e na primeira infância em comparação com a fase adulta6,12.
Os principais riscos que ameaçam o desenvolvimento de uma criança, tais como os nutricionais, os de saúde e os psicossociais, impactam 219 milhões de crianças menores de 5 anos de idade, representando um risco para que não atinjam o seu potencial de desenvolvimento9.
Os modelos de intervenções parentais atuantes na primeira infância desenvolvidos como estratégias sociais e comportamentais se mostraram meios eficazes de alcançar o pleno desenvolvimento infantil10.
Diante da diversidade populacional sobre as quais as intervenções parentais são aplicadas, da heterogeneidade dos modelos existentes, associada aos diferentes contextos ambientais e sociais9, é necessário estratificar os componentes dos principais modelos de intervenção existentes com avaliação dos resultados.
Este trabalho é uma revisão de literatura dos artigos mais atuais que sintetizará as intervenções parentais com foco em descompactar as informações sobre como as intervenções são realizadas e sobre quais domínios do desenvolvimento atuaram e quais habilidades parentais são abordadas, facilitando, dessa forma, avaliação comparativa entre os modelos.
Diante do exposto, o estudo teve como objetivo principal identificar intervenções parentais com desfechos que impactaram o desenvolvimento infantil na primeira infância. Além disso, buscou descrever os principais componentes abordados nas intervenções parentais: modelos de intervenção, método de entrega do conteúdo, duração da intervenção e desfechos sobre os domínios do desenvolvimento; e avaliar a eficácia dos modelos de intervenção sobre os domínios do desenvolvimento infantil.
METODOLOGIA
Tipo de estudo
Trata-se de uma revisão de literatura das intervenções parentais que atuaram em pelo menos um domínio do desenvolvimento infantil na primeira infância.
Coleta de dados
Foram aceitos ensaios clínicos randomizados, nos idiomas inglês e português, com texto completo.
Os trabalhos foram obtidos nas bases de dados Embase, Pubmed/Medline. Foram utilizados os seguintes descritores MeSH: "child development", "child behavior", "parenting education". Foi ainda acrescentado à busca o termo "parenting training", sendo utilizada a seguinte estratégia de pesquisa:
- ((Child behavior) OR (child development)) AND ((Parenting education) OR (Parenting training)) para a base PubMed;
- (‘child development'/exp OR ‘child development' OR ‘child behavior'/exp OR ‘child behavior') AND (‘parenting education'/exp OR ‘parenting education' OR ‘parent training'/exp OR ‘parent training') para a base Embase, sendo adicionado o filtro para seleção de artigos somente na plataforma Embase.
Foram adicionados como filtros nas pesquisas a faixa etária de 1 mês de vida até 6 anos e publicações de artigos de 01/01/2018 a 01/11/2022. Dessa busca inicial, foram listados 544 artigos no PubMed e 24 artigos no Embase.
Os critérios de inclusão foram: os ensaios clínicos randomizados com intervenção parental contendo desfecho em pelo menos um domínio do desenvolvimento infantil, crianças com desenvolvimento típico e faixa etária na primeira infância, crianças sob cuidados dos pais biológicos.
Foram utilizados como critérios de exclusão: estudos em período neonatal, estudos que não detalharam o modelo de intervenção.
Trabalhos com faixa etária neonatal apresentaram muitas intervenções com desfecho em outros aspectos fora do desenvolvimento infantil e envolviam crianças com prematuridade, sendo retirados da pesquisa. Trabalhos anteriores aos últimos 5 anos foram retirados para sintetizar as intervenções mais recentes aplicadas.
Foram consideradas como desfecho primário intervenções sobre os domínios do desenvolvimento infantil, e, como desfechos secundários, as intervenções sobre as habilidades parentais.
Os dados extraídos dos ensaios randomizados serão: tipo de estudo, país da intervenção, quem foram os cuidadores que participaram, modo de assistência (individual, grupo ou ambos), local em que foi executada a intervenção (domiciliar, clínicas, hospitais, comunidade), número de participantes da intervenção e do controle, idade das crianças no início da intervenção, forma de entrega do conteúdo (online, presencial), descrição do pré-teste e quem aplicou o instrumento (cuidadores, mediador, professor), duração da intervenção, tempo de acompanhamento, instrumento para medir desfecho e quem aplicou (cuidadores, mediador, professores), quais domínios avaliados (motor, linguagem, cognitivo, socioemocional, comportamento), quais habilidades parentais avaliadas (conhecimento, práticas parentais), e, quando presente, qual nível de qualificação do mediador.
Análise dos dados
Os artigos selecionados em tais bancos de dados serão avaliados pelo checklist CONSORT, sendo extraídas as informações especificadas no método e apresentadas de modo sintetizado em tabela.
Questões éticas
Devido ao fato de esta revisão não ter contato com pessoas, não foi necessária aprovação em comitê de ética.
RESULTADOS
Identificação dos estudos elegíveis
De acordo com o diagrama de fluxo do PRISMA (Figura 1), a pesquisa inicial identificou 568 artigos, resultando em 545 após exclusão dos estudos duplicados. A triagem inicial com leitura de título e resumo levou à retirada de 503 estudos que não atendiam aos critérios de inclusão (não continham intervenção parental, n=8; não é ensaio randomizado, n=2; pais adotivos, n=1; não apresentava no desfecho domínios do desenvolvimento infantil, n=362; desenvolvimento atípico, n=105; idade >6 anos, n=25). Um total de 42 estudos foram elegíveis para leitura de texto após triagem de título e resumo. Por fim, 23 estudos foram excluídos por não apresentarem os critérios de inclusão (não apresentava no desfecho domínios do desenvolvimento infantil, n=12; desenvolvimento atípico, n=6; idade >6 anos ou <1 mês de vida, n=3; trabalhos em andamento sem resultados finais, n=2). Finalmente, 19 estudos foram elegíveis para a revisão.
Descrição da população e do estudo
A quantidade total de participantes cuidador-criança nessa revisão foi de 5.794 nos 19 artigos incluídos, conforme descrito no Quadro 1. Os estudos foram publicados entre 2017 e 2022. A população está distribuída em 10 países, contemplando todos os continentes, América do Norte, n=613-18; América do Sul, n=319-21; Europa, n=122; África, n=523-27; Ásia, n=228,29; Oceania, n=230, 31.
As intervenções foram realizadas entre a faixa etária de 1 mês até 72 meses de idade, sendo 13 dos 19 estudos, em menores de 48 meses. Os cuidadores convidados para participar dos estudos, em sua maioria, eram compostos pelas mães.
Todos os artigos foram ensaios clínicos randomizados controlados simples-cego. Os estudos realizaram a entrega da intervenção predominantemente de modo presencial, com apenas 1 estudo online16.
Houve 7 estudos com aplicação individual, 6 estudos com aplicação em grupo e 4 aplicações em modelo híbrido, ou seja, parte da intervenção individual e parte em grupo e 1 estudo com aplicação da intervenção na modalidade em grupo e individual15.
O tempo de duração das intervenções variou de 2 semanas até 54 semanas. A periodicidade dos encontros variou de acordo com a estratégia adotada conforme Quadro 2. Somente 2 artigos não fizeram aplicação de pré-teste, utilizando apenas pós-teste14,17.
Descrição das intervenções parentais
As características das intervenções parentais estão descritas nos Quadros 2 e 3. Todas as intervenções têm como objetivo atuar sobre o desenvolvimento infantil através do aprimoramento das habilidades parentais.
De modo geral, as intervenções tiveram resultados satisfatórios sobre os domínios do desenvolvimento infantil quando comparadas ao grupo-controle.
Os estudos realizaram as intervenções parentais através de 3 modelos diferentes, de acordo com o Quadro 2. O modelo de entrega de instruções com feedback da interação criança-cuidador, avaliado em 14 artigos13-15,17-22,25-27,30,31. O modelo de entrega de material com instruções foi avaliado em 5 artigos, sendo 4 presenciais, dos quais 2 forneciam somente material educativo23,28, e 2 que, além do material educativo, realizavam sessões presenciais educativas24,29, e 1 trabalho online, que realizava instruções através de um aplicativo16.
O modelo de feedback, de modo geral, teve resultados satisfatórios sobre o desenvolvimento infantil, conforme Quadro 4. Os domínios mais avaliados foram comportamento e linguagem infantil, através de modelos presenciais.
A avaliação do comportamento infantil foi realizada em 10 dos 14 artigos do modelo de intervenção com feedback. Havighurst et al. (2022)31 obtêm melhoria sobre o comportamento infantil de forma sustentada com 12 meses de seguimento, através de atividade em grupo. O menor tempo de duração da intervenção foi observado em Cova et al. (2019)21, com um mês e meio de duração, entretanto não foi possível avaliar se haveria resposta sustentada por não haver follow-up da população, assim como em Chacko et al. (2017)13, Kohlhoff et al. (2020)30, O'Farrelly et al. (2021)22. O menor tempo de duração da intervenção parental foi de duas semanas, sendo avaliado por Stuckelman et al. (2022)18, porém apresenta problemas em sua metodologia.
Mendelsohn et al. (2018)14 avaliam o comportamento infantil no modelo de feedback, evidenciando que intervenções que são aplicadas na faixa etária 0-3 anos e 3-5 anos apresentam, ambas, efeitos sobre melhora no comportamento infantil, porém são observados tamanho de efeito pequeno a médio, quando são realizadas intervenções em ambas as faixas etárias.
No modelo de feedback, a linguagem foi avaliada em 8 dos 14 artigos, com resultados satisfatórios em todos os trabalhos, exceto em Alvarenga et al. (2019)20, que realizou intervenção na faixa etária de 3-10 meses sem seguimento follow-up, avaliando possibilidade de não ter obtido resultados satisfatórios por não ter tido tempo suficiente para seguimento e poder observar melhores desfechos. Roby et al. (2021)17 realizam intervenção em lactentes, 1-6 meses, obtendo resultados satisfatórios sobre a linguagem infantil, com tempo de seguimento semelhante ao estudado por Alvarenga et al. (2019)20.
O modelo de entrega de material com instruções somente com material educativo23,28 não teve resultados sobre a maioria dos domínios avaliados. As intervenções que, além da entrega do material educativo, realizavam sessões presenciais educativas, obtiveram resultados em todos os domínios avaliados. Abimpaye et al. (2019)24 e Shi et al. (2020)29 obtiveram resultados em 2 dos 5 domínios avaliados.
No único ensaio online, de Breitenstein et al. (2020)16, a intervenção foi entregue através de aplicativo de celular, no qual havia vídeos de treinamento para aquisição de habilidades parentais, vídeos sugerindo como interagir com a criança, além de exercícios para fixação do conteúdo, cujo objetivo era melhorar o comportamento infantil e aprimorar habilidades parentais, entretanto não apresentou resultados significativos em ambos.
DISCUSSÃO
Foi avaliado neste trabalho o efeito das intervenções parentais em obter efeitos benéficos sobre os domínios do desenvolvimento infantil na primeira infância. Conforme já discutido em revisões anteriores9,32, foi possível observar. em nossa revisão. tamanho de efeito. pequeno a médio. sobre todos os domínios do desenvolvimento infantil com o aprimoramento das habilidades parentais. As amostras foram selecionadas em espaços de perfil econômico vulnerável, embora a pesquisa tenha sido realizada em país desenvolvido.
A escolha de intervir nas práticas parentais, mesmo que os cuidadores principais não sejam os pais, tem foco nos vínculos afetivos relacionados à criança33. Através do aprimoramento das habilidades parentais, foi possível obter melhorias no desenvolvimento infantil, sendo verificadas limitações nos trabalhos que não realizaram avaliação objetiva das habilidades dos pais e os que não forneceram intervenção na saúde mental dos cuidadores, variável intrinsecamente relacionada ao desenvolvimento infantil, principalmente em menores de 3 anos de idade34.
Observamos melhores resultados nas intervenções presenciais com instruções e feedback da interação cuidador-criança, em detrimento de intervenções com menos interatividade. Alinhando estudos da literatura que corroboram efeitos benéficos somados com a combinação de estratégias de intervenções35. Em contextos de recursos limitados, impossibilidade de intervenção presencial, houve algum benefício se comparado a nenhuma estratégia36.
Houve predomínio de estudos em pré-escolares, com revisão sistemática com metanálise corroborando resultados robustos de intervenções nessa faixa etária, carecendo de mais estudos em faixa etária maior. Em nosso estudo, Mendelsohn et al. (2018)14 avaliaram se haveria diferença entre intervenções realizadas em faixa etária mais precoce (<3 anos) e faixa etária mais tardia (>3 anos), não evidenciando diferença entre ambas, porém verificando melhores resultados quando as intervenções ocorrem em ambas as faixas etárias, efeito dose-cumulativa.
Limitações
A heterogeneidade das intervenções, quanto a conteúdos, escalas, faixa etária, modelos de intervenção, dificulta a análise comparativa entre os estudos. A avaliação não padronizada das crianças no início das intervenções, com alguns questionários sendo aplicados pelos próprios pais, conferiu viés de aferição. Embora apresentem resultados sobre o desenvolvimento infantil, nenhum dos artigos avaliados obteve resultados com tamanho de efeito grande sobre os domínios do desenvolvimento infantil, sendo necessários mais estudos com construção de modelos que possam obter maior eficácia.
CONCLUSÃO
As intervenções parentais, através do ensino de habilidades e da estimulação de práticas de interação dos cuidadores com as crianças, atuam melhorando e estimulando o desenvolvimento infantil em seus 5 domínios, durante a primeira infância, utilizando leitura compartilhada, brincadeiras e jogos como estratégias de intervenções.
Através de três modelos principais de intervenções parentais: modelo com feedback da interação cuidador-criança, modelo de entrega de material educativo e modelo de instrução online; os melhores resultados foram obtidos nos modelos com maior interação da criança com os cuidadores e dos cuidadores com os mediadores das atividades, bastando que o mediador recebesse capacitação para essa função, mesmo sem nível superior.
O comportamento infantil obteve melhorias somente no modelo de feedback da interação, sendo um fator imprescindível que, além de ser necessário o ensino das habilidades e práticas parentais, também haja o feedback para os pais da atividade supervisionada, corrigindo e sugerindo melhorias na interação. A linguagem, nos modelos de feedback e no modelo de entrega de material, obteve resultados satisfatórios com estimulação precoce desde um mês de vida, mostrando a importância das intervenções desde a fase dos lactentes para resultados em faixa etária posterior.
É essencial que a avaliação da saúde mental dos cuidadores seja realizada em todas as intervenções, pois as práticas parentais necessitam de cuidadores saudáveis como pré-requisito.
A heterogeneidade dos conteúdos e das intervenções dificulta uma avaliação mais detalhada das diversas variáveis envolvidas na intervenção. São necessários mais estudos com aplicação de modelos de intervenções que se mostraram mais eficazes, com variáveis mais homogêneas, com finalidade de aprimorar os resultados sobre o desenvolvimento infantil.
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1. Hospital Infantil Albert Sabin, Pediatria Geral - Fortaleza - Ceará - Brasil
2. Iprede, Programa de comportamento e desenvolvimento infantil - Fortaleza - Ceará - Brasil
Endereço para correspondência:
Karine Saraiva da Silva
Hospital Infantil Albert Sabin, Pediatria Geral - Fortaleza - Ceará - Brasil
R. Tertuliano Sales, 544 - Vila União
Fortaleza - CE, 60410-794
E-mail: karine.saraiva.ks@gmail.com
Data de Submissão: 23/10/2023
Data de Aprovação: 13/08/2024