ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2017 - Volume 7 - Número 2

Urticária aguda como manifestação de infecções virais na infância

Acute urticaria as a manifestation of viral infections in childhood
Urticaria aguda como manifestación de infecciones virales en la infancia

RESUMO

OBJETIVO: Relatar série de casos de urticária aguda associada a infecções virais.
MATERIAL E MÉTODOS: Relato de série de casos de crianças com diagnóstico de urticária aguda associada a infecções virais e revisão da literatura.
RESULTADOS: Foram avaliados sete pacientes, sendo três do genêro feminino, com idade média de 3 anos. Três pacientes apresentaram lesões urticariformes, sem outros sintomas associados. Os demais pacientes apresentaram quadro prévio característico de infecção de vias aéreas superiores. Todos foram avaliados em serviço de emergência, medicados com anti-histamínicos e referenciados para avaliação por especialista em alergia e imunologia. O período de remissão da urticária variou entre 5 a 15 dias. Na investigação diagnóstica, duas crianças apresentaram sorologia IgM reativa para Parvovírus B19, três apresentaram sorologia IgM reativa para vírus de Epstein Barr (EBV), uma apresentou IgM reativa para EBV e para vírus Herpes simplex I e II e uma apresentou IgM reativa para Herpes simplex I e II.
CONCLUSÃO: A urticária aguda é uma doença comum na infância, sendo a história clínica e o exame físico detalhados essenciais para o seu diagnóstico etiológico. O pediatra deve estar atento aos principais fatores desencadeantes, entre eles, as infecções virais.

Palavras-chave: urticária, criança, viroses.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To report serial cases of acute urticarial associated with viral infections.
MATERIAL AND METHODS: Serial report cases of children diagnosed with acute urticaria associated with viral infections and literature review.
RESULTS: Seven patients were evaluated, three of them female, with an average age of 3 years. Three patients had urticarial lesions, without other associated symptoms. The remaining patients presented a previous characteristic of upper airways. All were evaluated in emergency service, medicated with antihistamines and referenced for evaluation by specialist in allergy and immunology. The urticaria remission period ranged from 5 to 15 days. In the diagnostic investigation, two children presented reactive IgM for Parvovirus B19, three presented reactive IgM for Epstein Barr virus (EBV), one presented reactive IgM for EBV and for Herpes Simplex virus I and II, and one had reactive IgM for Herpes Simplex I and II.
CONCLUSION: Acute urticaria is a commom childhood disease with detailed clinical history and physical examination essential for the etiological diagnosis. The pediatrician should be aware of the main triggering factors, including viral infections.

Keywords: urticaria, child, viruses.

RESUMEN

OBJETIVO: Relatar serie de casos de urticaria aguda asociada a infecciones virales.
MATERIAL Y MÉTODOS: Relato de serie de casos de niños con diagnóstico de urticaria aguda asociada a infecciones virales y revisión de la literatura.
RESULTADOS: Se evaluaron siete pacientes, siendo tres del género femenino, con edad media de 3 años. Tres pacientes presentaron lesiones urticariformes, sin otros síntomas asociados. Los demás pacientes presentaron cuadro previo característico de infección de vías aéreas superiores. Todos se evaluaron en servicio de emergencia, medicados con antihistamínicos y referenciados para evaluación por experto en alergia e inmunología. El periodo de remisión de la urticaria varió entre 5 a 15 días. A la investigación diagnóstica, dos niños presentaron serología IgM reactiva para Parvovirus B19, tres presentaron serología IgM reactiva para virus de Epstein Barr (EBV), una presentó IgM reactiva para EBV y para virus Herpes simplex I y II y una presentó IgM reactiva para Herpes simplex I y II.
CONCLUSIÓN: La urticaria aguda es una enfermedad común en la infancia siendo el historial clínico y el examen físico detallados esenciales para su diagnóstico etiológico. El pediatra debe estar atento a los principales factores desencadenantes, entre ellos las infecciones virales.

Palabras-clave: urticaria, niño, virosis.


INTRODUÇÃO

A urticária é uma manifestação clínica comum na infância, caracterizada por lesões papulosas, de tamanho variável, eritematosas, pruriginosas e às vezes com sensação de queimação, de natureza efêmera, com a pele retornando ao aspecto normal, geralmente em uma a 24 horas1. A urticária é classificada como aguda quando apresenta duração dos sintomas menor do que seis semanas e crônica com duração maior de seis semanas. Os episódios da urticária aguda em crianças são geralmente leves e autolimitados2.

A urticária aguda é o tipo mais comum na infância. Pode estar ou não associada à angioedema, que é caracterizado pelo edema do tecido subcutâneo predominantemente palpebral e labial, podendo acometer outras membranas mucosas. A remissão ocorre em até 72 horas. Pode haver a evolução do quadro de urticária para uma reação anafilática em alguns casos, quando outros sistemas, como o cardiovascular, respiratório e/ou trato gastrointestinal também são acometidos, devendo o médico estar atento para essa possibilidade.

A urticária aguda na infância pode ser desencadeada por inúmeros fatores como: alimentos, medicamentos, picadas de insetos, contrastes, estímulos físicos e infecções (virais, bacterianas, parasitárias e fúngicas), embora em muitos casos sua identificação não seja possível. Há relatos de 79,5% dos casos de urticária aguda relacionada à infecção viral3. Em crianças as infecções associadas à urticária aguda mais comuns são causadas pelo herpes vírus, enquanto nos adultos são os vírus da hepatite3. O tratamento da urticária aguda é sintomático e da doença de base quando identificada.

O objetivo deste artigo é relatar uma série de casos de urticária aguda associada a infecções virais causados por vírus Epstein Barr, vírus Herpes simplex e Parvovírus B19.


MÉTODOS

Foi realizado um estudo retrospectivo e descritivo de crianças atendidas em consultório privado na especialidade de alergia e imunologia, na cidade do Rio de Janeiro. Foram analisados os prontuários dos pacientes com diagnóstico de urticária aguda associada a infecções virais com diagnóstico sorológico, atendidos no período de janeiro de 2013 a janeiro de 2016. Os dados avaliados foram: idade, gênero, história prévia à urticária de doenças agudas e uso de medicamentos, sintomas associados, presença de angioedema, tratamento da urticária e tempo de evolução da doença.


RESULTADOS

Foram avaliados sete pacientes, três do gênero feminino, com idade média de 3 anos (2 a 7 anos). Quanto à história de doença prévia ao início do quadro, quatro pacientes apresentavam quadro característico de infecção de vias aéreas superiores.

Não havia relato de vacinação ou uso de medicamentos em nenhum dos casos. Os pacientes não apresentaram associação com angioedema.

Todos foram atendidos em serviço de emergência, medicados com anti-histamínicos e referenciados para avaliação pelo especialista em alergia e imunologia. O período de remissão do quadro de urticária variou de 5 a 15 dias. Todos os pacientes foram submetidos a anamnese minuciosa, exame físico geral e aos exames complementares: hemograma completo, proteína C reativa, velocidade de hemossedimentação, dosagem de imunoglobulinas (IgG, IgM, IgA e IgE total), fator antinuclear, testes para função renal e hepática, sorologias IgM e IgG para vírus Epstein Barr (EBV), Parvovírus B19, Citomegalovírus (CMV), Herpes simplex I e II, Herpes tipo 6 e sorologias para hepatite A, B e C, exame de urina e fezes (parasitológico de fezes três amostras).

A avaliação laboratorial demonstrou que duas crianças apresentaram sorologia IgM reativa para Parvovírus B19, três apresentaram sorologia IgM reativa para EBV, uma apresentou IgM reativa para EBV e IgM reativa para Herpes Simplex I e II e uma apresentou IgM reativa para Herpes Simplex I e II. Apenas um paciente apresentou urticária aguda recorrente (Tabela 1).




DISCUSSÃO

A urticária aguda acomete 15 a 25% da população em algum momento da vida5, mas estima-se prevalência entre 2,1 e 6,7% em crianças e adolescentes6. A urticária pode ser desencadeada por reações imunológicas e não imunológicas. A urticária aguda frequentemente é causada por mecanismo alérgico, mediado pela imunoglobulina E. Quando um alérgeno ativa mastócitos e basófilos da pele previamente sensibilizados (com IgE específico ao alérgeno em questão fixada em suas membranas), ocorre liberação de mediadores vasoativos (histamina, leucotrienos e prostaglandinas), que causam dilatação capilar levando ao eritema, reflexos nervosos axonais com aumento da permeabilidade capilar e consequente formação da pápula. Nas reações não imunoalérgicas, estão envolvidos produtos resultantes da ativação de mastócitos mediada pela imunidade inata ou por ativação direta dessas células, sem a participação de alérgenos e IgE6.

A urticária crônica pode ser a manifestação inicial de doenças sistêmicas crônicas ou de fenômeno de autoimunidade, em que a ativação dos mastócitos depende de autoanticorpos e fragmentos do sistema complemento ativado. Também há relatos de que infecções bacterianas e parasitárias podem ser sua causa primária4.

Na infância é comum a associação da urticária aguda a alimentos e/ou medicamentos, levando frequentemente a restrições alimentares e suspensão das medicações. Estas possibilidades foram afastadas nos casos relatados na anamnese. A identificação do fator causal é importante no manejo e no prognóstico. Há relatos de 37 a 58% dos casos de urticária aguda relacionada às infecções, principalmente infecções do trato respiratório superior, mas infecções do trato gastrointestinal e urinário também foram relatadas3,7. Nesta série, apenas quatro das sete crianças apresentaram sintomas de infecções do trato respiratório superior antes do aparecimento das lesões, o que chama a atenção para a possibilidade de causa infeciosa, mesmo na ausência de manifestações clínicas sugestivas.

Os herpes vírus incluem: herpes vírus simples 1 e 2, herpes vírus tipo 6, vírus Epstein Barr e Citomegalovírus.

O vírus herpes pode alternar forma latente e reativação tanto na primo-infecção assim como na reativação da infecção, podendo estar associado a urticária aguda ou urticária aguda recorrente5. Cinco casos foram associados a infecções pelos herpervírus (EBV e Herpes simplex I e II). Mareri et al.5 avaliaram 37 crianças com urticária e 37 crianças saudáveis e, por meio de exames laboratoriais, confirmaram a associação da urticária aguda com a infecção pelo vírus herpes.

Os vírus mais associados na infância são: Citomegalovírus, Herpes vírus tipo 6 e Epstein Barr enquanto nos adultos são os vírus da hepatite4. Outros vírus também devem ser lembrados, como: Adenovírus, Vírus sincicial respiratório, rotavírus, Parvovírus B19 e os vírus da Hepatite A, B e C7. Quando ocorre a remissão da infecção, os sintomas cutâneos também tendem a remitir.

Várias hipóteses foram propostas a fim de explicar a associação das infecções virais e urticária: Chin et al. e Arias-Santiago et al. sugeriram uma reação cruzada entre IgM e IgG viral com a IgE dos mastócitos, favorecendo a degranulação dos mastócitos e o aparecimento das placas urticariformes4. Entretanto, Leiste et al. e Griffin et al. sugeriram imunocomplexos circulantes e ativação do complemento estimulando a produção de aminas vasoativas e ativação do complemento pelos basófilos, aumentando a permeabilidade vascular4. Embora sejam sugeridos vários mecanismos patogênicos, o papel exato da infecção no desencadeamento da urticária ainda não está claro.

Infecções bacterianas por Helicobacter pylori, Streptococcus spp., Staphylococcus spp., Mycoplasma pneumoniae, Salmonella spp., Chalamydia pneumoniae, Brucella spp., Borrelia, Yersinia enterocolitica e Mycobacterium leprae devem ser lembradas como causas potenciais de urticária8.

É importante a realização de uma história clínica detalhada e exame físico, para direcionar a necessidade de exames complementares. A urticária aguda geralmente é autolimitada e raramente é necessária alguma outra investigação. Estes pacientes foram investigados porque foram encaminhados por pediatras para o especialista a fim de avaliar as possíveis causas.

O tratamento da urticária é baseado na remoção do agente causal, quando desencadeada por alimento ou medicamento específicos e na medicação sintomática. Os anti-histamínicos de segunda geração são o tratamento de primeira escolha, sendo que associações a outros medicamentos podem ser necessárias em casos refratários.

Notamos que, apesar dos anti-histamínicos de segunda geração serem a primeira opção terapêutica, 85% dos pacientes foram medicados na emergência com antihistamínico de primeira geração, o que está em desacordo com as diretrizes atuais sobre o tratamento da urticária, que contraindicam o uso de anti-histamínicos de primeira geração pelo seu efeito sedativo e diminuição da função cognitiva9,10.

Todos os pacientes foram medicados com antihistamínicos na emergência e liberados com prescrição para casa, mas em nenhum caso foi prescrito corticosteroide, que podem ser indicados para uso por períodos curtos, em casos de urticária aguda refratária ao manejo inicial ou quando está associada ao angioedema desde o início.


CONCLUSÃO

A urticária ainda é um desafio para pediatras e alergistas. É uma doença comum na infância, sendo a história clínica e o exame físico detalhados essenciais para o seu diagnóstico etiológico. O pediatra deve estar atento aos principais fatores desencadeantes, entre eles as infecções virais, cujas manifestações clínicas podem estar claramente presentes na anamnese.


REFERÊNCIAS

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10. Pastorino AC. Revisão sobre a efícacia e segurança dos anti-histamínicos de primeira e segunda geração. Rev Bras Alerg Imunopatol. 2010;33(3):88-92.










1. Médica Residente em Pediatria do Hospital Central do Exército. - Residente em Pediatria do Hospital Central do Exército, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Mestranda da Pós-Graduação em Ciências Médicas - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. - Médica Alergista e Imunologista do Hospital Municipal Jesus, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3. Mestrado em ciências médicas na Universidade Federal do Rio de Janeiro. - Médica Alergista e Imunologista do Hospital Universitário Pedro Ernesto e Policlínica Piquet Carneiro/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
4. Médica Alergista e Imunologista do Hospital Universitário Pedro Ernesto e Policlínica Piquet Carneiro/Universidade do Estado do Rio de Janeiro. - Médica Alergista e Imunologista do Hospital Universitário Pedro Ernesto e Policlínica Piquet Carneiro/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
5. Doutorado em Ciências Médicas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. - Chefe do Serviço de Alergia e Imunologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto e Policlínica Piquet Carneiro/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência:
Priscilla Filippo Alvim de Minas Santos
Avenida Rio Branco, nº 185, Sala 429, Centro
Rio de Janeiro, RJ. Brasil. CEP: 20040-007
E-mail: pri.80@globo.com

Data de Submissão: 29/11/2016
Data de Aprovação: 05/02/2017